As medidas provisórias são atos normativos primários, sob condição resolutiva, emanados do Poder Executivo e que se revestem de força, eficácia e valor de lei.12 Foram introduzidas no direito positivo brasileiro pela Constituição Federal de 1988 para substituir o decreto-lei com o objetivo de corrigir as distorções decorrentes do abuso da função atípica legiferante do Poder Executivo.3
Esse poder de decreto - instrumentalizado por meio da medida provisória - de que dispõe o Presidente da República é, segundo Luciano da Ros, um dos institutos mais polêmicos da democracia brasileira, remetendo à dinâmica do sistema político do País.4
Atualmente, assume grande relevo avaliar o regime de urgência constitucional de tramitação das Medidas provisórias, cuja interpretação foi objeto de discussão no Congresso Nacional e de manifestação do Supremo Tribunal Federal.
Enquanto alguns parlamentares defendiam a interpretação literal da expressão "deliberações legislativas" constante no §6º do art. 62. da Constituição da República, de forma a concluir que a entrada em regime de urgência de uma medida provisória sobrestaria todas as formas de deliberação legislativa, outros buscavam a interpretação sistemática da Constituição de modo a garantir a independência e harmonia dos poderes executivo e legislativo (art. 2º da Constituição Federal de 1988). Enfim, quais são as matérias abrangidas pela expressão "deliberações legislativas" para os fins de sobrestamento da pauta por medida provisória nos termos da Constituição?
Cumpre salientar que, não obstante a clareza do dispositivo constitucional, a discussão acerca da interpretação da expressão "deliberações legislativas" é conseqüência do uso abusivo pelo Poder Executivo desse meio legislativo de caráter excepcional.5
O Supremo Tribunal Federal no julgamento do MS 27.931-MC – referendando decisão proferida pelo então presidente da Câmara dos Deputados – entendeu que apenas os projetos de lei ordinária que tenham por objeto matéria passível de edição de medida provisória poderiam ser sobrestados nos termos do §6º do art. 62. da Constituição Federal.6 Assim, não estão sujeitas às regras de sobrestamento as propostas de emenda à Constituição, os projetos de lei complementar, os decretos legislativos, as resoluções e as matérias elencadas no inciso I do art. 62. da Constituição Federal.
A decisão assenta-se sobre fundamentos de natureza política e jurídica.
Sob o ponto de vista político, o Congresso Nacional vem sofrendo inúmeras críticas da sociedade devido à lentidão com que propostas legislativas tramitam em suas casas. Isso é decorrência, em parte, do excesso de medidas provisórias trancando toda e qualquer forma de deliberação legislativa e impedindo que as propostas legislativas sigam adiante no Congresso Nacional, ou seja, impedindo o Poder Legislativo de legislar.
Dessa forma, uma interpretação sistemática da expressão "deliberações legislativas" – a restringir seu alcance apenas aos projetos de lei ordinária que tenham por objeto matéria passível de edição de medida provisória - propiciará o regular desenvolvimento dos trabalhos legislativos no Congresso Nacional, dando uma resposta às necessidades da sociedade brasileira.
A partir de um enfoque jurídico, é possível perceber que uma interpretação literal da expressão "deliberações legislativas" – de modo a permitir o sobrestamento de toda e qualquer deliberação legislativa – viola uma das premissas do Estado Democrático de Direito: a igualdade.
A Constituição Federal de 1988 buscou instituir uma igualdade entre os poderes do Estado a fim de combater o autoritarismo e a prevalência do Poder Executivo na ordem jurídica. Por isso, a Constituição estabeleceu funções típicas para cada um dos poderes. Por outro lado, a própria Constituição criou exceções a essa repartição de funções, prevendo expressamente situações em que os poderes podem atipicamente exercer funções de outros poderes. A medida provisória é uma dessas exceções. Ainda que legislar seja função típica do Poder Legislativo, a Constituição permite que, nas hipóteses especificadas no art. 62. da Constituição Federal, o Poder Executivo legisle. Trata-se, portanto, de exceção, devendo essa autorização para legislar ser interpretada restritivamente.
