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Meio ambiente prospectivo: princípio constitucional da solidariedade intergeracional

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3 JURISPRUDÊNCIA AMBIENTAL

Segundo Aguiar e Camargo (2007, p. 133-134), o direito, na perspectiva da realidade social e, portanto, no plano decisório, detém a qualidade de ciência, e, como tal, "interpretá-lo, utilizá-lo como teoria de decisão, de interpretação, significa um florescimento autopoiético, que apesar dos defeitos, mais fundamentais que possui", revela uma tentativa de transmudá-lo do "dever-ser (abstrato, nas normas), no direito ser (concreto, real e coerente com o dever ser), adaptado às mais diversas realidades sociais". E acrescem:

Por ser de natureza humana, o direito na teoria de interpretação, é a compatibilização da norma com a realidade social, mas também, é a resposta de que o direito formal-normativo é útil parcialmente, e precisa se ampliar através da recepção com outras fontes, v. g., com o conhecimento tradicional, procurando-se construir um novo paradigma de direito, o autopoiético.

É cediço que ao povo cumpre a produção do direito pressuposto enquanto que ao Estado o direito posto (direito formal), todavia, apenas "o direito produzido pelo povo é comprometido com a justiça" (GRAU, 2008, p. 81).

Compreendendo o direito como fenômeno social, compilam-se nessa perspectiva alguns julgados do Supremo Tribunal Federal.

O primeiro deles trata da constitucionalidade da compensação devida pela implantação de empreendimentos de significativo impacto ambiental:

Ação direta de inconstitucionalidade. Art. 36 e seus § 1º, § 2º e § 3º da Lei 9.985, de 18-7-2000. Constitucionalidade da compensação devida pela implantação de empreendimentos de significativo impacto ambiental. Inconstitucionalidade parcial do § 1º do art. 36. O compartilhamento-compensação ambiental de que trata o art. 36 da Lei 9.985/2000 não ofende o princípio da legalidade, dado haver sido a própria lei que previu o modo de financiamento dos gastos com as unidades de conservação da natureza. De igual forma, não há violação ao princípio da separação dos poderes, por não se tratar de delegação do Poder Legislativo para o Executivo impor deveres aos administrados. Compete ao órgão licenciador fixar o quantum da compensação, de acordo com a compostura do impacto ambiental a ser dimensionado no relatório – EIA/RIMA. O art. 36 da Lei 9.985/2000 densifica o princípio usuário-pagador, este a significar um mecanismo de assunção partilhada da responsabilidade social pelos custos ambientais derivados da atividade econômica. Inexistente desrespeito ao postulado da razoabilidade. Compensação ambiental que se revela como instrumento adequado à defesa e preservação do meio ambiente para as presentes e futuras gerações, não havendo outro meio eficaz para atingir essa finalidade constitucional. Medida amplamente compensada pelos benefícios que sempre resultam de um meio ambiente ecologicamente garantido em sua higidez. Inconstitucionalidade da expressão ‘não pode ser inferior a meio por cento dos custos totais previstos para a implantação do empreendimento’, no § 1º do art. 36 da Lei 9.985/2000. O valor da compensação-compartilhamento é de ser fixado proporcionalmente ao impacto ambiental, após estudo em que se assegurem o contraditório e a ampla defesa. Prescindibilidade da fixação de percentual sobre os custos do empreendimento. [01]

O segundo julgado reconhece o direito ao meio ambiente equilibrado como direito fundamental, de terceira geração e consagrador do princípio da intersolidariedade:

O direito à integridade do meio ambiente – típico direito de terceira geração – constitui prerrogativa jurídica de titularidade coletiva, refletindo, dentro do processo de afirmação dos direitos humanos, a expressão significativa de um poder atribuído, não ao indivíduo identificado em sua singularidade, mas, num sentido verdadeiramente mais abrangente, à própria coletividade social. Enquanto os direitos de primeira geração (direitos civis e políticos) – que compreendem as liberdades clássicas, negativas ou formais – realçam o princípio da liberdade e os direitos de segunda geração (direitos econômicos, sociais e culturais) – que se identificam com as liberdades positivas, reais ou concretas – acentuam o princípio da igualdade, os direitos de terceira geração, que materializam poderes de titularidade coletiva atribuídos genericamente a todas as formações sociais, consagram o princípio da solidariedade e constituem um momento importante no processo de desenvolvimento, expansão e reconhecimento dos direitos humanos, caracterizados, enquanto valores fundamentais indisponíveis, pela nota de uma essencial inexauribilidade. [02]

O terceiro e último julgado selecionado, retratado em informativo, trata da proibição de importação de pneus usados de qualquer espécie, aí compreendidos os remoldados, sendo confrontado o preço industrial a menor com o preço social a maior e realçados os preceitos constitucionais da saúde e do meio ambiente ecologicamente equilibrado:

