4 NATUREZA DA RESPONSABILDIADE JURÍDICA DOS AGENTE SPÚBLICOS EM SEDE DE TOMADA DE CONTAS ESPECIAL FRENTE AO TRIBUNAL DE CONTAS DA UNIÃO
No capítulo anterior, foi abordado o conceito de responsabilidade civil, penal e administrativa, bem como as peculiaridades do instituto. No capítulo final da presente monografia discorre-se, inicialmente, acerca do Tribunal de Contas e sua natureza, função e particularidades. Outrossim, para concluir o trabalho, aborda-se a natureza jurídica da responsabilidade que recai sobre os agentes públicos frente ao Tribunal de Contas da União, quando do mau uso dos recursos públicos.
4.1 TRIBUNAL DE CONTAS
O Tribunal de Contas tem trajetória peculiar no direito brasileiro. A Constituição Imperial não tratava da tal Corte, no entanto, previa a apresentação dos orçamentos à Câmara dos Deputados. A primeira Constituição republicana, de 1891, previu expressamente a criação de um Tribunal de Contas para liquidar as contas da receita e despesa e verificar sua legalidade, antes de serem prestadas ao Congresso, sendo que demais Constituições foram, gradativamente, ampliando a competência fiscalizadora desta Corte.
Sua composição assemelha-se à dos Tribunais, sendo um órgão composto por nove membros, que recebem a designação de Ministros. Para a investidura nesses cargos, imprescindível idade entre 35 e 65 anos de idade, idoneidade moral e reputação ilibada, disposição de notórios conhecimentos jurídicos ou contábeis, econômicos, financeiros ou de administração pública e que se tenha mais de dez anos de exercício de função ou efetiva atividade profissional exigente da espécie de conhecimentos referido, conforme artigo 73 e parágrafo 1º, da Constituição Federal de 1988.
O Tribunal de Contas é órgão auxiliar do Poder Legislativo, Executivo e Judiciário. Nessa condição, ele auxilia o Legislativo no controle externo, fornecendo-lhe informações, pareceres e relatórios sobre as contas dos agentes.
Cabe a este órgão auxiliar a Administração e o Judiciário na autotutela da legalidade e no controle interno, orientando a atuação destes poderes e controlar os responsáveis por bens e valores públicos.
O artigo 70, da Constituição Federal de 1988 dispõe que ao Congresso compete realizar controle externo da Administração direta e indireta, exercendo fiscalização contábil, financeira, orçamentária, patrimonial e operacional, quanto à legalidade, legitimidade, economicidade, aplicação das subvenções e renúncias de receias, para o quê contará com o auxílio do tribunal de Contas da União (artigo 71). São amplíssimas [...] as competências fiscalizadoras da Corte de Contas (MELLO, 1998, p.167-8).
Meirelles (2003, p.674) explica que as principais funções dos Tribunais de Contas, também denominado Corte de Contas, se inserem no controle externo da administração financeira, orçamentária e de gestão fiscal. São "órgãos independentes, mas auxiliares dos Legislativos e colaboradores dos Executivos".
Continua ensinando o autor que as atividades dos Tribunais de Contas do Brasil traduzem-se basicamente em funções técnicas opinativas, verificadoras, assessoradoras e jurisdicionais administrativas, desempenhadas simetricamente, tanto pelo Tribunal de Contas da União quanto pelos dos Estados-membros, do Distrito Federal e dos Municípios que os tiverem.
Medauar (2003 apud Fernandes 2004) explica que se a sua função é de auxiliar o Legislativo, em razão das próprias normas da constituição, é de órgão independente, desvinculado da estrutura de qualquer dos três poderes.
A competência funcional do tribunal de Contas da União está prevista no artigo 71, seus incisos e parágrafos da Constituição Federal de 1988:
Artigo 71: [...]; II - julgar as contas dos administradores e demais responsáveis por dinheiros, bens públicos da administração direta e indireta, incluídas as fundações e sociedades instituídas e mantidas pelo Poder Público federal, e as contas daqueles que derem causa a perda, extravio ou outra irregularidade de que resulte prejuízo ao Erário Público.
Nesse sentido, Fernandes (2004, p.29), discorre que "o julgamento em matéria de contas especiais, é privativo dos Tribunais de Contas. Não pode ser delegado, transferido ou diminuído por lei ou qualquer ato normativo, nem mesmo regimental, das próprias Cortes".
O Tribunal de Contas é um tribunal administrativo, cuja função é auxiliar os poderes Legislativo, Executivo e Judiciário. Suas decisões fazem coisa julgada administrativa, não podendo mais ser objeto de discussão na esfera da Administração Pública, salvo no aspecto atinente à legalidade da decisão, quando o Poder Judiciário poderá apreciá-la.
Embora alguns autores entendam que o Tribunal de Contas exerça função jurisdicional, não pelo termo "julgamento" no texto da Constituição Federal de 1988, mas pelo sentido de definitividade da manifestação da Corte de Contas.
4.2 SISTEMA DE CONTROLE DOS ATOS DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA
A noção de controle adentra a teoria do Estado a partir da assunção do paradigma do Estado de Direito, que consagra, entre os seus pilares, as idéias de separação de funções estatais e do controle do poder político, como formas de garantia das liberdades individuais, direitos de primeira geração. A noção subjacente é a do exercício limitado do Poder.
Faz-se necessário o controle do Poder, como modo de evitar o exercício abusivo, esta é a noção trabalhada por John Locke e Charles Montesquieu. A partir daí, agregam-se historicamente ao Estado de Direito os ideários republicanos e democráticos, emergindo noções como: coisa pública e participação popular, patrimônio público e controle social.
A constitucionalização da democracia é, para Ferraz e Dallari (2001), a tônica do direito administrativo moderno, o direito administrativo participativo. Referido autor explica que desde a declaração dos direitos do homem e do cidadão de 1789, estava previsto que a sociedade teria direito de pedir contas aos seus agentes públicos.
Continuando ensinando que a Constituição Federal de 1988 é benfazeja, no sentido de fomentar a participação da sociedade no controle das funções estatais, seja por intermédio de instrumentos que provocam controles tradicionais, seja por intermédio da participação direta da sociedade.
