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"Ataque ao monstro": o servidor público, de novo, é o vilão da história

01/11/1999 às 01:00
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À semelhança do desgoverno do famigerado "caçador de marajás", Fernando Collor, mais uma vez, o funcionalismo público recebe a pecha de vilão e de maior vilipendiador dos cofres públicos e do erário estatal, onde coonesta-se-lhe responsabilidade direta pelo déficit público, mediante argumentos falazes e ardilosos que atribuem à estabilidade do servidor público como sendo a principal causa da "sangria às veias orçamentárias" e o "ralo" por onde se desperdiçam as finanças do tesouro estatal.

A estabilidade do servidor público federal, estadual ou municipal - assegurada e garantida pelo Poder Constituinte Originário, i.e., aquele outorgado pelo povo aos seus lídimos, legítimos e verdadeiros representantes parlamentares (constituintes), para, em Assembléia Nacional Constituinte, modificar a ordem jurídico-político-social e administrativa da nossa sofrida nação, donde surgiu a Constituição Cidadã, em 05 de outubro de 1988, assim chamada por Ulisses Guimarães, e com ela o direito de o servidor público, através de concurso público de provas e provas e títulos, adquirir, após dois anos de estágio probatório, a merecida e almejada estabilidade, bem como também aos que já estivessem no serviço público até cinco anos antes da promulgação desta - e que, agora, um "Poder Constituinte Derivado", o congresso que aí está, pretende, inconstitucional e escabrosamente, extinguir e revogar, com fundamento nos dogmas neoliberalistas, que se nos antolha ilegítimos e ilegais, porquanto não foram eleitos para modificar ou reformar o ordenamento jurídico posto, não.

Ademais, é de se ressaltar que, se à época do plebiscito, tivesse a Nação optado pelo parlamentarismo, seriam justificáveis as propostas de emendas constitucionais - PEC, apresentadas pelo Governo e Congresso Nacional. No entanto, é ressabido que deu presidencialismo. Logo não há falar em reformas constitucionais. Assim, a despeito das PEC que tentam extinguir e revogar direitos adquiridos, estabilidade e cláusulas de cerne pétreo da atual Carta Política Cidadã/88, sem, contudo, gozar de plenos poderes para tal fim, notada e principalmente às que se contrapõem e ferem de morte ao estatuído no Art. 60, § 4º., I, II, III e IV, da C.F./88, "verbis": Art. 60... §4º. Não será objeto de deliberação a proposta de emenda tendente a abolir: I - a forma federativa de estado; II- o voto direto, secreto, universal e periódico; III - a separação dos Poderes; IV - OS DIREITOS E GARANTIAS INDIVIDUAIS."- g.n.

Demais disso, da ilação do normativo prescritor em comento, resta claro que tais emendas afrontam e espezinham os direitos e garantias individuais, dentre estes, há de se ressaltar o insculpido no Art. 5º. XXXVI "in fine" : "A LEI NÃO PREJUDICARÁ O DIREITO ADQUIRIDO, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada." Logo, inaceitável, inconcebível e não há entender o objetivo finalístico de tais PEC.

Dessarte, é de bom alvitre trazer a lume, que, sobre o mister, além da qualidade e caráter de perenidade, imaculabilidade e inalterabilidade que possuem as cláusulas pétreas (= permanentes), há lembrar que tais direitos são decorrentes e conseqüentes do Poder Constituinte Originário, o qual foi legítima e representativamente concedido, outorgado e dado pelo povo (=nação) para este fim específico, i.e., dado o direito de modificar e reestruturar todo o ordenamento jurídico-político-social-econômico-administrativo da nação brasileira. Logo, o poder constituinte derivado, pelas próprias limitações e vetos do artigo "sub examine", não tem o condão de abolir, modificar, suprimir ou aditar a atual constituição, NÃO - pelo menos e principalmente no tocante às cláusulas de núcleos pétreos. Estas são, pois, por assim dizer e intelecção lógica, coerente, sensata, moral e jurídico-legal, permanentemente perenes, até que a outro poder constituinte originário conceda-se tal poder, i.e., que haja uma nova Assembléia Nacional Constituinte, e, assim, dê-se ensanchas, forma e estrutura à uma novel carta magna política, eleita pelo povo, com o povo e especificamente para esse fim, na conformidade do disposto do inciso II do artigo "sub oculis".

