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Homenagem a Rui Barbosa

01/08/1999 às 00:00
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1 - INTRODUÇÃO

O momento é oportuno para relembrarmos Rui Barbosa. Este ano de 1998 assinala os 75 anos de sua morte e os 50 anos da sua escolha pelo Conselho Federal da OAB como "Patrono dos Advogados Brasileiros".

A despeito da importância destas datas, é sempre conveniente lembrar a história de Rui Barbosa. Neste período atual quando discutimos sobre falta de fidelidade a princípios, questões éticas e reformas políticas; em Rui Barbosa podemos encontrar um manancial de ensinamentos de imperecível fecundidade.

Nos trabalhos forenses, na oratória parlamentar, no jornalismo, na tribuna popular, na diplomacia, em todos estes gêneros é Rui apontado como expoente. A esta diversidade de campos de ação junte-se ainda dois elementos que multiplicam enormemente o volume da sua vasta e variada produção, uma das maiores da literatura brasileira.: uma capacidade de trabalho excepcional e uma vida pública que se inicia na adolescência e se prolonga até o momento de sua morte aos setenta e quatro anos de idade.

Neste trabalho iremos expor de forma bastante limitada a trajetória vivida por Rui e, posteriormente, a eterna e admirável contribuição que ele prestou ao mundo jurídico.


2 - A VISIONÁRIA VIDA DE RUI

Rui Barbosa de Oliveira nasceu na Bahia a 5 de novembro de 1849, filho de Maria Adélia e João José Barbosa de Oliveira, ilustrado médico e político liberal na província, que tiveram ainda uma filha mais nova, Brites Barbosa.

Em sua formação mental e espiritual, nenhuma influência sobrelevou a de seu pai. A influência de José Barbosa, no incentivo aos estudos e na formação do caráter é reconhecida por Rui durante toda sua vida, sendo recíproca esta admiração entre pai e filho, que pareciam-se tanto fisicamente, devido a baixa estatura, quanto ao gênio impetuoso e irresignado, e, ao mesmo tempo, com maneiras muito polidas e educadas.

Rui matriculou-se na Faculdade de Direito do Recife em março de 1865, transferindo-se em 1867 para a de São Paulo, onde fez os três últimos anos do curso.

Em 1876 casa-se com Maria Augusta Viana Bandeira, companheira de todos os momentos da vida. Ainda este ano traduz e publica a obra O Papa e o Concílio, que, apesar de não lograr o êxito financeiro esperado, obteve grande repercussão sendo que o Diário do Rio de Janeiro chegou a comentar que a introdução do tradutor, que contava com 285 páginas, excedia em importância a obra alemã traduzida.

A ascensão de Rui ao parlamento deu-se juntamente com a subida com o seu partido a situação liberal que se inaugurou em 1878, tendo sido eleito à Assembléia Provincial da Bahia durante uma legislatura, e deputado geral nas duas seguintes eleições daquela situação.

Em seis anos de parlamento conquistou uma posição primacial nas esferas políticas e intelectuais do país. Colaborou ativamente na reforma eleitoral, o "projeto saraiva" aprovado em 1881, foi autor de um plano de reforma do ensino em 1882, que não chegou a ser aprovado, e, em 1884, foi encarregado pelo Ministério Dantas de elaborar o projeto de abolição do elemento servil.

Entregou-se, logo após, à propaganda federalista, de que se tornou chefe indiscutível, principalmente em sua campanha jornalística pelo Diário de Notícias em 1889. Não encontrando abrigo para a sua bandeira sobre a federação em nenhum dos partidos monárquicos inclusive o seu próprio, de que pouco a pouco se afastara, aceitou a República, de cujo primeiro governo foi o vice - chefe e Ministro da Fazenda.

Rui foi o principal autor do projeto da primeira constituição republicana apresentada à Constituinte de 1890, infundindo-lhe as linhas mestras do sistema presidencial americano, baseado no contraste do poder judiciário sobre os demais ramos do governo

A experiência no governo lhe proporcionou amargas decepções, pois aceitara o convite pensando ter alcançado a oportunidade para realizar as ambições do seu espírito inquieto e sonhador, e só encontrara ódio e incompreensão em seus atos, tendo sido injustamente acusado de enriquecimento ilícito, mesmo sem ostentar qualquer patrimônio.

Coube-lhe ainda, completando com a prática a obra doutrinária, ser o advogado que primeiro recorreu à justiça pedindo o julgamento de atos legislativos e do executivo, em habeas corpus famosos que constituem peças fundamentais na interpretação do estatuto político de 1891.

