2.A auditoria governamental como promotora da transparência
Este tópico busca entender a auditoria como um instrumento de avaliação dos processos de transparência. Inicialmente, cabe refletir sobre o conceito de auditoria. A auditoria é um mecanismo que visa a avaliar a gestão pública, emitindo uma opinião e apresentando sugestões de medidas corretivas e preventivas. Pode-se dizer que a auditoria é:
O conjunto de técnicas que visa avaliar a gestão pública, pelos processos e resultados gerenciais, bem como a aplicação de recursos públicos por entidades de direito público e privado, mediante a confrontação entre uma situação encontrada e determinado critério técnico, operacional ou legal. Trata-se de uma importante técnica de controle em busca de melhor alocação de recursos, não só atuando para corrigir desperdícios, como inibir a impropriedade, a negligência e a omissão e, principalmente, antecipando-se a essas ocorrências, buscando garantir os resultados pretendidos e contribuir para agregar valor ao corpo gerencial (CASTRO, 2009, p. 164).
A auditoria é uma ferramenta do campo público e privado. No âmbito do setor público, recebe de alguns autores a denominação de Auditoria Governamental. Estudo d a Associação dos Tribunais de Contas assim a denomina:
AUDITORIA GOVERNAMENTAL: exame objetivo, sistemático e independente, pautado em normas técnicas e profissionais, efetuado em entidades estatais e paraestatais, funções, subfunções, programas, projetos, atividades, operações especiais, ações, áreas, processos, ciclos operacionais, serviços, sistemas e na guarda e aplicação dos recursos, em relação aos aspectos contábeis, orçamentários, financeiros, econômicos, patrimoniais e operacionais, assim como acerca da confiabilidade do sistema de controle interno, por servidores públicos integrantes do quadro permanente das EFs, denominados de profissionais de auditoria governamental, através de levantamentos de informações, análises imparciais, avaliações independentes e apresentação de informações seguras, devidamente consubstanciadas em provas, segundo os critérios de legalidade, legitimidade, economicidade, eficiência, eficácia, efetividade, eqüidade, ética e preservação do meio ambiente, além de observar a probidade administrativa e a responsabilidade social dos gestores da coisa pública. (BRASIL, 2010b, p.11)
Todos esses conceitos ligam-se à avaliação de uma situação concreta - seja um programa de governo, um processo de gestão ou uma organização pública - com a finalidade de avaliar essa situação a luz de parâmetros definidos. A auditoria, que já foi um instrumento voltado exclusivamente para a detecção de erros e fraudes, avançou no sentido preventivo e orientador, como um elemento externo de auxílio à gestão, de forma sistemática, documentada e independente, sendo essa informação geradora de um produto a ser encaminhado a um destinatário interessado (BRASIL, 2010).
A obtenção de informações com fins gerenciais pode ser dar de várias formas- pesquisas acadêmicas, levantamentos, consultas diretas etc. Entretanto, o uso de uma ferramenta como a auditoria permite uma análise sistemática, com escopo definido, com procedimentos específicos para consignar todas essas conclusões em um relatório, que diante do diagnóstico da situação encontrada, emite recomendações que serão acompanhadas e discutidas ao longo da gestão, em outros momentos de interação.
A classificação dotada pelas normas de auditoria do TCU (BRASIL, 2010) indicam dois tipos de auditoria, de acordo com a sua natureza:
Auditorias de regularidade que objetivam examinar a legalidade e a legitimidade dos atos de gestão dos responsáveis sujeitos à jurisdição do Tribunal, quanto aos aspectos contábil, financeiro, orçamentário e patrimonial. Compõem as auditorias de regularidade as auditorias de conformidade e as auditorias contábeis.
Auditorias operacionais, que objetivam examinar a economicidade, eficiência, eficácia e efetividade de organizações, programas e atividades governamentais, com a finalidade de avaliar o seu desempenho e de promover o aperfeiçoamento da gestão pública. (BRASIL, 2010, p.14).
Apesar da transparência, por força da Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF), ser imposição oriunda de uma norma; pelo caráter processual da transparência, pela sua peculiaridade, variando de organização para organização, a presente pesquisa defende que a auditoria operacional, pela sua análise das dimensões de eficácia e de eficiência, poderia servir melhor à análise da transparência das organizações. As auditorias operacionais:
(...) possuem características próprias que as distinguem das auditorias tradicionais. Ao contrário das auditorias de regularidade, que adotam padrões relativamente fixos, as auditorias operacionais, devido à variedade e complexidade das questões tratadas, possuem maior flexibilidade na escolha de temas, objetos de auditoria, métodos de trabalho e forma de comunicar as conclusões de auditoria. Empregam ampla seleção de métodos de avaliação e investigação de diferentes áreas do conhecimento, em especial das ciências sociais ( ISSAI 3000/1.2, 2.2, 2004; ISSAI 400/4,21, 2001). Além disso, essa modalidade de auditoria requer do auditor flexibilidade, imaginação e capacidade analítica (ISSAI 3000/1.8, 2004) (BRASIL, 2010a, p. 13).
