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O julgamento antecipado da lide no tribunal do júri

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5.DECISÃO DE ABSOLVIÇÃO SUMÁRIA NO RITO DO JÚRI, ARTIGO 415 DO CPP.

A decisão de absolvição sumária, núcleo basilar do presente trabalho, se dá quando o magistrado responsável pela condução do juízo da acusação (primeira fase do júri) se depara, após a instrução criminal, com alguma das situações elencadas no artigo 415 do CPP, incluído pela lei 11.689 de 2008, abaixo transcrito.

Art. 415.  O juiz, fundamentadamente, absolverá desde logo o acusado, quando:

I – provada a inexistência do fato;

II – provado não ser ele autor ou partícipe do fato;

III – o fato não constituir infração penal;

IV – demonstrada causa de isenção de pena ou de exclusão do crime.

Parágrafo único.  Não se aplica o disposto no inciso IV do caput deste artigo ao caso de inimputabilidade prevista no caput do art. 26 do Decreto-Lei nº 2.848, de 07 de dezembro de 1940 – Código Penal, salvo quando esta for a única tese defensiva.

Tal absolvição somente é cabível quando o magistrado se encontra diante de um aparato probatório seguro, incontroverso e claro que garanta a robusta convicção de que realmente o réu se encontra em uma das situações previstas na lei. Desta forma, havendo qualquer hesitação, por mínima que seja, deve este ser pronunciado, para que seja submetido ao julgamento perante o Conselho de Sentença.

Neste sentido, Edilson Mougenot Bonfim [04] leciona: "Tem a absolvição sumária natureza de sentença. Apreciando o mérito, o juiz que julga improcedente a pretensão punitiva estatal. É válido ressaltar que somente se pode arguir a absolvição sumária quando a hipótese que se ensejar estiver nitidamente demonstrada, pois impera nesta fase o princípio "in dúbio pro societate".

A jurisprudência do egrégio Tribunal de Justiça de São Paulo [05] ao tratar do tema, em momento anterior à reforma ocorrida em 2008, entendeu que: "A absolvição sumária do art. 411 do CPP só tem lugar quando a excludente de culpabilidade ou da ilicitude desponte nítida, clara, de modo irretorquível, da prova dos autos. Mínima que seja a hesitação da prova a respeito, impõe-se a pronúncia, para que a causa seja submetida ao júri, juiz natural dos crimes dolosos contra a vida, por mandamento constitucional.".

Antes da edição da lei 11.689 de 09 de junho de 2008, o tema era tratado no artigo 411 do CPP e estavam previstos como pré-requisitos para sua concessão a prova nos autos de uma das excludentes de ilicitude ou de culpabilidade, ou seja, quando o julgador, diante do material probatório produzido, estivesse convencido da existência de circunstâncias que excluíam o crime ou isentasse de pena o acusado, conforme o revogado artigo, in verbis.

Art. 411 (REVOGADO). O juiz absolverá desde logo o réu, quando se convencer da existência de circunstância que exclua o crime ou isente de pena o réu ( artigos 17, 18, 19, 22 e 24, § 1º, do Código Penal), recorrendo, de ofício, da sua decisão. Este recurso terá efeito suspensivo e será sempre para o Tribunal de Apelação.

A previsão legal "circunstância que exclua o crime ou isente de pena o réu", mencionada no artigo acima transcrito se caracterizava mediante a ocorrência de situações de erro sobre elemento do tipo (art. 20 CP); descriminantes putativas (art. 20, § 1º CP); erro sobre a ilicitude do fato (art. 21 CP); coação moral irresistível e obediência hierárquica (art. 22 CP); causas de exclusão da licitude elencadas no art. 23 do CP, quais sejam, estado de necessidade, legítima defesa, estrito cumprimento de dever legal e exercício regular de um direito; inimputabilidade (art. 26 CP) e isenção de pena (art. 28, §1º CP), dentre outras.

No entanto, aplicava-se na vida prática com mais frequência em situações de legitima defesa e inimputabilidade.