A Constituição Federal de 1988 prevê controle pela própria administração, o chamado autocontrole, a existência de órgãos de controle interno que devem trabalhar conjuntamente com os órgãos de controle externo na avaliação e na fiscalização da atividade financeira, orçamentária, patrimonial e operacional do Estado, prevê controle pelo Ministério Público, por intermédio de ações e de inquéritos civis públicos, para áreas sensíveis como a do patrimônio público, meio ambiente, consumidor.
No âmbito legislativo e judiciário também há controle, ou seja, há uma gama enorme de instrumentos de controle previstos na Constituição Federal de 1988.
4.2.1 Controle Interno
O controle interno é o controle por órgãos da própria Administração Pública, que integram o parelho do Poder Executivo. A sua finalidade é avaliar o cumprimento das metas previstas no plano plurianual, a execução de programas e do orçamento, verificar a legalidade e resultados quanto à eficácia e eficiência da gestão orçamentária, financeira e patrimonial, controlar operações de crédito, avais e garantias, apoiar o controle externo e observar o disposto na Constituição Federal de 1988, pertinente à União, conforme disposto no artigo 74, da Constituição Federal de 1988.
Novaes (2004) denomina o controle interno de intra-órgão, a ele circunscrito, de natureza meramente administrativa, exercida pelos superiores hierárquicos sobre os funcionários encarregados da aplicação de dinheiro público e de executar os programas orçamentários.
4.2.2 Controle Externo
A Constituição Federal de 1988, quando se valeu da expressão controle externo, referiu-se à fiscalização financeira, orçamentária, patrimonial e operacional das entidades da federação que se realiza por intermédio do Poder Legislativo e do Tribunal de Contas.
Os órgãos de controle interno têm, praticamente, as mesmas competências dos órgãos de controle externo, somente a forma de exteriorização e as conseqüências do exercício desse controle é que são diversas, mas em termos de objeto do controle, das matérias sindicadas, são praticamente as mesmas competências deferidas constitucionalmente a ambos esses órgãos.
Nesse norte, Ferraz e Dallari (2001) esclarecem que o controle externo atua no mesmo âmbito do controle interno, nas matérias concernentes à fiscalização financeira, orçamentária, patrimonial e operacional da Administração Pública, conforme está descrito, com todas as letras, no artigo 70, da Constituição Federal de 1988. Tal dispositivo dispõe que essa fiscalização fica a cargo do Congresso Nacional que a realizará mediante controle externo e pelo sistema de controle interno de cada Poder. Ou seja, controle interno e controle externo controlam os mesmos passos no âmbito da Administração Pública.
Insta ressaltar que o controle externo não se esgota no âmbito do Poder Legislativo. O controle externo é subdividido em duas espécies: o chamado "controle diretamente exercido pelo Tribunal de Contas" e o denominado "controle parlamentar indireto".
Ferraz e Dallari (2001) salientam ainda que o Poder Legislativo têm ao seu cargo atividade de legislação e de controle. Ocorre que em determinadas hipóteses, o Poder Legislativo exerce esse controle independentemente da colaboração de qualquer outro órgão estatal, ou seja, o Poder Legislativo, ele próprio, valendo-se de sua estrutura, exerce a atividade de controle.
De outra banda, o aludido autor comenta que este âmbito não esgota a atividade controladora atribuída ao parlamento; ao lado dessa possibilidade, a do controle parlamentar direto, aquele exercido diretamente pelo Poder Legislativo, o Constituinte albergou competências para que o legislativo exercesse outras atividades controladoras, mas prescrevendo-lhe o auxílio do Tribunal de Contas.
Então, numa determinada seara de movimentos da Administração Pública, o Parlamento não exerce por si só o controle, ele exerce o controle com a colaboração, com o auxílio do Tribunal de Contas. É por isso que o artigo 71, da Constituição Federal de 1988, diz que o Controle Externo a cargo do Congresso Nacional será realizado com auxílio do Tribunal de Contas para o qual arrola uma série de competências que são do próprio Tribunal, exclusivas dele.
O Tribunal de Contas, por sua vez, exerce uma série de outras competências, sem qualquer interferência do Poder Legislativo. Reza o artigo 71, inciso II, que compete ao Tribunal de Contas julgar as contas dos administradores e demais responsáveis por bens, dinheiros e valores públicos de todas as esferas. Ou seja, o julgamento de contas é feito pelo Tribunal de Contas, e essa competência nasce do próprio texto constitucional.
4.3 DA DECISÃO DEFINITIVA
Em sede de Tomada de Contas Especial, decisão definitiva é a que julga as contas regulares, regulares com ressalvas ou irregulares. Trata-se de decisão de mérito que aprecia o fato apurado e avalia a conduta do agente frente ao resguardo do Erário, apresentando conseqüências relevantes nas demais esferas jurídicas, seja cível, criminal ou administrativa.
4.3.1 Espécies de Julgamento de Contas pelo Tribunal de Contas da União
O Tribunal de Contas da União, no julgamento das contas, poderá julgar as contas regulares, regulares com ressalva e irregulares (artigo 15, da Lei nº 8.443, de 16 de julho de 1992).
Nos termos do artigo 16, da Lei nº 8.443, de 16 de julho de 1992:
Artigo 16: as contas serão julgadas: I - regulares, quando expressarem, de forma clara e objetiva, a exatidão dos demonstrativos contábeis, a legalidade, a legitimidade e a economicidade dos atos de gestão do responsável; II - regulares com ressalva, quando evidenciarem impropriedade ou qualquer outra falta de natureza formal de que não resulte dano ao Erário; III - irregulares, quando comprovada qualquer das seguintes ocorrências: a) omissão no dever de prestar contas; b) prática de ato de gestão ilegal, ilegítimo, antieconômico, ou infração à norma legal ou regulamentar de natureza contábil, financeira, orçamentária, operacional ou patrimonial; c) dano ao Erário decorrente de ato de gestão ilegítimo ao antieconômico; d) desfalque ou desvio de dinheiros, bens ou valores públicos.
A seguir são apresentados alguns acórdãos que trazem à baila os tipos de julgamento das contas pelo Tribunal de Contas da União.
Nas legislações das diversas esferas de governo, as contas são consideradas como regulares quando expressarem, de forma clara e objetiva, a exatidão dos demonstrativos contábeis, a legalidade e a economicidade dos atos de gestão de responsável.
