Artigo Destaque dos editores

A reforma do Código de Processo Penal.

Análise crítica ao PL nº 156/09 do Senado

Exibindo página 2 de 2
Leia nesta página:

5. Outras novidades

5.1. A investigação direta pelas partes

O PL 156/09 traz, como novidade, um esboço da regulamentação da investigação defensiva.

Com efeito, foi prevista, expressamente, a faculdade do investigado de, por intermédio de seu advogado ou defensor, entrevistar pessoas, inclusive a vítima sob determinadas condições, para identificar fontes de prova em seu favor.

O texto, entretanto, deixou de prever de modo explícito a investigação direta pelo MP.

No entanto, a opção do legislador pelo adversarial system nos conduz à conclusão de que há autorização implícita para que o Promotor colha diretamente os elementos que interessam à ação penal, pois o entendimento contrário desestabilizaria a relação processual e a par conditio, impondo-se, destarte, refutá-lo.

5.2. Inquérito policial

O inquérito, ao que parece, perdeu um pouco de sua formalidade. Há previsão de registros simplificados de diligências, inclusive por meio de gravações de áudio e vídeo, o que pode ser bom. Tramita entre Polícia e MP, sem onerar o Judiciário, salvo nos casos de prisão, interceptação telefônica, busca e apreensão, e outras cautelares.

O projeto deixa claro que a finalidade única do inquérito policial é fornecer elementos de convicção ao Ministério Público para que este possa intentar a ação penal (cf. o teor do art. 34). Ao que parece, a intenção do legislador foi a de retirar a importância do inquérito para o desfecho da ação penal, sabido que muitas vezes os juízes extraem sua convicção do caderno policial e a audiência é instalada tão-somente para validá-lo, fraudando-se [28], assim, o contraditório.

Melhor seria que o novo CPP previsse que, findo o prazo inicial do inquérito, o MP passasse a dirigir o inquérito, requisitando as providências faltantes. Isso evitaria diligências excessivas ou desnecessárias e orientaria o trabalho policial, com economia de recursos.

5.3. Barganha

O projeto prevê acordo entre MP e acusado, para aplicação da pena mínima (em algumas hipóteses com redutor de 1/3) nos crimes punidos com até 8 anos. Poderia ter avançado mais. A barganha é eficiente para o combate ao crime organizado e deveria ser mais bem aproveitada. Da forma como foi definido, o acordo nem sempre será vantajoso, pois, em regra, os juízes já aplicam as penas no piso [29].

5.4. Prisão em flagrante

A prisão em flagrante – apesar de prevista na Constituição – não subsiste no projeto por mais de 24 horas, para o desprestígio desse instituto. Para que a custódia seja mantida, o juiz deverá, necessariamente, convertê-la em preventiva. Mas para que o juiz opte pela preventiva, deverá dizer que outras cautelares (afastamento do lar, monitoramento eletrônico, recolhimento domiciliar, proibição de aproximar-se de alguém, etc.) não são suficientes, nem mesmo se aplicadas cumulativamente. O clamor público não justifica a prisão, que fica mais difícil de ser adotada. A cada 90 dias, o juiz ou tribunal têm que reexaminar os fundamentos da prisão, para dizer se a mantém. Na prática, foram colocados empecilhos em excesso à prisão cautelar.

5.5. Quebra da par conditio

Quando o art. 4º diz que o juiz não pode substituir a atuação probatória da acusação deixa a impressão de que pode fazê-lo em favor da defesa.

Essa previsão desprestigia a advocacia por admitir que seja ela tutelada pelo juiz.

Além disso, afasta o juiz da sua posição de neutralidade em relação às partes, pois este terá, durante todo o processo, que avaliar o desempenho da defesa para ajudá-la quando entender conveniente.

5.6. Videoconferência

O projeto foi tímido no que concerne à utilização da tecnologia, em especial no tocante à videoconferência. Esta foi prevista tão somente em caráter excepcional, o que nos leva à conclusão de que se perde boa oportunidade para normatizá-la de modo a evitar os constantes deslocamentos de indivíduos perigosos entre os estabelecimentos prisionais e os fóruns, com todos os problemas e custos que essas operações acarretam.

5.7. Formalismo

Há muita formalidade para a fase processual, como, por exemplo, na regulação minuciosa de reconhecimento de pessoas, o que poderá dar ensejo a infinitas nulidades.

5.8. Atenção à vítima

Dá-se maior atenção à vítima, que, agora, tem o direito de saber o que se passa no processo e pode pleitear indenização pelo fato criminoso perante o juiz criminal.


