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Tutela antecipada em face de pedido incontroverso

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07/06/2011 às 15:55
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6. A tutela antecipada em face de pedido incontroverso e seus requisitos

A muito, LUIZ GUILHERME MARINONI [21] já defendia a possibilidade de antecipação da tutela com base em pedido incontroverso, tanto que afirmava antes mesmo do advento da Lei 10.444 que "se é possível a tutela antecipatória, com base em probabilidade, do direito postulado pelo autor (por exemplo, tutela antecipatória fundada na técnica monitória), não há explicação razoável para não se admitir a realização imediata de um dos direitos postulados pelo autor no caso em que ele não é mais controvertido".

Pensando nisso, o legislador introduziu em nosso ordenamento jurídico através da referida Lei, o § 6º ao artigo 273 que diz "a tutela antecipada também poderá ser concedida quando um ou mais dos pedidos cumulados, ou parcela deles, mostrar-se incontroverso".

Isto se deu, pois, como bem aceito pela doutrina, não era plausível se exigir que as partes aguardassem o final da demanda para solução total do litigo quando o próprio réu concordava com o pedido ou parte do que era pedido. Ora, como bem defini DANIEL AMORIM ASSUMPÇÃO NEVES [22], nas lições de Chiovenda, o processo não pode prejudicar o autor que tem razão.

Para MARCUS VINICIUS RIOS GONÇALVES [23] não há motivo para que o autor aguarde o julgamento final da demanda, que pode ser demorado, se parte do que ele pediu nem foi impugnado.

Assim, como o processo "nada mais é do que o instrumento de realização do direito material, ou seja, sua finalidade é a de fazer atuar a norma que corresponde à relação jurídica de direito material que deixou de ser cumprida voluntariamente pelas partes, fazendo-a atuar no caso concreto", como bem disse TÉRCIO CHIAVASSA [24] trazendo ensinamentos também de Chiovenda, resta claro que tal norma prioriza a solução rápida e eficaz dos litígios, salvaguardando o direito à inafastabilidade da Jurisdição para apreciação de lesão ou a ameaça a direito, previsto no artigo 5º, inciso XXXV, da Constituição Federal, observando também o devido processo legal (art. 5º, LIV, da CF), o princípio da proporcionalidade ou razoabilidade, sem esquecer a segurança jurídica e a economia processual.

Veja que a partir do momento em que foi introduzida tal norma, restou para estes casos apenas uma condicionante – a incontrovérsia – já que não se exige para deferir a tutela antecipada nem o fumus boni iuris, que se caracteriza pela prova inequívoca a ensejar o juízo de verossimilhança, nem o periculum in mora, que se caracteriza pelo receio de dano irreparável ou de difícil reparação.

Isto porque, a incontrovérsia acarreta um juízo de certeza, de cognição exaurinte, não sumária como ocorre nos outros casos, revelando assim um maior grau de convicção do Magistrado quando da análise do pedido, pois dará, a nosso ver, uma decisão definitiva, já que baseada em fato incontroverso.

LUIZ GUILHERME MARINONI [25] defende referido efeito afirmando que "a tutela de cognição exauriente garante a realização plena do princípio do contraditório de forma antecipada, não permitindo a postecipação da busca da verdade e da certeza; a tutela de cognição exauriente, ao contrário da tutela de cognição sumária, tem aptidão para produzir coisa julgada material".

Para o Magistrado deferir a tutela antecipada em virtude de existir pedido, ou parte do pedido incontroverso, será necessário além desse requisito, que se esteja diante de um pedido verossímil, cujo atendimento não está subordinado a qualquer questão prejudicial.

Corrobora com esse entendimento MARCUS VINICIUS RIOS GONÇALVES [26], já que afirma "ao apreciar o pedido de antecipação o juiz terá de examinar, após uma leitura atenta das manifestações das partes, qual ou quais os fatos ficaram incontroversos. E, em seguida, deverá verificar qual a repercussão dessa incontrovérsia sobre a(s) pretensão(ões) do autor, antecipando aquilo que, desde logo, possa ser atendido".

