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Da intervenção e dos problemas políticos

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Nosso País atualmente vive uma crise entre o Estado de Minas Gerais e a União, mais precisamente com o Presidente da República. Uma disputa que vem cheia de rancores derivados de antecedentes políticos divergentes entre eles, que todos nós brasileiros já estamos familiarizados desde o início do Plano real. O que importa neste texto é tentar dissolver o problema relativo a autonomia e a distribuição das Competências entre a União e o Estado federado de Minas Gerais.

A crise se iniciou quando um grupo do Movimento dos Trabalhadores Sem-Terra, ameaçou invadir o sítio de nosso Presidente da República e o ilustre Presidente da República resolveu enviar tropas do exército procurando zelar pela segurança de sua propriedade, fato esse no mínimo estranho haja visto que zelar pela segurança estadual é competência reservada ao Estado cabendo a União enviar tropas para a intervenção federal somente em casos expressos no art.34 da CF/88. A alegação utilizada pelo nosso Chefe de Governo é de que isso iria por fim ao exposto nos inciso IV desse art. 34, que o ato de enviar tropas colocaria fim ao grave comprometimento da ordem pública. Essa alegação não procede e não pode ser considerada como válida e nada mais é que um pretexto para o cidadão Fernando Henrique Cardoso proteger suas terras. Uma importante indagação cabe agora: Desde quando um sítio é um símbolo nacional? Essa propriedade rural é de interesse privado do cidadão Fernando Henrique Cardoso e não da União, dos Estados e muito menos de nós membros dessa República.

O ilustre Presidente da Nação Brasileira fez uso das forças armadas e interviu no Estado de Minas Gerais porque foi simplesmente ameaçado de ter seu bem imóvel invadido e provavelmente depredado pelos invasores. Deve-se esclarecer que os Sem-Terra simplesmente ficaram acampados em frente a propriedade não chegando a invadi-la, então não poderiam sofrer qualquer coação que os forçasse a sair de lá, visto que isto caracterizaria a quebra do direito do cidadão de ir e vir tanto ressaltado em nossa atual Carta Magna, como o direito da liberdade de locomoção, ambos dispostos no art. 5º da CF/88 por isso acho estranho esse envio das forças armadas ao Estado Mineiro. Não seria isso um desrespeito ao preceito constitucional disposto no art. 85, V que dispõe sobre a responsabilidade do Presidente da República ? Pois o envio dessas tropas não caracterizaria a utilização indevida da máquina pública (o exército) para interesses pessoais e não sociais. Acredito que isso seria mais um belo exemplo da maneira que nosso Presidente quer fazer a Justiça Social, mandando as tropas invadirem o Estado de Minas Gerais que fere a autonomia deste ente federado que tem esta característica como primordial garantia constitucional expressa nos arts. 18, 25 a 28 de nossa atual Constituição.

O Governador Itamar Franco diz que não recebeu nenhum pedido oficial para mandar a Polícia até o acampamento e manter a proteção da devida propriedade rural e não tinha obrigação nem de enviar a Polícia até o local porque os Sem-Terra apenas acamparam em frente não chegando a invadir. A Polícia só poderia ser mandada até o local se o Movimento tivesse invadido o sítio e o Presidente tivesse impetrado e conseguido a Reintegração de Posse, porém somente com o devido pedido julgado poderiam agir seguindo os procedimentos determinados em nossos Códigos de Processo, mediante a presença do Oficial de Justiça e da ordem de reintegração de posse em suas mãos somente podendo agir se ocorrer resistência dos mesmos, ficando lá somente se houver alguma resistência ou confronto.

Polícia esta que tem a função de manter a ordem social e a segurança nos limites de seu território. Segundo José Afonso da Silva, grande constitucionalista brasileiro: "a segurança pública deve respeitar uma repartição de competências e o que rege é o de que o problema da segurança pública é de competência e responsabilidade de cada unidade da Federação, tendo em vista as peculiaridades regionais e o fortalecimento do princípio federativo (grifo nosso), como aliás, é da tradição do sistema brasileiro". O mesmo constitucionalista vai além dizendo " As polícias civil e militar, em cada Estado, cabem a polícia ostensiva e a preservação da ordem pública, que são subordinadas aos Governadores dos Estados, do Distrito Federal e dos Territórios ". Lembra também Hélio Tornaghi o significado da palavra polícia que convém ser relembrado " Polícia passa a significar a atividade administrativa tendente a assegurar a ordem, paz interna, a harmonia e, mais tarde, o órgão que zela pela segurança dos cidadãos". Esse significado do eminente processualista mereceu ser lembrado por fazer menção que a Polícia é órgão estatal. Se o Presidente diz que o Movimento dos Sem-Terra, age mal em invadir as terras ele está certo, mas de que maneira eles irão conseguir fazer que a maioria de nosso País escute seu clamor, pois senão houver protesto não haverá atenção e o atual comodismo do neoliberalismo de nosso Presidente continuará.