Ainda, em momento anterior à reforma, no tocante ao assunto, Paulo Rangel [06], assim lecionava:

A absolvição sumária é decisão de mérito, onde o juiz julga improcedente o pedido do Ministério Público, formulado na denúncia, com conseqüente absolvição do acusado, face à presença de uma excludente, seja de ilicitude ou de culpabilidade. [...]

Trata-se de um verdadeiro e único caso de julgamento antecipado da lide no processo penal brasileiro, pois o juiz natural da causa é o Tribunal do Júri, porém, neste caso, o juiz singular (presidente do Tribunal do Júri, que dirige o processo), verificando a presença dos requisitos previstos no art. 411 do CPP, antecipa o julgamento e dá ao réu o status libertatis.

O artigo retro mencionado foi objeto de diversos questionamentos no sentido de sua inconstitucionalidade argüida com base em uma suposta ofensa ao principio do juiz natural, contido no artigo 5º, inciso XXXVII, da CF/88, uma vez que o juízo competente para o julgamento dos crimes dolosos contra a vida é o Tribunal do Júri e não o magistrado responsável pela primeira fase do procedimento.

O tema foi objeto de Recurso Extraordinário, inscrito sob o número 602.561 TJ/SP, para Supremo Tribunal Federal (STF) interposto contra acórdão do Tribunal de Justiça de São Paulo que decidiu não remeter o réu a Júri por falta de requisito de imputabilidade, absolvendo-o e aplicando-o medida de segurança.

O recorrente fundamentou seu expediente alegando que a CF/88 não recepcionou o artigo 411 do CPP, diante de evidente violação ao artigo 5º, inciso XXXVIII, "d" da CF/88 e ao princípio do juiz natural.

No entanto, a 2ª Turma da Corte Maior, por unanimidade, acompanhou o voto do ministro relator Cézar Peluso que entendeu por estar prejudicada a apreciação do artigo 411 do CPP diante da revogação dada pela lei 11.689/2008, que introduziu o artigo 415 do CPP instituindo normas mais benéficas para a absolvição sumária nos processos de competência do Tribunal do Júri. Por fim, concedeu a ordem de habeas corpus ao réu para determinar que o juízo de 1º grau examinasse se estavam presentes os requisitos previstos pela nova redação legal, vide ementa, abaixo disposta.

EMENTAS: 1. RECURSO. Extraordinário. Pedido. Inconstitucionalidade do art. 411 do Código de Processo Penal. Dispositivo revogado pela Lei n° 11.689/2008. Perda superveniente do interesse recursal. Recurso prejudicado.

O pedido da recorrente está prejudicado ante a revogação do art. 411, do Código de Processo Penal, pela Lei n° 11.689/2008, que introduziu, no art. 415, novas regras para a absolvição sumária nos processos da competência do Tribunal do Júri. 2. AÇÃO PENAL. Tribunal do Júri. Absolvição sumária imprópria. Revogação do art. 411, do Código de Processo Penal, pela Lei n° 11.689/2008. Retroatividade da lei mais benéfica. Concessão de habeas corpus de ofício. As novas regras, mais benignas, aplicam-se retroativamente. Ordem concedida para que o juízo de 1º grau examine, à luz da nova redação, se estão presentes os requisitos para a absolvição sumária, oportunizada prévia manifestação da defesa. (DJe-228 DIVULG 03-12-2009 PUBLIC 04-12-2009 EMENT VOL-02385-06 PP-01205) (grifos originais)

Com o advento da promulgação da lei 11.689 de 2008 foram atendidos pelo legislador os reclamos de significativa parte da doutrina e como bem asseverou o ministro Cézar Peluso no bojo do recurso retro mencionado foram instituídas regras mais benéficas ao réu através da ampliação dos requisitos para concessão da absolvição sumária.

São eles: restar provada a inexistência do fato; provado não ser ele autor ou partícipe do fato; o fato não constituir infração penal, ou demonstrada causa de isenção de pena ou de exclusão do crime, conforme art. 415 do CPP, acima referido.

