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A pessoalidade da tributação e o Estado Democrático de Direito

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3 Conclusão

Após a análise de todos esses elementos que envolvem a tributação sobre o consumo no Brasil, volta-se à indagação inicial no sentido de se determinar se essa modalidade de incidência atende aos requisitos de pessoalidade, que é um dos instrumentos de construção do Estado Democrático de Direito.

De acordo com o exposto, pode-se afirmar que, na forma como os tributos sobre o consumo estão estruturados, não há uma observância aos requisitos da pessoalidade. Os tributos sobre o consumo, assim classificados por razões jurídicas ou econômicas, não são dimensionados considerando a manifestação de riqueza do consumidor final.

Esse fenômeno poderia ser minimizado caso a seletividade fosse concretizada como um requisito essencial dessas incidências, o que não ocorre na grande maioria dos casos.

Além disso, é preciso instituir instrumentos jurídicos que permitam que o contribuinte assuma consciência da sua condição de contribuinte, o que fortalecerá as bases da participação popular na construção do Estado Democrático de Direito brasileiro.

Não existem determinações precisas, cuja inobservância sujeita o infrator a sanções, no sentido de que o contribuinte deva ser devidamente informado sobre os tributos que incidem no preço das mercadorias e serviços adquiridos. Os valores relativos aos tributos sobre o consumo são embutidos no preço, sem que o consumidor tenha clareza sobre os valores realmente recolhidos.

O princípio da capacidade contributiva, em sua concepção democrática, compreende a tributação como instrumento do exercício da cidadania. Todavia, essa compreensão do cidadão de que o valor por ele pago o credencia como sujeito de direitos dentro de um Estado Democrático de Direito depende da consciência de que ele é um financiador do Estado, por meio do pagamento de tributos.

É a pessoalidade que outorga ao cidadão a consciência de ser contribuinte e, portanto, sujeito de direito e obrigações.

Ocorre que esse processo de tomada de consciência resta prejudicado no ordenamento brasileiro, porque a tributação está concentrada no consumo, que tem como característica essencial a anestesia fiscal. Então, o cidadão brasileiro não tem consciência dessa dimensão da sua personalidade contemporânea, relativa à circunstância de que ele financia as despesas públicas, não exigindo, pois, os direitos que essa condição lhe outorga.

Sendo assim, faz-se necessário um movimento de redução da tributação sobre o consumo, com o consequente aumento da tributação sobre a renda e o patrimônio. Além disso, é preciso que os consumidores sejam devidamente informados sobre os tributos que incidem sobre as suas aquisições de mercadorias e serviços.