Em sua intransigência na defesa dos princípios constitucionais e na sua obediência aos textos legais, iniciou uma campanha contra o governo Floriano, lançando suas críticas através de textos vinculados pelo Jornal do Brasil. Por este seu posicionamento, de defesa dos oprimidos contra a tirania na imprensa, no senado e nos tribunais, foi declarado suspeito de ligação com o movimento revolucionário contra o governo que rebentou em 1893. Assim, não lhe coube outro recurso, senão o exílio, a princípio no Chile, depois na Argentina, em Portugal, e finalmente na Inglaterra.

Ao retornar do exílio, toda a sua obra na república foi de pregação, de ambição de reformas e de luta incessante pela justiça.

Entre as suas várias atividades políticas, uma das mais relevantes foi o papel que desempenhou na política exterior do Brasil. Em Haia, em 1907, como chefe da Delegação Brasileira à 2.ª Conferência da Paz, defendeu tenazmente o princípio da igualdade jurídica das nações, enfrentando com êxito, que se tornou lendário no Brasil, as mais prestigiosas figuras do conclave e os delegados das grandes potências.

Tomando uma atitude de defesa desse princípio jurídico e rejeitando, para sustentá-lo, concessões das grandes potências que representariam êxitos diplomáticos momentâneos; agiu realmente como apóstolo de um ideal humano superior, que só agora começa a revelar toda a sua transcendência.

Destas atitudes, lhe adveio um renome internacional que lhe valeu, em 1921, a eleição, pelo Conselho da Liga das Nações para compor a Corte Permanente de Justiça Internacional, por uma votação que superou a de todos os demais candidatos.

Por duas vezes candidato da oposição derrotado à presidência, em 1910 e 1919, encarnou continuamente no Senado a alma popular inconformada e independente.

A sua primeira candidatura à presidência da República, a chamada "Campanha Civilista", é considerado um movimento político de amplitude até então inédita no Brasil, que atingiu praticamente todas as classes em todo o país, sendo que o fracasso da campanha com a vitória do marechal Hermes da Fonseca, contra evidente manifestação da vontade nacional, é a origem de uma corrente de indignação contra a velha máquina política, viciada e fraudulenta.

No crepúsculo da vida, desiludido e cético quanto à política, Rui em 1921 resolve abandonar a cadeira no Parlamento, e justificava sua posição de desesperança :

          "Acabando, por fim, de ver que não tenho meio de conseguir nada a bem dos princípios a que consagrei minha vida, e que a lealdade a essas convicções me tornou um corpo estranho na política brasileira, renuncio o lugar, que, em quase contínua luta, ocupo, neste regime, desde seu começo, deixando a vida política para me voltar a outros deveres. (...)

Desprovido, pela natureza, das qualidades que, entre nós, talham o homem para isso a que chamamos política, sem a ductilidade, a docilidade e a duplicidade necessárias às condições de tal vida no ambiente brasileiro, entreguei-me à influência de certas convicções e à cultura de certos ideais, cujo amor me apaixona ainda hoje com a mesma intensidade, e de cuja direção retilínea, tal qual a concebi em adolescente, nas minhas primeiras justas de imprensa e tribuna quando estudante, não tenho variado".(1)

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Revelando este ceticismo, Rui estava mais uma vez sendo sincero, e como ele mesmo costumava a dizer, a política brasileira não é palco adequado para sinceridades.

Rui Barbosa faleceu em 1.º de março de 1923 na cidade de Petrópolis, tendo tido os funerais feitos pelo Governo da República, com honras de chefe de Estado.


3 – RUI BARBOSA – O ADVOGADO

Em 20 de dezembro de 1948 Rui Barbosa foi aclamado pelo Conselho Federal da Ordem do Brasil como Patrono dos Advogados Brasileiros.

Conforme avalia corretamente Otto Gil, houve razões de sobra para esta atitude, explicando que "não são, apenas, os trabalhos forenses, os pareceres jurídicos, a revisão do Código Civil, que fazem Ruy sempre presente aos Advogados. Ao lado dessa fecunda produção doutrinária, lugar de merecido destaque têm para nós, as suas liçòes de Ética Profissional, dadas quando não se sonhava sequer com o Código de Ética e Advocacia." (2)

É impressionante a atuação de Rui como profissional do fôro , defrontando-se em espetaculares debates como os maiores advogados de sua época, esmagando os seus adversários com os veios de ouro de seus arrazoados.

Também na polêmica em torno da redação do Código Civil, Rui ensinou aos advogados que o conhecimento do vernáculo é indispensável ao bom manuseio dos textos da lei e sua interpretação.