6. Conclusões

1. O Código de Processo Penal em vigor está desatualizado e não se ajusta à concepção moderna do processo acusatório, cuja observância decorre de imperativo constitucional.

2. O PLS 156/09, aprovado no Senado em 7 de Dezembro de 2010, tem o escopo de se constituir no novo Código de Processo Penal, e traz, entre as novidades, a figura do "juiz de garantias", com atuação na fase de investigação.

3. Diante do "juiz de garantias", cabe ao Ministério Público assumir a direção das investigações, pois aquele, como garante dos direitos individuais dos suspeitos, deve ter uma atuação absolutamente passiva. Nessa concepção de processo, ao contrário do que prevê o projeto, o juiz não pode decretar medidas coativas de ofício, nem mesmo para atender a pedidos da Polícia, se estes não tiverem o aval do Ministério Público.

4. Seria importante que o PL regulamentasse a investigação direta pelo Ministério Público. A investigação direta pelo MP é consectário lógico da expressa previsão da investigação defensiva, constituindo-se na garantia da par conditio. No procedimento ditado pelo projeto, recai sobre o Ministério Público (e não mais sobre o juiz) a responsabilidade pelo resultado do processo.

5. O projeto deveria conter regra que obrigasse o Ministério Público requisitar as diligências faltantes ao termo do prazo inicial do inquérito policial, como forma de se evitarem as providências desnecessárias ou excessivas.

Fique sempre informado com o Jus! Receba gratuitamente as atualizações jurídicas em sua caixa de entrada. Inscreva-se agora e não perca as novidades diárias essenciais!
Os boletins são gratuitos. Não enviamos spam. Privacidade Publique seus artigos

6. Da forma como está prevista, a barganha penal será pouco utilizada, pois são poucas as vantagens que a sua aceitação acarretará ao acusado.

7. A prisão em flagrante, embora prevista na Constituição da República, foi menosprezada pelo PL, que não a admite para além de 24 horas. Foram igualmente previstas exigências em excesso para o decreto de prisão cautelar, o que não atende à garantia da ordem pública.


Bibliografia

ANDRADE E SILVA, Danielle Souza de. A investigação preliminar nos delitos de competência dos tribunais. Tese de doutorado, USP, 2009.

ARMENTA DEU, Teresa. El Fiscal Instructor: ¿Es Necesario?Cuadernos de Derecho Público, n. 16, 2002, p. 191-222. Disponível em <http://www.cejamericas.org>. Acesso em 11 Mar. 2011.

BECERRA, Nicolás E. El ministerio público fiscal: gênesis, ubicación institucional y la reforma pendiente. 1ª. ed., Buenos Aires – Madrid: Ciudad Argentina, 2004.

BERTOLINO, Pedro J. El juez de garantías, Buenos Aires, Depalma, 2000.

BRUZZONE, Gustavo A. Fiscales y política criminal. In: MAIER, Julio B. J. (comp.). ElMinisterio Público en el proceso penal. Buenos Aires: Ad-hoc, 2000.

BUONO, Carlos Eduardo de Athayde e BENTIVOGLIO, Antônio Tomás. A reforma processual penal italiana – reflexos no Brasil, São Paulo, RT, 1991.

GRINOVER, Ada Pellegrini, A iniciativa instrutória do juiz no processo penal acusatório, Revisa Forense, v. 347, Rio de Janeiro, jul./ago./set. 1999. Disponível em <http://www.metajus.com.br/textos_nacionais/texto-nacional21.html>. Acesso em 10 mar. 2011.

GRINOVER, Ada Pellegrini; Fischer, Félix. Juizado de instrução. Vantagens e inconvenientes. Exame de alternativas ajustadas à realidade brasileira. In: Seminário Aspectos Penais em 500 anos, Brasília. Anais do Seminário Aspectos Penais em 500 anos. Brasília: CJF, CEJ, 2001.

GUARIGLIA, Fabricio O. Facultades discrecionales del ministerio público e investigación preparatória: el principio de oportunidad. In: MAIER, Julio B. J. (comp.). El Ministerio Público en el proceso penal. Buenos Aires: Ad-hoc, 2000.

JARDIM, Afrânio Silva. O papel do poder judiciário em face do sistema processual penal acusatório, In: Revista Justitia, São Paulo, APMP, jul-set 1989.

