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Alfredo Buzaid

20/02/2011 às 12:10
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Basta apenas um dado biográfico relevante para descrever a importância de Alfredo Buzaid [01] no universo do direito processual civil: é dele o anteprojeto de lei que constitui o principal antecedente do Código de Processo Civil brasileiro, o chamado – e conhecido por todos – Código Buzaid.

Sua rica história de colaboração com a ciência processual, contudo, não passou incólume às críticas que recebeu de seus compatriotas por ter sido colaborador do regime de exceção que vigorou no Brasil entre 1964 e 1985, a lamentável ditadura militar que deixou profundas marcas na história política e social do país. Mas como disse Sérgio Bermudes, em passagem lembrada por Ada Pellegrini Grinover quando da homenagem póstuma que ela prestou ao pai intelectual do CPC-73, "Quando já se houverem esquecido as ditaduras e os homens que as integraram, ainda permanecerá a admirável obra de Buzaid, composta de muitos livros e do vigente Código de Processo Civil, em cuja elaboração ele pôs o melhor da sua ciência e do seu talento a serviço do país" (RePro 63/215).

E por isso – uma vez mais – eu repito: basta lembrar que Alfredo Buzaid foi o grande mentor do Código de Processo Civil de 1973, e da evolução que teve nossa ciência a partir deste CPC, para que a história do ex-professor catedrático de processo civil da USP e da PUC/SP seja redimida perante o cenário jurídico nacional. Se hoje o processo civil brasileiro desponta internacionalmente em posição de inegável destaque, sem dúvida alguma esse fenômeno é reflexo da participação ativa e construtora de Buzaid.

Nascido aos 20 de julho de 1914 na cidade de Jaboticabal, interior de São Paulo, Alfredo Buzaid ingressou na tradicional Faculdade de Direito do Largo de São Francisco em 1931.

Após a formatura e obtenção do grau de advogado em 1935, regressa à terra natal onde dá início ao exercício da advocacia. Certamente motivado por sua inquietude, distinguido preparo intelectual e espírito empreendedor, retorna à capital do Estado em 1938 e lá se estabelece como advogado.

Com estilo objetivo – porém contundente – e radicado no método histórico-comparativo que caracterizava o produto de sua investigação, em 1939 publica o artigo científico "Despacho Saneador" na Revista Judiciária, dando o primeiro passo importante no sentido de sua densa produção doutrinária, demonstrando desde então sua forte inclinação às coisas do processo civil.

Impondo-se um auto-exílio para fugir do nazi-fascismo que reinava da Europa e que eclodiu na Segunda Guerra mundial, chega ao Brasil em 1939 o Professor Titular da Universidade de Parma, ex-aluno de Chiovenda na Universidade de Roma, o jovem processualista Enrico Tullio Liebman, cuja descendência hebraica lhe impunha uma vida de incertezas na Itália. Após um curto período lecionando no Rio de Janeiro, em 1940 Liebman chega a São Paulo para ensinar processo civil no bacharelado da Faculdade de Direito da Velha Academia. No mesmo dia em que chegou a São Paulo o professor italiano foi recebido por Luís Eulálio de Bueno Vidigal, no hotel em que se hospedara. Vidigal foi lhe dar as boas-vindas em nome da Faculdade de Direito e logo se tornaram amigos.

Além das aulas ministradas na graduação, Liebman passou a promover semanalmente reuniões para discussão das – então – novas tendências do processo civil na Europa. Em sua casa na Al. Min. Rocha Azevedo, uma travessa da Av. Paulista, Enrico Tullio Liebman reunia alguns jovens estudiosos interessados em direito processual para transferir ensinamentos mais robustos e orientá-los em suas pesquisas. Nesses lendários encontros tiveram participação destacada, dentre outros, o próprio Vidigal, José Frederico Marques e Alfredo Buzaid.

Amparado – também – nos ensinamentos hauridos da convivência com o mestre italiano, em 1943 Buzaid publica seu primeiro livro, Da ação declaratória no direito brasileiro, com o qual inaugura a "Coleção de Estudos de Direito Processual Civil" dirigida por Liebman e Soares de Faria.

Estudioso e obstinado, menos de um mês após completar 32 anos de idade Alfredo Buzaid obteve o título de livre docente pela Faculdade de Direito da USP. Inscreveu-se para o concurso com a monografia Do agravo de petição no sistema do Código de Processo Civil. Sobre esta obra, Cândido Dinamarco – no vol. I de suas Instituições – a destaca como "verdadeira pérola da literatura brasileira da época, que merece ser reverenciada no podium das melhores obras nacionais sobre processo civil (com minucioso estudo da teoria carneluttiana da lide e notável sistematização dos pressupostos de admissibilidade do julgamento de mérito, tema do qual foi pioneiro entre os autores nacionais)".

