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Análise da interface jurídico-agroambiental no caso dos alimentos transgênicos

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- Sobre o processo legal

Constatando-se interesses conflitantes entre quem defendem os alimentos transgênicos e os que os condenam, é importante estabelecer quem tem legitimidade (legitimatio ad causam) para agir na defesa de seus interesses. A Lei 7.347/85 disciplina a Ação Civil Pública para responsabilidade por danos causados ao meio-ambiente e ao consumidor e a qualquer outro interesse difuso ou coletivo e por infração da ordem econômica. São legitimados para ocupar o pólo ativo desse tipo de ação a União, os Estados membros, os Municípios, o Distrito Federal, os Territórios, os entes da administração indireta, os entes sem personalidade da administração direta, o Ministério Público e as associações (estas cumpridas as formalidades da Lei 8.078/90). Implica mencionar-se, outrossim, que as entidades mencionadas possuem legitimação extraordinária (substituição processual) para propositura da ação civil pública ou coletiva, e que o substituto processual não faz dos legitimados concorrentes litisconsortes dos titulares de interesses representados pela substituição. Segundo os pressupostos legais, o Ministério Público atua sempre como fiscal da lei, quando não atuar como autor da ação civil pública ou da ação civil coletiva e, se isso não ocorrer, haverá nulidade processual. Há ainda a possibilidade de desistência imotivada ou abandono da ação por associação, quando o Ministério Público passa a atuar como autor, mesmo direito garantido aos outros legitimados. Certa facilidade existe quanto ao foro competente para apreciar a ação civil pública, que é o do local onde ocorreu o dano ou a risco de dano.


- Sobre a fiscalização.

Como se sabe, a lei e a fiscalização devem "trabalhar" juntas e, nesse sentido, a lei deve procurar reduzir as possibilidades de fraudes, e aplicar princípios legais que garantam a segurança nacional e o interesse social. Há que se destacar que quando uma norma jurídica autorize a produção de uma coisa que dependa de fiscalização para o bem da coletividade, que automaticamente e instantaneamente os meios de fiscalização adequados entrem em ação. Mas a liberação da cultura transgênica que ocorreu em 2003 e, posteriormente, nos termos da Lei 11.105/05 e similares, não possibilita a segurança que o consumidor deseja e merece. Existem inúmeros casos que comprovam a falta de fiscalização na questão transgênica, como o caso reportado por PORTO (2007). Observe-se o extrato que segue: "Produtores rurais que trabalham com soja convencional no Paraná reclamam da venda de sementes transgênicas misturadas com soja normal. Isso porque, para o produtor, a soja produzida com sementes tradicionais custa em média R$ 40 a saca, enquanto o preço da soja geneticamente modificada foi de R$ 28 na última safra (2006/2007)".

Consultado sobre esse assunto o chefe da Divisão de Fiscalização de Insumos da Secretaria de Estado da Agricultura e do Abastecimento do Paraná, Adriano Rizemberg, disse que índice de contaminação de sementes normais por grãos transgênicos atualmente é alto. "Na safra passada (2006/200), 300 toneladas de sementes foram consideradas contaminadas por sementes transgênicas, 9% de todos os lotes inspecionados pela Secretaria de Agricultura do estado".


- Sobre a questão jurisprudencial

Em seu artigo "Quem manda nos transgênicos? BESSA (2005) coloca a questão da legislação sobre transgênicos de modo a dirimir algumas dúvidas. Esclarece esse autor que o Supremo Tribunal Federal tem se manifestado sobre a constitucionalidade da legislação destinada a reger os produtos contendo organismos geneticamente modificados (OGM), demonstrando que as decisões do STF seguiram a linha de sua jurisprudência predominante. Destaca este autor: "Chamo atenção para o fato de que a novidade do tema mostra que as questões judiciais brasileiras estão se constitucionalizando em uma velocidade bastante grande e, com efeito, o STF – na medida do possível – tem respondido à necessidade social com soluções rápidas e mantendo coerência com a sua jurisprudência".