O citado autor também menciona que o procedimento das contas e a classificação do julgamento nessa tripartite solução foi adotada na Tomada de Contas Especial, muito embora voltada originariamente apenas para o julgamento das contas anuais, apresentando a relevante diferença de que, ao invés de se referir a um exercício financeiro, as contas especiais ficam adstritas a determinado fato.
Exemplo de julgamento das contas pelo Tribunal de Contas da União sobre contas regulares:
Ementa: Tomada de Contas Especial. Acidente de trânsito. Danos ao Erário. Sindicância administrativa concluiu pela culpa do agente. Responsabilidade não caracterizada. Inquérito acolhido apenas como elemento subsidiário. Aplicação da Súmula nº 86, do Tribunal de Contas da União. Contas regulares (Processo nº 012.108/92-8).
De outra banda, devem ser julgadas regulares com ressalvas as contas, quando ficarem evidentes impropriedades ou qualquer outra falta de natureza formal de que não resulte dano ao Erário.
Fernandes (2004, p.378) revela que se enquadram, nessa categoria, as tomadas de contas especiais que demonstrem:
[...] aplicação de recursos na finalidade prevista, com inobservância do prazo de conclusão das obras; ausência de algum documento que, embora destinado a comprovar despesa, não pode ser fornecido, ou foi extraviado, mas é possível atestar a prestação do serviço ou fornecimento por outro meio.
Alguns tribunais têm enquadrado no julgamento de contas regulares com ressalvas fatos em que houve lesão ao Erário, mas não houve má-fé por parte do agente responsável, fazendo do animus motivo para a descaracterização da irregularidade. Em outros julgamentos, ainda, quando não identificada à autoria do evento danoso, as contas têm tido o mesmo julgamento. Fernandes (2004), no entanto, explica que essa não é a melhor exegese a ser aplicada. No seu pensar:
Enquadram-se como contas regulares com ressalvas aquelas em que não restou dano ao Erário; não houve desfalque ou alcance; a matemática das contas fecha; a contabilidade apresenta-se regular. Essas contas só não são regulares porque o agente não seguiu, rigorosamente, todo o formalismo da comprovação de despesa, tendo violado norma considerada, no caso, meramente formal. (FERNANDES, 2004, p.378).
A questão permanece controvertida, inclusive no âmbito do Supremo Tribunal Federal:
Ementa: mandado de segurança. Morte de um dos impetrantes. Impossibilidade de habilitação de herdeiros, facultado o uso das vias ordinárias. Extinção sem julgamento de mérito. Tomada de Contas Especial perante o Tribunal de Contas da União. Lei nº 8.443, de 16 de julho de 1992. Norma especial em relação à Lei nº 9.784, de 29 de janeiro de 1999. Decadência, inocorrência. Imposto de renda sobre juros de mora decorrentes de atraso no pagamento de vencimentos. Devolução de valores que, retidos na fonte indevidamente pela unidade pagadora, foram restituídos pela mesma no mês seguinte. Dúvida quanto à interpretação dos preceitos atinentes à matéria. Segurança concedida. 1. O mandado de segurança não admite a habilitação de herdeiros em razão do caráter mandamental do writ e da natureza personalíssima do direito postulado. Precedentes [...]. 2. O processo de Tomada de Contas Especial instaurado perante o Tribunal de Contas da União é regido pela Lei nº 8.443, de 16 de julho de 1992, que consubstancia norma especial em relação à Lei nº 9.784, de 29 de janeiro de 1999. Daí porque não se opera, no caso, a decadência administrativa. 3. A reposição, ao erário, dos valores percebidos pelos servidores torna-se desnecessária, nos termos do ato impugnado, quando concomitantes os seguintes requisitos: "a) presença de boa-fé do servidor; b) ausência, por parte do servidor, de influência ou interferência para a concessão da vantagem impugnada; c) existência de dúvida plausível sobre a interpretação, validade ou incidência da norma infringida, no momento da edição do ato que autorizou o pagamento da vantagem impugnada; d) interpretação razoável, embora errônea, da lei pela Administração". 4. A dúvida na interpretação dos preceitos que impõem a incidência do imposto de renda sobre valores percebidos pelos impetrantes a título de juros de mora decorrentes de atraso no pagamento de vencimentos é plausível. A jurisprudência do Tribunal Superior do Trabalho não é pacífica quanto à matéria, o que levou a unidade pagadora a optar pela interpretação que lhe pareceu razoável, confirmando a boa-fé dos impetrantes ao recebê-los. 5. Extinto o feito sem julgamento do mérito quanto ao impetrante falecido, facultado o uso das vias ordinárias por seus herdeiros. Ordem concedida aos demais.
A respeito de contas regulares com ressalvas, assim decidiu o Tribunal de Constas da União:
Ementa: Tomada de Contas Especial. Prestação de contas parcial. Aprovação integral das contas em sede de Tomada de Contas Especial. Contas regulares com ressalvas. A aprovação integral das contas do responsável em sede de Tomada de Contas Especial enseja o julgamento pela regularidade com ressalvas (Processo nº 000.541/2008-6).
Na ocasião, a referida Tomada de Contas Especial foi instaurada em virtude de não ter havido prestação de contas, porém, o responsável, depois de citado para apresentar suas alegações de defesa ou recolher o débito apontado, demonstrou satisfatoriamente que o montante apontado guardava total coerência com a movimentação financeira realizada e o objeto do convênio. Por este motivo, não há débito a ser imputado ao responsável, cabendo-lhe dar quitação plena.
No entanto, o relator entendeu que a intempestividade da conduta do responsável, que só prestou contas de forma integral após a instauração da Tomada de Contas Especial, impõe o julgamento das contas com ressalvas (Processo nº 000.541/2008-6).
Respeitante à irregularidade das contas em sede de Tomada de Contas Especial, tem-se o disposto na Lei Orgânica do Tribunal de Contas da União (Lei nº 8.443, de 16 de julho de 1992), quando comprovadas quaisquer das ocorrências:
Artigo 16: as contas serão julgadas: [...]; III - irregulares, quando comprovada qualquer das seguintes ocorrências: a) omissão no dever de prestar contas; b) prática de ato de gestão ilegal, ilegítimo, antieconômico, ou infração à norma legal ou regulamentar de natureza contábil, financeira, orçamentária, operacional ou patrimonial; c) dano ao erário decorrente de ato de gestão ilegítimo ao antieconômico; d) desfalque ou desvio de dinheiros, bens ou valores públicos.
