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Rousseau e as agressões contra mendigos, homossexuais...

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Na madrugada do dia 31 de janeiro de 2011 cinco jovens agrediram e amarraram (cruelmente) um morador de rua, na cidade de Lindóia-SP. As imagens foram gravadas pelas câmeras de monitoramento da cidade [01]. Um índio (certa vez) foi assassinado quando estava num ponto de ônibus em Brasília. Vários jovens agrediram homossexuais na Avenida Paulista. Incontáveis moradores de rua foram mortos em Maceió-AL... As bestialidades ("humanas") são cessam.

Todos esses atos são animalescos, mas há uma grande diferença entre os atos humanos, resultantes da sua liberdade de agir, e as agressões dos animais. Rousseau, no seu livro Discurso sobre a origem e os fundamentos da desigualdade entre os homens, [02] distingue o animal do ser humano. A principal diferença apontada pelo filósofo reside precisamente na liberdade assim como na capacidade do ser humano de se aperfeiçoar de geração em geração (perfectibilidade).

Perfectibilidade é a capacidade de se aperfeiçoar ao longo da vida, que é inerente ao ser humano, enquanto o animal é guiado, como se dizia na época, pelo instinto. Os animais nascem prontos para a vida. O animal é conduzido por um instinto infalível, comum à sua espécie, como por uma norma intangível, uma espécie de software que nunca pode desviar-se (Luc Ferry).

Os animais já nascem com suas ações programadas, não se afastando desse "instinto", salvo raríssimos casos de uma ou outra evolução (como, por exemplo, a capacidade de reconhecer objetos). Bem explicou Rousseau: "um pombo morreria de fome perto de uma vasilha repleta das melhores carnes, e um gato, diante de uma porção de frutos ou de grãos, embora tanto um quanto o outro pudesse perfeitamente se nutrir com o alimento que desdenha, se ousasse experimentá-lo (mas não nasceu programado para isso).

Com o ser humano é diferente, ele não nasce com uma programação intelectual prévia, ele se aperfeiçoa ao longo da vida, evolui, tem liberdade, o instinto não o freia, em regra (como ocorre com os animais), tanto é que o homem é capaz de cometer até mesmo excessos que o levam à morte, como por exemplo: fumar, beber etc.

O animal não tem a liberdade de fazer nada além do que foi programado antes de nascer, apenas obedece a essa natureza, ao passo que o homem domina a liberdade de decidir o que fazer (benéfica ou maleficamente).

Uma outra distinção marcante entre o animal e o ser humano é a capacidade do último de ser diabólico, de ser cruel, ou seja, ele é capaz de fazer uso do mal como projeto.

Mas os animais não comem outros animais, não mutilam outros animais? Sim, mas tudo por programação natural e, ademais, fazem isso em geral pela sobrevivência. Não o fazem por crueldade ou por prazer em torturar, mas sim pela necessidade de desenvolver a habilidade da caça.

O ser humano, distintamente, "é capaz de se organizar conscientemente para fazer o mal a seu próximo. É, aliás, o que a teologia tradicional denomina de maldade, como o próprio demoníaco em nós" (Luc Ferry).

O ser humano, em síntese, tanto é capaz de fazer o bem como fazer o mal. Daí a necessidade de aprimorar, constantemente, seu conhecimento ético, entendendo a ética como a arte de viver bem humanamente (Savater), ou seja, respeitando os outros seres humanos. Ser humano significa se relacionar com outros seres humanos. Ninguém, por isso mesmo, pode querer viver sozinho no mundo, nem tampouco pode querer as coisas desconsiderando a existência das outras pessoas.

A boa vida humana é boa vida entre seres humanos. Não podemos pretender ser bichos (animais) nem se comportar como eles, porque sempre queremos ser tratados como seres humanos. Nas sociedades civilizadas, até mesmo o ser humano que negou a existência do seu semelhante deve ser tratado como ser humano. Assim recomenda a Ética.


Notas

  1. Disponível em: http://eptv.globo.com/noticias/NOT,1,131,333916,Cinco+jovens+agridem+e+amarram+morador+de+rua.aspx
  2. Cf. ROUSSEAU, J.-J., Dircurso sobre a origem e os fundamentos da desigualdade entre os homens, São Paulo: Martins Fontes, 2005, p. 172 e ss.
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Sobre os autores
Danilo Fernandes Christófaro

Pesquisador do IPC-LFG

Luiz Flávio Gomes

Doutor em Direito Penal pela Universidade Complutense de Madri – UCM e Mestre em Direito Penal pela Universidade de São Paulo – USP. Diretor-presidente do Instituto Avante Brasil. Jurista e Professor de Direito Penal e de Processo Penal em vários cursos de pós-graduação no Brasil e no exterior. Autor de vários livros jurídicos e de artigos publicados em periódicos nacionais e estrangeiros. Foi Promotor de Justiça (1980 a 1983), Juiz de Direito (1983 a 1998), Advogado (1999 a 2001) e Deputado Federal (2019). Falecido em 2019.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

CHRISTÓFARO, Danilo Fernandes ; GOMES, Luiz Flávio. Rousseau e as agressões contra mendigos, homossexuais.... Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 16, n. 2779, 9 fev. 2011. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/18460. Acesso em: 25 nov. 2024.

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