Referências

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Notas

  1. www.ipea.gov.br. Acessado aos 15 de abril de 2009.
  2. Essa situação pode ser exemplificada. Suponhamos que duas pessoas, uma com renda líquida mensal de R$ 500,00 (quinhentos reais) e outra com renda líquida de R$ 5.000,00 (cinco mil reais) sejam hipertensas e necessitem adquirir um aparelho medidor da pressão arterial. O aparelho equivale hipoteticamente R$ 200,00, ao qual deva ser aplicada uma alíquota de ICMS de 10%. Nesse caso, ambos ao comprarem o aparelho, contribuirão com o valor de R$ 20,00 (duzentos reais) relativos à incidência tributária. Ocorre que os R$ 20,00 (vinte reais) equivalem a 4% (quatro por cento) da renda total disponível de quem aufere R$ 500,00 (quinhentos reais) mensais; e a 0,4% (zero, quatro por cento) de quem aufere R$ 5.000,00 (cinco mil reais). Ou seja, a mesma incidência representa um ônus muito maior para quem recebe uma renda menor.
  3. Art. 145, §1º: Sempre que possível, os impostos terão caráter pessoal e serão graduados segundo a capacidade econômica do contribuinte, facultado à administração tributária, especialmente para conferir efetividade a esses objetivos, identificar, respeitados os direitos individuais e nos termos da lei, o patrimônio, os rendimentos e as atividades econômicas do contribuinte. (BRASIL, 1988).
  4. TORRES, Ricardo Lobo. Existe um princípio estrutural da solidariedade? Solidariedade e tributação. Coordenadores: Marco Aurélio Greco e Marciano Seabra de Godoi. São Paulo: Dialética, 2005, p. 200.
  5. BONAVIDES, Paulo. Do Estado Liberal ao Estado Social, 6ª ed. revista e ampliada, São Paulo: Malheiros Editores, 1996, p. 45.
  6. TORRES, Ricardo Lobo. Tratado de direito constitucional financeiro e tributário, vol V: o orçamento na Constituição, 2ª ed. rev. e atual. Até a publicação da Emenda Constitucional n. 27, de 21/03/2000, e da Lei de Responsabilidade Fiscal. Rio de Janeiro: Renovar, 2000,p. 110.
  7. BONAVIDES, Paulo, Op. cit., p. 188.
  8. Op. cit., p. 204.
  9. GRECO, Marco Aurélio. Planejamento Tributário. São Paulo: Dialética, 2004, p. 46
  10. NABAIS, José Casalta. A face oculta dos direitos fundamentais: os deveres e os custos dos direitos. Disponível em: www.agu.gov.br/Publicacoes/Artigos/05042002JoseCasaltaAfaceocultadireitos_01.pdf. Outro não é o entendimento de Diogo Leite de Campos e Mônica Horta Neves Leite de Campos, que se valendo da lição de J. Lang afirmam que: Lang parte do princípio de que a justa distribuição da carga tributária é um imperativo ético, de caracter Kantiano: o Estado deve distribuir as cargas tributárias de modo ético. Só assim se justificará o ordenamento jurídico-tributário concreto, transformando-se as normas tributárias em Direito. Este princípio está inserido no Estado de Direito e nos valores fundamentais que o integram. A teoria da justificação tributária assenta no princípio da igualdade, na proibição de prejudicar o matrimônio e a família e no princípio do Estado-social. O direito à liberdade determina a fronteira constitucional da tributação, assim como proíbe o excesso material. CAMPOS, Diogo Leite de. CAMPOS, Mônica Horta Neves Leite de. Direito Tributário. 2ª ed., Belo Horizonte: Del Rey, 2001, p. 130.
  11. SACCHETTO, Cláudio. O dever de solidariedade no Direito Tributário: o ordenamento italiano. Solidariedade e tributação. Coordenadores: Marco Aurélio Greco e Marciano Seabra de Godoi. São Paulo: Dialética, 2005, p. 15.
  12. MOSCHETTI, Francesco. La razionalità del prelievo ed il concorso alle spese pubbliche. Palestra proferida no CONGRESSO DE DIREITO TRIBUTÁRIO, promovido pela Universidade de Bologna, em 26/27 de setembro de 2003, cujo tema central foi "As razões do direito tributário na Europa", realizado em homenagem ao Prof. Furio Bosello. Nessa manifestação, Moschetti afirma que o dever de concorrer para o financiamento das despesas públicas se equipara ao dever de participar de um "jogo de time": as despesas públicas não são assim consideradas somente do ponto de vista formal, como despesas dos entes públicos, mas devem ser compreendidas no sentido substancial, no sentido de que elas ostentam esse título, tendo em vista que interessam à coletividade, que é o público (que é o time), que são os sujeitos, aos quais é imposto o dever de concorrer. As despesas só são públicas porque elas são incorridas em prol da coletividade, é isso que torna o gasto público. Está implícito nessa relação um caráter de "dever ético", através do qual, "no estado democrático a coisa pública é a coisa de todos e todos têm a obrigação de concorrer para a realização da coisa comum com o próprio sacrifício pessoal", conforme consta do Relatório da Comissão Econômica apresentado em 1946 ao Ministério pela Constituinte (que foi redigido por Vanoni).
  13. TORRES, Ricardo Lobo. Tratado de direito constitucional financeiro e tributário, volume V: o orçamento na Constituição, 2ª ed. rev. e atual. Até a publicação da Emenda Constitucional n. 27, de 21.3.2000 e da Lei de Responsabilidade Fiscal (LC 101/2000). Rio de Janeiro: Renovar, 2000, p. 148. Ricardo Lobo Torres sustenta a afirmação transcrita no texto acima nas ideias de Nelson Saldanha e Jürgen Habermas, que merecem ser transcritos. Nelson Saldanha afirma que: "No ocidente iluminista e burguês, o conceito de cidadão foi construído não só como participação na vontade comum, através do voto, mas também como vinculação ao orçamento estatal: só paga imposto quem está representado, ou seja, no taxation without representation". Habermas afirma que: "no Estado Democrático Nacional a cidadania ganha o significado adicional político e cultural de um pertencer a uma comunidade de cidadãos que ativamente contribuem para a sua manutenção".
  14. TIPKE, Klaus; YAMASHITA, Douglas. Justiça fiscal e o princípio da capacidade contributiva. São Paulo: Malheiros, 2002, p. 32.
  15. Op. cit., p. 28.
  16. BALEEIRO, Aliomar. Limitações constitucionais ao poder de tributar. 7. ed. ver. e comp. à luz da Constituição de 1988 até a EC n. 10/96. Rio de Janeiro: Forense, 1997, p. 745.
  17. Voto proferido quando do julgamento do RE 153.771. O entendimento do Min. Moreira Alves foi confirmado em outra oportunidade, pelo Ministro Ilmar Galvão, quando do julgamento do RE 204.827-5/SP, que fazendo referência do julgamento do RE 153.771, afirma que "a progressividade de natureza fiscal, prevista no §1º do art. 145 da Constituição, porque fundada na capacidade econômica do contribuinte, aquilatada mediante identificação do patrimônio, dos rendimentos e das atividades econômicas do contribuinte, não tem sentido quando se está diante de imposto com caráter real, como o IPTU, que no sistema tributário nacional é inequivocamente um imposto real, porquanto tem ele como fato gerador a propriedade, o domínio útil ou a posse de imóvel localizado na zona urbana do Município, sem levar em consideração a pessoa do proprietário, do titular do domínio útil ou do possuidor."
  18. AMARO, Luciano. Direito Tributário brasileiro. 11ª ed., revista e atual. São Paulo: Saraiva, 2005, p. 140.
  19. COÊLHO, Sacha Calmon Navarro. Curso de Direito Tributário brasileiro. Rio de Janeiro: Forense, 1999, p. 79.
  20. Op. Cit., p. 79.
  21. DERZI, Misabel de Abreu Machado. Aspectos essenciais do ICMS, como imposto de mercado. Direito Tributário: estudos em homenagem a Brandão Machado. Coord. Luis Eduardo Schoueri e Fernando Aurélio Zilveti. São Paulo: Dialética, 1998, p. 126.
  22. Art. 153. Compete à União instituir impostos sobre:
  23. IV- produtos industrializados;