Em acórdão unânime, assim decidiu o Tribunal de Contas da União, numa situação de irregularidade por dano ao Erário, inabilitando os responsáveis para o exercício do cargo em comissão ou função comissionada na Administração Pública:
Ementa: Tomada de Contas Especial. Servidor público. Criação de benefício de pensão fictício, para proveito pessoas. Fraude comprovada. Citação. Revelia. Irregularidade das contas. Débito. Multa. Inabilitação para o exercício de cargo em comissão. Julgam-se irregulares, com condenação ao pagamento de débito e multa, as contas daqueles que perpetram fraude em prejuízo do Erário [...] (Processo nº 005.615/2006-8).
Na decisão em tela houve o julgamento das contas como irregulares com a imputação de débito e multa, decisão que tem eficácia de título executivo extrajudicial, conforme o artigo 71, parágrafo 3º, da Constituição Federal de 1988, o que confere à dívida a liquidez e certeza.
Por omissão no dever de prestar contas:
Ementa: Tomada de Contas Especial. Convênio. Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação - FNDE. Prefeitura Municipal de Simolândia/GO. Omissão na prestação de contas. Alegações de defesa já rejeitadas. Não comprovação do recolhimento da importância devida. Contas irregulares. Débito. Inclusão do nome do responsável no Cadastro Informativo de Créditos não Quitados do Setor Público Federal - CADIN (Processo nº 349.010/1993-5).
Por irregularidades na área de licitação e contratos:
Ementa: Prestação de Contas. Instituto Nacional do Seguro Social - INSS. Exercício de 1991. Embargos de declaração opostos a acórdão que negou provimento a recurso de reconsideração que manteve os termos do acórdão que julgou as contas irregulares e aplicou multa ao responsável, em razão de irregularidades na área de licitação e contratos, perda de receita previdenciária resultante de autorização para cobrança de diferenças entre os valores arrecadados e os pagos na rede bancária, e concessão de parcelamentos de débitos sem a verificação da real situação das empresas. Ausência de omissão, contradição ou obscuridade. Conhecimento. Embargos rejeitados (Processo nº 015.152/1992-8).
Por ato de gestão anti-econômico:
Ementa: Prestação de Contas. [...]. Exercício de 1992. Irregularidades nas áreas de pessoal, licitação e contrato. Adiantamento irregular à firma contratada lançando mão de empréstimo bancário com pagamento de juros. Ato de gestão anti-econômico. Justificativas não aceitas. Contas irregulares com aplicação de multa (Processo nº 249.057/93-0).
Tratando de não-comprovação da aplicação dos recursos:
Ementa: Prestação de Contas. Royalties. Prefeitura Municipal de Candeias BA. Exercício de 1992. Recurso de revisão interposto pelo MPTCU com fundamento em alegações de defesa não apreciadas em acórdão que julgou as contas irregulares e em débito o responsável, em razão da não comprovação da aplicação de parte dos recursos. Provimento parcial. Insubsistência do acórdão (Processo nº 250.070/1995-2).
Ressalte-se que o Tribunal de Contas poderá julgar irregulares as contas no caso de reincidência no descumprimento de determinação de que o responsável tenha tido ciência, feita em processo de tomada ou prestarão de contas (parágrafo 1º, do artigo 16, da Lei nº 8.443, de 16 de julho de 1992).
Ademais, nos casos de contas irregulares em razão de dano ao Erário decorrente de ato de gestão ilegítimo ao antieconômico e de desfalque ou desvio de dinheiros, bens ou valores públicos, o Tribunal de Contas fixará a responsabilidade solidária: do agente público que praticou o ato irregular; e do terceiro que, como contratante ou parte interessada na prática do mesmo ato, de qualquer modo haja concorrido para o cometimento do dano apurado (parágrafo 2º, do artigo 16, da Lei nº 8.443, de 16 de julho de 1992).
Em seguida, o Tribunal de Contas deverá providenciar a remessa de cópia da documentação pertinente ao Ministério Público da União, para ajuizamento das ações civis e penais cabíveis (parágrafo 3º, do artigo 16, da Lei nº 8.443, de 16 de julho de 1992).
4.3.2 Conseqüências a Partir do Julgamento das Contas
Após o julgamento, o responsável é notificado para recolher o valor devido, no prazo de quinze dias. Caso o notificado não recolha tempestivamente a importância devida, formaliza-se processo de cobrança, o qual é encaminhado para o Ministério Público junto ao Tribunal para, por meio da Advocacia-Geral da União ou das unidades jurisdicionadas ao Tribunal de Contas da União que detêm essa competência, promover a cobrança judicial da dívida ou o arresto de bens.
Além dessas conseqüências, outras sanções podem ser aplicadas a partir do julgamento das contas, como se observa do já citado acórdão extraído do Tribunal de Contas da União:
Ementa: Tomada de Contas Especial. Servidor público. [...]. Julgam-se irregulares, com condenação ao pagamento de débito e multa, as contas daqueles que perpetram fraude em prejuízo do Erário, inabilitando os responsáveis para o exercício do cargo em comissão ou função comissionada na Administração Pública Federal (Processo nº 005.615/2006-8).
No caso em tela, houve a declaração de inabilitação para o exercício de cargo em comissão no âmbito da Administração Pública Federal, nos termos do artigo 60, da Lei nº 8.443, de 16 de julho de 1992, pelo período de cinco anos e comunicação ao Ministério Público Federal.
Ademais, como conseqüência da irregularidade na aplicação de recursos públicos, poderá ainda ser declarada a inidoneidade do particular para licitar ou contratar com a Administração Pública, inclusão no Cadastro Informativo de Créditos não Quitados do Setor Público Federal - CADIN, e solicitação do arresto de bens para garantir o ressarcimento.