Donde se infere, pois, que toda e qualquer mudança nessas cláusulas pétreas prescinde, adredemente, da outorga deliberada do povo, que detém e donde dimana todo o poder e em seu nome deverá ser exercido, ex vi do Parágrafo Único do Art. 1º. da C.F./88, sob pena de falência do Estado Democrático de Direito. Contrario sensu, é descumprir a própria Carta Cidadã de 88, o que se constitui verdadeiro acinte à cidadania e abusivo arbítrio do Congresso e do Governo que aí estão. É, portanto, olvidar Ulisses, Tancredo, Teotônio Vilela, dentre outros, e mais de vinte anos de sofrimento em regime exceção.

Doutra parte, a indigitada reportagem dessa conceituada revista, que ajudou livrar o Brasil do pseudo "caçador de marajás", se nos afigura tendenciosa, parcial e insubsistente ao asseverar e imputar ao servidor público federal, estadual ou municipal a responsabilidade direta pelo status quo de monstro causador do caos administrativo e da recessão porque passa a nação, principalmente ao citar dois casos isolados e extremados de servidores públicos militares estaduais. "A exceção não faz a regra" e "toda generalidade é burra", segundo Nelson Rodrigues. Há de lembrar-se que a própria CF/88 estabelece os limites mínimo e máximo de remuneração dos servidores públicos civis e militares, quer sejam da esfera federal, estadual ou municipal e dos trabalhadores em geral, que têm como piso salarial o salário mínimo e como teto a remuneração do respetivo mais alto cargo de cada poder constituído.

Entretanto, como já disseram De Gaulle e o então Ministro Jarbas Passarinho, respetivamente, "este não é um país sério" e "... não se precisa de novas leis, bastante cumprir as existentes...", ao se referirem ao Brasil. Este nosso País sem memória, que já se esqueceu das "pedras do Abi Ackel", dos "anões do congresso" e dos "J. Carlos e PC Farias" da vida, dos "Inocêncios, Lucenas e dos Calmons de Sá", do caso do "ouro da operação Uruguai", das "empreiteiras", dos "Quércias", "Fleurys", "Bulhões" e "rombo da previdência", do "INSS", que o ministro Jatene que sanear com o ressurgimento do IPMF batizado com outro nome, mas filho dos mesmos pais e mesma família de corruptos, corruptores, sonegadores e dos " trezentos picaretas do congresso nacional", dito por Lula. Todos impunes pelos seus desmandos. Estes, sim, dentre outros, são os responsáveis direto pelo "rombo" por onde se escoam os recursos da nação. O servidor público e sua justa estabilidade nunca!

Ora, para estancar a sangria, é mister descobrir e sanar a causa da hemorragia, nunca e jamais doar sangue para eliminá-la, posto que todo o sangue dado será desperdiçado pelo mesmo vaso sangüíneo ou órgão rompido. E, mais, o servidor não entra no serviço público ao seu livre talante, porém, mais das vezes, o faz sim por influência direta de "pistolões políticos e jeitinhos" de respetivos detentores da máquina Administrativa, que usam do fisiologismo e do nepotismo para tal.

