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Produção probatória no âmbito dos juizados especiais cíveis: limitações ao princípio constitucional da ampla defesa

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03/06/2011 às 09:56
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4.O APARENTE PARADOXO

Inicialmente, o intérprete desatento poderia identificar um aparente conflito, ou tensão, entre um princípio constitucional e um princípio estabelecido em legislação infraconstitucional. Seguindo um critério hierárquico, não seria admissível que, a priori, os princípios contidos na Lei dos Juizados Especiais Cíveis – oralidade, informalidade, celeridade e simplicidade – promovessem verdadeira restrição ao princípio constitucional da ampla defesa, direito fundamental consagrado no ordenamento jurídico pátrio, impedindo a produção de meios probatórios moralmente legítimos, tendo em vista os preceitos estabelecidos na referida legislação ordinária.

Ocorre que mesmo os direitos fundamentais são passíveis de limitações. Tais limitações acontecem de forma expressa (realizadas diretamente, pela própria Constituição Federal ou indiretamente, pela Lei) ou de forma tácita (através de limites implícitos ou imanentes), segundo leciona Suzana de Toledo Barros [21]. Assim, o caráter principiológico das normas de direitos fundamentais implica, por si só, a aplicação do princípio da proporcionalidade em sentido amplo ou a existência de seus elementos ou subprincípios: adequação, necessidade e proporcionalidade em sentido estrito [22], quando da existência de tensões envolvendo aqueles.

Examinando-se os três subprincípios, teremos que a "adequação dos meios aos fins traduz-se em uma exigência de que qualquer medida restritiva deve ser idônea à consecução da finalidade perseguida [23]". É a fase inicial da aplicação do princípio da proporcionalidade, onde são averiguados quais os meios aptos à consecução do fim almejado.

A necessidade, por sua vez, estabelece que a "medida restritiva seja indispensável para a conservação do próprio ou de outro direito fundamental e que não possa ser substituída por outra igualmente eficaz, mas menos gravosa [24]". Dentre todas as medidas disponíveis, o intérprete deverá optar pela menos gravosa.

O subprincípio da proporcionalidade em sentido estrito impõe a observância de se utilizar o meio adequado e necessário em razoável proporção com o fim perseguido, evitando-se, assim, o cometimento de práticas excessivas [25].

Nelson Nery, nesse sentido, esclarece:

Segundo o princípio da proporcionalidade, também denominado de "lei da ponderação", na interpretação de determinada norma jurídica, constitucional ou infraconstitucional, devem ser sopesados os interesses e direitos em jogo, de modo a dar-se a solução concreta mais justa. Assim, o desatendimento de um preceito não pode ser mais forte e nem ir além do que indica a finalidade da medida a ser tomada contra o preceito a ser sacrificado [26].

Assim sendo, é perfeitamente possível que haja determinada sujeição dos direitos fundamentais à reserva imposta por lei ordinária restritiva, quando há previsão constitucional expressa estabelecendo a possibilidade da respectiva restrição [27].

Mas os direitos fundamentais que não estariam sujeitos à clausula restritiva expressa, não seriam insuscetíveis de quaisquer limitações [28].

Nesse sentido, Suzana de Toledo Barros afirma que:

Para prevenir os inúmeros conflitos resultantes de pretensões colidentes, a fim de garantir segurança jurídica nas relações sociais, justifica-se, frequentemente, a edição de leis que restrinjam o exercício dos direitos considerados, sem que, para tanto, exista uma específica autorização constitucional. Nestes casos, tem-se que a coexistência espácio-temporal de direitos pode ser validamente prevenida, desde que a tarefa de concordância prática respeite os limites dados principalmente pelo princípio da proporcionalidade [29].

A restrição do direito fundamental compreendido pelo princípio constitucional da ampla defesa, destarte, encontra supedâneo na aplicação do princípio da proporcionalidade, tendo em vista que a produção de meios probatórios que viessem a comprometer os valores preconizados pelo ordenamento jurídico violaria o subprincípio da proporcionalidade strictu sensu, traduzindo-se em verdadeiro excesso.

Desta forma, é perfeitamente admissível que ocorra uma restrição ao exercício do direito fundamental à livre produção probatória, evidenciado pelo princípio da ampla defesa, por meio de uma legislação infraconstituiconal, in casu, a Lei dos Juizados Especiais Cíveis.

A não limitação na produção dos meios probatórios, se traduziria em uma verdadeira violação ao princípio da celeridade processual, também insculpido no rol de direitos fundamentais, nos moldes propostos pela Lei 9.099 de 1995, já que a celeridade processual preconizada por este diploma encontra supedâneo no princípio mencionado, tornando sem efeito os benefícios trazidos no bojo desta legislação.