Seguindo sua vocação ao ensino do processo, em 1952 e com a monografia intitulada Do concurso de credores no processo de execução, Buzaid inscreve-se no concurso à cátedra da matéria então chamada de Direito Judiciário Civil da Faculdade de Direito da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC/SP). Aprovado com média 9.9, em 23 de maio de 1953 é empossado como professor de processo civil na PUC/SP.

Mas seu ímpeto em alcançar importantes postos acadêmicos não parou por aí.

Alfredo Buzaid inscreveu-se no concurso à cátedra de processo civil – à época ainda Direito Judiciário Civil – da Faculdade de Direito da qual era egresso, a Faculdade do Largo de São Francisco. Em 08 de maio de 1958, aprovado com a monografia Da ação renovatória de contrato de locação de prédio destinado a fins comerciais e industriais – o hoje clássico Da ação renovatória, em 2 volumes –, assume a cátedra na FADUSP onde posteriormente veio a exercer o cargo de Diretor (1967), função da qual se afastou por duas vezes para assumir, em períodos distintos, a própria Reitoria da Universidade de São Paulo. Para a Reitoria da USP retornou em maio de 1969 após integrar a respectiva lista tríplice, dessa vez para o exercício do cargo de Vice-Reitor.

Era grande seu pendor intelectual. Em 1964 foi eleito para ocupar a Cadeira nº 31 da Academia Paulista de Letras (APL), atualmente presidida – escrevo estas linhas em junho de 2009 – pelo meu amigo e conterrâneo jundiaiense José Renato Nalini. Em 1978, Buzaid toma posse na Academia Brasileira de Letras Jurídicas (ABLJ), Cadeira nº 38. Quatro anos depois torna-se Doutor Honoris Causa pela tradicionalíssima Universidade de Coimbra.

Indiscutivelmente um grande cientista do processo, Alfredo Buzaid teve destacada participação no cenário iberoamericano. Participou e co-fundou alguns dos mais importantes Institutos de Direito Processual da América, além de com eles colaborar no desempenho de atividades ligadas aos respectivos Conselhos Diretivos, e isso em mais de uma ocasião.

Em maio1957, nas Jornadas Latinonamericanas de Derecho Procesal realizadas em Montevidéu ao ensejo do aniversário de um ano da morte de Eduardo Couture, ao lado de Adolfo Gelsi Bidart (Uruguai), Carlos Ayarraguaray (Argentina), Hugo Pereyra Anabalon (Chile), Humberto Briseño Sierra (México), Julio César Airaldi (Paraguai) e Juan Pedro Zeballos (Uruguai), Alfredo Buzaid funda o Instituto Latinoamericano de Derecho Procesal, hoje o prestigiado e ativo Instituto Iberoamericano de Derecho Procesal (IIDP – www.iidp.org). Nessa ocasião Buzaid também foi eleito para fazer parte da Diretoria do recém criado Instituto.

Ao lado de Galeno Lacerda, Luís Eulálio de Bueno Vidigal e Frederico Marques, reunidos na cidade de Porto Alegre fundaram, em 15 de agosto 1958, o Instituto Brasileiro de Direito Processual (IBDP – www.direitoprocessual.org.br), na origem criado como um Instituto de processo civil. Posteriormente sua denominação e fins estatutários foram alterados para tornar-se um Instituto de direito processual geral e para abranger os demais quadrantes da nossa ciência. É de todos conhecida a atuação marcante do IBDP no chamado movimento de Reforma do CPC e agora também na reforma do processo penal no Brasil, seja através da elaboração e da discussão de anteprojetos de leis, seja através do empenho de sua Diretoria em exercer legítima pressão junto ao Ministério da Justiça e ao Congresso Nacional para que as normas reformadoras projetadas se convertam em direito positivo.

Na Biblioteca da Faculdade de Direito na Universidad Nacional Autónoma de México (UNAM), no dia de 18 de fevereiro de 1960, em Assembléia de membros do ainda denominado Instituto Latinoamericano de Derecho Procesal, após proposta de Alcalá-Zamora y Castillo e do próprio Buzaid, foi deliberado e aprovado por unanimidade que as III Jornadas do Instituto seriam realizadas no Brasil. Em 1962, em conjunto com o Primeiro Congresso Internacional de Direito Processual e na qualidade de Secretário Geral do IBDP, Alfredo Buzaid organizou e realizou na Faculdade de Direito da USP as III Jornadas Latinoamericanas de Derecho Procesal, que teve como temas de debate: mandado de segurança, despacho saneador e homologação da sentença estrangeira.