De mais a mais, é ressabido que o servidor público, para ingressar no serviço público, submete-se, obviamente por lei, a prévio concurso, seja de provas ou de provas e de títulos, obedecidas as disposições do Art. 169, Parágrafo Único, seus incisos e demais ditames editalícios. Se não observadas e rigorosamente cumpridas, questiona-se: onde estão os Tribunais de Contas, Ministério Público, Procuradorias de Estado e Parlamentares, que detêm o múnus público sobre o mister ? Ademais, para se inativar ou se aposentar prescinde ele de Ato Administrativo com prévia e acurada análise dentro dos princípios retores da Administração Pública, mormente o da Legalidade. Se há servidor auferindo remuneração ou proventos em desconformidade aos princípios retores da Administração Pública, cumpre à Administração corrigi-los de officio.

E se o servidor é indiligente, incompetente ou um contumaz transgressor dos seus deveres é bastante se lhe impor os rigores da Lei, oportunizando-lhe a ampla defesa como soe acontecer nos Estados de Direito, e se lhe aplicar a sanção devida, consoante a gravidade da falta, cuja sanção mor é a de demissão. Entrementes, na prática, o servidor faltoso só, e somente, será punido se não possuir um político ou parlamentar que lhe dê guarida com o manto da ilegalidade e as vestes da impunidade. Esta é a verdade do serviço público.

Outra óbvia e ululante causa do desperdício público e do grande rombo nas finanças e orçamento do Estado reside, pura e simplesmente, nas inamovíveis, irretiráveis e exacerbadas mordomias, privilégios e prerrogativas despendidas pelos contribuintes com membros dos Poderes Legislativo, Executivo, Judiciário, Ministério Público, Procuradorias e Tribunais de Contas. Nesse sentido, a guisa de exemplificação, temos o segundo maior número de parlamentares no Congresso Nacional - senado e câmara dos deputados, além do excessivo número de assessores que cada qual dispõe, bem como da influência nepótica de que desfrutam em qualquer setor do governo, quando nomeiam seus apaniguados e familiares em cargos públicos, ainda que sejam em comissão.

O grande mal do nosso espoliado e depenado Brasil é causado pelas aves de rapina e raposas políticas, os chamados políticos de carteirinha, que auferem em média cem vezes o salário mínimo, pela nobre missão de entregar a nação às multinacionais e ao capital estrangeiro. O nosso País precisa de reformas sim, mas de reforma agrária, fiscal, tributária e, principalmente, ético moral. É preciso sim acabar com as "pizzas das CPI" e o jargão de que "aqui tudo dá samba", extirpando o câncer do colarinho branco e derrogando de uma vez por todas os mantos da ilegalidade e da impunidade, as acumulações ilícitas de cargos reiteradamente contidas dos enunciados e súmulas do STF.


Desse modo, finalmente, à guisa de sugestão e desafio, apresento as seguintes propostas, para a qualidade total do serviço público e estagnar o derrame do erário público:

a) desprofissionalizar a carreira parlamentar nas três esferas federal (senado e câmara), estadual e municipal, ou seja, permanecem as respetivas esferas parlamentares, posto que imprescindíveis à democracia e ao Estado Democrático de Direito. Entretanto, todo aquele que se achasse capacitado de exercer essa atividade e tivesse a vocação e munus públicos de bem servir aos seus cidadãos, comunidade e sociedade em geral, não mais faria jus aos gordos e estratoféricos salários de parlamentar ( senador, deputado e/ou edil). Iriam trabalhar gratuitamente? Óbvia e evidentemente que não, posto inexistir cargo público não remunerado. Todavia, sua remuneração seria equivalente à da profissão exercida antes da posse e diplomação ( se médico, professor, mecânico, militar, etc.) acrescida dos jettons das sessões em que efetivamente fossem aprovados benefícios à sua classe, categoria, comunidade e/ou sociedade, sem direito às mordomias atuais. Do jeito que está, considerando o excessivo número de parlamentares que há no país, e tendo cada município em média dezessete vereadores, com as medidas sugeridas acima a economia seria mais que a de 2,8 bilhões de reais;