Impõe-se, nesse sentido, uma ponderação entre os princípios constitucionais da ampla defesa e da celeridade, promovendo, consoante Ronald Dworking e Robert Alexy, a aplicação dos referidos princípios na maior medida possível, respeitando-se suas dimensões de peso requisitadas pelos fins propostos pela Lei dos Juizados Especiais Cíveis.


5.CONSIDERAÇÕES FINAIS

O ordenamento jurídico pátrio prevê a consecução de determinados valores. Este conteúdo axiológico se manifesta através dos princípios constitucionais, que, a partir da segunda metade do século XX, adquiriram status de norma jurídica, decorrente do fenômeno da força normativa das constituições, uma das características do neoconstitucionalismo.

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Os direitos fundamentais, representados pelos princípios e regras constitucionais, realizam o valor fundamental da proteção à dignidade humana, impondo prestações positivas e negativas, ao Estado e à sociedade, com o fim de proteger o ser humano contra qualquer tipo de tratamento desumano e degradante.

Nessa seara, o princípio da ampla defesa, como direito fundamental e corolário do princípio do devido processo legal, confere às partes, a possibilidade de uma determinada amplitude quanto à produção de meios probatórios, respeitando-se, necessariamente, a licitude das provas produzidas.

Com o advento da Lei dos Juizados Especiais Cíveis e seu procedimento sumaríssimo especial, a aplicação subsidiária do Código de Processo Civil sofre determinadas mitigações, ou seja, verdadeiras restrições aos atos processuais que não se coadunam com a celeridade imposta pelo respectivo procedimento.

Destarte, há uma relativização do direito fundamental à ampla defesa no âmbito do procedimento preconizado pela Lei 9.099 de 1995, tendo em vista a vedação à produção de meios de prova incompatíveis com os princípios norteadores do rito acima mencionado.

A coexistência de direitos fundamentais importa na ocorrência de eventuais tensões ocorridas entre estes, implicando na necessidade de se estabelecer parâmetros para a solução destas controvérsias.

As considerações acima estipuladas evidenciam o caráter relativo dos direitos fundamentais, sendo que os conflitos mencionados alhures seriam solucionados com a aplicação do princípio constitucional, implícito, da proporcionalidade, a partir da verificação dos pressupostos insculpidos nos subprincípios que compõem aquele maior.

Apesar de se atender aos requisitos propostos pelos subprincípios da adequação e da necessidade, quando da admissibilidade de todos os tipos de provas, típicos e atípicos, nos moldes do Código de Processo Civil, restaria violado o subprincípio da proporcionalidade em sentido estrito quando, v.g., se admitir-se a produção de prova pericial no âmbito dos Juizados Especiais Cíveis, o que tornaria o referido procedimento moroso e dispendioso - não atendendo aos ideais de celeridade preconizados no texto constitucional e evidenciados na legislação em comento - para as partes, além de violar, também, um dos subprincípios da oralidade, que impõe a realização de toda produção probatória no âmbito da audiência de instrução e julgamento.

Desta forma, seria imensamente desproporcional, strictu sensu, e, por conseqüência, lato sensu, admitir a produção de provas no âmbito dos Juizados Especiais Cíveis, ao se aplicar, sem restrições, o princípio constitucional da ampla defesa, ignorando-se, completamente, a devida observação aos valores constitucionais que estabeleceram a criação destes órgãos jurisdicionais, o que impossibilitaria a efetivação de uma tutela jurisdicional adequada, útil e justa.


6.REFERÊNCIAS

AFONSO da Silva, José. Curso de Direito Constitucional Positivo. 9ª Ed., São Paulo: Malheiros Editores, 1992.

BARROS, Suzana de Toledo. O Princípio da Proporcionalidade e o Controle de Constitucionalidade das Leis Restritivas de Direitos Fundamentais. 2ª Ed., Brasília: Brasília Jurídica, 2000.

BARROSO, Luís Roberto. Neoconstitucionalismo e Constitucionalização do Direito. O Triunfo Tardio do Direito Constitucional no Brasil. Jus Navigandi, Teresina, ano 10, n. 851, 1 nov. 2005. Disponível em <https://jus.com.br/artigos/7547>. Acesso em: 01 ago. 2008.

BERNARDINI, Marcos Maurício. Juizados Especiais Cíveis. Provas Técnicas e Perspectivas Gerais (Federais, Criminais e de Família). São Paulo: Memória Jurídica Editora, 2001.

BOMFIM, Thiago. Os Princípios Constitucionais e sua força normativa. Salvador: JusPodivm, 2008.

BRASIL. Projeto do Novo Código de Processo Civil. Senado, Brasília. Disponível em <http://www.senado.gov.br.>. Acesso em 12 de jan. 2011.

CAPPELLETTI, Mauro e GARTH, Bryant. Acesso à Justiça. Tradução e Revisão: Ellen Gracie Northfleet. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris Editor, 1988.

