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Dos requisitos da acusação no processo penal

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27/04/2011 às 17:01
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4. Justa Causa

A instauração de um processo penal contra a pessoa representa, sem dúvida, uma limitação ao estado de liberdade – ou ao menos uma possibilidade orientada neste sentido -, de forma que constitui um constrangimento. Para que tal constrangimento, entretanto, não padeça de ilegalidade e seja passível de correção, inclusive por habeas corpus, indispensável é a existência de justa causa para a ação penal.

Embora equívoco o conceito de justa causa, tanto na doutrina, como na jurisprudência, entendemos que, por não se encontrar subsumido aos demais requisitos de ordem processual exigidos pelo legislador para o recebimento da inicial acusatória – aptidão formal da denúncia ou queixa, condições da ação e pressupostos processuais -, na medida em que a lei não traz expressões desnecessárias ou repetitivas, somente pode ser interpretado sob o prisma material, isto é, como plausibilidade da pretensão inicial condenatória, um fumus boni iuris ou suporte mínimo de provas apto a atribuir ao denunciado ou ao querelado o fato criminoso descrito.

O recebimento da inicial, portanto, pressupõe um mínimo de provas, ainda que indiciárias, que demonstrem a sua eventual viabilidade. Como assinala Fernando da Costa Tourinho Filho, "não basta simples ‘denúncia’, ou simples ‘queixa’, narrando o fato criminoso e dizendo quem foi o seu autor. É preciso haja elementos de convicção, suporte probatório à acusação, a fim de que o pedido cristalizado na peça acusatória possa ser digno de apreciação" (Processo Penal: São Paulo. Saraiva, 2001, vol. 1, p. 489).

Neste sentido, apenas a título de ilustração, colacionamos os seguintes julgados:

QUEIXA-CRIME –

Inicial que não vem suficientemente instruída com documentos que sustentem a versão do querelante – Rejeição – Necessidade: A queixa-crime deve ser rejeitada quando não vem suficientemente instruída com documentos que sustentem a versão do querelante, chancelando suas condições de viabilidade e demonstrando a presença do fumus boni iuris. (TACRIM-SP – RSE n. 1.299.229/0 – São Paulo – 5ª Câmara – Relator: Pereira da Silva – j. 24.4.2002 – v.u.).

FALSIFICAÇÃO DE PRODUTO DESTINADO A FINS TERAPÊUTICOS OU MEDICINAIS – Entrega a consumo – Cosméticos e produtos de higiene sem o devido registro exigido pelo órgão de vigilância sanitária – Para que tal crime, disposto no artigo 273 do Código Penal, se caracterizasse, a ação do apelante deveria apresentar efetivo perigo ou risco de dano à saúde pública, exigindo, ademais, o dolo genérico – Além do que, não foi realizada perícia que constatasse a eventual potencialidade de dano dos produtos – Falta de justa causa da ação penal – Reconhecimento – Recurso provido para absolver o apelante da imputação contida na denúncia, com fundamento no artigo 386, inciso III, do Código de Processo Penal. (Apelação Criminal n. 933.194-3/3 – São Paulo – 11ª Câmara do 6º Grupo Criminal – Relator: Aben-Athar – 20.02.08 – V.U. – Voto nº 6.726)

"O trancamento da ação penal por meio do habeas corpus se situa no campo da excepcionalidade (HC 901.320⁄MG, Primeira Turma, Rel. Min. Marco Aurélio, DJU de 25⁄05⁄2007), sendo medida que somente deve ser adotada quando houver comprovação, de plano, da atipicidade da conduta, da incidência de causa de extinção da punibilidade ou da ausência de indícios de autoria ou de prova sobre a materialidade do delito (HC 87.324⁄SP, Primeira Turma, Relª. Minª. Cármen Lúcia, DJU de 18⁄05⁄2007). Ainda, a liquidez dos fatos constitui requisito inafastável na apreciação da justa causa (HC 91.634⁄GO, Segunda Turma, Rel. Min. Celso de Mello, DJU de 05⁄10⁄2007), pois o exame de provas é inadmissível no espectro processual do habeas corpus, ação constitucional que pressupõe para seu manejo uma ilegalidade ou abuso de poder tão flagrante que pode ser demonstrada de plano (RHC 88.139⁄MG, Primeira Turma, Rel. Min. Carlos Britto, DJU de 17⁄11⁄2006). Na hipótese, não há, com os dados existentes até aqui, o mínimo de elementos que autorizam o prosseguimento da ação penal.