CÂNDIDO RANGEL DINAMARCO [27] vai mais além, pois entende que "quando essa incontrovérsia abranger todos os fatos relevantes para julgar o meritum causae, daí decorre a total desnecessidade de provar e o juiz estará autorizado a antecipar o próprio julgamento da causa". Contudo, adverte referido jurista que "o legislador não quis ousar mais, a ponto de autorizar nesses casos um parcial julgamento antecipado do mérito, prevalecendo à rigidez do procedimento brasileiro, no qual o mérito deve ser julgado em sentença e a sentença será sempre uma só no processo".

Por sua vez, ERLON LEAL MARTINS [28] citando Flávio Cheim Jorge, Fredie Didier Júnior e Marcelo Abelha Rodrigues, coaduna com o entendimento de LUIZ GUILHERME MARINONI, pois sustenta que nesses casos "não é antecipação dos efeitos da tutela, mas emissão da própria solução judicial definitiva, fundada em cognição exauriente e apta, inclusive, a ficar imune com a coisa julgada material. E, por ser definitiva, desgarra-se da parte da demanda que resta a ser julgada, tornando-se decisão absolutamente autônoma: o magistrado não precisa confirmá-la em decisão futura, que somente poderá examinar o que ainda não tiver sido apreciado."

Apesar de concordarmos com esse posicionamento, grande parte da doutrina, entre eles LUIZ RODRIGUES WAMBIER, MARCUS VINICIUS RIOS GONÇALVES e TEORI ALBINO ZAVASCKI, entendem que esta decisão é provisória e que a sentença continua sendo única, e nela o juiz apreciará, em caráter definitivo, todos os pedidos formulados, reafirmando ou não a decisão que deferiu a tutela.

A nosso ver, justamente por todos estes entendimentos, que vejamos tem algumas variações das quais concordamos em parte, com todos, é que acreditamos que a tutela antecipada fundada em pedido incontroverso tem efeito de decisão definitiva, mas com processamento de provisória, evitando-se assim, problemas processuais, devido a falta de legislação pertinente.

Como bem defini MARCUS VINICIUS RIOS GONÇALVES [29]"ao contrário do que ocorre com as hipóteses anteriores de antecipação, nesta não há necessidade de o provimento antecipado não ser irreversível. Mesmo que ele o seja, o juiz a concederá, porque, se o pedido é incontroverso, não há possibilidade de reversão na sentença. Como não houve impugnação ao pedido, é mínima a probabilidade de que aquilo que foi antecipado não seja reafirmado no julgamento"

Este entendimento nos traz que apesar do mencionado jurista entender tratar-se referida decisão de provisória, que deve ser reafirmada na sentença, ele nas entrelinhas coaduna com nosso entendimento de que trata de decisão com efeitos de definitiva, pois sustenta a possibilidade de que referida decisão possa ser deferida mesmo diante da possibilidade de irreversibilidade do pedido.

Isto se dá, uma vez que estamos diante de pedido incontroverso, que, portanto, teve cognição exauriente, que é verossímil e que não está subordinado a qualquer questão prejudicial, podendo, portanto, ser deferido mesmo diante da possibilidade de irreversibilidade. Assim, não há porque acreditar que seus efeitos são provisórios e que poderão ser alterados quando da prolação da sentença.

TEORI ALBINO ZAVASKI [30] estudando o tema é outro que acredita que em se tratando de pedido incontroverso é natural que haja uma interpretação mitigada da proibição estabelecida no § 2º do artigo 273, ou seja, quando houver perigo de irreversibilidade do provimento, isto porque, nas palavras do doutrinador "o eventual risco de irreversibilidade poderá ser contornado da mesma forma como o seria em caso de execução provisória da sentença definitiva que tivesse outorgado a mesma tutela: condicionando o seu cumprimento à outorga de "caução idônea" a ser prestada, "nos próprios autos".