As novidades trazidas pela reforma se resumem nas previsões dos incisos I, II e III do artigo em análise, já que o inciso IV se refere à aplicação do instituto quando da ocorrência de ocasião onde esteja demonstrada causa de isenção de pena ou de exclusão do crime, ou seja, conjuntura semelhante à antiga previsão do revogado 411 do CPP.

O inciso I traz previsão de aplicação da decisão de absolvição sumária, proferida pelo magistrado que presidir a primeira fase do procedimento, quando, após a instrução, reste demonstrada de forma cabal e inequívoca a inexistência do fato. O inciso II disciplina ocasião onde se comprove, do mesmo modo, não ser o réu o autor ou partícipe do fato delituoso.

Em ambas as previsões legais há análise de matéria de fato, pois o magistrado, perante as provas coligidas até então, entende pela a não ocorrência do fato delituoso e/ou pela não autoria/participação por parte do réu, absolvendo-o.

Já o inciso III, por sua vez, prevê situação de aplicação da decisão de absolvição sumária quando provado que o fato não constitui infração penal, trata-se, portanto, de análise referente a matéria de direito.

Em momento anterior à reforma seria cabível em situações análogas decisão de impronúncia, no entanto, não era certificado o direito já que não se promovia a coisa julgada material e conseqüentemente, de posse de novas provas referentes ao caso, o Ministério Público apresentaria nova denúncia contra o acusado.

Ademais, a decisão absolutória do artigo 415 do CPP veda qualquer possibilidade de Ação civil ex delicto, prevista no artigo 66 do CPP, já que há apreciação de mérito. De outra forma, em momento anterior, com a impronúncia estaria aberto o caminho para que a suposta vítima perquirisse a devida indenização referente aos danos sofridos.

No tocante ao aparato recursal utilizado para o combate à decisão de absolvição sumária, anteriormente, conforme o revogado artigo 411 do CPP, era imperioso o recurso de ofício com a aplicação de efeito suspensivo da decisão que seria apreciada pela instância superior, nos termos do artigo 574, inciso II do CPP.

Existiu discussão à respeito da manutenção ou não do recurso de ofício da decisão ora analisada, após a alteração legislativa. No entanto, atualmente o entendimento é pacificado de que não mais se aplica a previsão do artigo 574, inciso II do CPP.

Com o advento da reforma, a decisão pode ser guerreada mediante interposição de recurso de Apelação, nos termos do artigo 416 do CPP.


6.ABSOLVIÇÃO SUMÁRIA E A INCONSTITUCIONALIDADE DO ARTIGO 415 DO CPP.

Em que pese os aplausos proferidos por expressiva parte da doutrina processual penal brasileira para a reforma legislativa ocorrida, diversos professores suscitaram uma pretensa violação ao texto constitucional pátrio.

Diante de ponderada análise sobre a alteração, o doutrinador Eugênio Pacelli de Oliveira [07] entende que a lei 11.689 de 2008 ampliou sobremaneira as hipóteses de absolvição sumária, que, na ordem anterior, limitava-se às excludentes de ilicitude e culpabilidade, conforme antiga redação do art. 411, com referência ao Código Penal (arts. 20, 21, 22, 23, 26 e 28, §1º). Acrescenta, ainda, que não se convence da validade da ampliação, no confronto com a competência constitucional do Tribunal do Júri.

Consoante com o seu discurso, observa-se que a matéria relativa às excludentes de ilicitude e de culpabilidades, hipóteses do revogado artigo 411 do CPP, são nitidamente questões de direito, o que segundo ele justifica a retirada do julgamento pelo Conselho de Sentença.

Entretanto, após a ampliação de 2008, onde se inseriu aspectos acerca da inexistência do fato e da prova da autoria, entende o doutrinador que tais proposições se tratam de julgamento de matéria exclusivamente de fato diante do quanto produzido na instrução processual realizada na primeira fase do júri.