Pela natureza da atividade de transparência e, pela diversidade de soluções que podem surgir na gestão, esse instrumento mostra-se mais adequado à análise demandada, do que a uma auditoria de regularidade, pois:
Nas auditorias de regularidade, as conclusões assumem a forma de opinião concisa e de formato padronizado sobre demonstrativos financeiros e sobre a conformidade das transações com leis e regulamentos, ou sobre temas como a inadequação dos controles internos, atos ilegais ou fraude. Nas auditorias operacionais, o relatório trata da economicidade e da eficiência na aquisição e aplicação dos recursos, assim como da eficácia e da efetividade dos resultados alcançados. Tais relatórios podem variar consideravelmente em escopo e natureza, informando, por exemplo, sobre a adequada aplicação dos recursos, sobre o impacto de políticas e programas e recomendando mudanças destinadas a aperfeiçoar a gestão (ISSAI 400/2-3, 2001)(BRASIL, 2010a, p.13).
Uma abordagem biunívoca, de subsunção, de verificação estrita do cumprimento das normas previstas no campo da transparência, não contribuíriam tanto quanto uma análise dos resultados conjugada aos meios para alcançá-los, como se dá pela análise efetuada por uma auditoria operacional. Pretende-se com esse estudo, então, propor a a Auditoria Operacional como um modelo de auditoria sobre os mecanismos de transparência, entendendo-se que essa transparência é um componente do Controle Interno Administrativo ou Controle Primário (BRAGA, 2010), como elemento que possibilita um melhor acompanhamento dos processos pelo próprio gestor, conduzindo a eficiência da gestão e o acesso aos direitos sociais.
Definido o instrumento, pode-se enriquecer o estudo fazendo-se uma simulação de como seria uma auditoria operacional em uma escola técnica estadual, por exemplo, apresentando as possibilidades desse instrumento na promoção da transparência.
3.Exemplificando a utilização da auditoria na promoção da transparência.
De modo a exemplificar a proposição deste trabalho, vamos tomar uma escola de educação profissional e tecnológica, as chamadas escolas técnicas - no caso uma pertencente à rede estadual de ensino - como exemplo de uma auditoria de natureza operacional, para avaliar a sua transparência, sintetizando o conteúdo abordado até o presente momento.
A auditoria operacional inicia com a seleção do tema, o que neste caso já está posto - a transparência. Entretanto, ainda assim se faz necessário identificar, de forma mais própria, o escopo a ser executado, em relação à profundidade das análises requeridas.
Conforme Madrid (2008), os principais critérios para essa delimitação são: o valor agregado à fiscalização (verificar o que tem sido menos auditado); os riscos e incertezas (aquilo que pode afetar os objetivos); e o interesse social do tema (a importância para a comunidade).
No caso da escola técnica, podemos apresentar vários processos que demandam transparência e enquadram-se nos critérios citados:
-contratação de professores efetivos e temporários;
-admissão de alunos em projetos de extensão que envolvem a comunidade;
-aquisições e contratações de bens e serviços;
-escolha das áreas dos diversos cursos técnicos a serem ofertados; e
-seleção de bolsas de estudo para atividades de pesquisa na comunidade.
Da mesma forma, na análise desse processo, faz-se necessário a identificação dos grupos que são stakeholders [02] e, ao mesmo tempo, do público-alvo do processo de transparência. Podemos citar em nosso exemplo hipotético os seguintes grupos: a representação da Secretaria Estadual de Educação na região; os alunos; os professores; as famílias; os sindicatos; e o empresariado local.
Dessa relação dos destinatários da informação propiciada pela transparência e pelos processos selecionados, podemos escolher, para fins didáticos, a seleção para bolsas de estudo, por envolver de um modo geral todas as partes interessadas por, ter relevância (remuneração) e pela baixa transparência, por ser um processo interno. Hipoteticamente, a Secretaria Estadual de Educação publicou diversas normas sobre a transparência não só dos processos financeiros, mas também dos processos seletivos e de concessão de bolsas para as suas unidades subordinadas, indicando cinco critérios graduais de avaliação: acesso; utilidade; conteúdo; clareza e auditabilidade. Todos critérios definidos em parâmetros objetivos que permitem classificar as unidades em A, B e C, no que tange a transparência de processos, em um processo educativo.