Um ponto de reincidência nas ações apresentadas ao Supremo Tribunal Federal tem tratado dos limites da competência constitucional dos Estados Membros. Nesse seu artigo, evidencia Bessa que "O cerne das demandas suscitadas perante o STF está, evidentemente, vinculado aos limites e fronteiras dentro dos quais devem se situar, seja a União, no exercício do seu poder de legislar de forma genérica, sejam os estados na suplementação da legislação federal, como determinado pelo artigo 24 da Constituição Federal. Ante a inexistência de uma norma definidora do que deva ser entendido como "norma geral", o STF vem paulatinamente construindo uma interpretação evolutiva da matéria, com vistas a preencher um inequívoco vazio legal. Aqui, não seria exagerado se falar em uma verdadeira "mora" legislativa. É dentro de tal espírito que as decisões foram tomadas. Ainda que, na prática, os limites de atuação dos Estados venha sendo restringido, consolidando um modelo de "federalismo centralizado" que vem caracterizando a nossa federação desde os seus primórdios e que desejo descentralizador de 88 não logrou alterar, sendo muito tênue a modificação da jurisprudência constitucional sob a chamada "Constituição Cidadã". Aqui merece ser observado que os próprios Estados, por meio de representações do Executivo é que, na maioria das vezes, suscitam as argüições de inconstitucionalidade das próprias leis estaduais e, portanto, têm sido os principais agentes da "redução" das competências estaduais".

Deve-se destacar, aqui, que este trabalho não corrobora com a opinião de BESSA (2005), entendo que o tema "transgênico" é muito complexo e particular das regiões do mundo e de dentro do Brasil, para ser tratado por leis abrangentes. Nesse sentido, por exemplo, áreas de intensas culturas de soja e distantes de Áreas de Proteção Ambiental poderiam representar menor perigo do que em áreas mais sensíveis ambientalmente. Outrossim, há que se considerar, também, que o aceite de consumo de alimentos transgênicos pode ser regional, como ocorre em algumas regiões dos Estados do Parará e Rio Grande do Sul, implicando isso em questões de sustentabilidade e na manutenção da Agricultura Familiar.

Diversos embates judiciais têm sido promovidos tendo de um lado as empresas interessadas na liberação dos transgênicos e, do outro, parcelas da sociedade civil organizada que reivindicam uma maior segurança alimentar e ambiental. Conforme noticiado a decisão da Juíza Federal Substituta da Vara Ambiental de Curitiba, em outubro de 2007, Pepita Durski Tramontini Mazin, que, surpreendentemente, suspendeu a liberação do milho OGM MON 810, da empresa Monsanto [07]. Mais ainda coerente, foi a manifestação dessa juíza ao proibir a CTNBio de autorizar qualquer pedido de liberação comercial de milho transgênico, sem a elaboração de medidas de biossegurança compatíveis. Esclarece, textualmente, que sua decisão está amparada no Princípio Constitucional da Precaução e na Lei de Biossegurança (Lei 11.105/2005). O motivo desta ação judicial foram solicitações de das organizações não-governamentais Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec), Associação Nacional dos Pequenos Agricultores (Anpa), Assessoria e Serviços a Projetos em Agricultura Alternativa (AS-PTA), e Terra de Direitos.

Entretanto, a própria CTNBio já tinha lançado mão de liminar no início de julho deste 2007, estabelecendo medidas de biossegurança antes de qualquer ação liberatória de milho transgênico para garantir a coexistência das variedades de milho naturais, além de plano de monitoramento. Porém, organizações não governamentais têm questionado a legalidade e a viabilidade de o plano de monitoramento ser produzido pelas próprias empresas interessadas na propagação dos transgênicos. Para que se garanta a integridade das plantações naturais (orgânicas ou convencionais), deve-se, por exemplo, ser resguardado uma distância mínima entre uma cultura e outra, como de 100 metros.

Mas, o cumprimento da liminar determinada pela decisão dessa juíza, segundo os impetrantes, não está sendo cumprida.


Considerações Finais

As normas legais brasileiras conferem certas garantias ao consumidor de alimentos transgênicos brasileiro, inclusive nos aspectos processuais.

Se atualmente os produtos embalados não oferecem total segurança ao consumidor, menos ainda se espera dos produtos não embalados.

As garantias ambientais oferecidas pelas leis em relação aos transgênicos são discutíveis, e facilmente contestáveis pelos especialistas.

A necessidade de se produzir alimentos para uma população cada vez mais crescente é uma realidade mundial e brasileira.

O sistema de fiscalização governamental nessa área parece não ser compatível e eficaz para fazer valer a força da legislação brasileira.


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Sobre os autores
Anselmo Jose Spadotto

Advogado e Professor Universitário

Ivan Amaral Guerrini

Professor Universitário. Doutor

Natalia Domingues Elias

Estudante de Direito. Especialista em Biodireito

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SPADOTTO, Anselmo Jose ; GUERRINI, Ivan Amaral et al. Análise da interface jurídico-agroambiental no caso dos alimentos transgênicos. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 16, n. 2817, 19 mar. 2011. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/18711. Acesso em: 22 nov. 2024.

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