Em 15 de novembro de 1976 na Cidade do México, ao lado, dentre outros, de Humberto Briseño Sierra (México), Dante Barrios de Ángelis (Uruguai), Hernando Devis Echandía (Colômbia), Adolfo Alvarado Velloso (Argentina), Alfredo Buzaid mais uma vez participou da fundação de um instituto internacional de direito processual, dessa vez o Instituto Panamericano de Derecho Procesal (IPDP – www.institutodederechoprocesal.org). Atualmente sob a presidência do professor argentino da Universidad Nacional de Rosario (UNR) Adolfo Alvarado Velloso, o IPDP conta – até o presente momento – com dezesseis membros brasileiros, dentre os quais: Marcus Vinícius Abreu Sampio (SP), Flávio Buonaduce Borges (GO), Marcos Afonso Borges (GO), Petrônio Calmon (DF), Min. Castro Filho (DF), Carlos Alberto Alvaro de Oliveira (RS), Luiz Manoel Gomes Jr. (SP), José Miguel Garcia Medina (PR), Glauco Gumerato Ramos (SP), Roberto Rosas (DF), Eduardo Talamini (PR), Luiz Rodrigues Wambier (PR), Teresa Arruda Alvim Wambier (SP).

Mas nem só de ciência e doutrina foi feita a vida do jurista Alfredo Buzaid.

Homem político altamente articulado, Buzaid esteve à frente do Ministério da Justiça do Governo Médici no período compreendido entre 30 de outubro de 1969 e 14 de março de 1974. E nesse período em que esteve à testa do Ministério da Justiça, Alfredo Buzaid conseguiu ultimar a empreitada que o catapultou ao universo intangível da redenção: tornou realidade o Código de Processo Civil de 1973.

Muito ligado ao regime da 5ª República (=ditadura militar), em 22 de março de 1982 Alfredo Buzaid foi nomeado Ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) por decreto do então Presidente da República João Figueiredo, para assumir a vaga decorrente da aposentadoria do Min. Carlos Fulgêncio da CUNHA PEIXOTO, que por sua vez tomou posse no STF em 04 de julho de 1975 para assumir a vaga do Min. Aliomar Baleeiro, que se aposentara pouco antes. No STF, Buzaid é empossado oito dias após sua nomeação.

Outra vez ocupando altos postos na República, agora como Min. do STF, em 1º de outubro de 1982 Alfredo Buzaid foi escolhido Juiz Substituto do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), lá tendo assento até ser colhido pela aposentadoria compulsória em 20 de julho de 1984, quando então se afasta em definitivo desses Tribunais de superposição. A compulsória atingiu Buzaid no período de férias forenses, e que quando do retorno das atividades do STF coube ao então Presidente do tribunal, Min. Cordeiro Guerra, fazer a leitura de sua "Carta de despedida", o que foi feito na sessão do dia 1º de agosto de 1984. Em 03 de outubro de 1984 o Supremo Tribunal Federal homenageou publicamente o recém aposentado Min. Alfredo Buzaid, em discurso feito em nome do tribunal pelo Min. Moreira Alves.

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Moreira Alves volta a falar de Buzaid ainda uma vez, na sessão de 18 de março de 1992, quando então o STF prestou publicamente sua homenagem póstuma ao pai do CPC brasileiro, morto onze dias antes de completar 77 anos idade. Em São Paulo, aos 09 dias do mês de julho de 1991.

Mas como dito logo no início, bastaria falar que Alfredo Buzaid foi o autor do anteprojeto de lei que constitui o principal antecedente do CPC brasileiro, ainda hoje vigente, apesar de o movimento de Reforma ter reorganizado suas bases científicas.

Penso até que seria legítimo supor que Alfredo Buzaid se fez de "vidraça" – pois quantas críticas não sofrera por servir à ditadura militar? – exatamente para poder concretizar o sonho sempre utópico de um mundo melhor através das coisas do Direito e, em especial, do processo. Sonho esse que em maior ou menor escala é o sonho de todos nós, atores do processo.

Se hoje o processo civil brasileiro goza de um apuro tecnológico com freqüência elogiado no plano do direito comparado, isso é produto do desforço de Alfredo Buzaid. E nós, processualistas brasileiros, a ele devemos ser gratos.


