Para assegurar o equilíbrio indispensável ao convívio humano nas nações, o Estado continua optando pela tripartição dos poderes, reservando a cada um, atribuições distintas e essencialíssimas que devem ser potencialmente exercidas com independência e harmonia.
Gosto da forma com que a Constituição mexicana, por exemplo, define essa divisão dos poderes: "El Supremo Poder de la Federacion se divide, para su ejercicio, en Legislativo, Ejecutivo y judicial". (Art. 49). Algumas outras, não se preocuparam em estabelecer constitucionalmente, este preceito, ainda que o poder se componha da mesma forma, ou seja, através do legislativo, do executivo e do judiciário.
Tem que ser assim e não há outra forma conhecida ou mesmo divisada.
A nossa República Federativa do Brasil reconhece como poderes da União, independentes e harmônicos entre si, o Legislativo, o Executivo e o Judiciário.
Entretanto, malgrado nosso, já não se contam as vezes em que a interferência de um poder "nelle cose dellaltro", deixou arranhões e até cicatrizes irreparáveis.
Nos últimos dias, quem se está particularmente ressentindo disto, é o Poder Judiciário. E já manifestou sua preocupação com a "indeclinável necessidade de manter sua autonomia" acrescentando o clima de "inquietude e desconforto em face de propostas e iniciativas desafinadas com seus princípios e objetivos", como consta da Carta de Macapá, enviada à Nação, na oportunidade do encontro do Colégio Permanente de Presidentes de Tribunais de Justiça do Brasil, reunidos naquela Capital.
Entre os pontos particularmente manifestados, está o que foi chamado de "crescente agigantar-se do Poder Executivo" o que "ameaça e deprime o amplo exercício das demais atividades igualmente essenciais ao funcionamento do Estado".
Fazendo eco a ele, juristas de escol, como Fábio Konder Comparato, Evandro Lins e Silva e Dalmo Dallari, entre outros, em manifesto eloqüente, criticaram o Executivo. Na oportunidade, foi dito nada menos que "tudo leva a crer que está em curso um processo de ruptura do modelo constitucional democrático instituído em 1988, para substitui-lo por outro, elaborado à imagem e semelhança dos atuais governantes".
Destaca outrossim, como principal prova do que é dito, a multiplicidade das medidas provisórias editadas, numa "usurpação das funções legislativas do Congresso Nacional".
A Nação sabe a que se deve tudo isto.
A Constituição Federal que data de 1988, ainda não conta com todas as Leis Complementares que permitem a governabilidade do país, proporcionando aos cidadãos brasileiros norteamento seguro ou forma que lhe permita dar o próximo passo sem receio de cair em algum abismo.
Entre outros, o sistema tributário é assunto mal resolvido a começar pela pobreza do seu alcance em relação àqueles que devem pagar. O assalariado paga tudo, o liberal paga o que quer, o sonegador não paga, tumultua o sistema e quando o Estado o alcança, age com métodos ainda tão arcaicos que o tempo passa antes que consiga proceder a uma cobrança, sem falar das vezes em que poderá ver baldados todos os esforços no sentido, mediante o uso por parte daquele, de muitas artimanhas, até legais, neste mundo existentes.
A culpa é do Legislativo?
Atualmente, ele diz que não e acrescenta que não está conseguindo trabalhar, devido a obstrução de suas pautas com tantas medidas provisórias, razão porque, vem diligenciando, na busca de novas regras para elas.
Projeto de autoria do Senador José Fogaça (PMDB-RS) quer a vigência das MPs por sessenta dias e que, se decorrido este prazo, não tiverem sido apreciadas, que o sejam em regime de urgência.
Por sua vez, o Executivo está dizendo coisas como "eles não gostam do Brasil", tese com que se constitui no primeiro amante da Pátria. Diligenciada a reeleição, meta maior dos dois primeiros anos do governo, na próxima investida estará em estado de campanha.
Enquanto busca seu fortalecimento incondicionado, rouba o sono dos outros dois poderes que se vêem na contingência de ter que lutar com todas as veras, para permanecerem o que são.
E o povo assiste da platéia, atônito as vezes, outras, pondo os pingos nos "is". Às vezes sensato, outras nem tanto. Ora Salomão, ora optando por outros Barrabás.
Não entende porque a Vale tem que ser vendida, mas nem pode, pois como é que se pode compreender o incompreensível. Se é uma grande empresa, lucrativa, rica, que não dá prejuízo, porque entregar a alguns, se pode ser de todos?
É levado a não entender decisão do Tribunal de Justiça, que para ser unânime só faltou um voto, quando reconheceu, por exemplo, que a Deputada Fátima Couzi tinha direito de incluir no seu tempo de serviço, o ano trabalhado, quando tinha apenas 15 anos, aliás, um reconhecimento justo. Este se inclui entre os casos de quando se diz que o direito é também moral, o que não é o caso do "auxílio paletó".
O Poder Povo tem que se conscientizar que sua desarmonia compromete aquela outra que deve existir entre o Legislativo, o Executivo e o Judiciário. Só uma conscientização eficaz demonstrará como neste jogo de invasão do espaço do outro, erram todos e as conseqüências não têm preço.
Deixemos pois aflorar o sentimento de cidadania que a todos nos deve possuir. Todos são também os que estão investidos do poder Façamo-lo despertar nos que dormem. Plantemos onde não existe. Cultivemos onde viceja.
É preciso, como condição indispensável ao convívio humano, como forma de assegurar a soberania nacional que só pode subsistir mediante a força do poder que como se sabe "emana do povo e em seu nome deve ser exercido".