Veja-se um exemplo de decisão do Tribunal de Contas da União com inclusão do nome do responsável no Cadastro Informativo de Créditos não Quitados do Setor Público Federal - CADIN:
Ementa: Tomada de Contas Especial. [...]. Majoração de proposta vencedora de licitação, após a assinatura do contrato. Pagamento sem a realização dos serviços. Pagamento em duplicidade por obras executadas. Pagamentos sem formalização de contrato e sem atestado de execução dos serviços. Responsabilidade solidária. Contas irregulares. Débito. Multa a um dos responsáveis. Determinação. Inclusão do nome do responsável no Cadastro Informativo de Créditos não Quitados do Setor Público Federal - CADIN (Processo nº 008.903/1993-0).
Contudo, uma das mais relevantes conseqüências do acórdão condenatório, decorrente do julgamento pela irregularidade das contas é, sem dúvida alguma, a declaração da inelegebilidade.
O próprio julgamento das contas pela irregularidade já apresenta, como conseqüência, a inclusão no cadastro a ser enviado à Justiça Eleitoral, a partir do qual o responsável poderá figurar na lista de inelegíveis.
A Lei Complementar nº 64, de 18 de maio de 1990, estabelece, de acordo com a Constituição Federal de 1988, os casos de inelegebilidade:
Artigo 1º: são inelegíveis: I - para qualquer cargo: [...]; g) os que tiverem suas contas relativas no exercício de cargos ou funções públicas rejeitadas por irregularidade insanável e por decisão irrecorrível do órgão competente, salvo se a questão houver sido ou estiver sendo submetida à apreciação do Poder Judiciário, para todas as eleições que se realizarem nos cinco anos seguintes, contados a partir da decisão; [...].
Tem-se que a inelegibilidade não constitui uma segunda penalidade, em relação ao dever de recompor o Erário ou à pena de multa, conforme já decidiu o Superior Tribunal de Justiça, no acórdão da lavra do Ministro Carlos Velloso, cuja ementa segue:
Ementa: Constitucional. Eleitoral. Inelegibilidade. Contas do Administrador Público: Rejeição. Lei Complementar nº 64, de 18 de maio de 1990, artigo 1º, inciso I, alínea "g". I - inclusão em lista para remessa ao órgão da Justiça Eleitoral do nome do administrador público que teve suas contas rejeitadas pelo Tribunal de Contas da União, além de lhe ser aplicada a pena de multa. Inocorrência da dupla punição, dado que a inclusão do nome do administrador público na lista não configura punição. II - inelegibilidade não constitui pena. Possibilidade, portanto, de aplicação da lei de inelegibilidade, Lei Complementar nº 64, de 18 de maio de 1990, a fatos ocorridos anteriormente a sua vigência. III - Justiça Eleitoral compete formular juízo de valor a respeito das irregularidades apontadas pelo Tribunal de Contas, vale dizer, se as irregularidades configuram ou não inelegibilidade. IV - Mandado de Segurança indeferido. Feita essa observação, impõe-se examinar detidamente os pressupostos estabelecidos na lei para a declaração de inelegibilidade (Mandando de Segurança nº 22087/DF).
O dever dos Tribunais de Contas comunicarem à Justiça Eleitoral é decorrente de lei, portanto, compulsório.
Essa comunicação tem somente natureza declaratória, sem valoração de juízo. Nesse sentido, sentenciou o Ministro Bento José Bugarin:
A inclusão de nomes de responsáveis em listas a serem enviadas ao Ministério Público Eleitoral é ato meramente declaratório deste Tribunal, cabendo à Justiça Eleitora a competência exclusiva de declarar a inelegibilidade, nos moldes da mencionada Lei Complementar. Assim, uma vez enviada a citada lista, apenas no caso de reforma do julgamento de contas anteriormente julgadas irregulares, poderia a Corte cientificar aquela Procuradoria objetivando a exclusão do nome do respectivo responsável. (Processo nº 299.035/90-5).
No mesmo processo e nessa banda, expressou-se o Procurador do Ministério Público junto ao Tribunal de Contas da União, Lucas Rocha Furtado asseverando que a argüição de inelegibilidade, decorrente da aplicação da Lei Complementar nº 64, de 18 de maio de 1990, é matéria de competência específica da Justiça Eleitoral, sendo defeso à Corte de Contas adentrar no mérito desse tipo de demanda (Processo nº 299.035/90-5).
Veja-se a ementa: "ementa: Prestação de Contas. Recurso de revisão de acórdão que incluiu o nome do responsável em lista de inelegibilidade. Não preenchimento dos requisitos de admissibilidade. Não conhecimento" (Processo nº 299.035/90-5).
Por fim, é importante a informação de que serão consideradas iliquidáveis as contas quando for verificada a ausência de pressupostos de constituição ou de desenvolvimento válido e regular do processo, conforme artigos 197 a 213 do Regimento Interno do Tribunal de Contas da União. Nesses casos, ocorrerá o trancamento por impossibilidade de julgamento ou arquivamento sem resolução do mérito.
Sobre o trancamento por impossibilidade de julgamento, segue-se um exemplo de decisão do Tribunal de Contas da União:
Ementa: Tomada de Contas Especial. Convênio. Ministério da Habitação, Urbanismo e Meio Ambiente. Prefeitura Municipal de Santo Antônio do Içá/AM. Inexecução do objeto pactuado. Falecimento do responsável. Inexistência de bens. Ausência de herdeiros. Contas iliqüidáveis. Trancamento das contas (Processo nº 010.775/2000-3).
A respeito do arquivamento sem resolução do mérito, colaciona-se o seguinte julgado, também do Tribunal de Contas da União:
Ementa: Tomada de Contas Especial. Convênio. Secretaria de Segurança Pública/AL. Recursos depositados em conta específica permanecendo sem movimentação. Responsáveis alegam final de gestão e desconhecimento do acordo. Não execução do convênio. Órgão extinto. Contas iliqüidáveis. Arquivamento do processo. Recomendação (Processo nº 224.017/90-0).