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DIDIER Júnior, Fredie, BRAGA, Paula Sarno e OLIVEIRA, Rafael. Curso de Direito Processual Civil. Volumes 1 e 2. 5ª Ed., Salvador: Juspodivm, 2010.

DINAMARCO, Cândido Rangel. A Instrumentalidade do Processo, 11ª Ed., São Paulo: Malheiros Editores, 2003.

DINAMARCO, Cândido Rangel. Manual dos Juizados Cíveis, 2ª Ed., São Paulo: Malheiros Editores, 2001.

KOEHLER, Frederico Augusto Leopoldino. A Razoável Duração do Processo. Salvador: Juspodivm, 2009.

MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional. 17ª Ed., São Paulo: Editora Atlas, 2005.

NERY Júnior, Nelson. Princípios do Processo Civil na Constituição Federal. 8ª Ed., São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2004.

SARLET, Ingo Wolfgang. Dignidade da Pessoa Humana e Direitos Fundamentais na Constituição Federal de 1988. 6ª Ed., Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2008.


NOTAS

  1. BARROSO, Luís Roberto. Neoconstitucionalismo e constitucionalização do Direito. O triunfo tardio do Direito Constitucional no Brasil. Jus Navigandi, 2005 pag. 5.
  2. Id., pag. 5.
  3. SARLET, Ingo Wolfgang. Dignidade da Pessoa Humana e Direitos Fundamentais na Constituição Federal de 1988. 2008, pag. 63.
  4. Id., pag. 102.
  5. CUNHA Júnior, Dirley da. Curso de Direito Constitucional. 2008, pag. 682.
  6. BRASIL. Projeto do Novo Código de Processo Civil. 2010, pag. 50.
  7. KOEHLER, Leonardo Augusto Leopoldino. A Razoável Duração do Processo. 2009, pag. 29.
  8. DINAMARCO. Cândido Rangel. Manual dos Juizados Cíveis. 2001, pag. 19.
  9. Id., pag. 23.
  10. CAPPELLETTI, Mauro e GARTH, Bryant. Acesso á Justiça. 1988, pag. 12.
  11. DIDIER Júnior, Fredie, BRAGA, Paula Sarno e OLIVEIRA, Rafael. Curso de Direito Processual Civil. 2010, volume 2, pag. 49.
  12. NERY Jr., Nelson, NERY, Rosa Maria de Andrade. Código de Processo Civil comentado e legislação extravagante. 2004, pag. 142, apud DIDIER Júnior, Fredie. Curso de Direito Processual Civil. 2010, volume 1, pag 142.
  13. DINAMARCO. Cândido Rangel. Manual dos Juizados Cíveis. 2001, pag. 154.
  14. BERNARDINI, Marcos Maurício. Juizados Especiais Cíveis. Provas Técnicas e Perspectivas Gerais (Federais, Criminais e de Família). 2001, pag. 33.
  15. DWORKING, Ronald. Levando os Direitos a Sério. 2002, pag.39, apud BOMFIM, Thiago. Os Princípios Constitucionais e Sua Força Normativa. 2008, pag.49)
  16. ALEXY, Robert. Teoria de Los Derechos Fundamentales. 1993, pag. 86, apud BOMFIM, Thiago. Os Princípios Constitucionais e Sua Força Normativa. 2008, pag. 50.
  17. NERY Júnior, Nelson. Princípios do Processo Civil na Constituição Federal. 2004, pag. 60.
  18. MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional. 2005, pag. 93.
  19. AFONSO da Silva, José. Curso de Direito Constitucional Positivo. 1992, pag. 378.
  20. DINAMARCO, Cândido Rangel. A Instrumentalidade do Processo. 2003, pag. 49.
  21. BARROS, Suzana de Toledo. O Princípio da Proporcionalidade e o Controle de Constitucionalidade das Leis Restritivas de Direitos fundamentais. 2000, pag. 160.
  22. Id., pag. 157.
  23. Id., pag. 76.
  24. Id., pag. 79.
  25. Id., pag. 83.
  26. NERY Júnior, Nelson. Princípios do Processo Civil na Constituição Federal. 2004, pag. 197.
  27. BARROS, Suzana de Toledo. O Princípio da Proporcionalidade e o Controle de Constitucionalidade das Leis Restritivas de Direitos fundamentais. 2000, pag. 163.
  28. Id., pag. 166.
  29. Id., pag. 175.
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Sobre o autor
Hugo de Barros Chianca

Mestrando em Direito pela Universidade Católica de Pernambuco, Pós-graduando em Direito Civil e Direito Processual Civil pela Faculdade de Direito de Garanhuns, Professor da Faculdade de Direito de Garanhuns e Advogado inscrito nos quadros da OAB-PE.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

CHIANCA, Hugo Barros. Produção probatória no âmbito dos juizados especiais cíveis: limitações ao princípio constitucional da ampla defesa. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 16, n. 2893, 3 jun. 2011. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/19254. Acesso em: 19 abr. 2024.

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