5. Execução de Alimentos impostos em escritura pública lavrada com fulcro na Lei 11.441/07
A Lei 11.441/07 possibilitou a realização de separações e divórcios pela via administrativa, realizada perante Cartório Tabelionato, mediante escritura pública lavrada pelo oficial, na presença dos interessados e seus procuradores. Nestas, é perfeitamente possível a fixação de alimentos entre os ex-cônjuges, gerando obrigação alimentar com origem em título executivo extrajudicial. Uma vez inadimplida a obrigação é salutar questionarmos acerca da possibilidade (ou não) de aplicação da pena de prisão civil, vez que a obrigação não está fundamentada em título judicial. Neste contexto, a interpretação da norma ganha significativa importância sendo necessário questionar se o artigo 733 do CPC deve ser literalmente interpretado quando se reporta a obrigações provenientes de decisão judicial, ou permite interpretação extensiva, graças à natureza da obrigação que comporta.
É perfeitamente possível que a obrigação alimentar seja também originada por outros documentos firmados entre as partes interessadas, como por exemplo, escritura pública de dissolução de união estável ou instrumento particular de concessão de alimentos não homologado judicialmente. Seja qual for a forma de constituição da obrigação em comento, detém ela, inegavelmente, natureza alimentar protegida pela norma constitucional, que não a excepciona de acordo com seu nascimento. Deve-se, portanto, seguir o mesmo rito para qualquer execução alimentar, quando em debate as três últimas parcelas.
Neste sentido, o rito adequado para execução de tais escrituras, ou de outro documento público ou particular que preencha os requisitos do título executivo extrajudicial, é o previsto no artigo 733 do CPC, devendo sujeitar-se o devedor inadimplente à pena de prisão civil, quando se apresentarem em questão as três últimas parcelas.
Neste sentido, destacamos as palavras de MONTENEGRO (2010:795):
Execução de alimentos fixados em escritura pública de separações ou de divórcio: a Lei 11.441/2007 promoveu o acréscimo do artigo 1.124-A ao texto do CPC, para possibilitar que a separação e o divórcio sejam formalizados através de escritura pública, qualificando-se como título executivo extrajudicial. Embora apresente essa natureza, entendemos que o inadimplemento da obrigação de pagar alimentos, constante da escritura pública, pode gerar a instauração da execução, com apoio no artigo em comentário (733), não obstante o caput faça uso da expressão execução de sentença ou decisão, sugerindo que a técnica executiva só poderia ser desencadeada quando apoiada em título judicial. Nesse passo, é necessário que se proceda a uma interpretação sistemática da Lei de Ritos, sob pena de se emprestar menor relevo de conseqüência ao inadimplemento da referida obrigação, quando definida em via administrativa. Somente serviria em prestígio à desídia do devedor.
Também DIDIER JR, (2009:693):
Título executivo judicial e extrajudicial de alimentos e a prisão civil. Fala-se, usualmente, em doutrina, que o procedimento especial de execução de alimentos ora em estudo só pode ser usado para os alimentos reconhecidos por título judicial. (...) Os alimentos constantes de títulos extrajudiciais (ex.: transação), segundo alguns, deverão ser executados pelo rito padrão (execução de título extrajudicial), sem a possibilidade de cominação da prisão civil. (...) Não se afigura razoável a tese. Não há nada de legal ou racional que aponte nesse sentido. A execução especial de alimentos ora analisada, e todos os seus meios executivos, servem aos títulos judiciais e extrajudiciais. (...) Estando o devedor obrigado a pagar alimentos legítimos, revela-se adequado adotar o rito próprio da execução de alimentos, com todas as medidas executivas que lhe são inerentes, independentemente de a obrigação estar prevista em título judicial ou extrajudicial.(...) Negar-se uso das medidas de coerção para a efetivação de título alimentar extrajudicial (in casu, o acordo de alimentos) é contra-estímulo a esta forma alternativa de solução do conflito o que contradiz a tendência atual de fomentá-la.
Em sentido contrário, porém, a jurisprudência do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul:
EMENTA: EXECUÇÃO DE ALIMENTOS. ACORDO FIRMADO PERANTE ÓRGÃO DO MINISTÉRIO PÚBLICO. TÍTULO EXECUTIVO EXTRAJUDICIAL. PRISÃO CIVIL. DESCABIMENTO. 1. O art. 585, inc. III, do CPC estabelece que o instrumento de transação firmado pelas partes e assistido pelo órgão do Ministério Público constitui título executivo extrajudicial. 2. Tal título pode agasalhar execução sob constrição patrimonial, mas não o pedido de prisão que, por exigência do art. 733 do CPC. (Apelação Cível 70021923669, Relator Sérgio Fernando de Vasconcellos Chave, julgado em 12/12/2007, public. DJ 21/12/2007)
EMENTA: AGRAVO DE INSTRUMENTO. EXECUÇÃO DE ALIMENTOS BASEADA EM TITULO EXTRAJUDICIAL. PRISAO CIVIL. DESCABIMENTO. Divida de alimentos representada por titulo executivo extrajudicial, pode embasar execução por quantia certa contra devedor solvente (art. 732 do CPC), mas não execução com ameaça de prisão civil, na forma prevista no art. 733 do CPC. Recurso desprovido, por maioria. (SEGREDO DE JUSTIÇA). (Agravo de Instrumento 70021274345, Relator Ricardo Raupp Ruschel, julgado em 24/10/2007, publicado DJ 07/11/2007)
EMENTA: HABEAS CORPUS. EXECUÇÃO DE ALIMENTOS PELO RITO DO ART. 733 DO CPC. TÍTULO EXTRAJUDICIAL. Incabível a execução sob o rito da prisão, constante no art. 733 do CPC, fundada em título executivo extrajudicial. Ordem concedida. (Habeas Corpus 70020901401, Relator Ricardo Raupp Ruschel, julgado em 20/08/2007, publicado DJ 30/08/2007)
Diante da controvérsia apresentada, buscamos resposta em dois argumentos: a) na natureza jurídica da obrigação alimentar e, b) no permissivo constitucional que estabelece a pena de prisão civil. Em relação ao primeiro, conclui-se que a obrigação alimentar tem natureza especial, vez que garante a sobrevivência do credor, sendo consequência natural do direito à vida. Tem sua raiz pautada no princípio da dignidade da pessoa humana e se sobrepõe a todas as outras formas de obrigação contraída pelo devedor. Por outro lado, o legislador constituinte elevou a prestação alimentar à máxima proteção constitucional, assegurando ao credor o manejo de coerção pessoal do devedor, sob forma de prisão civil, para garantir seu adimplemento. Menciona o artigo 5º, inciso LXVII, da Constituição Federal:
Não haverá prisão civil por dívida, salvo a do responsável pelo inadimplemento voluntário e inescusável de obrigação alimentícia e a do depositário infiel.