Por fim:
Ementa: Tomada de Contas Especial. Ausência de comprovação da regular aplicação da totalidade dos recursos de convênio. Inércia da administração na análise das contas. Contas iliquidáveis. 1. Julgam-se iliquidáveis as contas e ordena-se o seu trancamento quando torna-se materialmente impossível o julgamento de mérito. 2. Há prejuízo aos princípios constitucionais da ampla defesa e do contraditório quando a inércia da Administração inviabiliza a apresentação de esclarecimentos por parte do responsável, mesmo o revel, por ter expirado o prazo previsto na Instrução Normativa da Secretaria do Tesouro Nacional nº 2, de 19 de abril de 1993, vigente à época, para a guarda de documentos comprobatórios de despesa por parte do convenente (cinco anos, contados da aprovação da prestação ou Tomada de Contas Especial, do gestor do órgão ou entidade concedente, relativa ao exercício da concessão). 3. A inércia da Administração Pública na análise da prestação de contas de recursos repassados no âmbito de convênios e na instauração da Tomada de Contas Especial, quando for o caso, é passível de responsabilização solidária pelos débitos que vierem a ser identificados, nos termos dos artigos 31 e 40 da Instrução Normativa da Secretaria do Tesouro Nacional nº 1, de 15 de janeiro de 1997 e 1º e 2º da Instrução Normativa do Tribunal de Constas da União nº 13, de 04 de dezembro de 1996 (Processo nº 004.705/2005-4).
4.4 RESPONSABILIDADE DOS AGENTES PÚBLICOS
Como visto no capítulo segundo desta monografia, em direito, a responsabilidade pode ser civil, penal e administrativa. São distintas e podem originar do mesmo fato, culminando em penas também distintas.
Neste momento do estudo dedica-se à análise específica da responsabilidade civil, penal e administrativa dos agentes públicos em sede de Tomada de Contas Especial.
4.4.1 Responsabilidade Penal dos Agentes Públicos em Sede de Tomada de Contas Especial
Os Tribunais de Contas, ao vislumbrarem indícios de prática de crimes, devem deliberar pela remessa de cópia dos autos ao Ministério Público comum, por intermédio do Ministério Público que atua nesses Tribunais em caráter especializado, na forma preconizada no artigo 130, da Constituição Federal de 1988: "artigo 130: aos membros do Ministério Público junto aos Tribunais de Contas aplicam-se as disposições desta seção pertinentes a direitos, vedações e forma de investidura". Por exemplo:
Artigo 16: [...]. Parágrafo 1º: o Tribunal de Contas poderá julgar irregulares as contas no caso de reincidência no descumprimento de determinação de que o responsável tenha tido ciência, feita em processo de tomada ou prestarão de contas. Parágrafo 2º: nas hipóteses do inciso III, alíneas c e d deste artigo, o Tribunal, ao julgar irregulares as contas, fixará a responsabilidade solidária: a) do agente público que praticou o ato irregular, e b) do terceiro que, como contratante ou parte interessada na prática do mesmo ato, de qualquer modo haja concorrido para o cometimento do dano apurado. Parágrafo 3º: verificada a ocorrência prevista no parágrafo anterior deste artigo, o Tribunal providenciará a imediata remessa de cópia da documentação pertinente ao Ministério Público da União, para ajuizamento das ações civis e penais cabíveis (Lei nº 8.443, de 16 de julho de 1992).
A omissão no dever de instaurar a Tomada de Contas Especial pode acarretar sanções penais, que serão aplicadas pelos órgãos do Poder Judiciário, mediante provocação do Ministério Público. Em decorrência da referida omissão, podem ser caracterizados os seguintes crimes:
Condescendência criminosa, prevista no artigo 320, do Código Penal: Artigo 320: deixar o funcionário, por indulgência, de responsabilizar subordinado que cometeu a infração no exercício do cargo ou, quando lhe falte competência, não levar o fato ao conhecimento da autoridade competente; Pena: detenção, de quinze dias a um mês, ou multa.
Ainda concernente à omissão no dever de prestar contas, podem ocorrer condutas como a situação em que, a autoridade tinha o dever funcional de dar início ao processo, porque o agente, subordinado seu, causou lesão aos cofres públicos, e não o faz por indulgência; e ainda, o agente não era responsável pela instauração da Tomada de Contas Especial, mas superior hierárquico do causador do dano e também por indulgência, não comunica o fato à autoridade responsável pelo início do processo.
Importante ressaltar que não se caracteriza o crime sem que o agente responsável pelo fato gerador da Tomada de Contas Especial seja subordinado ao agente. É um crime que somente o superior hierárquico pode cometer.
Não pode, portanto, o agente de controle interno subordinado à autoridade responsável pela prestação de contas enquadra-se nessa conduta.
Prevaricação- prevista no artigo 319, do Código Penal: artigo 319: retardar ou deixar de praticar, indevidamente, ato de ofício, ou praticá-lo contra disposição expressa em lei, para satisfazer interesse ou sentimento pessoal: Pena: detenção, de três meses a um ano, e multa.
Relacionado com os elementos descritos nesse artigo, encontra-se o disposto na Lei nº 8.429, de 02 de junho de 1992, que estabeleceu o mesmo tipo penal, sem a restrição da parte final:
Artigo 11: constitui ato de improbidade administrativa que atenta contra os princípios da administração pública qualquer ação ou omissão que viole os deveres de honestidade, imparcialidade, legalidade, e lealdade às instituições, e notadamente: [...]; II - retardar ou deixar de praticar, indevidamente, ato de ofício; [...].
Tem-se, portanto, que a responsabilidade penal poderá ser apurada e, conseqüentemente ser aplicada a devida pena, entretanto, em sede de Tomada de Contas Especial, face ao Tribunal de Contas da União não é possível a responsabilização do agente público que deu causa ao crime.
As sanções administrativas têm efeitos civis, isto é, alcançam o patrimônio do agente, e, quando estabelecidas pelas Cortes de Contas, prevalecem em processo de execução judicial.
O Poder Judiciário, apreciando processo de Tomada Contas Especial, reconheceu que o mesmo não fere a garantia constitucional do devido processo legal, sendo que Supremo Tribunal Federal se pronunciou nesse sentido, conforme acórdãos a seguir:
Ementa: Constitucional. Administrativo. Tribunal de Contas. Tomada de Contas Especial. I - Inocorrência de cerceamento de defesa ou de descumprimento do princípio do devido processo legal: o impetrante tomou ciência da decisão do Tribunal de Constas da União, tanto que apresentou defesa. II - Responsabilidade solidária do impetrante pelas fraudes quando da concessão dos benefícios previdenciários: Decreto-lei nº 199, de 25 de fevereiro de 1967, artigo 34, inciso III, vigente à época. III. - Inocorrência de contas iliquidáveis. Lei nº 8.443, de 16 de julho de 1992, artigo 20, inciso IV. Mandado de segurança indeferido (Mandando de Segurança nº 23919/DF).
