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A dissolução da sociedade conjugal e a psicanálise

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4 – A DISSOLUÇÃO DA SOCIEDADE CONJUGAL E A GUARDA DOS FILHOS

Antigamente, era fácil entender o desenho de uma família. Nele cabiam pai, mãe e filhos, avós, tios, sobrinhos, primos e primas. Eram relações de parentesco que se estabeleciam uma única vez e perdurava a vida toda.

A mudança nesse padrão tem resultado em novos e surpreendentes quebra-cabeças familiares. Filhos de pais que se separam, e voltam a se casar, vão colecionando uma notável rede de meios-irmãos, meias-irmãs, avós, tios e tias adotivos. O novo organograma do grupo familiar, que os psicólogos chamam de família-mosaico, é um fenômeno mundial.

A criança na maioria das situações se encontra dividida sem saber de que lado fica, e esta quase nunca é ouvida pelos interessados na guarda.

Alguns psicanalistas entendem que o interesse maior da criança envolvida no processo de separação dos pais é que a mesma se torne sujeito desejante, deixando de assumir o desejo do outro para assumir o seu próprio desejo.

A psicologia Jurídica, se utilizando da Psicanálise, vai surgir neste contexto, para intervir no bem psíquico, moral e social da criança; uma dessas intervenções pode ser o acompanhamento de visitas, esta pode dar à criança a oportunidade de construir sua história familiar. Mas, muitas vezes isso não acontece, pois geralmente quem tem a guarda não vê a criança como sujeito desejante.

Quando nos envolvemos com outro, criamos expectativas, idealizações e fantasias. No entanto, nem sempre este outro corresponde ao que idealizamos o que pode levar a ruptura da relação. Geralmente a separação vem acompanhada de sofrimento, de rancor e até de ódio.

A separação judicial pode ser um processo doloroso não só para o casal, mas também pode gerar conflitos emocionais e psíquicos nos filhos.

Para a psicanálise a falta vai estar presente na vida de todo sujeito. Temos que aprender a lidar com esta falta, resultado da castração. Porém há pessoas que não aceitam esta condição e está sempre buscando no outro aquilo que falta nele.

Portanto, a justiça prioriza o interesse da criança, o seu bem estar, e a psicanálise contribui em vários aspectos com a psicologia jurídica.


5 – CONSIDERAÇÕES FINAIS

A psicanálise tem sido um importante instrumento de resolução de conflitos nas questões acerca do fim da sociedade conjugal. Hoje, já se tem certeza que o psicólogo no processo judiciário, propicia uma escuta diferenciada do sujeito. Além de ouvir a parte, faz pontuações visando promover uma reflexão crítica sobre a moral e o pedido judicial.

Acredita-se que quando o sujeito reflete sobre a moral, geralmente ele passa a assumir uma postura ativa frente suas escolhas na vida. Assim, ele passa a ter autonomia, nunca se esquecendo da responsabilidade e possíveis conseqüências frente sua escolha.

O que se pode constatar nos relacionamentos do mundo contemporâneo é que há um aumento das expectativas, uma extrema idealização do outro e uma super exigência consigo mesmo, provocando tensão e conflito na relação conjugal, podendo levar ao divórcio.

Na atualidade, o novo e o arcaico convivam lado a lado, novas formas sociais requerem novas formas de personalidade, novos modos de socialização e subjetivação, novas modos de organizar a experiência. Embora o divórcio possa ser, às vezes, a melhor solução para um casal cujos membros não se consideram capazes de continuar tentando ultrapassar suas dificuldades, muitos estudiosos do assunto afirmam que o processo da dissolução da sociedade conjugal é sempre vivenciado como uma situação extremamente dolorosa e estressante.

A psicanálise vem para ajudar os indivíduos a buscarem novas formas de lidar com a ruptura. O processo de separação conjugal significa desmontar uma estrutura e também implica em perdas. Talvez a rapidez com que a dissolução da conjugalidade se dá na atualidade, não seja acompanhada na mesma proporção pela subjetividade.

Nesse sentido, a vivência da separação conjugal pode ser entendida como sendo um processo de subjetivação. Diante de tal experiência pode haver, do ponto de vista subjetivo, uma tomada sobre a própria vida. Pode significar um reposicionamento diante da vida.

Certo é que o intercambio entre a psicanálise e o direito, possibilita a solução do conflito de forma mais humana. A psicanálise faz com que os ex-parceiros dialoguem constantemente sobre quem eles são, ou estão se tornando, e quais os termos devem ocorrer o fim de sua ligação.

Portanto, a Psicanálise e o Direito de família tornam-se parceiros necessários para tratar do
divórcio, da luta pela guarda dos filhos, das pensões alimentícias e das partilhas de bens, tarefas árduas que necessitam da interdisciplinariedade, a fim de evitar maiores sofrimentos aos envolvidos.