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De tal forma o juiz instrutor no momento em que absolve sumariamente o réu com base em um dos dois fundamentos apreciados, constantes nos incisos I e II do artigo 415 do CPP, de fato analisa o mérito mediante a ponderação do quantum de conteúdo de prova lançado restando subtraída a competência do Tribunal do Júri.

Por sua vez, Marcellus Polastri Lima [08] entende no sentido de que pode surgir indagação sobre a constitucionalidade do dispositivo, pois, retira o julgamento de mérito que é do juiz natural do Júri, imposto pela Constituição.

Indica ainda que durante a tramitação do projeto da reforma tal já havia sido vislumbrado por CHOUKR [09], ao afirmar que "ao lado de todos estes sérios problemas procedimentais permanece na sombra da inconstitucionalidade o alijamento da participação popular na verificação da admissibilidade da causa", isto ao tratar da admissibilidade pois, no projeto inicial, só haveria o recebimento da denúncia se não fosse caso da absolvição sumária ou impronúncia.

Neste sentido, observa-se que a alteração legislativa em tela ampliou demasiadamente as hipóteses de cabimento do julgamento de absolvição sumária, fato este que proporcionou suposta violação às garantias constitucionais do princípio do Juiz Natural e da competência do Conselho de Sentença para o julgamento dos crimes dolosos contra a vida.

Ocorre que, o ordenamento jurídico pátrio se organiza através de um sistema hierárquico de normas que em seu topo se encontra a constituição. Esta, por sua vez, é composta de normas elaboradas pelo poder constituinte originário ou reformador, integradas ao texto escrito e rígido, caracterizadas principalmente por sua supremacia e superioridade jurídica em relação às demais normas do sistema.

Assim sendo, toda legislação infraconstitucional deve ser dotada de perfeita consonância com a Carta Magna, caso contrário, deve-se acionar o aparato disposto juridicamente para afastar sua aplicação.

No que toca à supremacia da Carta Maior, Luis Roberto Barroso [10] entende segundo lição, abaixo colacionada.

A primeira característica distintiva das normas constitucionais é sua posição no sistema: desfrutam elas de superioridade jurídica em relação a todas as demais normas. A supremacia constitucional é postulado sobre o qual se assenta todo o constitucionalismo contemporâneo. Dele decorre que nenhuma lei, nenhum ato normativo, a rigor, nenhum ato jurídico, pode subsistir validamente se for incompatível com a Constituição. (...). A norma constitucional, portanto, é o parâmetro de validade e o vetor interpretativo de todas as normas do sistema jurídico. (grifos aditados)

De outra banda, em sede de estudo sobre o artigo 415 do CPP, Fernando Capez [11], leciona asseverando que a decisão de absolvição sumária "Trata-se de decisão de mérito, que analisa prova e declara a inocência do acusado. Por essa razão, para que não haja ofensa ao princípio da soberania dos veredictos, a absolvição sumária somente poderá ser proferida em caráter excepcional, quando a prova for indiscutível."

No entanto, devido a manifesta peculiaridade do instituto do Tribunal do Júri, uma vez que os jurados não motivam a decisão proferida, é plenamente possível que mesmo com robusto material probatório indicando a inocência do réu, por inúmeros motivos pode este vir a ser condenado em plenário.

Desta forma, os argumentos utilizados pelo professor Capez não justificam a constitucionalidade da previsão legal, somente pela robustez do das provas, produzidas no processo, tendentes ao convencimento pela absolvição.

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Sobre o autor
Eduardo José Garrido Teixeira

Bacharel em Direito formado pela Faculdade Ruy Barbosa de Salvador/BA. Advogado. Pós-graduando em Direito Processual Civil pela Fundação Faculdade de Direito da Universidade Federal da Bahia-UFBA

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

TEIXEIRA, Eduardo José Garrido. O julgamento antecipado da lide no tribunal do júri. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 16, n. 2819, 21 mar. 2011. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/18721. Acesso em: 19 abr. 2024.

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