O Tribunal, por maioria, julgou parcialmente procedente pedido formulado em arguição de descumprimento de preceito fundamental, ajuizada pelo Presidente da República, e declarou inconstitucionais, com efeitos ex tunc, as interpretações, incluídas as judicialmente acolhidas, que permitiram ou permitem a importação de pneus usados de qualquer espécie, aí insertos os remoldados. Ficaram ressalvados os provimentos judiciais transitados em julgado, com teor já executado e objeto completamente exaurido (...)." (ADPF 101, Rel. Min. Cármen Lúcia, julgamento em 24-6-2009, Plenário, Informativo 552). "A relatora, ao iniciar o exame de mérito, salientou que, na espécie em causa, se poria, de um lado, a proteção aos preceitos fundamentais relativos ao direito à saúde e ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, cujo descumprimento estaria a ocorrer por decisões judiciais conflitantes; e, de outro, o desenvolvimento econômico sustentável, no qual se abrigaria, na compreensão de alguns, a importação de pneus usados para o seu aproveitamento como matéria-prima, utilizada por várias empresas que gerariam empregos diretos e indiretos. (...) Na sequência, a Min. Cármen Lúcia deixou consignado histórico sobre a utilização do pneu e estudos sobre os procedimentos de sua reciclagem, que demonstraram as graves consequências geradas por estes na saúde das populações e nas condições ambientais, em absoluto desatendimento às diretrizes constitucionais que se voltam exatamente ao contrário, ou seja, ao direito à saúde e ao meio ambiente ecologicamente equilibrado. Asseverou que, se há mais benefícios financeiros no aproveitamento de resíduos na produção do asfalto borracha ou na indústria cimenteira, haveria de se ter em conta que o preço industrial a menor não poderia se converter em preço social a maior, a ser pago com a saúde das pessoas e com a contaminação do meio ambiente. Fez ampla consideração sobre o direito ao meio ambiente – salientando a observância do princípio da precaução pelas medidas impostas nas normas brasileiras apontadas como descumpridas pelas decisões ora impugnadas –, e o direito à saúde. (...) A relatora, tendo em conta o que exposto e, dentre outros, a dificuldade na decomposição dos elementos que compõem o pneu e de seu armazenamento, os problemas que advém com sua incineração, o alto índice de propagação de doenças, como a dengue, decorrente do acúmulo de pneus descartados ou armazenados a céu aberto, o aumento do passivo ambiental – principalmente em face do fato de que os pneus usados importados têm taxa de aproveitamento para fins de recauchutagem de apenas 40%, constituindo o resto matéria inservível, ou seja, lixo ambiental –, considerou demonstrado o risco da segurança interna, compreendida não somente nas agressões ao meio ambiente que podem ocorrer, mas também à saúde pública, e inviável, por conseguinte, a importação de pneus usados. (...) Concluiu que, apesar da complexidade dos interesses e dos direitos envolvidos, a ponderação dos princípios constitucionais revelaria que as decisões que autorizaram a importação de pneus usados ou remoldados teriam afrontado os preceitos constitucionais da saúde e do meio ambiente ecologicamente equilibrado e, especificamente, os princípios que se expressam nos arts. 170, I e VI, e seu parágrafo único, 196 e 225, todos da CF. [03]

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CONCLUSÃO

Apreende-se que o princípio constitucional da solidariedade intergeracional constitui-se em uma norma-comando de defesa do meio ambiente ecologicamente equilibrado, dirigida tanto ao poder público quanto à coletividade, com fincas a sua preservação para as futuras gerações, exatamente por ser essencial à sadia qualidade de vida.

É certo que ninguém "ousaria defender seriamente um movimento destinado a vedar toda e qualquer atuação humana sobre a Terra. Deixá-la qual santuário intocado é impossível. Talvez isso aconteça, quando o homem tiver levado a efeito seu propósito de acabar com a vida no planeta" (NALINI, 2010, p. 232).

O dever do poder público, contudo, não se exaure na produção de instrumentos objetos de decisão de um órgão legislativo, uma vez que incapazes de por si sós garantir o direito que deve ser.

Ao poder público incumbe, além da produção legislativa, medidas efetivas e concretas, norteadas pelos princípios da dignidade da pessoa humana, da precaução, da prevenção, do desenvolvimento sustentável e do aproveitamento racional dos recursos naturais, com ênfase em um sistema fiscal reparador, e, sobretudo, numa alentada e persistente política de educação ambiental, para só então crer-se em uma redução dos atuais níveis de degradação ambiental.


REFERÊNCIAS

AGUIAR, Denison Melo de; CAMARGO, Serguei Aily de. Direito e o conhecimento tradicional nos acordos de pesca. Hiléia: Revista de Direito Ambiental da Amazônia, Manaus, n. 8,127-145, janeiro-junho 2007.

BOBBIO, Norberto; AGOSTINETTI, Denise (trad.); LEITE, Silvana Cobucci (rev.). A era dos direitos. 2. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2008.

BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília: Senado Federal, 2010.

CAVALCANTE, Lara Capelo. O princípio constitucional da dignidade da pessoa humana como fundamento da produção da existência em todas as suas formas. Fortaleza: UNIFOR, 2007. Dissertação de Mestrado em Direito Constitucional, Universidade de Fortaleza, 2007.

DECLARAÇÃO DE ESTOCOLMO SOBRE O MEIO AMBIENTE HUMANO. Disponível em: < http://www.dhnet.org.br/direitos/sip/onu/doc/estoc72.htm>. Acesso em: 28 maio 2010.

FIORILLO, Celso Antonio Pacheco. Princípios do direito processual ambiental. 3. ed. rev. atual. ampl. São Paulo: Saraiva, 2009.

GRAU, Eros Roberto. O direito posto e o direito pressuposto. 7. ed. rev. ampl. São Paulo: Malheiros, 2008.

MAZZUOLI, Valério de Oliveira. A proteção internacional dos Direitos Humanos e o Direito Internacional do Meio Ambiente. Revista de Direito Ambiental. São Paulo: Revista dos Tribunais, ano 9, v. 34, abril-junho 2004.

MELO, Sandro Nahmias. Meio ambiente do trabalho: direito fundamental. São Paulo: LTr, 2001.

MENDES, Gilmar Ferreira; COELHO, Inocêncio Mártires; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de direito constitucional. 4. ed. rev. atual. São Paulo: Saraiva, 2009.

PAIANO, Daniela Braga. A preservação ambiental e o desenvolvimento econômico: positivação do valor constitucional da dignidade da pessoa humana. Marília: UM, 2006. Dissertação de Mestrado em Direito, Universidade de Marília, 2006.

SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais. Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora, 2009.

SILVA, José Afonso da. Direito ambiental constitucional. 8. ed. São Paulo: Malheiros, 2010.

STEFANELLO, Alaim Giovani Fortes. Direito, biotecnologia e propriedade intelectual: acesso, apropriação e proteção jurídica dos elementos da biodiversidade amazônica. Manaus: UEA, 2007. Dissertação de Mestrado em Direito Ambiental, Universidade do Estado do Amazonas, 2007.

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TEIXEIRA, Orci Paulino Bretanha. O Direito ao Meio Ambiente Ecologicamente Equilibrado como Direito Fundamental. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2006.


Notas

  1. ADI 3.378, Rel. Min. Carlos Britto, julgamento em 14-6-2008, Plenário, DJE de 20-6-2008.
  2. MS 22.164, Rel. Min. Celso de Mello, julgamento em 30-10-95, Plenário, DJ de 17-11-95. No mesmo sentido: RE 134.297, Rel. Min. Celso de Mello, julgamento em 13-6-95, 1ª Turma, DJ de 22-9-95.
  3. ADPF 101, Rel. Min. Cármen Lúcia, julgamento em 11-3-2009, Plenário, Informativo 538.
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Sobre o autor
Raimundo Paulino Cavalcante Filho

Graduado em Direito pela Universidade Federal do Ceará - UFC. Especializado em Direito do Trabalho e Direito Processual do Trabalho pela Universidade Cândido Mendes - UCAM. Mestre em Direito Ambiental pela Universidade do Estado do Amazonas - UEA. Juiz do Trabalho Titular da 3ª Vara do Trabalho de Boa Vista, aprovado em concurso público de provas e títulos no ano de 2006. Professor Assistente das Disciplinas Direito do Trabalho e Direito Processual do Trabalho junto ao Instituto de Ciências Jurídicas (ICJ) da Universidade Federal de Roraima - UFRR, aprovado em concurso público de provas e títulos no ano de 2013. Sócio da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC) e Associado ao Conselho Nacional de Pesquisa e Pós-Graduação em Direito (CONPEDI). Autor do livro "Greve ambiental individual", publicado no ano de 2013 pela RiMa Editora e coautor dos livros "Perspectivas de direito e processo do trabalho", publicado no ano de 2010 pela Editora Juruá, "Desenvolvimento e meio ambiente: o pensamento econômico de Amartya Sen", publicado no ano de 2011 pela Editora Fórum, e "Estudos avançados de direito e processo do trabalho: atualidades em debate", publicado no ano de 2014 pelo Conselho Nacional das Escolas de Magistratura do Trabalho - CONEMATRA. Detém experiência na área da Ciência do Direito, com realce em Direito Constitucional, Ambiental, do Trabalho e Processual do Trabalho. Palestrante e autor de diversos trabalhos científicos.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

CAVALCANTE FILHO, Raimundo Paulino. Meio ambiente prospectivo: princípio constitucional da solidariedade intergeracional. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 16, n. 2797, 27 fev. 2011. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/18582. Acesso em: 16 nov. 2024.

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