LOPES JR. Aury. Direito processual e sua conformidade constitucional, vol. I, Rio de Janeiro, Lumen Juris, 2007.

LOPES, José António Mouraz. A tutela da imparcialidade endoprocessual no processo penal português, Coimbra, Coimbra Editora, 2005.

NUCCI, Guilherme de Souza. Individualização da pena, 2ª. ed., São Paulo, RT, 2007.

OLMEDO, Eduardo José. Los jueces, el Ministerio Fiscal y la actuación policial. Buenos Aires: La Ley, 2003.

PIMENTEL, José Eduardo de Souza. Processo penal garantista e repressão ao crime organizado. A legitimidade constitucional dos novos meios de investigação e prova diante do crime organizado. Dissertação de mestrado. PUC/SP, 2006. Disponível em <http://biblio.pucsp.br>. Acesso em 10 mar. 2011.

SUANNES, Adauto. Os fundamentos éticos do devido processo penal, 2ª. ed., São Paulo, RT, 2004.


Notas

  1. Nesse sentido, GRINOVER, Ada Pellegrini; Fischer, Félix. Juizado de instrução. Vantagens e inconvenientes. Exame de alternativas ajustadas à realidade brasileira. In: Seminário Aspectos Penais em 500 anos, Brasília. Anais do Seminário Aspectos Penais em 500 anos. Brasília: CJF, CEJ, 2001. p. 29.
  2. Afrânio Silva Jardim ensina que os princípios mais importantes do processo penal moderno são o da imparcialidade do juiz e o do contraditório. Para o autor, "os demais princípios nada mais são do que consectários lógicos desses dois princípios. Assim, o princípio da demanda ou da iniciativa das partes, próprio do sistema acusatório, decorre da indispensável neutralidade do órgão julgador. Sem ela, toda a atividade jurisdicional restará viciada. Por esse motivo, a tendência é retirar do Poder Judiciário qualquer função persecutória, devendo a atividade probatória do juiz ficar restrita à instrução criminal, assim mesmo, supletivamente ao atuar das partes. (...) Nem mesmo a forma mista do Juizado de Instrução foi adotada pela nossa moderna legislação" (JARDIM, Afrânio Silva, O papel do poder judiciário em face do sistema processual penal acusatório, In: Revista Justitia, São Paulo, APMP, jul-set 1989, g.n.).
  3. O STF chegou a afirmar na ADI 1517/DF que o magistrado tem poderes instrutórios, que decorem da aplicação analógica do art. 440 do CPC referente à inspeção judicial. Para a Corte, colher provas "não implica valorá-las, o que há de ser feito de forma fundamentada e após o contraditório".
  4. SUANNES, Adauto, Os fundamentos éticos do devido processo penal, 2ª. ed., São Paulo, RT, 2004, p. 159-160.
  5. Idem, p.163.
  6. Referindo-se à reforma do processo penal da Província de Buenos Aires, explica Bertolino: "la aparición del juez de garantías en el ‘proceso bonaerense responde a la necesidad de adecuar el procedimento al sistema acusatorio, en donde las funciones de investigar y perseguir penalmente y las de juzgar o aun decidir sobre el mérito de las investigaciones previas debe deslindarse física y conceptualmente" (BERTOLINO, Pedro J., El juez de garantías, Buenos Aires, Depalma, 2000, p. 11).
  7. No sentido do texto: ANDRADE E SILVA, Danielle Souza de, A investigação preliminar nos delitos de competência dos tribunais. Tese de doutorado, USP, 2009, p. 248.
  8. Como regra, a instrução preliminar era atribuída ao juiz. O MP, entretanto, conduzia pessoalmente a "investigação sumária" nos seguintes casos: a) flagrante; b) crimes praticados por pessoas presas, detidas ou submetidas a medidas de seguranças; c) quando não era possível o processo ex abrupto (art. 389); d) em casos de confissão, sem necessidade de outros atos de instrução (art. 389); e e) nos casos de "prova evidente" (BUONO, Carlos Eduardo de Athayde e BENTIVOGLIO, Antônio Tomás, A reforma processual penal italiana – reflexos no Brasil, São Paulo, RT, 1991, p. 58).
  9. Na jurisprudência do Tribunal Europeu de Direitos do Homem reconhece-se pacificamente a nulidade da atuação no processo do juiz que participou da investigação, ainda que para decidir sobre cautelares (cf. LOPES, José António Mouraz, A tutela da imparcialidade endoprocessual no processo penal português, Coimbra, Coimbra Editora, 2005,p.80 e ss.). O mesmo entendimento se espraiou pela Argentina, motivando a reforma, em 1998, do Código de Processo Penal da Província de Buenos Aires para nela inserir a figura do juiz de garantias (nota do autor).
