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Considerações sobre o instituto da repercussão geral como pressuposto de admissibilidade do recurso extraordinário

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19/05/2011 às 08:32
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FUNDAMENTOS LEGAIS DO INSTITUTO DA REPERCUSSÃO GERAL

Os fundamentos legais que dão suporte ao instituto da repercussão geral são os seguintes delineados a seguir:

1) CF/88, artigo 102, § 3º, acrescido pela Emenda Constitucional nº 45/04.

2) CPC, artigos 543-A e 543-B, acrescidos pela Lei nº 11.418/06.

3) RISTF – Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal.

4) Artigos nºs 322-A e 328, com a redação da Emenda Regimental nº 21/2007.

5) Artigo nº 328-A, com a redação da Emenda Regimental nº 23/08 e da Emenda Regimental nº 27/2008.

6) Artigo nº 13, com a redação da Emenda Regimental nº 24/2008 e da Emenda Regimental nº 29/2009.

7) Artigo nº 324, com a redação da Emenda Regimental nº 31/2009.

8) Portaria 138/2009 da Presidência do STF.


DIFERENÇAS ENTRE O INSTITUTO DA ARGÜIÇÃO DE RELEVÂNCIA E DA REPERCUSSÃO GERAL

A argüição de relevância foi inserido na Constituição Federal em 13.04.1977, através da EC 7, que modificou o parágrafo único do artigo 119 da Carta, renumerando-o para o § 1º:

Artigo 119 (...)

§1º. As causas a que se fere o item III, alíneas a e d, deste artigo, serão indicadas pelo Supremo Tribunal Federal no regimento interno, que atenderá a sua natureza, espécie, valor pecuniário e relevância da questão federal.

No ano de 1985, através da Emenda Regimental 2, o RISTF adotou técnica normativa diferente, ou seja, ao invés de elencar as hipóteses em que não caberia recurso extraordinário (ressalvada a presença da relevância da questão federal), o artigo 325 passou a enumerar os casos de cabimento do recurso, fora das quais este somente seria admissível se demonstrada a relevância da questão federal. Desse modo, a índole da argüição de relevância era a de permitir a apreciação de recursos extraordinários que, em princípio, não seriam cabíveis [22].

Nesse ínterim, reside a diferença fundamental entre o instituto da argüição de relevância e a atual exigência de repercussão geral da questão constitucional, visto que enquanto no regime anterior a presença da "relevância da questão federal" era um elemento de abertura do STF à apreciação de recursos, que, a priori, não seriam conhecidos pelo Tribunal, a "repercussão geral" é um elemento que tem que estar presente em todo recurso extraordinário, como verdadeiro requisito de admissibilidade, devendo a mesma ser sempre demonstrada pelo recorrente, mesmo estando este subsumido numa das hipóteses de cabimento elencadas no inciso III do artigo 102 da CRFB/88.

A despeito da denominação geral filtragem recursal, tem-se que o instituto da Argüição de Relevância não se confunde com o instituto da Repercussão Geral, visto que o primeiro funcionou como um instituto que visava possibilitar o conhecimento deste ou daquele recurso extraordinário a priori incabível, funcionando desta forma com um instituto com característica central inclusiva, enquanto a repercussão geral tem como objetivo excluir do conhecimento do STF controvérsias que assim não se caracterizem [23].

Outra diferença consiste que enquanto na argüição de relevância fica nítido o aspecto da própria relevância como a tônica a ser objetivada para a devida viabilidade recursal, a repercussão geral exige o binômio relevância e transcendência, ou seja, exige uma dimensão em maior escala, pois além de demonstrar a questão da relevância da matéria constitucional veiculada no recurso extraordinário, necessário também que se demonstre a transcendência da questão debatida, como questão de viabilidade do recurso extraordinário interposto [24].


O JUÍZO DE ADMISSIBILIDADE DO RECURSO EXTRAORDINÁRIO E REPERCUSSÃO GERAL

O juízo de admissibilidade do recurso extraordinário e da repercussão geral ocorrem em dois momentos distintos, os quais são:

(a) Primeiro momento do juízo de admissibilidade está previsto na regra do artigo 541 do CPC, em que:

Art. 541. O recurso extraordinário e o recurso especial, nos casos previstos na Constituição Federal, serão interpostos perante o presidente ou o vice-presidente do tribunal recorrido, em petições distintas, que conterão:

I - a exposição do fato e do direito;

Il - a demonstração do cabimento do recurso interposto;

III - as razões do pedido de reforma da decisão recorrida.

