Artigo Destaque dos editores

Os dois grandes sistemas de controle de constitucionalidade.

Controle americano vs. controle europeu

Exibindo página 2 de 2
Leia nesta página:

4. Considerações Finais

As matrizes histórico-filosóficas que orientaram a formulação dos sistemas expostos justificam, em parte, as diferentes abordagens adotadas por ambos com relação ao controle de constitucionalidade das leis.

O sistema americano é herdeiro de uma profunda desconfiança em relação ao poder legislativo (Segado, 2003, p. 64), provavelmente ligado à influência negativa da supremacia do parlamento inglês durante o período colonial , razão pela qual a doutrina da separação dos poderes assumiu, naquele país, uma feição de controle mútuo entre ambos (checks and balances) (Cappelletti e Adams, 1966, 1211).

Por outro lado, os abusos do poder judiciário sob a égide do ancien régime aliados à ligação de seus integrantes com as elites aristocráticas, levaram, na Europa, a uma adesão estrita aos postulados desenvolvidos por Rousseau e Montesquieu: a supremacia do direito positivo e do poder legislativo (Cappelletti, 1970, p. 1026).

Nos Estados Unidos o fortalecimento do governo federal frente aos estaduais após a guerra de secessão acentuou o papel do controle de constitucionalidade das leis estaduais que afrontavam a constituição federal (Jaffin, 1942, p. 282-283), levando ao desenvolvimento de novas formas de controle como a técnica de injunctions.

Na Europa, o alcance reduzido do sistema austríaco de 1920 (Cappelletti, 1999, p. 107), levou a mitigação do monopólio da Corte Constitucional. Além disso, segundo Segado (2003, p. 78), na Alemanha e na Itália o legislador foi a principal ameaça para as liberdades durante o período entreguerras, o que provavelmente levou a um fortalecimento do papel dos juízes ordinários daqueles países no desempenho do controle de constitucionalidade.

Desta forma, a evolução de ambos os sistemas, que fez esmorecer a originalmente rígida separação conceitual entre ambos, foi uma resposta a necessidades pragmáticas e históricas.


Referências

BARROSO, Luís Roberto. O Controle de Constitucionalidade no Direito Brasileiro. 4. Ed. São Paulo: 2009.

CAPPELLETTI, Mauro. O Controle Judicial de Constitucionalidade das Leis no Direito Comparado. 2. ed. Porto Alegre: Sérgio Antonio Fabris, 1999.

____________. Judicial Review in Comparative Perspective in California Law Review, vol. 58. n. 5. Out. 1970. P. 1017-1053.

___________ e ADAMS, John Clarke. Judicial Review of Legislation: European Antecedents and Adaptations in Havard Law Review, vol. 79. n. 6. Abril, 1966. p. 1207-1224

CLÈVE, Clèmerson Merlin. A Fiscalização Abstrata da Constitucionalidade no Direito Brasileiro. 2. ed., rev., atual. e ampl . São Paulo: Revista dos Tribunais, 2000.

DANTAS, Ivo. O Valor da Constituição. 3. Ed. Curitiba: Juruá, 2010.

GIFIS, Steven H. Law Dictionary. 5. ed. New York: Barron’s Educational Series, Inc., 2003

HAMILTON, A.; MADISON J. ; JAY, J. O Federalista. Brasília, Ed. UnB, 1984.

JAFFIN, George H. Evolução do Controle Jurisdicional da Constitucionalidade das Leis nos Estados Unidos. Revsta Forense. Volume 86. Maio, 1941. p. 280-292.

KELSEN, Hans. Jurisdição Constitucional. São Paulo: Martins Fontes, 2007.

______. Judicial Review of Legislation: A Comparative Study of the Austrian and the American Constitution in Yhe Journal of Politics, vol. 4. n. 2. Maio, 1942. p. 183-200

KILLIAN, Johnny H.; COSTELLO, George A.; THOMAS, Kenneth R. The Constitution of the United States of America: Analysis and Interpretation. Whashington: U.S. Government Printing Office, 2004.

MENDES, Gilmar Ferreira e MARTINS, Ives Gandra da Silva. Controle Concentrado de Constitucionalidade:Comentários à Lei 9.868 de 10-11-1999. 3. ed. São Paulo: Saraiva, 2009.

FERNANDEZ SEGADO, Francisco - La Obsolescencia de la Bipolaridad Tradicional (Modelo Americano - Modelo Europeo-Kelseniano) de los Sistemas de Justicia Constitucional). Porto Alegre: Revista Direito Público. Ano I - nº 2 – Out-Nov-Dez/2003, p. 55-82.

SWEET, Alec Stone e SHAPIRO. Abstract and Concrete Review in the United States, in On Law; Politics and Judicialization. New York: Oxford Scorlaship Online, 2002. P. 343-375.


Notas

  1. O referido precedente é também citado por alguns como primeiro precedente histórico (Barroso, 2009, p. 3) do próprio controle de constitucionalidade. Entretanto, conforme aponta Cappelletti (1999, p. 46) a idéia de limitação da produção normativa é bastante antiga, tendo raízes na antiguidade clássica.
  2. Segundo o autor, os gregos já faziam a distinção entre os nómoi (leis) e pséfismata (decretos). Os primeiros, que diziam respeito à organização do Estado, só poderiam ser modificados através de um procedimento especial, com o fito de protegê-los dos caprichos da maioria da Assembléia Popular (Ecclésia). Já as pséfismata, que poderia conter normas abstratas e gerais, obedecia um procedimento legislativo mais simples mas, não obstante, deveria ser tanto formalmente quanto substancialmente legal. Em outras palavras, deveria, "como seríamos tentados a dizer nós, juristas modernos, ser constitucional, ou seja, não podia estar em contraste com os nómoi vigentes (Cappelletti, 1999, p. 50). Assim, os juízes atenienses estavam desobrigados a julgar segundo os pséfismata quando estes se contrapunham aos nómoi.

