Não há prejuízo a justificar declaração de nulidade por não haver intervalo entre a citação e o interrogatório do acusado. Este entendimento fundamentou o julgamento do HC 100319/RS (24.5.2011), relatado originariamente pelo Min. Marco Aurélio e para acórdão pelo Min. Luiz Fux – Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal.
A defesa pugnava pela nulidade do feito que foi conduzido de maneira que não houve intervalo de tempo entre a citação e a audiência designada para interrogatório, logo, prejudicada a ampla defesa do acusado.
No entanto, a Primeira Turma do STF entendeu que, estando o acusado acompanhado de defensora dativa, não há que se falar em redução de sua defesa. Entendeu-se que, estando o processo penal regido pelo princípio pas de nullité sans grief, necessária a comprovação do efetivo prejuízo no caso para declaração da nulidade, o que efetivamente não ocorreu.
Ao acusado imputava-se a prática de roubo, crime que para a Primeira Turma do STF não se mostra complexo o bastante para exigir o lapso temporal reclamado pelo paciente para preparação de sua defesa.
Vale dizer, o julgamento não foi unânime. Os Ministros Marco Aurélio e Dias Toffoli entenderam que era imprescindível a antecedência mínima da citação em relação à audiência designada para interrogatório, a fim de se garantir a defesa do réu por advogado de sua livre escolha.
As circunstâncias do caso concreto são sempre determinantes em hipóteses como essa. No entanto, parece-nos que estão com a razão os Ministros vencidos. Afirmar que o crime de roubo não é complexo e que o acusado estava na companhia de defensor dativo, o que justificaria a não concessão de tempo para construção da defesa, não parece razoável.
O princípio da ampla defesa é extenso (como o próprio nome sugere) o bastante para exigir que se oferte ao acusado todas as oportunidades de defesa de que ele possa dispor.
O interrogatório é o momento em que o réu é ouvido, é a oportunidade em que o juiz tem suas impressões dos fatos de acordo com a versão do réu. Tão importante é a oportunidade do interrogatório que hoje o Código de Processo Penal adota o princípio da identidade física do juiz. Ora, para este ato o réu tem o direito de estar preparado. Se não lhe é dado tempo hábil para tanto, entendemos que há afronta ao princípio da ampla defesa, sem sombra de dúvida.
O contraditório tem como pressuposto o direito à informação. No plano processual, uma das informações mais importantes (ao réu) se dá por meio da citação, que é o ato pelo qual o acusado toma conhecimento do teor da peça acusatória. Logo depois de concretizada a citação, impõe-se conceder ao acusado "tempo e meios necessários para a preparação da sua defesa", nos termos do art. 8º, 2, "c", da Convenção Americana de Direitos Humanos.
A exigência do "tempo" significa que o interrogatório do acusado não pode ser feito abruptamente, aceleradamente, sem que o acusado tenha chance de estruturar sua defesa. Quanto aos meios necessários podem ser citados: o direito à perícia, direito de inspeção, direito à defesa jurídica (a ser feita por profissional habilitado) etc. (Corte Interamericana, Caso Loyaza Tamayo, Sentença de 17.09.1997, parágrafo 62).
A decisão da Primeira Turma do STF violou flagrantemente a garantia constitucional e convencionais do "tempo" necessário para a preparação da defesa. Isso constitui exemplo patente de direito penal ou processual do inimigo, que consiste em violar as garantias fundamentais do acusado.