    §3º O imposto previsto no inciso IV:

    I-será seletivo, em função da essencialidade do produto;

  24. Art. 155. Compete aos Estados e ao Distrito Federal instituir impostos sobre:
  25. II - operações relativas à circulação de mercadorias e sobre prestações de serviços de transporte interestadual e intermunicipal e de comunicação, ainda que as operações e as prestações se iniciem no exterior;

  26. DERZI, M. A. M.; SANTIAGO, I. M. Valor adicionado nas transferências internas de mercadorias entre estabelecimentos de um mesmo titular. Interesse Público, v. 43, p. 11-21, 2007.
Assuntos relacionados
Sobre as autoras
Rafaela Braga Ribeiro

Especialista em Direito Tributário pela PUC Minas. Advogada e tutora da PUC Minas Virtual.

Alessandra Machado Brandão Teixeira

Doutora e mestre em Direito Tributário pela UFMG. Advogada, professora de Direito Tributário da PUC Minas e, coordenadora dos cursos de pós-graduação da PUC Minas Virtual.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

RIBEIRO, Rafaela Braga ; TEIXEIRA, Alessandra Machado Brandão. A pessoalidade da tributação e o Estado Democrático de Direito. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 16, n. 2899, 9 jun. 2011. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/19293. Acesso em: 23 dez. 2024.

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