Assim, resta claro ser plausível nosso entendimento de trata-se de decisão com efeito de definitiva e processamento de provisória. Mas não é só, referido doutrinador corrobora ainda mais como nosso entendimento quando afirma "no que se refere à efetivação da medida, considerando que não se faz presente nenhuma situação de urgência, não há porque adotar regime diferente do que seria adotado em caso de execução provisória da correspondente sentença de procedência".

É certo que o legislador foi omisso em diversas questões procedimentais, mais é claro o intuito de dar efetividade as questões de fácil solução, principalmente quando estamos diante de pedido incontroverso, tanto é assim, que em recentes modificações de nosso ordenamento jurídico, o conceito de sentença também foi modificado, não havendo mais que se falar em por fim ao Processo, pois, conforme se vê da nova redação dada ao § 1º do artigo 162 do Código de Processo Civil "sentença é o ato do juiz que implica alguma das situações previstas nos artigos 267 e 269 desta Lei".

E não foi só, veja que se autorizou a cisão da sentença, para dar efetividade em seu cumprimento, já que é possível executar a parte liquida e liquidar em procedimento autônomo a parte que não é liquida, conforme disposto no artigo 475-I, do Código de Processo Civil.

Com estas modificações em mente e todas as observações feitas pelos doutrinadores acima colacionados, temos que é possível sustentarmos nosso entendimento de que a tutela antecipada deferida nos termos do § 6º do artigo 273 do Código de Processo Civil trata-se de uma cisão da sentença, só que em momento diferente, onde temos seu efeito definitivo, desde que haja pedido (ou a parcela dele) (a) não controvertido; (b) verossímil; e (c) cujo atendimento não está subordinado a qualquer questão prejudicial.

Importante mencionar também, já que a redação não é das mais precisas, que referida tutela não está condicionada apenas quando há vários pedidos cumulados, pois é possível também quando um único pedido tenha ficado com parte dele incontroverso, como bem define MARCUS VINICIUS RIOS GONÇALVES [31] ao afirmar que "ainda que haja um único pedido, a medida poderá ser concedida se parte dele ficar incontroversa. Por exemplo, se o credor ajuíza uma demanda de cobrança, e o réu impugna apenas parte do débito, tornando o restante incontroverso, o autor pode pedir que o juiz antecipe a tutela em relação a essa parte".

Como relação aos procedimentos, já que há diversos questionamentos, acreditamos que se deve utilizar os procedimentos da execução provisória, previstos no artigo 475-O do Código de Processo Civil, pois com as atuais mudanças essa execução corre da mesma forma que a definitiva. Para o recurso cabível, principal ponto de crítica da doutrina, entendemos que se deva adotar o recurso de agravo de instrumento, mesmo tratando-se de decisão com efeito de sentença definitiva, pois seria o mais viável por não haver legislação especifica, aproveitando-se do que ocorre na decisão que resolve a impugnação prevista no artigo 475-M do Código de Processo Civil, que também tem caráter de sentença, mais é recorrível por agravo de instrumento (com previsão legal).

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Por fim, outro ponto importante, diz respeito a incontrovérsia em fase recursal. Veja, que em alguns casos, a sentença pode condenar o réu, seja em um ou em mais pedidos, todavia, este ao recorrer dessa decisão, impugna apenas um ou parte do pedido. Com isso, temos que há uma parte que restou incontroversa, e que pode ser cumprida de imediato, nos termos do que aqui foi exposto, pois as premissas são as mesmas e neste caso com muito mais força, uma vez que já houve apreciação do mérito pelo Magistrado, ou seja, teve uma cognição exauriente de todos os pedidos, sendo que um ou mais, ou parte deles não foi impugnado.