Não tendo o paciente atribuído efetivamente prática criminosa a outrem cuja inocência era de seu conhecimento, restou atípica sua conduta, sendo imperioso o trancamento da ação penal relativa à prática do delito de denunciação caluniosa.

Ordem concedida. (STJ – HC n. 71.476-SP – 5ª Turma - Rel. Min. Felix Fischer – j. 07.02.2008, v.u.)

A justa causa agora expressamente exigida para a instauração da ação penal, portanto, é caracterizada como a liquidez dos fatos constantes da peça acusatória, que deve estar respaldada por acervo probatório razoável, seja consistente em inquérito policial, seja por peças de informação e documentos. Ausente tal requisito, por absoluta falta de elementos que vinculem o imputado ao fato típico, impõe-se, desde logo, a sua rejeição, nos termos do inciso III, do art. 395, do Código de Processo Penal.


Notas

  1. Dispõe o art. 129, inciso I, da Constituição Federal: "São funções institucionais do Ministério Pùblico: I – Promover, privativamente, a ação penal pública, na forma da lei".
  2. Dispõe o art. 257, inciso I, do Código de Processo Penal, em sua nova redação: "Ao Ministério Público cabe: promover, privativamente, a ação penal pública, na forma estabelecida neste Código".
  3. Dispõe o art. 100, caput, do Código Penal: "A ação penal é pública, salvo quando a lei expressamente a declara privativa do ofendido".
  4. Dispõe o art. 29, do Código de Processo Penal: "Será admitida ação privada nos crimes de ação pública, se esta não for intentada no prazo legal, cabendo ao Ministério Público aditar a queixa [no prazo de 03 dias, conforme previsão do § 2º, do art. 46, do CPP], repudiá-la e oferecer denúncia substitutiva, intervir em todos os termos do processo, fornecer elementos de prova, interpor recurso e, a todo tempo, no caso de negligência do querelante, retomar a ação como parte principal".
  5. CPP, art. 30.
  6. CPP, art. 33.
  7. "A irresponsabilidade penal do adolescente". Revista Brasileira de Ciências Criminais, n. 18, p. 91.
  8. Direito Penal – Parte Geral, vol. I, t. II, pp. 163-164.
  9. Código de Processo Civil Comentado, 9ª ed., p. 436. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006.
  10. Teoria Geral do Processo, 19ª ed., p. 259. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2003.
  11. Comentários ao Código de Processo Penal, pp. 109 e 113. Barueri: Manole, 2005.
  12. Ob.cit., p. 259.
  13. Dispõe o art. 39, caput, do CPP: "O direito de representação poderá ser exercido, pessoalmente ou por procurador com poderes especiais, mediante declaração, escrita ou oral, feita ao juiz, ao órgão do Ministério Público, ou à autoridade policial".
  14. Teoria Geral do Processo, p. 289.
  15. Dispõe o art. 44, do CPP: "A queixa poderá ser oferecida por procurador com poderes especiais, devendo constar do instrumento do mandato o nome do querelante [em verdade querelado] e a menção do fato criminoso [e não apenas da disposição penal], salvo quando tais esclarecimentos dependerem de diligências que devem ser previamente requeridas no juízo criminal". Se na procuração constar apenas a cláusula para o foro em geral – ad juditia -, a representação processual regular dependerá de suprimento da omissão, salvo se o querelante firmar, também, a inicial, hipótese na qual se presume que tenha conferido poderes para todos os seus termos.
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Sobre o autor
Antonio Carlos Santoro Filho

Juiz de Direito em São Paulo (SP). Pós-graduado em Direito Penal. Autor de livros de Direito Penal, Processo Penal e Filosofia.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SANTORO FILHO, Antonio Carlos. Dos requisitos da acusação no processo penal. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 16, n. 2856, 27 abr. 2011. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/18985. Acesso em: 21 nov. 2024.

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