    Além deste precedente, pode-se ressaltar ainda a oposição entre o direito natural e o direito positivo durante o período medieval (Cappelletti, 1999, p. 51), além do poder exercido pelos Parlements franceses durante o ancien régime de examinar a legislação segundo as leis fundamentais do reino (Cappelletti, 1999, p. 54).

    Justicia, a inteligência artificial do Jus Faça uma pergunta sobre este conteúdo:
  3. Tradução livre. Sem grifos no texto original:
  4. The judicial Power shall extend to all Cases, in Law and Equity, arising under this Constitution, the Laws of the United States, and Treaties made, or which shall be made, under their Authority; –to all Cases affecting Ambassadors, other public ministers and Consuls; –to all Cases of admiralty and maritime Jurisdiction; –to Controversies to which the United States shall be a Party; –to Controversies between two or more States; –between a State and Citizens of another State; –between Citizens of different States; –between Citizens of the same State claiming Lands under Grants of different States, and between a State, or the Citizens thereof, and foreign States, Citizens or Subjects.

  5. Sem grifos no original
  6. Sem grifos no original
  7. Em tradução livre, lê-se na décima primeira emenda à Constituição americana: O Poder Judicário dos Estados Unidos não se estenderá a demandas, em lei ou equidade, iniciadas ou perseguidas contra um dos Estados Unidos por Cidadãos de outro Estado, ou por Cidadãos ou Súditos de qualquer Estado Estrangeiro (The Judicial power of the United States shall not be construed to extend to any suit in law or equity, commenced or prosecuted against one of the United States by Citizens of another State, or by Citizens or Subjects of any Foreign State).
  8. The answer to all this is the same as made in every case where an official claims to be acting under the authority of the State. The act to be enforced is alleged to be unconstitutional, and, if it be so, the use of the name of the State to enforce an unconstitutional act to the injury of complainants is a proceeding without the authority of, and one which does not affect, the State in its sovereign or governmental capacity.
  9. To await proceedings against the company in a state court, grounded upon a disobedience of the act, and then, if necessary, obtain a review in this court by writ of error to the highest state court, would place the company in peril of large loss, and its agents in great risk of fines and imprisonment if it should be finally determined that the act was valid. (…)The courts having jurisdiction, Federal or State, should at all times be opened to them, as well as to others, for the purpose of protecting their property and their legal rights.
  10. Segundo (Gifis, 2003, p. 131), os ações declaratórias tem por objetivo extrair da corte um pronunciamento que estabeleça o direito das partes ou expresse a opinião da mesma sobre uma questão de direito sem que daí resulte uma ordem coercitiva.
  11. The power being thus limited to require an application of the judicial power to cases and controversies, is the act which undertook to authorize the present suits to determine the constitutional validity of certain legislation within the constitutional authority of the court? (…) judicial power, as we have seen, is the right to determine actual controversies arising between adverse litigants, duly instituted in courts of proper jurisdiction. The right to declare a law unconstitutional arises because an act of Congress relied upon by one or the other of such parties in determining their rights is in conflict with the fundamental law. The exercise of this, the most important and delicate duty of this Court, is not given to it as a body with revisory power over the action of Congress, but because the rights of the litigants in justiciable controversies require the court to choose between the fundamental law and a law purporting to be enacted within constitutional authority (…).
  12. The Constitution does not require that the case or controversy should be presented by traditional forms of procedure, invoking only traditional remedies; the judiciary clause defined and limited judicial power, not the particular method by which that power might be invoked. (…). The judiciary clause of the Constitution defined and limited judicial power, not the particular method by which that power might be invoked (…). Hence, changes merely in the form or method of procedure by which federal rights are brought to final adjudication in the state courts are not enough to preclude review of the adjudication by this Court.
Assuntos relacionados
Sobre o autor
Mauro La-Salette Costa Lima de Araújo

Estudante de Direito da Universidade Federal de Pernambuco

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ARAÚJO, Mauro La-Salette Costa Lima. Os dois grandes sistemas de controle de constitucionalidade.: Controle americano vs. controle europeu. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 16, n. 2833, 4 abr. 2011. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/18833. Acesso em: 15 nov. 2024.

Leia seus artigos favoritos sem distrações, em qualquer lugar e como quiser

Assine o JusPlus e tenha recursos exclusivos

  • Baixe arquivos PDF: imprima ou leia depois
  • Navegue sem anúncios: concentre-se mais
  • Esteja na frente: descubra novas ferramentas
Economize 17%
Logo JusPlus
JusPlus
de R$
29,50
por

R$ 2,95

No primeiro mês

Cobrança mensal, cancele quando quiser
Assinar
Já é assinante? Faça login
Publique seus artigos Compartilhe conhecimento e ganhe reconhecimento. É fácil e rápido!
Colabore
Publique seus artigos
Fique sempre informado! Seja o primeiro a receber nossas novidades exclusivas e recentes diretamente em sua caixa de entrada.
Publique seus artigos