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b) extinguir toda e qualquer mordomia, prerrogativas e privilégios existentes, desde da isenção das despesas de água, luz, telefone, combustíveis, moradia, transportes, veículos e outras despesas particulares próprias e de suas respetivas famílias, quer seja do legislativo, judiciário, executivo, tribunais, ministérios, etc., ter-se-ia uma economia substancial que, de certo, saldaria o déficit público estatal das três esferas;

c) extinção das chamadas e imorais aposentadorias parlamentares, mediante uma auditoria e um recadastramento gerais dos CIC/CPF e contracheques. Há parlamentares que são aposentados como vereadores, deputados, senadores, prefeitos, governadores, presidentes, por um exercício apenas de quatro ou oito anos, cumuladas ou não com outro cargo qualquer que tenha exercido no Estado. Enquanto, os demais trabalhadores e servidores deverão amargar até aos sessenta ou sessenta e cinco anos de serviço, pela proposta de emenda constitucional do senhor Reinholds Stevannes - Todos são iguais perante a Lei. Será ?

d) apreensão, retenção, seqüestro e confisco dos bens decorrentes de crimes de improbidade administrativas, sonegação fiscal, apropriação indébita e fraudes cometidas pelos vilipendiadores da cousa pública, após rigorosa e imparcial apuração administrativa e processual penal e/ou cível, aplicando-lhe os ditames legais e acabando de vez com a impunidade que assola e desmoraliza o País;

e) somente nomear, para os cargos públicos das estatais, por competência e qualificação de gestão do referido cargo, seja ele comissionado ou não, e;

f) uma verdadeira, sensata, coerente e técnica reforma fiscal e tributária, bem como a justa e devida reforma agrária de todas as terras improdutivas e devolutas desse Brasil de poucos, que poucos detêm e de muitos que nada têm.

Demais disso, a extinção da estabilidade implicará na vassalagem, servidão e escravatura dos servidores públicos, que ficarão à mercê do jugo dos déspotas de nada esclarecidos, e tornaremos à idade média, retrotraindo no tempo e no espaço, dando ensanchas às demissões dos que não forem servis e daqueles que se não rendam às vontades e idiossincrasias arbitrárias de seus mandatários. Exsurgindo, portanto, o fisiologismo e o nepotismo vilipendiador dos bens e cousas públicas, sobrevirá a extinção da res publica. E a cada novo mandatário, haverá intrigas, demissões em massa e nomeação de seus apaniguados, afilhados e parentela.

Fica, portanto, o desafio para devolver o Brasil aos brasileiros descomprometidos com a negociata dos caloteiros da bancada de ruralistas, que sonegam os impostos e rolam as dívidas assumidas, em detrimento dos que se sacrificaram para honrar seus compromissos e dívidas, e livres da impunidade que campeia e assola todo o País e o combate efetivo das sonegações fiscais e tributárias, resta ao governo tomar a decisão e o congresso provar que não é composto dos "trezentos picaretas", posto que, desta feita, os servidores públicos civis e militares federais, estaduais e municipais, "não vão pagar o pato" e muito menos tolerar tais pechas e acusações infundadas, enquanto eles, impunemente, solapam e espoliam a nação.

É preciso novamente vestir preto e tornar às ruas para exigir a dignidade e o respeito a que fazemos jus. Vamos à luta, servidores públicos, e já !

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Sobre o autor
Joilson Gouveia

Bacharel em Direito pela UFAL & Coronel e Transferido para Reserva Remunerada da PMAL.Participou de cursos de Direitos Humanos ministrados pelo Center of Human Rights da ONU e pelo Americas Watch, comendador da Ordem do Mérito Municipalista pela Câmara Municipal de São Paulo. Autor, editor e moderador do Blog D'Artagnan Juris

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

GOUVEIA, Joilson. "Ataque ao monstro": o servidor público, de novo, é o vilão da história. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 4, n. 36, 1 nov. 1999. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/1935. Acesso em: 21 nov. 2024.

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