  10. Nesse sentido: BERTOLINO, Pedro J., El juez de garantias, Buenos Aires, Depalma, 2000,p.6.
  11. As reformas das leis processuais penais europeias buscam ampliar ao máximo o princípio acusatório. Como regra, atribuem ao Ministério Público a direção da fase instrutória do processo, sob diferentes formas de controle, segundo o sistema processual adotado. Prevalece a ideia de que essa instrução serve para fundamentar a acusação e não para a instrução judicial (no sentido do texto: ARMENTA DEU, Teresa, El fiscal instructor ¿es necessário?. Cuadernos de Derecho Público, n. 16, 2002, p. 191-222. Disponível em <http://www.cejamericas.org>. Acesso em 6 mar. 2011).
  12. Sobre o assunto, cf. PIMENTEL, José Eduardo de Souza, Processo penal garantista e repressão ao crime organizado. A legitimidade constitucional dos novos meios de investigação e prova diante do crime organizado. Dissertação de mestrado. PUC/SP, 2006. Disponível em <http://biblio.pucsp.br>. Acesso em 10 mar. 2011.
  13. BERTOLINO, Pedro J., El juez de garantías en el Código Procesal Penal de la Província de Buenos Aires, Buenos Aires, Depalma, 2000, p. 24-25.
  14. Teresa Armenta Deu revela sua preocupação com a solução estabelecida pela Ley Orgánica del Tribunal del Jurado, mormente no que diz respeito ao poder de arquivamento do Ministério Público. E adverte: "la estructura tripartita del principio acusatorio vuelve a encontrar dificultades em la situación del fiscal como ‘parte imparcial’ que instruye y puede llegar a decidir sobre el juicio de acusasión. No deja de ser cierto que con este esquema puedem evitarse investigaciones injustificadas, pero el precio en términos de credibilidad del sistema, especialmente em cuanto a la actuación imparcial del MF, puede resultar excessivamente alto" (ARMENTA DEU, Teresa. El Fiscal Instructor: ¿Es Necesario?Cuadernos de Derecho Público, n. 16, 2002, p. 191-222. Disponível em <http://www.cejamericas.org>. Acesso em 11 Mar. 2011, p. 10).
  15. Apud: BERTOLINO, Pedro J., El juez de garantías en el Código Procesal Penal de la Província de Buenos Aires, Buenos Aires, Depalma, 2000, p. 26.
  16. ARMENTA DEU, Teresa. Op. cit. ,p. 16-18.
  17. Devolveu-se ao juiz instrutor a decisão sobre a prisão preventiva. Mais tarde, com a Lei n. 516, de 15 de junho de 2000, reforçou-se a garantia de presunção de inocência, deferindo-se a juiz diverso do juiz instrutor a competência para a adoção de medidas privativas de liberdade.
  18. BERTOLINO, Pedro J., El juez de garantías en el Código Procesal Penal de la Província de Buenos Aires, Buenos Aires, Depalma, 2000, p. 30-31.
  19. Em sentido contrário, sustenta Fabricio O. Guariglia que, como conseqüência necessária da adoção do processo penal de modelo acusatório, visando à separação definitiva da função requerente da pessoa do juiz, deve-se encomendar a investigação preparatória ao ministério público, órgão natural para exercer a pretensão punitiva. O autor se insurge contra a acusação formulada pelo MP sobre base probatória produzida perante o juiz de instrução, apontando que "resulta artificial que el fiscal deba acusar sobre la base de elementos probatórios que él no ha recogido, careciendo de toda posibillidad de selección con relación a ellos; igualmente inadmisible es la inversión de roles imperante, pues ‘el fiscal, que debería investigar, sólo puede controlar lo que el juez investiga; y éste, que sólo debería controlar la investigación, la realiza personalmente" (GUARIGLIA, Fabricio O. Facultades discrecionales del ministerio público e investigación preparatória: el principio de oportunidad. In: MAIER, Julio B. J. (comp.). El Ministerio Público en el proceso penal. Buenos Aires: Ad-hoc, 2000, p. 85).
