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Democracia: método ou processo?

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04/06/2011 às 10:59
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3. A Democracia como um processo

Segundo Boaventura de Souza Santos e Leonardo Avritzer, o modelo hegemônico de democracia do pós-guerra, inspirado no pensamento schumpteriano não respondeu aos anseios do conjunto da população. No momento em que é a reaberto o debate em torno da democracia, com o fim da guerra fria, somado ao avanço da globalização, a teoria hegemônica de democracia é confrontada com "um conjunto de questões não resolvidas que remetem ao debate entre democracia participativa e democracia representativa" (SANTOS; e AVRITZER, 2005, p. 49-50). Tal conflito torna-se ainda mais grave em sociedades multi-étnicas, onde os anseios por participação são mais fortes.

Nestas condições, como bem destaca Thomas Villasante (1999, p. 99), como é possível representar as maiorias representando apenas tipos médios? Ou, ainda, como podem ser expressadas as diferentes culturas que não tem acesso aos partidos políticos? Segundo ele, o moderno conceito de democracia tem que apresentar respostas as estas perguntas para "não perder credibilidade".

Na teoria schumpeteriana a resposta ficaria limitada ao jogo concorrencial das idéias através dos líderes políticos, a quem cabe, em última instância, o papel de captar os anseios dos membros da sociedade em verem os seus direitos reconhecidos. Mas esta é uma resposta ainda é insuficiente para a dimensão dos problemas aqui levantados.

Thomas Villasante (1999) destaca a necessidade de lembrar que ao longo da história existiram muitos tipos de democracia com diferentes graus de participação política. Se por um lado, o fato de a cada quatro anos ser possível a escolha num pleito eleitoral do nome dos nossos representantes significa um avanço em relação a sistemas onde a escolha estava limitada a minorias, por outro destaca que este é um argumento defensivo diante de situações absolutistas e ditatoriais oriundas do nascer da democracia. Para ele,

uma democracia não é algo estático, é um processo. Um processo na história que se está construindo e em relação aos problemas concretos que deve ir resolvendo. Diante do autoritarismo de uma minoria responde com a representação das maiorias e assim consegue fazer com que a situação progrida na direção dos níveis mais altos de liberdade. Mais ainda, costuma-se conseguir chegar na democracia pelo exercício, nas brechas do regime ditatorial, de elementos democráticos parciais: mostrando nos bairros, nas fábricas, nas escolas, etc... que ela serve (lembram-se das lutas contra as ditaduras). É, portanto, uma coisa construída, que não cai do céu por milagre. (VILLASANTE, 1999, p. 98)

Desta forma, a democracia, como um produto da experiência humana, para ser efetiva precisa ser construída a cada dia, caso contrário ela corre o risco de regenerar-se e virar uma fraude. Não existe, portanto, um modelo único, universal e definitivo de democracia, como queriam tanto Schumpeter como os liberais do século XIX.

Santos e Avritzer (2005) falam na existência de uma "demodiversidade", uma diversidade democrática que abriga vários modelos diferentes de democracia e a combinação entre estes, como por exemplo entre a democracia participativa e a representativa. Sendo assim,

não faz sentido postular a universalidade dos valores que sustentam a democracia na base de que não há nada em outras culturas que se lhe oponham, como faz Amartya Sen (1999). Tal convergência não pode ser postulada como ponto de partida. Tem que ser, quando muito, o ponto de chegada de um diálogo intercultural em que outras culturas possam apresentar não só aquilo a que não se opõem, como, sobretudo, aquilo que propõem autonomamente. (SANTOS, AVRITZER, 2005, p. 72)

A democracia, na verdade, "não está tanto em representar opiniões, mas em como elas são construídas" (VILLASANTE, 1999, p. 100). A democracia não é algo abstrato, que pode ser aplicado mecanicamente, mas sim o produto de processos que se constroem e se destroem, dependente da ação dos diversos agentes sociais, motivo pelo qual está sujeita a reveses e a mutações. Ela é produto de um aprendizado histórico que ainda está em andamento.


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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Notas

  1. Como nos Estados Unidos, por exemplo, onde os eleitores elegem um colégio eleitoral e não o seu presidente diretamente, ao ponto do republicano George Bush ter sido eleito ao primeiro mandato com menos votos, em termos absolutos, do que o seu adversário democrata. Todavia, Bush, em face das peculiaridades do sistemas federativo e eleitoral americano, obteve mais votos no colégio eleitoral.
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Sobre o autor
Sandro Ari Andrade de Miranda

Advogado no Rio Grande do Sul, Doutorando em Sociologia.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MIRANDA, Sandro Ari Andrade. Democracia: método ou processo?. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 16, n. 2894, 4 jun. 2011. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/19226. Acesso em: 24 abr. 2024.

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