O Governador Itamar Franco não foi negligente, porque mandou as tropas até lá em uma cidade próxima esperando a invasão que parecia iminente, agindo além daquilo que lhe poderia ser pedido futuramente pelo Presidente, que preferiu ignorar vários princípios do Direito Constitucional por causa de uma antiga disputa política com o governador mineiro. Por causa desses argumentos apontados acredito que o ilustre Ministro do Supremo Tribunal Federal, Nelson Jobim, julgou incorretamente esse mandado de segurança (seguindo uma ideologia estritamente kelseniana) que em meu humilde ponto de vista, seria totalmente coerente. O ilustre Ministro disse sim que a utilização das Forças Armadas seria de livre arbítrio do Presidente, e foi correto, mas deve ser utilizado em casos extremos e sem aparente solução sem ser essa. A intervenção militar, ou o seu uso, deveria ser feito em concordância com o governador evitando assim possíveis conflitos e lides como essa que surgiu por causa de um problema que facilmente pode ser solucionado se ambos os lados retirassem seus egos políticos do meio do caminho e procurassem em respeito as normas constitucionais e aos próprios princípios do federalismo resolver os iminentes problemas sem o atropelamento desses pressupostos a resolução disso seria pacífica, sem afrontamentos as normas constitucionais e feridas a autonomia do estado mineiro.

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Concluo dizendo que não sou crítico radical aos comportamentos do Presidente e nem contra as atitudes intransigentes do governador do Estado de Tiradentes e muito menos a favor desse movimento que prega a anarquia e o desrespeito as normas jurídicas e aos preceitos lógicos da razão e da lógica na negociação. Acredito sim em uma harmonia no Poder Executivo em qualquer um de seus níveis e evitar que entraves como esse impeçam nosso imenso Brasil de desenvolver esse imenso potencial que existe dentro de seu território e de seus amados filhos trabalhadores e guerreiros. Por isso, para a resolução da maioria de nossos conflitos políticos a palavra ego e desrespeito ao texto Constitucional deveriam ser apagadas da consciência da maioria de nossos políticos que acreditam serem deuses vivos.


AGRADECIMENTOS

Primeiramente agradeço ao Doutor Júlio César Ballerini Silva, emérito Juiz de Direito, pelas primeiras luzes de conhecimento prático no mundo jurídico e por eliminar minhas pertinentes dúvidas sobre o amplo campo de atuação do direito.

Após agradeço a Doutora Juliana Carlucci, por ter paciência e me explicar os pontos de meu trabalho, além de me auxiliar nos principais pontos discursivos desse ensaio.

Finalmente, agradeço a minha professora de Direito Constitucional II, Doutora Nina Valéria Carlucci por me dar apoio e idéias que foram utilizados por mim.


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:

Tornaghi, Hélio; Curso de Processo Penal; Rio de Janeiro/RJ; Coelho Branco Editor; 1953.

Silva, José Afonso da; Curso de Direito Constitucional Positivo; Malheiros Editores; 2000.

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Sobre o autor
Flávio Augusto Maretti Sgrilli Siqueira

Defensor Público Substituto em Minas Gerais Mestrando em Direito Penal e Tutela dos Interesses Supra-Individuais na UEM; Especialista em Direito e Processo Penal pela UEL; Professor de Direito Constitucional e Direito do Consumidor na Faculdade de Direito de São Sebastião do Paraíso (FECOM); Professor de Direito da UNIFENAS (Câmpus São Sebastião do Paraíso).

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SIQUEIRA, Flávio Augusto Maretti Sgrilli. Da intervenção e dos problemas políticos. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 5, n. 46, 1 out. 2000. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/1886. Acesso em: 29 mar. 2024.

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