No prosseguimento da auditoria, faz-se necessário um estudo preliminar da legislação e dos processos envolvidos na concessão de bolsas para pesquisa, identificando os pontos críticos que devem ser objeto de transparência, a luz do público-alvo e dos normativos pertinentes. Para fins do exemplo em comento, identificamos três pontos críticos: a confecção da planilha de pontos do processo seletivo obtidos pelo candidato; os alunos inscritos e seus requisitos; e o resultado final da seleção. Nesse aspecto, conforme Madrid (2008), cabe-nos identificar, antes do início da auditoria, os dados tabelados a seguir:
Tópico estudo preliminar |
Dados coletados |
Conhecimento do processo |
Verificou-se que anualmente existem dois processos seletivos de bolsas para pesquisa, publicados por edital, abertos para alunos a Escola Técnica Estadual X e de outras da rede pública e particular no município e da sua região metropolitana. O edital prevê, também, a oferta de bolsas financiadas por empresas privadas, incluídas no processo de seleção, de forma a ampliar as pesquisas de interesse destas, na forma de parceria. Nunca houve avaliação de transparência no processo de bolsas. A unidade declara-se no nível A (maior) de transparência nesse processo, na sua auto-avaliação do ano anterior. |
Análise do contexto |
Denúncias aos órgãos de controle indicam dificuldade dos envolvidos de tomar conhecimento das regras e dos critérios da seleção de bolsas, além de serem registradas denúncias de favorecimento de empregados das empresas financiadoras e de filhos de servidores da Escola técnica. |
Grau de confiabilidade dos controles internos |
Análise preliminar dos documentos normativos indica baixa publicidade do processo de seleção de bolsas. |
Objetivos da auditoria |
Analisar os processos de transparência da seleção de alunos para bolsa de pesquisa, com a indicação de atendimento dos normativos da Secretaria de Educação e a proposição de medidas corretivas, verificando se a escola encontra-se no nível indicado. |
Perguntas básicas da auditoria |
Os pontos críticos do processo tem tido a transparência necessária? Apenas a transparência dos pontos críticos atende à legislação e é capaz de inibir situações de risco? È possível incrementar outros meios de transparência ao processo a luz do público-alvo? Dentro dos critérios da Secretaria de Educação, a escola realmente está no padrão A? |
Dificuldades na obtenção dos dados |
Como o processo é conduzido em todas as etapas pelos professores que coordenam as linhas de pesquisa, se prevê a dificuldade de se obter informações. |
Critérios de avaliação da auditoria |
-Processos críticos publicados na internet e em local público, em linguagem clara; -Processos críticos divulgados em local que permita a sua comparabilidade e auditabilidade; -Fornecimento de dados úteis e relevantes pelos processos críticos ao público-alvo, para que se possa garantir a isonomia e o respeito aos direitos envolvidos. |
Com base nesse levantamento, e com o devido planejamento, a equipe pode efetuar os testes de auditoria em campo, coletando as informações necessárias e, utilizando as técnicas próprias para cada caso. Concluído os testes, a equipe pode ser reunir com a direção da escola para o intercâmbio das informações consignadas, na busca de esclarecimentos adicionais, colhendo manifestações por escrito, se necessário.
Os pontos identificados serão registrados em um relatório, a ser encaminhado para o demandante, a Secretaria Estadual de Educação, e para a Escola Técnica, já contendo as recomendações corretivas, de forma a sanar as situações apontadas. Devido a sua natureza operacional, a equipe de auditoria pode apresentar sugestões de melhoria, inclusive aproveitando as boas práticas coletadas de outras unidades em trabalhos dessa natureza.
De forma simples, buscou-se apresentar um exemplo de como a auditoria pode contribuir para o incremento da transparência, como um instrumento de avaliação, proposição e monitoramento. A utilização dessa ferramenta pode contribuir em vários aspectos com a gestão, pois a avaliação e a melhoria da transparência propiciam para a gestão do ente vários avanços, em especial:
a)Controle Social: o controle social pode se converter em um grande auxiliar do gestor, indicando pela denúncia e pelo acompanhamento da gestão as situações impróprias que estão afetando à população;
Controle Primário: sendo uma das componentes do controle primário, ou seja, aquele promovido pelo próprio gestor nos seus processos (BRAGA, 2010), a transparência permite verificar o acesso ao fluxo de informações, evitando informações ocultas e tornando claras as ações governamentais desenvolvidas para os públicos de dentro e de fora da organização;
Credibilidade da gestão: o titular do poder é o grande interessado pela credibilidade da gestão, pois é ele que colhe o ônus e o bônus de uma boa gestão (BRAGA, 2009). Assim, a transparência é para ele uma ferramenta de incremento dessa credibilidade junto à população, seus eleitores;
Atendimento aos normativos: como apresentado nesse trabalho, a tendência dos normativos é exigir de todas as esferas a transparência, o que por si só já demanda do governante ações específicas e técnicas nesse sentido;
Melhoria do padrão dos serviços públicos: o modelo de excelência da gestão pública já indica a transparência como um indutor do Controle Social e consequentemente, um promotor da eficácia e da eficiência do Estado. Não se concebe serviços públicos de qualidade sem o acompanhamento da população e a vizualização das informações envolvidas; e
Prevenção à corrupção: autores clássicos nesse assunto, como Klitgaard (1994), indicam que o monitoramento de possíveis atividades corruptas aumenta a probabilidade de tais atividades serem detectadas e punidas. Mas, esse monitoramento só se faz possível com certa dose de transparência na gestão.
A transparência segue um movimento ascendente na nossa sociedade, face ao período democrático reinante associado aos avanços da tecnologia, o que conduzirá naturalmente os movimentos sociais para exigirem do Estado, pelos meios que lhe são próprios, o atendimento de demandas por transparência e pelo acesso à informação, cabendo aos governos se precaver com seus mecanismos para atender as demandas postas.