FONTE BIBLIOGRÁFICA

BUZAID, Alfredo. Da ação renovatória e demais ações oriundas de contrato de locação de imóveis destinados a fins comerciais, vol. I e II. São Paulo : Ed. Saraiva, 3ª edição, 1988.

__________ Estudos e Pareceres de Direito Processual Civil (com notas de adaptação ao Direito vigente de Ada Pellegrini Grinover e Flávio Luiz Yarshell. São Paulo : Ed. Revista dos Tribunais, 2002.

CARNEIRO, Athos Gusmão. "Convocatória do Presidente do Conselho". Em: Athos Gusmão Carneiro e Petrônio Calmon (organizadores). Bases científicas para um renovado Direito Processua, vol. I. Brasília : Instituto Brasileiro de Direito Processual, maio de 2008.

DINAMARCO, Cândido Rangel. "A formação do moderno processo civil brasileiro (uma homenagem a Enrico Tullio Liebman), em Fundamentos do Processo Civil Moderno, tomo I. São Paulo : Malheiros Editores, 3ª edição, 2000.

__________ Instituições de Direito Processual Civil, vol. I . São Paulo : Malheiros Editores, 2001.

FIGUEIRA JÚNIOR. Joel Dias. Alfredo Buzaid – O grande processualista, mestre e Chefe de Escola (homenagem póstuma). Em: www.joelfigueira.com/artigos. Acesso em 11/junho/2009

GRINOVER, Ada Pellegrini. "Homenagem póstuma a Alfredo Buzaid", na Revista de Processo (RePro) 63/215. São Paulo : Ed. Revista dos Tribunais, julho-setembro, 1991.

RAMOS, Glauco Gumerato. "Reflexões sobre os 25 anos do Código de Processo Civil brasileiro". Jornal da 33ª OAB/SP, Jundiaí-SP, 10/nov/1998, p. 03.

SITES WEB CONSULTADOS

INSTITUTO BRASILEIRO DE DIREITO PROCESSUAL (IBDP): www.direitoprocessual.org.br. El Código Procesal Civil Modelo para Iberoamerica – Historia, antecedentes, exposicion de motivos.

INSTITUTO IBEROAMERICANO DE DERECHO PROCESAL (IIDP): www.iidp.org. História del Instituto Iberoamericano de Derecho Procesal – creación del "Instituto Latinoamericano de Derecho Procesal.

__________ Acta de la sesión del Instituto Latinoamericano de Derecho Procesal.

INSTITUTO PANAMERICANO DE DERECHO PROCESAL (IPDP): www.institutoderechoprocesal.org. Antecedentes del Instituto Panamericano de Derecho Procesal.

SUPREMO TRIBUANAL FEDERAL (STF): www.stf.jus.br. Alfredo Buzaid, em http://www.stf.jus.br/portal/ministro/verMinistro.asp?periodo=stf&id=18


Nota

1 No ano de 2009 Alfredo Buzaid completaria 95 anos de idade. Aquela que talvez tenha sido a maior de suas obras jurídicas, o CPC-73, completou 35 anos de vigência. Se a doutrina do processo civil brasileiro hoje ostenta uma enorme maturidade científica, não há dúvida que a empreitada legislativa de Buzaid teve papel fundamental nesse escalada. Nesse mesmo ano de 2009, através do Ato nº 379, de 30 de setembro, a Presidência do Senado Federal institui Comissão de juristas encarregada de elaborar o anteprojeto daquele que se pretende seja o Novo Código de Processo Civil brasileiro. Presidida por Luiz Fux, e tendo na relatoria a Profa. Teresa Arruda Alvim Wambier, os trabalhos dessa Comissão avançam e o primeiro esboço deverá ser apresentado à comunidade jurídica brasileira por volta do mês de março de 2010. Este texto reverencia a memória de Alfredo Buzaid, trazendo alguns elementos de sua vida e obra.

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Sobre o autor
Glauco Gumerato Ramos

Mestrando em direito processual na Universidad Nacional de Rosario (UNR - Argentina). Mestrando em direito processual civil na PUC/SP Membro dos Institutos Brasileiro (IBDP), Iberoamericano (IIDP) e Panamericano (IPDP) de Direito Processual. Professor da Faculdade de Direito da Anhanguera Jundiaí (FAJ). Advogado em Jundiaí

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

RAMOS, Glauco Gumerato. Alfredo Buzaid. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 16, n. 2790, 20 fev. 2011. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/18531. Acesso em: 26 dez. 2024.

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