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Os danos morais e o Judiciário: a problemática do "quantum" indenizatório

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18/07/2011 às 07:33
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6. Controle e Posição do Superior Tribunal de Justiça sobre o Valor dos Danos Morais

Paira na doutrina a discussão a respeito do Superior Tribunal de Justiça exercer o controle sobre os valores fixados por dano moral, o problema surge quanto aos limites dessa possibilidade de controle, isso porque ao instituir ao STJ tal competência, estaríamos admitindo um tabelamento por parte do Egrégio Tribunal, teoria pela qual combatemos em respeito à diversidade entre os cidadãos e à igualdade material.

Encontramos no critério do tabelamento – tanto pelo STJ como por qualquer tribunal superior - um risco no que concerne a estabelecer valores muito altos ou até mesmo ínfimos que não reparariam da melhor forma o dano causado, o que seria até mesmo um estímulo ao cometimento de novos danos, além do mais, ao tabelar os valores dos danos morais, caímos no perigo se colocar todos os sofrimentos e danos humanos em um mesmo saco homogêneo, não admitindo a diversidade entre os cidadãos no que concerne aos seus anseios íntimos, sentimentos, isso porque há pessoas mais e menos sensíveis, pessoas capazes de sentir mais por certos danos e outras menos.

Com a adoção do critério do tabelamento, a diversidade entre as pessoas não seria levada em conta, e a máxima da 'análise do caso "in concreto" estaria descartada. A igualdade formal prevaleceria em detrimento da material.

Ainda outro problema encontrado no critério do tabelamento, é o fato de que impossível tabelar todas as situações de danos morais. A sociedade moderna, a cada dia, vem trazendo novas possibilidades de danos morais, as quais certamente não seriam de forma unânime abarcada pelo tabelamento.

O que se pode admitir é o papel subsidiário do Superior Tribunal de Justiça e dos demais tribunais superiores em corrigir distorções absurdas de entendimentos, bem como a correção de valores absurdos, e é exatamente esse o posicionamento dos mesmos, como passaremos a analisar:

Como é sabida, a preocupação dos Tribunais Superiores a respeito da banalização dos danos morais é iminente, porém, como salvaguardas da Lei Maior e da igualdade material, não criaram um tabelamento para o quantum pecuniário indenizável, ao contrário, se restringiram a coibir os abusos provenientes da banalização do instituto; para melhor elucidar esse entendimento temos como o exemplo as palavras do ministro Salvio de Figueiredo Teixeira no REsp 269407/RJ do ano de 2001:

"Como tenho dito outras vezes, a intervenção do STJ há de se dar quando há o abuso, o absurdo: indenizações de um milhão, de dois milhões, de cinco milhões, como temos visto (...) Em outros recursos em que ficaríamos entre quinhentos, trezentos e cinqüenta, duzentos, duzentos e cinqüenta, cem reais a mais, cem salários a menos não é um caso de absurdo na fixação, é uma discrepância na avaliação. Temos de ponderar até que ponto o STJ deve interferir na definição de uma valor de dano moral, que é matéria de fato, para fazer uma composição mais ou menos adequada. Não sendo abusiva ou iníqua a opção do Tribunal local, não se justifica a intervenção deste Tribunal. Se não for assim, teremos de enfrentar todas as avaliações de dano moral feita no país, porque em todas elas podemos encontrar disparidades de 10%, 20%, e essa não é nossa função" [15]

Esse pequeno trecho extraído da decisão proferida em Resp pelo STJ é apenas um em inúmeros julgados [16] que entendem da mesma forma. Tem-se consolidado, portanto, uma forma de coibir abusos, mas não uma forma de tabelamento, respeitando a igualdade material insculpida na Constituição.


7. Alguns Casos de Tabelamento pelo STJ

Mesmo com todo o aparato dos Tribunais Superiores visando coibir os abusos pleiteados a título de danos morais, a dificuldade em estabelecer com exatidão a equivalência entre o dano e o ressarcimento ainda é muito acentuada e se reflete na quantidade de processos que chegam ao STJ para debater o tema. Em 2008, foram 11.369 processos que, de alguma forma, debatiam dano moral. O número é crescente desde a década de 1990 e, nos últimos dez anos, somou 67 mil processos só no Tribunal Superior, demonstrando que a morosidade do Judiciário brasileiro está longe de ser resolvida.

O ministro Luis Felipe Salomão, integrante da 4ª Turma e da 2ª Seção do STJ, é defensor de uma reforma legal em relação ao sistema recursal, para que, nas causas em que a condenação não ultrapasse 40 salários mínimos, o recurso ao STJ seja barrado. "A lei processual deveria vedar expressamente os recursos ao STJ. Permiti-los é uma distorção em desprestígio aos tribunais locais", critica o ministro. Com isso, podemos observar de forma clara qual o posicionamento que vem ganhando força nos Tribunais a respeito dos danos morais na Justiça Especial.