Desta forma, o juízo de admissibilidade, nesse primeiro momento será exercido pelo órgão a quo, pela presidência ou vice-presidência do Tribunal de cuja decisão a parte recorre.

Importante ser observado que nesse primeiro momento, o Tribunal a quo não pode penetrar na analise do mérito do recurso extraordinário, cabendo-lhe apenas apreciar os requisitos ou pressupostos de admissibilidade do recurso, ou seja, vai verificar a configuração de uma das hipóteses constitucionais de cabimento do recurso extraordinário e o atendimento quanto aos requisitos formais, não devendo ser olvidado que, da decisão que negar seguimento ao recurso extraordinário cabe agravo de instrumento dirigido ao próprio STF, conforme a regra do artigo 544 do CPC, in verbis:

Art. 544. Não admitido o recurso extraordinário ou o recurso especial, caberá agravo de instrumento, no prazo de 10 (dez) dias, para o Supremo Tribunal Federal ou para o Superior Tribunal de Justiça, conforme o caso.

(b) O segundo momento do juízo de admissibilidade irá ocorrer no próprio STF, onde houve a inovação advinda com a EC 45/2004, com a introdução da repercussão geral, que deverá ser apreciada antes do mérito recursal, exigência esta que passou a constar do §3º, do artigo 102 da CRFB/88, in verbis:

Art. 102. Compete ao Supremo Tribunal Federal, precipuamente, a guarda da Constituição, cabendo-lhe:

III - julgar, mediante recurso extraordinário, as causas decididas em única ou última instância, quando a decisão recorrida:

§ 3º No recurso extraordinário o recorrente deverá demonstrar a repercussão geral das questões constitucionais discutidas no caso, nos termos da lei, a fim de que o Tribunal examine a admissão do recurso, somente podendo recusá-lo pela manifestação de dois terços de seus membros.

Nesse sentido, a análise se a questão veiculada no recurso extraordinário possui efetivamente relevância e transcendência é um requisito intrínseco de admissibilidade ligado à existência ou não do poder de recorrer, sendo que toda esta avaliação é de competência exclusiva do STF que deverá examinar como questão prévia, antes de adentrar no mérito do recurso extraordinário, a repercussão geral da questão constitucional veiculada no recurso.

Outra questão é a roupagem formal da repercussão geral [25], sendo requisito extrínseco de admissibilidade do recurso e analisado pelo Tribunal a quo, visto que este apenas analisará se formalmente, na petição do recurso extraordinário, a preliminar consta na petição de interposição.

Conforme jurisprudência do STJ em relação a questão:

EMENTA: AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO DE INSTRUMENTO. RECURSO EXTRAORDINÁRIO. REPERCUSSÃO GERAL. PRELIMINAR FORMAL E FUNDAMENTADA. INEXISTÊNCIA. PETIÇÃO EM APARTADO. PRECLUSÃO CONSUMATIVA. PRECEDENTES. 1. A recorrente não ofereceu preliminar formal e adequadamente fundamentada, no que tange a eventual repercussão geral das questões constitucionais debatidas no caso, não tendo sido observado o disposto no artigo 543-A, § 2º, do Código de Processo Civil, introduzido pela Lei n. 11.418/06. 2. O Supremo Tribunal Federal fixou entendimento no sentido da exigência da demonstração formal e fundamentada, no recurso extraordinário, da repercussão geral das questões constitucionais discutidas quando a intimação do acórdão recorrido tenha ocorrido a partir de 3 de maio de 2007, data da publicação da Emenda Regimental n. 21, de 30 de abril de 2007. Precedente. Agravo regimental a que se nega provimento.

(AI 746303 AgR, Relator(a): Min. EROS GRAU, Segunda Turma, julgado em 09/06/2009, DJe-121 DIVULG 30-06-2009 PUBLIC 01-07-2009 EMENT VOL-02367-14 PP-02805).