No mesmo sentido já se posicionava o Supremo Tribunal Federal antes mesmo da Constituição Federal de 1988:
Ementa: Mandado de Segurança. Tribunal de Contas da União. Tomada de Contas. Ampla defesa. Artigo 153, parágrafo 15, da Constituição Federal de 1967-9. Assegurado além da apresentação de defesa escrita, o direito de vista no processo, nos termos do Regimento Interno do Tribunal de Contas da União e das Súmulas do Tribunal de Contas da União nº 52 e 98, não se demonstra contrariado o parágrafo 15, do artigo 153, da Constituição Federal de 1967-9, nem cerceado o direito de defesa, pois facultado ao impetrante exercita-lo. Mandado de segurança indeferido (Mandando de Segurança nº 20456/PE).
Tampouco, é evidente, pode-se apurar responsabilidade penal em Tribunal de Contas. Essa só se apura em juízo, sendo a pena aplicada por meio de sanções previstas no Código Penal e legislação extravagante.
Com o advento da Lei nº 8.429, de 02 de junho de 1992, a omissão no dever de prestar contas passou a ser caracterizada como crime para todos os que estão sujeitos a esse dever.
Assim dispõe o artigo 11, inciso VI, da referida lei:
Artigo 11: constitui ato de improbidade administrativa que atenta contra os princípios da Administração Pública qualquer ação ou omissão que viole os deveres de honestidade, imparcialidade, legalidade e lealdade às instituições, e notadamente: [...]; VI - deixar de prestar contas quando obrigado a fazê-lo.
Para os agentes públicos, a omissão constitui crime de responsabilidade conforme já assinalado.
Para os Prefeitos, o Decreto-lei nº 200, de 25 de fevereiro de 1967 estabelecia o crime pela omissão, tendo o Supremo Tribunal Federal assentado que:
Ementa: Prefeito Municipal. Crime de falta de prestação de contas (artigo 1º, inciso VI, do Decreto-lei nº 201, de 27 de fevereiro de 1967). 1. Não apresentadas as contas anuais do Prefeito Municipal, no prazo de sessenta dias, após a abertura da sessão legislativa, ao qual se refere o inciso X, do artigo 77, do Estado de Goiás, há, em princípio, juta causa para a ação penal, pelo crime previsto no inciso VI, do artigo 1º do Decreto-Lei nº 210, de 27 de fevereiro de 1967, não se podendo, de pronto, reconhecer a atipicidade da conduta do paciente. 2. [...]. 3. Não é possível, sem o exame das provas, a serem ainda produzidas, perante o Tribunal competente, concluir pela existência, ou não, de dolo, na conduta do réu. 4. Habeas Corpus indeferido (Habeas Corpus nº 73557-6).
4.4.2 Responsabilidade Administrativa dos Agentes Públicos em Sede de Tomada de Contas Especial
Embora possa parecer estranho, existem sanções administrativas que podem ser aplicadas à autoridade que se omite no dever de instaurar a Tomada de Contas Especial, mormente porque esse dever dirige-se aos agentes dos escalões mais elevados da hierarquia administrativa. Surge então a seguinte questão: como aplicar sanções administrativas a um agente que ocupa o mais alto grau da hierarquia? Haveria uma autoridade administrativa superior para impor-lhe a sanção?
Salutar a compreensão de que tal sanção não prescinde da participação do Poder Judiciário para a eficácia de sua imputação, assumindo os efeitos desde o momento de sua aplicação, sem necessidade de instauração de processo judicial.
Fernandes (2004) ressalta que o sistema tripartite e a posição dos Tribunais de Contas validam a afirmativa de que mesmo as mais altas autoridades de todos os poderes se submetem às sanções administrativas aplicadas diretamente pela Corte de Contas, com base legal.
Não é administrativa a responsabilidade perante o Tribunal de Contas apurada; essa só se verifica no âmbito da própria Administração Pública, por procedimentos próprios e extrajudiciais, como o processo administrativo disciplinar, regido pela Lei nº 8.112, de 11 de dezembro de 1990.
As sanções administrativas aplicáveis pelas Cortes de Contas em processo de Tomada de Contas Especial são multa, solidariedade na recomposição do dano, inabilitação, por período de cinco a oito anos, para o exercício de cargo em comissão ou função de confiança no âmbito da Administração Pública.
4.4.3 Responsabilidade Civil dos Agentes Públicos em Sede de Tomada de Contas Especial
Entre as conseqüências civis da decisão das Cortes de Contas, em decorrência da omissão de se instaurar o processo de Tomada de Contas Especial, está a de atribuir eficácia de título executivo também à multa, na dicção do artigo 74, parágrafo 3º, da Constituição Federal de 1988, e a imposição de solidariedade entre os agentes causadores do dano e omissos na instauração.
Sobre a responsabilidade dos agentes públicos em sede de Tomada de Contas Especial Márcia Ferreira Cunha Farias, representante do Ministério Público junto ao Tribunal de Contas do Distrito Federal manifestou-se no seguinte sentido:
Em direito, a responsabilidade triparte-se em civil, penal e administrativa. São distintas e podem originar do mesmo fato, culminando em penas também distintas. Não é administrativa, a responsabilidade perante a Corte de Contas apurada; essa só se verifica no âmbito da própria Administração Pública, por procedimentos próprios e extrajudiciais, como o processo administrativo disciplinar (Lei nº 8.112, de 11 de dezembro de 1990). Tampouco, é evidente, pode-se apurar responsabilidade penal em Tribunal de Contas. Essa só se apura em juízo, sendo a pena aplicada por meio de sanções previstas no Código Penal e legislação extravagante. Não sendo nem penal, nem administrativa a responsabilidade perante o controle externo, verifica-se ser considerada civil (FARIAS apud SOUZA, 1998, p. 293-4).
A questão ora insurgida tem relevância para a compreensão apropriada dos fatos ensejadores da Tomada de Tontas Especial, e para a identificação da natureza jurídica da responsabilidade dos agentes públicos em sede de Tomada de Contas Especial.
