5 CONCLUSÃO
No momento em que chega ao fim o presente estudo, é útil recapitularmos brevemente o trajeto da exposição: o projeto que Voegelin se propõe ao estudar o physei dikaion é recuperar as experiências que engendraram o símbolo do justo por natureza; tivemos, então, que abordar o problema do simbolismo na filosofia voegeliniana para podermos deixar claro porque o direito natural tornou-se um símbolo vazio, graças, principalmente aos estoicos, e quais as consequências de uma deformação dos símbolos; a seguir explicamos o porquê de Voegelin retornar a Aristóteles e traçamos as linhas gerais da interpretação que o filósofo alemão dá à obra do estagirita.
O physei dikaion, como utilizado por Aristóteles, emerge da tensão experienciada entre a substância divina imutável e a mutabilidade humana condicionada existencialmente. Esta tensão ocorre na consciência de seres humanos que estão abertos ao fundamento transcendente-divino da realidade, permeáveis ao movimento do ser. Estes Voegelin denominou seres humanos representativos. Na esteira de Aristóteles, que colocava a ciência da ética como o estudo do spoudaios, o homem maduro, Voegelin põe como ponto central de sua investigação do justo por natureza não a oposição entre direito natural e direito positivo, mas a tensão experimentada na alma de seres humanos representativos que, abertos ao plano transcendente, são a medida de eticidade e justiça das ações humanas concretas. O conteúdo de uma lei será kata physin, em conformidade com a natureza, se em conformidade com uma alma aberta e em sintonia com a ordem do ser. O problema do direito positivo não é afrontar uma suposta lei eterna e imutável que ninguém sabe onde está, mas ser produto da hybris humana. Daí a frase de Platão citada anteriormente: "qualquer um pode elaborar os projetos jurídicos se ele compreendeu a essência da ordem e realizou a ordem em sua própria vida".
Talvez tudo quanto tenha sido aqui exposto tenha parecido estranho àqueles muito acostumados com filosofias modernas e contemporâneas. Malgrado seja Eric Voegelin um filósofo do século XX, o mesmo século de descontrucionismos e existencialismos dos mais variados matizes, sua metodologia é a mesma dos filósofos clássicos. Voegelin é um realista espiritual e como tal enxerga no homem, além da dimensão física, animal, moral e intelectual, uma, e talvez a mais importante, dimensão espiritual (VOEGELIN, 1996). Ele preserva a tensão entre a realidade política e a realidade transcendente e, na esteira de Platão e Aristóteles, sabe que o ser humano não tem seu fundamento em si mesmo.
A análise de Voegelin do símbolo do justo por natureza, portanto, está impregnada de sua abordagem que não despreza, em nome de deturpações modernas e exigências acadêmicas, as experiências mesmas de transcendência. Eric Voegelin não enrubesce ao falar da realidade tal como ele a percebe; não enrubesce ao falar de Deus; não enrubesce ao reduzir a pó as muitas escolas filosóficas da moda. Sua força e honestidade intelectual podem, à primeira vista, espantar; mas o conhecimento começa, justamente, com o espanto.
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