EMENTA: AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO DE INSTRUMENTO. RECURSO EXTRAORDINÁRIO. REPERCUSSÃO GERAL. PRELIMINAR FORMAL E FUNDAMENTADA. INEXISTÊNCIA. NÃO IMPUGNAÇÃO DOS FUNDAMENTOS DA DECISÃO AGRAVADA. 1. O agravante não apresentou preliminar formal e fundamentada, no recurso extraordinário, da repercussão geral das questões constitucionais debatidas no caso, não tendo sido observado o disposto no artigo 543-A, § 2º, do Código de Processo Civil, introduzido pela Lei n. 11.418/06. 2. O Supremo Tribunal Federal fixou entendimento no sentido da exigência da demonstração formal e fundamentada no recurso extraordinário da repercussão geral das questões constitucionais discutidas quando a intimação do acórdão recorrido tenha ocorrido a partir de 3 de maio de 2007, data da publicação da Emenda Regimental n. 21, de 30 de abril de 2007. Precedente. 3. O agravante deve, em suas razões, impugnar todos os fundamentos da decisão atacada sob pena de não conhecimento do recurso interposto [art. 317, § 1º, do RISTF]. Agravo regimental a que se nega provimento.

(AI 726269 AgR, Relator(a): Min. EROS GRAU, Segunda Turma, julgado em 11/11/2008, DJe-227 DIVULG 27-11-2008 PUBLIC 28-11-2008 EMENT VOL-02343-22 PP-04450).

Desta forma, o recorrente tem o ônus de demonstrar, de forma expressa e formal, com a devida fundamentação, que a questão constitucional debatida no recurso apresenta repercussão geral, incluindo um capítulo ou tópico sobre a preliminar de repercussão geral na própria petição de interposição do recurso extraordinário, sob pena do mesmo não ser admitido.

Ao analisar a roupagem formal, ou seja, de verificar apenas se no recurso consta a preliminar da repercussão geral o órgão a quo não estará usurpando competência exclusiva do STF, de modo que, se a decisão não admitir o recurso extraordinário, esta poderá ser impugnada através de agravo de instrumento, dirigido ao próprio STF, de acordo com a regra estabelecida no artigo 544 do CPC.


DA COMPETÊNCIA E QUORUM NECESSÁRIOS ACERCA DA EXISTÊNCIA OU NÃO DE REPERCUSSÃO GERAL

No que tange a competência e ao quorum necessário para o conhecimento e pertinência da repercussão geral é estabelecido no §4º do artigo 543-A do CPC que:

Art. 543-A. O Supremo Tribunal Federal, em decisão irrecorrível, não conhecerá do recurso extraordinário, quando a questão constitucional nele versada não oferecer repercussão geral, nos termos deste artigo.

§ 4o Se a Turma decidir pela existência da repercussão geral por, no mínimo, 4 (quatro) votos, ficará dispensada a remessa do recurso ao Plenário

Desta forma, competirá ao Plenário do STF a decisão final acerca da existência ou não da repercussão geral. A dispensa da remessa do recurso ao pleno, se dá pelo fato de que, sendo a Turma composta de cinco ministros, caso quatro deles venham a decidir pela presença da repercussão geral, desnecessária será remessa ao Plenário do STF, visto que o artigo 102, 3, da CRFB/88, ao preceituar a repercussão geral especifica regra que exige o voto de dois terços dos membros do Plenário para deixar de reconhecer e recurso extraordinário por ausência de repercussão geral, o que, nesse caso, equivale a oito votos em onze [26].

Nesse sentido, esclarece Antonio Pereira Gaio Júnior que, se na Turma quatro ministros reconheceram a incidência da repercussão geral, o número máximo que se obteria no Plenário seria de sete votos pela inexistência desse requisito, portanto, inferior aos 2/3 exigidos pelo dispositivo constitucional [27].

Desta forma, uma vez negada à repercussão geral, a decisão do Pleno valerá para todos os recursos sobre matéria idêntica, estes ainda pendentes de apreciação, sendo todos indeferidos liminarmente, salvo revisão da tese nos termos do regimento interno do STF (artigo 543-A, §5º do CPC).