Com a análise do texto constitucional, com a devida ressalva aos posicionamentos contrários, facilmente se conclui que a pena de prisão civil é meio de coerção pessoal do devedor da obrigação alimentar, não importando, substancialmente, a forma de sua constituição. Assim, a origem do título que constituiu a obrigação não pode representar óbice à execução com coerção pessoal quando verificada a ocorrência da hipótese prevista constitucionalmente, sendo, portanto, perfeitamente aplicável a pena de prisão civil, qualquer que seja a origem do título.
6 Conclusão
Sintetizando estas questões, a execução da obrigação alimentar inadimplida não se ajusta mais ao antigo método apresentado pelo Título II, Capítulo V do Livro II do CPC (em relação específica ao artigo 732), sendo imprescindível reconhecer-se que a inovação processual trazida pela Lei 11.232/05 alcançou todas as formas de execução pautada em decisão judicial, dentre elas, a execução de alimentos. O descumprimento de prestação alimentícia com origem em decisão judicial condenatória ou homologatória, enseja procedimento de cumprimento de sentença, de acordo com o artigo 475-I, passível de aplicação da multa de 10%, conforme artigo 475-J, ambos do CPC. Não é justificável a aplicação do artigo 732 do CPC, que remete à execução por quantia certa contra devedor solvente, vez que o cumprimento de sentença, nos moldes atuais, é mais célere e eficaz ao credor e não importa em nenhum prejuízo ao devedor.
Permanecem intactas as disposições do artigo 733 e seus parágrafos, em relação à possibilidade de coação pessoal do devedor, submetendo-o à pena de prisão civil, entretanto, neste caso não se aplica a multa de 10% apresentada pelo artigo 475-J do CPC. A execução fundada no artigo 733 do CPC deve restringir-se às três últimas parcelas vencidas, bem como, ser manejada em processo autônomo. Este procedimento é perfeitamente compatível com as obrigações alimentares provenientes de manifestação de vontade das partes interessadas mediante documento público ou particular sem intervenção judicial em sua origem (títulos executivos extrajudiciais), sujeitando o devedor, igualmente, à pena de prisão civil, pois não é a origem do título executivo que gera a coerção pessoal do devedor, mas sim a natureza da obrigação alimentar e sua proteção especial apresentada pela Constituição Federal.
7 Referências
DIDIER JR., Fredie. CUNHA; Leonardo José Carneiro da; BRAGA, Paula Sarno; OLIVEIRA, Rafael. Curso de Direito Processual Civil: Execução. Salvador: Juspodvim, 2009.
DINAMARCO, Cândido Rangel. Instituições de Direito Processual Civil. São Paulo: Malheiros, 2005
DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro. São Paulo: Saraiva, 2007.
MACHADO, Costa. Código de Processo Civil Interpretado. 8ª Ed. São Paulo: Editora Manole, 2009.
MONTENEGRO FILHO, Misael. Código de Processo Civil Comentado e Interpretado. 2ª edição. São Paulo: Atlas, 2010.
NERY JR, Nelson. Rosa Maria de Andrade Nery. Código de Processo Civil Comentado. Rio de Janeiro: LTr, 2006.
RODRIGUES. Sílvio. Direito Civil: Direito de Família, v. 6. São Paulo: Saraiva, 2006.
THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de Direito Processual Civil. Vol 2 e 3. Rio de Janeiro: Forense, 2007.
VENOSA, Silvio de Salvo. Direito civil - direito de família. São Paulo: Atlas. 2007. vol. 6.
WAMBIER, Luiz Rodrigues e outros. Curso Avançado de Processo Civil. Vol. 1, 2 e 3. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2007.
Notas
- A prestação alimentar não precisa, necessariamente, ser prestada em dinheiro. A teor do artigo 1.701 do Código Civil, a pessoa obrigada a suprir alimentos poderá pensionar o alimentando, ou dar-lhe hospedagem e sustento, sem prejuízo do dever de prestar o necessário à sua educação, quando menor.
- (...) excetuando-se quanto à revogação implícita do artigo 732, que, a nosso ver mantém-se em vigor tão somente para fins de execução de obrigação alimentar fundada em título executivo extrajudicial.