Ressalte-se que a conduta do agente público de que resulte prejuízo ao Erário, decorrente de ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, é considerada ato ilícito, cujo dever de reparação acha-se firmado no artigo 186, do Código Civil de 2002. Trata-se, portanto, de responsabilidade civil subjetiva.
Segundo Cavalieri Filho (2004), a partir do momento em que uma pessoa, por meio de conduta culposa, violar o direito de um terceiro e lhe causar dano, pratica ato ilícito, e deste ato deflui o dever de indenizar.
Disso infere-se que a natureza jurídica do procedimento apuratório em sede de Tomada de Contas Especial é de responsabilidade civil, porém, nem todos os fatos ensejadores de Tomada de Contas Especial circunscrevem-se no âmbito da responsabilidade civil, mas tão-somente aqueles dos quais se insurja a existência de danos.
Por exclusão, em não se inserindo a apuração em sede de Tomada de Contas Especial, na seara da responsabilidade civil, indaga-se qual seria, então, sua natureza jurídica.
[...] se dela não decorre, necessariamente, um dano, e, mesmo assim, deve ser levada a efeito e concluída, objetiva, antes de mais nada, verificar a exação dos atos praticados à luz das normas específicas vigentes e dos princípios da Administração Pública, consagrados no artigo 37, da Constituição Federal de 1988, uma vez que incumbe aos órgãos de controle, na forma do artigo 70, a fiscalização contábil, financeira, orçamentária, operacional e patrimonial, quanto à legalidade, legitimidade, economicidade, aplicação das subvenções e renúncia de receita. Dessa forma, nesse caso em particular, a apuração em sede de Tomada de Contas Especial tem natureza investigatória e de correção de conduta, não se circunscrevendo no campo da responsabilidade civil. Mas, ainda assim, é atividade sob a jurisdição dos órgãos de controle e a eles interessam. Se no decorrer dos trabalhos apuratórios, porém, o dano subjacente se aflora, presentes os demais elementos, tem-se completo o rol de requisitos da responsabilidade civil (FIRME, 2002, p.1).
Portanto, não se pode afirmar que a Tomada de Contas Especial seja invariavelmente um procedimento de apuração de responsabilidade civil de quem esteja obrigado a prestar contas. No entanto, "uma vez instaurada nos estritos termos da lei e atendidos os requisitos necessários, é o devido processo legal para que se proceda a essa investigação" (FIRME, 2002, p.1).
O que importa à Administração Pública é a existência ou não de dano, do qual pretende ver-se ressarcida. Não havendo dano, natural que ausente está um dos requisitos necessários à caracterização da responsabilidade civil. Donde conclui-se que nem todos os fatos ensejadores de Tomada de Contas Especial situam-se no âmbito da responsabilidade civil, mas tão-somente aqueles dos quais se insurja a existência de danos.
Tem-se, portanto, que a apuração em sede de Tomada de Contas Especial tem natureza investigatória e de correção de conduta, não se circunscrevendo no campo da responsabilidade civil. Porém se no decorrer do trabalho apuratório o dano aflora, tem-se completo o rol de requisitos da responsabilidade civil.
Entre as conseqüências civis da decisão das Cortes de Contas, em decorrência da omissão de se instaurar o processo de Tomada de Contas Especial, está a de atribuir eficácia de título executivo também à multa, nos termos do artigo 74, parágrafo 3º, da Constituição Federal de 1988, e a imposição de solidariedade entre os agentes causadores do dano e omissos na instauração.
Em conclusão no que toca ao tema proposto, tem-se que a omissão resulta em conseqüências administrativas, penais e civis, no entanto, a responsabilidade penal e administrativa não pode ser objeto de apreciação pelo Tribunal de Contas da União, apenas a responsabilidade civil, como bem se extrai dos seguintes acórdãos:
Ementa: Mandado de Segurança. Autonomia e independência das instâncias penal e administrativa. Exceção. Direito líquido e certo inexistente. Insuficiência de provas. Dilação probatória. Impossibilidade. 1. Sentença proferida em processo penal poderá servir de prova em processos administrativos apenas se a decisão concluir pela não-ocorrência material do fato ou pela negativa de autoria. Exceção ao princípio da independência e autonomia das instâncias administrativa e penal. 2. Decisão judicial em sede penal incapaz de gerar direito líquido e certo de impedir o Tribunal de Constas de União de proceder à Tomada de Contas Especial. 3. Questões controvertidas a exigir dilação probatória não são suscetíveis de análise em mandado de segurança. Segurança denegada (Mandando de Segurança nº 23625/DF).
De modo mais completo:
Ementa: Mandado de Segurança. Tribunal de Contas da União. Competência. [...]. Tomada de Contas Especial. [...]. Ajuizamento de ação civil pública. Prejudicialidade da Tomada de Contas Especial. Impossibilidade. Independência entre as instâncias civil, penal e administrativa. Questão fática. Dilação probatória. Impossibilidade. Segurança denegada. 1. A competência do Tribunal de Contas da União para julgar contas abrange todos quantos derem causa a perda, extravio ou outra irregularidade de que resulte dano ao Erário, devendo ser aplicadas aos responsáveis, em caso de ilegalidade de despesa ou irregularidade de contas, as sanções previstas em lei, lei que estabelecerá, entre outras cominações, multa proporcional ao dano causado aos cofres públicos [...]. 2. A Tomada de Contas Especial não consubstancia procedimento administrativo disciplinar. Tem por escopo a defesa da coisa pública, buscando o ressarcimento do dano causado ao Erário. Precedente. [...]. 4. O ajuizamento de ação civil pública não retira a competência do Tribunal de Contas da União para instaurar a Tomada de Contas Especial e condenar o responsável a ressarcir ao erário os valores indevidamente percebidos. Independência entre as instâncias civil, administrativa e penal. 5. A comprovação da efetiva prestação de serviços de assessoria jurídica durante o período em que a impetrante ocupou cargo em comissão no Tribunal Regional do Trabalho da Primeira Região exige dilação probatória incompatível com o rito mandamental. Precedente. 6. Segurança denegada, cassando-se a medida liminar anteriormente concedida, ressalvado à impetrante o uso das vias ordinárias (Mandado de Segurança nº 25880/DF).