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O §6º do artigo 543-A do CPC confere ao Relator a possibilidade de, durante a análise da repercussão geral, permitir a intervenção de terceiros interessados, através de procurador habilitado, de acordo com o regimento interno do STF.

Por fim, de acordo com o §7º do artigo 543-A do CPC é estabelecido que o resumo da decisão sobre a repercussão geral deverá constar de ata, que será publicada no Diário Oficial, valendo, desta forma como acórdão.


CONSIDERAÇÕES FINAIS

Após a realização deste trabalho, podem-se chegar as seguintes considerações sobre o instituto jurídico da repercussão geral:

01. O instituto da repercussão geral do recurso extraordinário, inserido em nosso ordenamento jurídico através da EC 45/2004, tem como objetivo a redução do número de recursos junto ao STF, de modo que este órgão do Poder Judiciário se dedique, com mais tempo e qualidade, àqueles casos que realmente tenham relevância para a sociedade como um todo.

02. O requisito de admissibilidade da repercussão geral não é o primeiro impedimento recursal no ordenamento jurídico brasileiro com o objetivo de obstaculizar o número de recursos junto ao STF, visto que anteriormente já existiu o pressuposto de admissibilidade denominado "argüição de relevância", servindo este de inspiração para o atual instituto.

03. A repercussão geral foi prevista primeiramente no §3º, do artigo 102 da CRFB/88, tendo sua regulamentação através da Lei nº. 11.418/2006 e pela Emenda Regimental STF 21/2007.

04. Não existe um conceito fechado, categórico, de repercussão geral, ou seja, trata-se de um conceito vago ou indeterminado, a ser esclarecido pela doutrina e sobretudo pelo STF, mediante a análise tópica dos recursos extraordinários que forem chegando a Corte.

05. A diferença fundamental entre o instituto da argüição de relevância e a atual exigência de repercussão geral da questão constitucional, deve-se ao fato que enquanto no regime anterior a presença da "relevância da questão federal" era um elemento de abertura do STF à apreciação de recursos, que, a priori, não seriam conhecidos pelo Tribunal, a "repercussão geral" é um elemento que tem que estar presente em todo recurso extraordinário, como verdadeiro requisito de admissibilidade, devendo a mesma ser sempre demonstrada pelo recorrente, mesmo estando este subsumido numa das hipóteses de cabimento elencadas no inciso III do artigo 102 da CRFB/88.

06. No que concerne ao significado da repercussão geral jurídica no sentido estrito existiria, por exemplo, quando estivesse em jogo o conceito ou a noção de um instituto básico do nosso direito, de modo que aquela decisão, se subsistisse, pudesse significar perigoso e relevante precedente, como a de direito adquirido, já a relevância social haveria, numa ação em que se discutissem problemas relativos à escola, à moradia ou mesmo à legitimidade do Ministério Público para a propositura de certas ações. A Repercussão econômica haveria em ações que discutissem por exemplo, o sistema financeiro da habitação ou a privatização de serviços públicos essenciais, como a telefonia, o saneamento básico, a infra-estrutura, etc., e a Repercussão política haveria quando, por exemplo, de uma causa pudesse emergir decisão capaz de influenciar relações com Estados estrangeiros ou organismos internacionais, como exemplo.

07. A discussão acerca da repercussão geral deve transcender ao interesse subjetivo das partes, ou seja, a questão deve repercutir para um grande número de pessoas na sociedade, sendo desta forma de interesse geral. Nesse sentido, a decisão dos ministros do Supremo – por quorum qualificado - será publicada e servirá então de parâmetro para os recursos posteriores interpostos sobre a referida questão.

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Sobre o autor
Henrique Lopes Dornelas

Mestre em Direito - UERJ. Mestre em Sociologia e Direito - PPGSD/UFF Especialista em Direito Tributário - UCAM. Especialista em Direito Público - UGF. Advogado e Professor Universitario

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

DORNELAS, Henrique Lopes. Considerações sobre o instituto da repercussão geral como pressuposto de admissibilidade do recurso extraordinário. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 16, n. 2878, 19 mai. 2011. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/19140. Acesso em: 24 abr. 2024.

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