  20. As manifestações doutrinárias sobre a imparcialidade da acusação incidem mais intensamente sobre a figura do magistrado e no âmbito do juizado de instrução. Teresa Armenta Deu enfatiza essa preocupação ao se referir às conclusões da denominada "Comisión Truché", estabelecida na França, em 1977, para um diagnóstico sobre a Justiça naquele país. Discorre a autora sobre "el verdadero peligro para las garantías constitucionales del ciudadano subyace en el equilibrio a lograr entre la instrucción y la acusación, así como en la protección de los derechos del acusado, de manera que el órgano acusador no pueda adoptar determinadas medidas que arrojen una carga excessiva de parcialidad y se ponga de relieve la falta de distanciamento psicológico de quien habiendo conducido la investigación deben luego sostener la acusación. En caso contrario, los rasgos inquisitorios se trasladan acarreando el riesgo de arbitrariedades en la investigación y peligro de invasión indebida de la vida privada" (ARMENTA DEU, Teresa. El Fiscal Instructor: ¿Es Necesario?Cuadernos de Derecho Público, n. 16, 2002, p. 191-222. Disponível em <http://www.cejamericas.org/doc/documentos/armenta-fiscal-instructor2.pdf>. Acesso em 9 Mar. 2011, p. 16).
  21. Eduardo José Olmedo observa que muitas legislações atribuem imparcialidade ao Ministério Público. Entende, porém, que não é viável exigir imparcialidade do acusador. A atuação do Ministério Público deve se caracterizar pela objetividade, mais adequada a quem é parte no processo. As "Regras de Mallorca" (Anexo, ítem 13, b) reclamam objetividade à atuação ministerial e tal atributo, aliado ao dever de lealdade, se apresenta como suficiente para que o MP concentre os seus esforços na busca de todos os elementos de convicção que conduzam ao resultado justo do processo (OLMEDO, Eduardo José. Los jueces, el Ministerio Fiscal y la actuación policial. Buenos Aires: La Ley, 2003, p. 103 -104).
  22. Para Adauto Suannes, o processo penal moderno é o garante da liberdade do imputado e de seu estado de inocência, "até o momento em que o Estado demonstre, pelo órgão incumbido disso, a necessidade de cercear-se aquela liberdade, seja pela ocorrência de fato grave ensejador de provimento cautelar a ser solicitado ao juiz, que o apreciará, seja em vista da comprovação cabal dos fatos e sua autoria". Sob essa ótica, observa que o juiz criminal moderno é o garantidor dos direitos constitucionais do acusado, estando comprometido com a regularidade formal do processo (e as formalidades do processo constituem-se em salvaguardas do réu e condições indispensáveis ao julgamento justo) e com o tratamento igualitário das partes. Vê grave deformação da atuação jurisdicional nos provimentos ex officio, muitas vezes justificados pelo escopo da busca da verdade real. Afirma o autor que quem deve perseguir a verdade real é o Ministério Público e não o juiz, pois, de outra forma, este não se apresentará como alguém desinteressado pelo resultado da ação (SUANNES, Adauto. Os fundamentos éticos do devido processo penal. 2ª. ed. rev. e atual. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004, p. 146-176).
  23. O exercício da função garantista que desempenha o juiz no processo penal é incompatível com as normas procedimentais que atribuem ao magistrado a função de produzir a prova incriminadora. A propósito, pronunciou-se Jorge Caferatta Nores: "los jueces son funcionarios encargados de resguardar a los ciudadanos frente a los excesos punitivos que pueda cometer el estado. Pero si a los jueces queremos adjudicarles la tarea de probar que ese ciudadano es culpable, no es un Juez. Hay un viejo refrán que dice: ‘Al que tenga el Juez como fiscal, necesita a Dios como defensor’" (Apud: OLMEDO, Eduardo José. Los jueces, el Ministerio Fiscal y la actuación policial. Buenos Aires: La Ley, 2003, p. 114).
  24. Propugnando a erradicação do juizado de instrução na Argentina, Gustavo A. Bruzzone ressalta que, no processo penal, a primordial função do juiz consiste em preservar as garantias e direitos individuais do imputado. E assinala: "no parece que la misión del Poder Judicial deba ser investigar o perseguir delitos; su misión primordial es la de preservar los derechos del individuo frente a la intervención del Estado. Si el Estado desea privarlo, por ejemplo, de sua libertad, de parte de su patrimônio o de los derechos inherentes a la patria potestad, corresponde a los jueces decidir si ello es legalmente correcto o no. Los jueces deberían limitarse a juzgar y no a investigar" (BRUZZONE, Gustavo A. Fiscales y política criminal. In: MAIER, Julio B. J. (comp.). El Ministerio Público en el proceso penal. Buenos Aires: Ad-hoc, 2000, p. 186).
