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O operador portuário refém do trabalhador portuário avulso

13/04/2011 às 11:07
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O arcabouço legislativo-trabalhista pátrio, indubitavelmente, é um dos mais complexos do mundo. A proteção dos direitos do trabalhador está cristalina na letra da lei, tendo seus princípios basilares previstos na Constituição Federal de 1988.

Ocorre que, por vezes, o excesso de zelo do legislador, na ânsia de proteger o trabalhador, acaba por criar aberrações normativas que contrariam a Carta Magna. E o presente artigo tem por objetivo questionar uma dessas situações: o da justa causa do trabalhador contratado pelo operador portuário, como vinculado, para o serviço de capatazia, que retorna à lista de escalação do Órgão Gestor de Mão de Obra Portuária e acaba concorrendo às oportunidades de trabalho ofertadas por seu antigo empregador.

Segundo o art. 18 da Lei n.º 8.630, a famigerada Lei de Modernização dos Portos, "os operadores portuários devem constituir, em cada porto organizado, um órgão de gestão de mão-de-obra do trabalho portuário", tendo como uma de suas finalidades "administrar o fornecimento da mão-de-obra do trabalhador portuário e do trabalhador portuário avulso".

De conformidade com o art. 21 do diploma legal supramencionado, o órgão de gestão de mão de obra pode ceder trabalhador portuário avulso, em caráter permanente, ao operador portuário. Vê-se tal previsão, também, no art. 26 e parágrafo primeiro da mesma lei.

O art. 3.º, § 1.º da Lei n.º 9.719/98, aduz que durante o período em que houver vínculo de emprego entre o trabalhador portuário e o operador portuário, seu registro permanecerá suspenso, ou seja, não poderá concorrer às oportunidades de trabalho ofertadas pelo OGMO como avulso.

Resta claro, segundo a norma, que com a rescisão do contrato de trabalho, este trabalhador terá assegurado o seu retorno ao sistema de rodízios, voltando a concorrer à escala como avulso.

O art. 5.º da Lei n.º 9.719 prevê que "a escalação do trabalhador portuário avulso, em sistema de rodízio, será feita pelo órgão gestor de mão de obra". Apenas no caso de aposentadoria, o trabalhador terá seu registro no OGMO extinto, na forma do art. 27, § 3.º, da Lei n.º 8.638.

Assim, o que se vê é que a lei se cala no que tange à situação em que o trabalhador, quando vinculado, é despedido da empresa por justa causa.

O art. 37 da Lei de Modernização dos Portos aduz constituir infração do OGMO toda ação ou omissão que importe na recusa da distribuição dos trabalhadores a qualquer operador portuário, de forma não justificada.

Destaque-se que a legislação é omissa no que tange ás faltas graves cometidas pelo trabalhador portuário avulso quando vinculado. Neste caso, a falta grave está vinculada ao empregador, no caso o operador portuário, e não ao OGMO.

Como se sabe, compete ao OGMO aplicar, quando couber, normas disciplinares previstas em lei, contrato, convenção ou acordo coletivo de trabalho, no caso de transgressão disciplinar, conforme redação do art. 19 da Lei n.º 8.630/93. Para tanto, os Órgãos Gestores de Mão de Obra Portuária constituem uma Comissão Paritária, nos termos do art. 23, do mesmo diploma legal, para solucionar litígios, quando este atuar como avulso.

Mas, seria razoável que o operador portuário seja obrigado a aceitar o trabalhador portuário que foi dispensado por justa causa quando vinculado, como trabalhador portuário avulso, participando do sistema de rodízio, e, in casu, ignorando a real motivação da existência do instituto da justa causa? Ainda, a existência de previsão normativa específica vedando tal situação é conditio sine qua non para tal exclusão?

Primeiramente, é importante afugentar a idéia de que o afastamento da escala em virtude da justa causa ocorrida ensejaria dupla penalidade pelo mesmo fato. Ora, não há qualquer dúvida de que a penalidade é única. Ou seja, afastar o trabalhador do trabalho na empresa, não havendo falar em diferença entre o trabalho vinculado e o avulso.

Assim, é irracional entender que o operador portuário estaria obrigado a receber o trabalhador outrora dispensado por justa causa prestando serviços novamente na empresa. Tal situação contraria a Constituição Federal, é economicamente inviável e juridicamente insegura.

No entender deste advogado, o próprio OGMO, através da Comissão Paritária, e olhos postos nos princípios do devido processo legal e da ampla defesa, basilares dos procedimentos administrativos, detém poderes para impedir a ocorrência desta anomalia.

Não obstante a existência do art. 37 da Lei de Modernização dos Portos, supracitado, aduzindo que o OGMO não pode se recusar a afastar os trabalhadores portuários avulsos das convocações efetuadas pelos operadores portuários, é importante destacar que este órgão deve "zelar pelas normas de saúde, higiene e segurança no trabalho portuário avulso", segundo o art. 19, V, do mesmo diploma legal.

Assim, não é necessário que exista instrumento normativo prevendo esta situação. Ou seja, mesmo com a falta de previsão legal ou normativa específica, cabe ao OGMO impedir a ocorrência desta situação, através de sua Comissão Paritária, tão logo seja avisado pelo operador portuário acerca da dispensa por justa causa do trabalhador.

Imagine-se um caso de agressão, que culminou na justa causa do trabalhador portuário vinculado. Se o operador portuário contratou algum trabalhador portuário de fora do sistema (observando as normas para tanto), para o serviço de capatazia, este será dispensado por justa causa e nunca mais prestará serviços na empresa. De outra sorte, não se pode imaginar que o trabalhador que retorna ao cadastro do OGMO, poderia retornar ao rodízio e voltar a trabalhar operando equipamentos do operador portuário.

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Vê-se aqui uma anomalia, uma clara agressão ao princípio da isonomia. Neste aspecto não se pode imaginar que o trabalhador portuário avulso, que retorna às listas do OGMO deve ser tratado de maneira diferente de qualquer outra pessoa que está no mercado de trabalho.

Ora, então não seria a agressão que motivou a justa causa suficiente para justificar sua não escalação nos moldes do art. 37 da Lei n.º 8.630?

Sem sombras de dúvida, a resposta da indagação é positiva. Contudo, o que se vê é o OGMO inerte em momentos análogos, se colocando em posição de somente afastar o trabalhador portuário da escala através de determinação judicial, o que faz com que o operador portuário tenha que buscar a tutela jurisdicional do Estado. Assim, o operador está à mercê de um judiciário que, por muitas vezes, desconhece a natureza do trabalho portuário.

Ou seja, a inércia do Órgão Gestor de Mão de Obra Portuária, nesses casos, faz com que o operador portuário questione como deve agir. Muitas vezes, este fica refém do trabalhador portuário avulso, permitindo seu retorno às listas de chamada, pois buscar uma ordem judicial para amparar o (cristalino) entendimento exposto neste artigo pode ser perigoso, haja vista que a interpretação do tema pelo judiciário pode levar a decisões absurdas.

E, assim, o operador portuário se vê prejudicado pela falta de ação não só do OGMO, mas também dos Sindicatos dos Trabalhadores, fazendo com que a atividade portuária se torne cada vez mais cara também no aspecto trabalhista-social, em adição aos custos regulatórios.

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Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

. O operador portuário refém do trabalhador portuário avulso. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 16, n. 2842, 13 abr. 2011. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/18892. Acesso em: 25 abr. 2024.

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