Malgrado nosso, ainda está por raiar o dia da credibilidade satisfatória, já não direi plena, das pessoas em geral, na Justiça. Sem dúvida nenhuma, grande parte da culpa deve ser debitada àqueles que insistem em manter paradigmas que já não se coadunam com os tempos. Mas é verdade também, se bem refletirmos, que constataremos, que na realidade, a responsabilidade não é de alguns, mas de todos.
Todos querem por exemplo, que se faça justiça, quando alguém é particularmente vitimado em seus direitos que podem ser desde os materiais aos fundamentais. Freqüentemente, temos ouvido clamores de diversas partes, enquanto é carregado o esquife de um morto, por exemplo, mas ao mesmo tempo, o silêncio de tantos frente ao domínio de traficantes e outros delinqüentes em potencial, às vezes por medo, outras, até por conveniênica.
Ao lado de tais desvios, contamos ainda com a complacência de certos corpos de jurados que se compadecem do acusado e absolvem-nos ou lhes reduzem a pena pura e simplesmente.
Quando um cidadão se assenta no Tribunal Popular do Júri, compondo o Conselho de Sentença, torna-se Juiz de Fato. Mediante as provas dos autos, por ele vai ser ditado, o julgamento, sem que precise se preocupar com a dosagem da pena, disto se encarrega a própria lei, mediante o Juiz de Direito que preside os trabalhos.
Por não ver celeridade processual, muita gente se sente desestimulada em invocar a tutela do Estado, via Poder Judiciário, além de ser evidente por outro lado, que o mesmo Judiciário tem promovido iniciativas como é o caso da instalação dos Juizados Especiais, no sentido de não fazer esperar o que pode ser decidido no momento. Veja-se a Justiça Volante.
A par do desencanto, se a sociedade se informar vai ter esperança, pois, figuras das maiores do mundo judiciário, não estão desatentas. No Fórum Nacional de Debates sobre o Poder Judiciário, realizado recentemente, em Brasília, ninguém menos que o Presidente do Supremo Tribunal Federal, Ministro Celso de Mello, em seu discurso, combateu o corporativismo que se instalou no Poder Judiciário, defendeu o controle externo do mesmo, alertando que a reforma judiciária deve ser encarada sem preconceitos, não afastando a importância do enfrentamento da discussão a respeito, como forma de contribuir para aperfeiçoá-la, ou se parecer melhor, depois, levá-la à rejeição.
Combateu a súmula vinculante que rouba ao Magistrado uma reflexão crítica do julgamento que profere. Neste sentido, minha opinião pessoal é, não pelo afastamento pura e simplesmente da idéia, pois, a inspiração da qual se origina é boa, ou seja, se considerarmos a inutilidade de os Tribunais voltarem a se pronunciar sobre um mesmo assunto, ou repetirem o que já disseram em às vezes, alguns milhares de processos. O que não deve é ser "fatal", já que, os direitos são individuais e como os indivíduos entre si, têm causas e pontos em comum, mas outros, absolutamente distintos.
Indo mais longe, Banderia de Mello, pregou ainda, a necessidade da democratização interna do Judiciário, no sentido por exemplo de, permitir, não só aos Desembargadores, mas a todos os seus integrantes elegerem os respectivos Presidentes do Poder, porque importa, acrescentou, "desautorizar qualquer prática que consagre a formação de verdadeiras dinastias judiciárias nas cúpulas dos tribunais".
Em decorrência da forma de Governo adotada em nosso país, delegamos poderes aos nossos Legisladores, que votam as normas mediante as quais se constituem, se protegem ou se argüirão os direitos. Esta lei é promulgada pelo Poder Executivo e todas as vezes que colidem interesses entre os cidadãos, sem que entre eles ainda, seja encontrado consenso, invoca-se o Judiciário que consultando a lei, deve "dar a cada um o que é seu".
Entretanto, pode ser que nem sempre este recurso satisfaça os interesses, além de que, a história tem registrados erros judiciários terríveis e irreparáveis, malgrado nosso, repito.
Mas existem os recursos dos quais se podem valer, todos aqueles que se sentirem irresignados com uma decisão que seja contrária à sua expectativa ou ao seu direito, em três instâncias superiores e sucessivas.
Falo dos Tribunais dos Estados (Tribunal Regional Federal), do Superior Tribunal de Justiça e finalmente, do supremo, o maior, destinado aos assuntos constitucionais, o Supremo Tribunal Federal.
Mas nem este será o limite, como bem lembrou aquele Presidente, o qual propôs que na área dos direitos humanos, esgotada a jurisdição interna, quem se considerar lesado em seus direitos fundamentais, possa recorrer aos tribunais ou organismos internacionais aos quais o Brasil aderiu.
Com certeza, na hora em que formos um povo mais lúcido e mais consciente, terá despontado um novo campo para a advocacia, na defesa de interesses individuais, em Tribunais Internacionais.
A discussão é longa, muitos erros foram cometidos, mas é sempre tempo de reconduzir aos verdadeiros caminhos, os que enveredaram por outros, trazendo para a sociedade em geral e para os indivíduos em particular, dramáticas conseqüências.
Em seu discurso, Celso Antônio Bandeira de Mello afastou ainda a hipótese de que se aja, como se a magistratura fosse uma instância de poder imune de críticas, infensa a erros ou insuscetível de desvios ou abusos. Numa democracia, ninguém se pode eximir de culpa pelos males que nos acontecem, como igualmente todos se podem alegrar com os triunfos comuns.
Que venha o quanto antes a alvorada do dia em que todos, ao lado da igualdade perfeita perante a lei, assumam a responsabilidade pelas conseqüências de tudo que nos desagrada.