REFERÊNCIAS BIBLIOGRAFICAS

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Janeiro: Nova Fronteira, 1985.

FREUD, Sigmund. O mal-estar na civilização. Rio de Janeiro: Imago, 1997.

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GROENINGA, Giselle Câmara.Direito e psicanálise: um novo horizonte epistemológico. In: PEREIRA, Rodrigo da Cunha (coord.) Afeto, ética, família e o novo código civil. Belo Horizonte, Del Rey, 2004.

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TEPEDINO, Gustavo. Temas de Direito Civil, Rio de Janeiro: Renovar, 1999.


Notas

1 Paralelamente ao aumento de dissoluções das sociedades conjugais podemos observar a diminuição das formalizações das mesmas. Pereira (2003, p. 28) apresenta em seu trabalho dados extraídos de pesquisas realizadas pelo IBGE sobre registro civil atualizado até 2001. Em 1974 houve 818.990 casamentos civis no Brasil e em 1994 foram 763.29, e em 2001 foram 691.920. Nesse mesmo ano houve 18.782 separações, sendo que (46,30%) dos casamentos desfeitos dura menos de 10 anos, sendo que 23,06% dos homens e 36,35% das mulheres estavam com menos de 30 anos de idade quando se separaram. De 98.217 mil crianças envolvidas no processo de separação, somente 4.312 mil ficaram sob a guarda d pai. Curioso ainda observar que, em 2001, 367 mulheres com 50 anos, ou mais, tiveram filhos. Mas, 54,46% tinham entre 20 e 29 anos.

2 Neste momento, necessário se faz mencionar que a Emenda Constitucional 66, que tramitou no Senado como PEC (Projeto de Emenda Constitucional) nº 28/2.009, foi finalmente promulgada em 13 de julho de 2.010, colocando fim à burocracia até então exigida para o divórcio.

Antes da sua entrada em vigor, para que um casal pudesse se divorciar era necessário prévio processo de separação judicial, e somente após o decurso de um ano da data do trânsito em julgado é que os interessados poderiam requerer o divórcio. Até então, o processo de separação somente poderia ser dispensado se o casal comprovasse a separação de fato por no mínimo dois anos, assim, fazendo prova de tal fato poderiam requerer o divórcio direto.

Com a Emenda, o texto do parágrafo 6º, do artigo 226, passou a ter a seguinte redação: "§ 6º O casamento civil pode ser dissolvido pelo divórcio".

Assim, restando impossível à mantença da vida em comum, a qualquer momento, um dos cônjuges pode buscar a extinção do casamento, ficando desimpedidos para um novo matrimônio. Alguns estudiosos do direito afirmam que seria o fim do instituto da separação no Brasil.

3 Existem diferentes nomeações para a Pós-Modernidade de acordo com o teórico que trabalha a questão.Podemos citar como exemplos sociedade do espetáculo (Guy Debord); sociedade pós-industrial (Daniel Bell); sociedade de risco (Ulrich Beck); modernidade tardia (Anthony Giddens); pós-modernidade (Jean François Lyotard, Boaventura Santos); modernidade líquida (Zygmunt Bauman); sociedade programada (Alain Touraine); sobremodernidade (Marc Augé); capitalismo desorganizado (Claus Offe, Scott Lash e John Urry); sociedade em rede (Manuel Castells); capitalismo tardio ( F. Jameson ); sociedade do controle (Gilles e Deleuze); fim da história (Francis Fukuyama). Essa é uma discussão que nos remete, muitas vezes, para universos de referência distintos, debates diferenciados e filiações epistemológicas não coincidentes.

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Sobre a autora
Cláudia Mara de Almeida Rabelo Viegas

Coordenadora do Curso de Direito da Faculdade Del Rey – Uniesp - Professora de Direito da PUC MINAS e Faculdades Del Rey – UNIESP. Professora-tutora do Conselho Nacional de Justiça – CNJ. Servidora Pública Federal do TRT MG – Assistente do Desembargador Corregedor. Doutora e Mestre em Direito Privado pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais. Especialista em Direito Processual Civil pela Universidade Gama Filho. Especialista em Educação à distância pela PUC Minas. Especialista em Direito Público – Ciências Criminais pelo Complexo Educacional Damásio de Jesus. Bacharel em Administração de Empresas e Direito pela Universidade FUMEC.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

VIEGAS, Cláudia Mara Almeida Rabelo. A dissolução da sociedade conjugal e a psicanálise. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 16, n. 2797, 27 fev. 2011. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/18575. Acesso em: 28 mar. 2024.

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