Rui legou ainda as doutas lições de suas celébres petições de Habeas Corpus que apresentou ao STF em 1892 1 1893, em defesa da liberdade de cidadãos, presos em virtude do estado de sítio; a sustentação oral do primeiro desses Habeas Corpus, quando declarou que o verdadeiro impetrante era a nação brasileira, e, ainda, a corajosa crítica ao acórdão do Supremo, na qual Rui demonstrou o desacordo da decisão denegatória.

Mas são as lições de ética profissional que pretendemos destacar nestes comentários.

Na carta que escreveu a Evaristo de Morais, conhecida como O dever do Advogado, Rui lhe indicava diretrizes seguras para a exata e integral observância das regras de deontologia forense.

Essa carta, que as antologias registram, contém ensinamentos que os Advogados ainda hoje se prezam de guardar, como regras complementares de seu Código de Ética Profissional.

É de valor imensurável as palavras com que Rui conceitua a profissão e a eleva a verdadeiro apostolado:

          "Tratando-se de um acusado em matéria criminal, não há causa em absoluta e indigna de defesa. Ainda quando o crime seja de todos o mais nefando, resta verificar a prova: e ainda quando a prova inicial seja decisiva, falta não só apurá-la no cadinho dos debates judiciais, senão também vigiar pela regularidade estrita do processo nas suas mínimas formas. Cada uma delas constitui uma garantia, maior ou menor, da liquidação da verdade, cujo interesse em todas se deve acatar rigorosamente."

Com esta mesma convicção, Rui voltou ao tema na célebre Oração aos Moços, quando ao final do discurso de paraninfo lido na Faculdade de Direito de São Paulo, em 29 de março de 1921, destaca entre os mandamentos do advogado:

          "Não colaborar em perseguições ou atentados, nem pleitear pela iniqüidade ou imoralidade. Não se subtrair à defesa das causas impopulares, nem à das perigosas quando justas. Onde for apurável um grão que seja, de verdadeiro direito, não regatear ao atribulado o consolo judicial."

Neste célebre discurso, Rui fornece aos jovens bacharelandos vários conselhos e diretrizes, tais come estes:

          "Senhores bacharelandos: pesai bem que vos ides consagrar à lei, nm país onde a lei absolutamente não exprime o consentimento da maioria, onde são as minorias, as oligarquias mais acanhadas, mais impopulares e menos respeitáveis as que põem e dispõem as que mandam e desmandam em tudo."

Estas lições de ética profissional se completam com as que se dessumem do discurso que proferiu no Instituto dos Advogados Brasileiros, ao tomar posse como membro efetivo em 1911, quando disse:

          "Duas profissões tenho amdado sobre todas: a imprensa e a advocacia. Numa e nouttra me votei sempre à liberdade e ao direito. Nem numa nem noutra, conheci jamai interesses ou fiz distinção de amigos a inimigos, toda vez que se tratava de servir ao direito ou à liberdade."

São estas as lições imperecíveis de Rui Barbosa: a defesa indeclinável de seus princípios morais, da liberdade e do Estado de Direito. Segundo Otto Gil, "toda a sua vida e toda a sua obra poderia resumir nesta trilogia: combateu o bom direito; lutou pela liberdade; acreditou na justiça. E, por isso, suas lições ficaram. E vivem."(3)

Aumentamos o grau de importância de estarmos sempre revivendo Rui por dois fatos: primeiro pela forma relapsa com que a sociedade trata os seus grandes construtores, e segundo por saber que reviver os ensinamentos e estudar a vida de Rui Barbosa, é acima de tudo aprender a viver como Rui Barbosa, esta fonte enorme a ser explorada pelos advogados e cidadãos brasileiros.


NOTAS

          1. Rui Barbosa, cf.VIANA FILHO, Luís. A vida de Rui Barbosa. p. 454-5.

          2. Otto Gil, A eternna presença de Ruy na vida jurídica brasileira. Revista de Informação Legislativa, jan-mar-1970, p.70.

          3. Otto Gil, ob. Cit., p. 76.

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Sobre o autor
Rodrigo Gabriel Moisés

advogado em Goiás, professor de Direito da Faculdade de Direito de Anápolis, Objetivo, Universo e Universidade Católica de Goiás, mestre em Filosofia Política pela UFG

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MOISÉS, Rodrigo Gabriel. Homenagem a Rui Barbosa. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 4, n. 34, 1 ago. 1999. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/1905. Acesso em: 25 abr. 2024.

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