A ilustre doutrinadora Maria Helena Diniz ensina que "a cessão de contrato possibilita a circulação do contrato em sua integralidade, permitindo que um estranho ingresse na relação contratual, substituindo um dos contratantes primitivos, assumindo todos os seus direitos e deveres. [...] o contrato-base é transferido, transmitindo-se ao cessionário todos os direitos e deveres dele decorrentes." (in Curso de direito civil brasileiro: teoria geral das obrigações 2. Vol. 17 . ed. São Paulo: Saraiva. 2003. p. 440).
Assim, somente existirá a cessão de posição contratual quando da substituição de uma das partes contratuais por terceiro. Entretanto, na hipótese em análise não há como considerarmos o espólio da falecida locadora como terceiro à relação contratual originária.
A despeito do artigo 10 da Lei 8245/91 dispor que morrendo o locador, a locação transmite - se aos herdeiros, essa transmissão somente se dá após o regular processo de partilha dos bens do falecido. Enquanto o processo tem andamento, o espólio é administrado e representado legalmente pelo inventariante. Vejamos o que reza o artigo 1991 do Código Civil:
Art. 1.991. Desde a assinatura do compromisso até a homologação da partilha, a administração da herança será exercida pelo inventariante.
Não há, assim, propriamente a entrada de terceiro estranho à relação obrigacional, mas a continuação da relação anterior através de uma ficção jurídica, representada pelo espólio. Nem poderia ser diferente, pois como a partilha ainda não foi concretizada, os bens dela constantes não foram adjudicados a nenhum dos herdeiros. Apenas depois de ultimada a partilha e determinado a qual dos herdeiros caberá o imóvel objeto do contrato de locação, seguido do competente registro, poderemos entender pela mudança no pólo contratual. Esse entendimento decorre do fato de que não há como ter certeza de que o imóvel, ao término da partilha, será aquinhoado para este ou aquele herdeiro.
O Tribunal de Justiça de Minas Gerais, em hipótese similar, assim se posicionou no Processo nº 1.0686.03.071310-7/001(1):
Assevere-se que a posse e a propriedade da herança são transmitidas, desde logo, com a abertura da sucessão, a qual se dá com a morte do de cujus. Todavia, nesse estágio inicial, está a se tratar do acervo hereditário, indistintamente considerado. Todos os herdeiros são proprietários de uma cota ideal dos bens que compõem o espólio, mas não se sabe, ainda, o que especificamente constitui o direito de cada um. Tal estado de indivisão somente se extingue com a implementação da partilha, quando, então, se discrimina e especifica o quinhão hereditário de cada herdeiro. Nesse diapasão, necessário se faz esclarecer que os bens que tocam a cada um dos herdeiros somente poderão ser individualizados com o trânsito em julgado da partilha, implementada nos autos do inventário.
Ainda nesse sentido a decisão no Processo nº 1.0518.06.101173-1/001(1):
De fato, ocorrendo a morte daquele que, primitivamente, figurou como locador no contrato de locação, incumbe ao espólio, na pessoa do respectivo inventariante, aviar a competente ação de despejo c/c cobrança, enquanto não se procede à efetiva partilha dos bens constantes do acervo hereditário.
Encerrado o inventário, entretanto, sobrevém a figura dos herdeiros ou legatários a quem tocou a posse e administração do imóvel locado. A respeito da questão, leciona José da Silva Pacheco:
"Com a morte do locador, diz o art. 10 da Lei 8.245/91, transfere-se a locação a seus herdeiros, seja por tempo determinado ou indeterminado.
Durante o inventário, cabe ao inventariante cumprir as obrigações do locador e exercer os seus direitos, até a partilha dos bens aos herdeiros ou legatários, quando prosseguirá com o titular a quem couber o bem locado..." (in Tratados das Locações, Ações de Despejos e Outras, ed. RT, 1994, p. 313).
Vale dizer, o locador falecido é sucedido pelo espólio, sobrevindo a figura do herdeiro/legatário apenas após o término do inventário
Ademais, importante trazer à lume o disposto no artigo 2020 do Código Civil, que corrobora a tese de que, até o trânsito em julgado da partilha, cabe ao inventariante responder pelo espólio, incluindo o recebimento dos aluguéis porventura devidos:
Art. 2.020. Os herdeiros em posse dos bens da herança, o cônjuge sobrevivente e o inventariante são obrigados a trazer ao acervo os frutos que perceberam, desde a abertura da sucessão; têm direito ao reembolso das despesas necessárias e úteis que fizeram, e respondem pelo dano a que, por dolo ou culpa, deram causa.
Explicamos. Os frutos, em direito civil, nos precisos ensinamentos de César Fiúza, "são as utilidades produzidas, periodicamente, por uma coisa. Podem ser naturais, como os filhotes de um animal, os frutos de uma árvore, o leite de uma vaca, etc.; industriais, como os laticínios em relação ao leite e ao homem, a produção de uma fábrica em relação à matéria-prima e ao homem etc.; ou civis, assim entendidos os salários, juros, lucros e aluguéis" [01].
O Tribunal de Justiça de Minas Gerais assim se manifestou no Processo 1.0024.06.051940-2/001(1):
Ora é inegável que os frutos civis produzidos pelos bens do falecido, desde a abertura da sucessão, devem ser partilhados entre os herdeiros.
A respeito deles, leciona o saudoso civilista e mestre Caio Mario da Silva Pereira:
"Os frutos dos bens da herança pertencem a todos os herdeiros. O inventariante ou o herdeiro que os perceber, como administrador, dará contas aos demais, respondendo ainda pelos danos que causar por culpa sua" (in Instituições de Direito Civil, vol. VI, p. 313, 2ª ed., nº 489).
Não sem razão, portanto, prescreve o art. 2020 do Código Civil que o inventariante é obrigado a "trazer ao acervo" os frutos que percebeu.
Quanto ao momento de fazê-lo, no entanto, observa J. M. de Carvalho Santos:
"A praxe hoje em dia é que o inventariante descreve os frutos e rendimentos nas últimas declarações, para que o líquido apurado passe a fazer monte com os demais bens e seja logo partilhado.
Se, porém, o inventariante não descreve esses frutos por essa ocasião, ou se depois de feita a declaração, ainda muitos frutos foram colhidos e rendimentos obtidos, deve o inventariante ser chamado a prestar contas, mercando-lhe o juiz prazo razoável, quando não o faz voluntária e espontaneamente" (Código Civil Brasileiro Interpretado, vol. XXIV, p. 424 - Livraria Freitas Bastos SA).
Não se pode considerar, portanto, como pretendido pela ora agravante, que o inventariante "vem recebendo indevidamente os aluguéis".
Recebê-los, enquanto administrador do espólio, era e é sua obrigação.
Sendo considerados os aluguéis frutos civis de bens imóveis, e cabendo ao inventariante a sua administração, aliado ao fato de que não há a adjudicação do imóvel ao herdeiro sem a partilha, não é plausível a cessão de posição contratual.
Assim, sendo o espólio o legítimo representante da falecida locadora até a ulterior partilha dos bens, e sendo o inventariante o responsável legal pela administração do mesmo, conjugado com a impossibilidade atual de adjudicação do imóvel a algum dos herdeiros, não é plausível a cessão de posição contratual.
Após a regular partilha e o competente registro do imóvel em nome do herdeiro a que for adjudicado o bem, deve ser feita a devida correção no pólo contratual.
Notas
- FIÚZA, César. Novo Direito Civil. Curso completo. 7.ed. Belo Horizonte, Del Rey, 2003, p.151.