TEORI ALBINO ZAVASCKI [32] alicerça este entendimento, pois, diz que "a circunstancia de esta o processo na sua fase recursal não é empecilho a tal pretensão, eis que, como já se afirmou reiteradamente, antecipar a tutela constitui não antecipação de uma sentença, mas um adiantamento dos atos executivos da tutela definitiva, os quais, nas hipóteses (a) e (b) supra, ainda se encontram reprimidos. Ora, se ficar evidenciado que a medida antecipatória, nas hipóteses em tela, é indispensável para afastar perigo de dano irreparável ao direito afirmado e tido pelo julgador como verossímil, seria ilógico e contrário ao sistema negar a sua concessão, apenas pela razão de já ter sido proferida sentença em primeiro grau. Negar a medida, nas circunstâncias, importaria sacrificar a efetividade da jurisdição, direito constitucional cuja preservação constitui a própria essência da tutela antecipada".

Com mais razão, portanto, quando se tratar de questão incontroversa em virtude de não impugnação na fase recursal, já que somente retorna para apreciação do Tribunal a matéria impugnada, conforme artigo 515 do Código de Processo Civil.

É claro assim, a possibilidade tanto de antecipação de tutela como de tutela antecipada na fase recursal, bastando para tanto, estarem presentes os requisitos específicos para cada caso arrolados no artigo 273 do Código de Processo Civil.


7. Conclusão

Pelo que se viu acima, o Instituto da Antecipação de Tutela foi um dos mais importantes introduzidos em nosso sistema processual, já que proporciona aos jurisdicionados um processo célere e eficaz, sem ferir princípios constitucionais como a inafastabilidade da jurisdição, o devido processo legal, a segurança jurídica e a economia processual.

Com o advento da Lei 10.444/02, esse instituto ficou ainda melhor, já que introduziu o § 6º ao artigo 273 do Código de Processo Civil, que possibilitou não a antecipação de tutela, mais a tutela antecipada, que dá antecipadamente a tutela definitiva pretendida pelo autor, visto que há uma única condicionante, que é pedido incontroverso.

Contudo, mesmo sendo o pedido incontroverso a única condicionante para a concessão da medida, o magistrado deve analisar se o pedido (ou parcela dele) é verossímil, cujo atendimento não está subordinado a qualquer questão prejudicial, visando evitar dessa forma qualquer nulidade na decisão, já que a mesma poderá ser deferida, sem os requisitos do fumus boni iuris, do periculum in mora e até mesmo quando a decisão for irreversível.

Em virtude desses fatos é que entendemos que se trata de uma decisão com efeitos de definitiva, mas com processamento de provisória, devido a falta de legislação pertinente para suprir todos os detalhes para dar efetividade a esse Instituto.

Entretanto, referida medida deve ser vista com bons olhos, já que dá grande efetividade as questões postas em juízo, desde que haja bom senso ao Magistrado quando da análise do fato, seja em primeiro grau de jurisdição, seja em fase recursal, posto que os fundamentos são os mesmos.

Mesmo diante de tantos entraves existentes em nosso ordenamento, como vimos acima, acreditamos que há soluções para todos esses no próprio caderno processual, visto as novas alterações introduzidas com as recentes reformas.

Isto porque, houve mudança no conceito de sentença (artigo 162, § 1º do Código de Processo Civil), não pondo mais fim ao processo. Foi autorizado a cisão da sentença (artigo 475-I, do Código de Processo Civil), quando se permitiu executar a parte liquida e liquidar em procedimento autônomo a parte que não é liquida, sem falar ainda do recurso cabível, que podemos muito bem utilizar o agravo de instrumento, aproveitando-se do disposto para impugnação ao cumprimento de sentença, que também tem caráter de sentença, mais é recorrível por agravo (artigo 475-M do Código de Processo Civil).

Assim, por tudo que se viu, a tutela antecipada em face de pedido incontroverso é hoje um dos principais institutos do processo civil brasileiro, já que dá ao cidadão o que ele tem direito, de forma rápida e efetiva.

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Sobre o autor
Alessandro Sales Neri

Advogado, pós-graduado em Direito Civil e Processual Civil pela Escola Paulista de Direito.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

NERI, Alessandro Sales. Tutela antecipada em face de pedido incontroverso. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 16, n. 2897, 7 jun. 2011. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/19270. Acesso em: 26 abr. 2024.

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