  25. De acordo com Roberto Falcone, "encomendar la investigación al fiscal constituye un notable acierto en materia procesal penal. La propria noción de jurisdicción en cuanto señala que es ‘juzgar y ejecutar lo juzgado’ apareceria desdibujada durante la actividad desplegada por el juez instructor" (Apud: BERTOLINO, Pedro J. El juez de garantías en el Código Procesal Penal de la Província de Buenos Aires. Buenos Aires: Depalma, 2000, p.16).
  26. BECERRA, Nicolás E. El ministerio público fiscal: gênesis, ubicación institucional y la reforma pendiente. 1ª. ed., Buenos Aires – Madrid: Ciudad Argentina, 2004, p. 133.
  27. No sentido do texto, interessante decisão de tribunal argentino, transcrita por Pedro J. Bertolino: "Como una de las características del nuevo ordenamiento procesal penal, y en concordancia con las normas constitucionales que deben ser respetadas en el proceso, se desdobra claramente, y en especial en la etapa de la investigación penal preparatoria, la actividad requirente llevada a cabo por el Ministerio Público Fiscal, quien está a cargo de la instrucción, de la decisoria, representada por el señor juez de garantías. Esta separación de roles determina que quien investiga no decide sobre las medidas de coerción personal o real que pueda imponerse al sujeto sobre quien pesa uma imputación penal" (Câmara de Apelaciones y Garantías de San Nicolas, causa 304, ‘Valienta, Mario, y otros’, del 9/10/98). Num outro julgado, colacionado pelo mesmo autor, delimitam-se os campos de atuação do fiscal e do juiz de garantias, pelo aspecto negativo da atuação deste último: "el juez de garantías carece de facultad para instruir la investigación penal preparatória" (Juzgado de Garantías nº 2 de Mercedes, causa ‘Bravo, Oscar, s/ robo calificado’, de octubre de 1998) (BERTOLINO, Pedro J.El juez de garantías en el Código Procesal Penal de la Província de Buenos Aires. Buenos Aires: Depalma, 2000, p. 17).
  28. "A fraude reside no fato de que a prova é colhida na inquisição do inquérito, sendo trazida integralmente para dentro do processo, e, ao final, basta o belo discurso do julgador para imunizar a decisão. Esse discurso vem mascarado com as mais variadas fórmulas, do estilo: a prova do inquérito é corroborada pela prova judicializada; cotejando a prova policial com a judicializada; e assim todo um exercício imunizatório (ou melhor, uma fraude de etiquetas) para justificar uma condenação, que na verdade está calcada nos elementos colhidos no segredo da inquisição. O processo acaba por converter-se em uma mera repetição ou encenação da primeira fase. Ademais, mesmo que não faça menção expressa a algum elemento do inquérito, quem garante que a decisão não foi tomada com base nele? A eleição (culpado ou inocente) é o ponto nevrálgico do ato decisório e pode ser feita com base nos elementos do inquérito policial e disfarçada com um bom discurso" (Aury Lopes Jr, Direito processual e sua conformidade constitucional, vol. 1, Rio de Janeiro, Lumen Juris, p. 71).
  29. É o que Nucci chama de "cultura da pena mínima". Segundo o autor, "não se compreende, dentro de um raciocínio lógico-jurídico, o que tem levado a maior parcela do Judiciário a eleger a pena mínima como base para a aplicação das demais circunstâncias legais. Afinal, o art. 59, mencionando oito elementos diversos, se fielmente cumprido, provoca a aplicação da pena em parâmetros diferenciados para os acusados submetidos a julgamento. A padronização da pena é contrária à individualização da pena, princípio constitucional, de modo que é preciso alterar essa conduta ainda dominante" (Guilherme de Souza Nucci, Individualização da pena, 2ª. ed., São Paulo, RT, 2007).
Assuntos relacionados
Sobre o autor
José Eduardo de Souza Pimentel

Promotor de Justiça em SP. Mestre em Direito das Relações Sociais pela PUC/SP.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

PIMENTEL, José Eduardo Souza. A reforma do Código de Processo Penal.: Análise crítica ao PL nº 156/09 do Senado. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 16, n. 2847, 18 abr. 2011. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/18931. Acesso em: 16 abr. 2024.

Publique seus artigos Compartilhe conhecimento e ganhe reconhecimento. É fácil e rápido!
Publique seus artigos