Não é possível que um ato excepcional de natureza legislativa do Poder Executivo paralise todas as atividades típicas do Poder Legislativo sem que isso represente uma violação à harmonia, independência e igualdade entre os poderes. Nas palavras de Celso de Mello: "A competência extraordinária de editar medidas provisórias não pode legitimar práticas de cesarismo governamental nem inibir o exercício, pelo Congresso Nacional, de sua função primária de legislar".7
A interpretação sistêmica da expressão "deliberações legislativas", proposta pelo então presidente da Câmara dos Deputados, Michel Temer e fundada na separação de poderes, busca reequilibrar as relações institucionais entre a Presidência da República e o Congresso Nacional, evitando a hegemonia do Poder Executivo no processo legislativo, e garantir ao Poder Legislativo o seu poder de agenda.
Com isso, propicia-se o regular desenvolvimento dos trabalhos legislativos no Congresso Nacional, assegurando ao Parlamento brasileiro "o poder de selecionar e de apreciar, de modo inteiramente autônomo, as matérias que considere revestidas de importância política, social, cultural, econômica e jurídica para a vida do País".8
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
LENZA, Pedro. Direito Constitucional Esquematizado. 13. ed. São Paulo: Saraiva, 2009.
NOVELINO, Marcelo. Direito Constitucional. 4. Ed. São Paulo: Método, 2010.
MENDES, Gilmar Ferreira, COELHO, Inocêncio Mártires, BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de Direito Constitucional. São Paulo: Saraiva, 2008 (pp. 883/899). Material da 1ª aula da Disciplina Poderes do Estado: Poder Legislativo e Poder Executivo, ministrada no Curso de Pós-Graduação Lato Sensu TeleVirtual em Direito Constitucional – Anhanguera-UNIDERP, REDE LFG.
DA ROS, Luciano. Poder de decreto e accountability horizontal: dinâmica institucional dos três poderes e medidas provisórias no Brasil pós-1988. Revista de Sociologia e Política, local de publicação, v. 16, nº 31, p.143-160, nov. 2008.
BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Disponível em: <https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constitui%C3%A7ao.htm>. Acesso em 12 jul. 2010.
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Sobrestamento das deliberações legislativas previsto no § 6º do art. 62. da Constituição Federal. Medida Cautelar no Mandado de Segurança 27931. Carlos Fernando Coruja Agustini e Presidente Da Câmara Dos Deputados. Relator: Min. Celso de Mello. Brasília, DF, 27/03/2009.
Notas
MENDES, Gilmar Ferreira, COELHO, Inocêncio Mártires, BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de Direito Constitucional. São Paulo: Saraiva, 2008 (pp. 883/899). Material da 1ª aula da Disciplina Poderes do Estado: Poder Legislativo e Poder Executivo, ministrada no Curso de Pós-Graduação Lato Sensu TeleVirtual em Direito Constitucional – Anhanguera-UNIDERP | REDE LFG.
NOVELINO, Marcelo. Direito Constitucional. 4. Ed. São Paulo: Método, 2010.
LENZA, Pedro. Direito Constitucional Esquematizado. 13. ed. São Paulo: Saraiva, 2009.
DA ROS, Luciano. Poder de decreto e accountability horizontal: dinâmica institucional dos três poderes e medidas provisórias no Brasil pós-1988. Revista de Sociologia e Política, local de publicação, v. 16, nº 31, p.143-160, nov. 2008.
NOVELINO, Marcelo. Direito Constitucional. 4. Ed. São Paulo: Método, 2010.
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Sobrestamento das deliberações legislativas previsto no § 6º do art. 62. da Constituição Federal. Medida Cautelar no Mandado de Segurança 27931. Carlos Fernando Coruja Agustini e Presidente Da Câmara Dos Deputados. Relator: Min. Celso de Mello. Brasília, DF, 27/03/2009.
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BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Sobrestamento das deliberações legislativas previsto no § 6º do art. 62. da Constituição Federal. Medida Cautelar no Mandado de Segurança 27931. Carlos Fernando Coruja Agustini e Presidente Da Câmara Dos Deputados. Relator: Min. Celso de Mello. Brasília, DF, 27/03/2009.
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Sobrestamento das deliberações legislativas previsto no § 6º do art. 62. da Constituição Federal. Medida Cautelar no Mandado de Segurança 27931. Carlos Fernando Coruja Agustini e Presidente Da Câmara Dos Deputados. Relator: Min. Celso de Mello. Brasília, DF, 27/03/2009.