Tantos fatores para análise resultam em disparidades entre os tribunais na fixação do dano moral. É o que se chama de "jurisprudência lotérica". O ministro Salomão explica:

"para um mesmo fato que afeta inúmeras vítimas, uma Câmara do Tribunal fixa um determinado valor de indenização e outra Turma julgadora arbitra, em situação envolvendo partes com situações bem assemelhadas, valor diferente. Esse é um fator muito ruim para a credibilidade da Justiça, conspirando para a insegurança jurídica", analisa o ministro do STJ. "A indenização não representa um bilhete premiado", diz.

Como instância máxima de questionamentos envolvendo legalidade, o STJ, tentando redefinir os contornos da banalidade e morosidade processual, definiu algumas quantias para determinados tipos de indenização, muito embora também assegure a igualdade material e análise de cada caso concreto. Um dos exemplos são os casos de morte dentro de escola, cujo valor de punição aplicado é de 500 salários mínimos. Quando a ação por dano moral é movida contra um ente público, cabe às turmas de Direito Público do STJ o julgamento do recurso. Seguindo o entendimento da 2ª Seção, a 2ª Turma vem fixando o valor de indenizações no limite de 300 salários mínimos. Foi o que ocorreu no julgamento do Recurso Especial 860.705, relatado pela ministra Eliana Calmon. O recurso era dos pais que, entre outros pontos, tentavam aumentar o dano moral de R$ 15 mil para 500 salários mínimos em razão da morte do filho ocorrida dentro da escola, por um disparo de arma. A 2ª Turma fixou o dano, a ser ressarcido pelo Distrito Federal, seguindo o teto padronizado pelos ministros.

O patamar, no entanto, pode variar de acordo com o dano sofrido. Em 2007, o ministro Castro Meira levou para análise, também na 2ª Turma, um recurso do estado do Amazonas, que havia sido condenado ao pagamento de R$ 350 mil à família de uma menina morta por um policial militar em serviço. Em primeira instância, a indenização havia sido fixada em cerca de 1.600 salários mínimos, mas o tribunal local reduziu o valor, destinando R$ 100 mil para cada um dos pais e R$ 50 mil para cada um dos três irmãos. O STJ manteve o valor, já que, devido às circunstâncias do caso e à ofensa sofrida pela família, não considerou o valor exorbitante nem desproporcional [17].

Já os incidentes que causem paraplegia na vítima motivam indenizações de até 600 salários mínimos, segundo o tribunal. A subjetividade no momento da fixação do dano moral resulta em disparidades gritantes entre os diversos Tribunais do país. Num recurso analisado pela 2ª Turma do STJ em 2004, a Procuradoria do estado do Rio Grande do Sul apresentou exemplos de julgados pelo país para corroborar sua tese de redução da indenização a que havia sido condenada [18]

Assim como estes exemplos, outros casos já foram definidos pelo STJ, porém, importante salientar que a banalização ainda é crescente e que a competência da Justiça Especial está ficando cada vez mais restrita devido a este fator, entretanto, com relação ao pedido de danos morais como forma de mudança de competência não há posicionamento concreto dos tribunais superiores, haja vista que o valor da causa exorbitante por pedido indenizatório é um fato e, sobre esse fato não há muito o que discutir, o que os Tribunais estão fazendo é tentar coibir os abusos em prol da Justiça através de julgados e discussões como expusemos.

A título de curiosidade, vejamos alguns casos já julgados pelo STJ:

-Revista Consultor Jurídico

Observamos através desta tabela que ainda há muita disparidade em relação ao entendimento do quantum indenizatório entre os Tribunais, de forma que fica muito difícil conter a banalização dos danos morais e, conseqüentemente, a morosidade da Justiça brasileira.


8. Informações Complementares - A Alteração do Valor da Causa por Danos Morais – Conseqüências para o Juizado Especial Cível

Diante de todo o exposto podemos afirmar que diante da banalização dos danos morais, a competência ora dos Juizados Especiais Cíveis tem se alterado em virtude do aumento do valor da causa; isso porque ao pleitear uma ação de danos morais, uma demanda simples que tem todos os atributos para ser processada e julgada de forma mais célere, econômica e efetiva, acaba sendo processada e julgada pela Justiça Comum que, não raro, dá por improcedente o pedido, entendendo que o mesmo não passa de mera expectativa ou concernente a simples aborrecimentos da vida comum.

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Deve-se ter em mente que muitos pedidos de danos morais não chegam a ultrapassar os 40 salários mínimos exigidos pela Lei 9099/95 e os 60 salários mínimos da Lei dos Juizados Especiais Cíveis Federais, porém, mesmo nessa celeuma, o próprio Juizado Especial acaba por processar e julgar causas sem o menor fundamento de direito, atrasando as outras demandas que realmente necessitam de auxílio do Judiciário.

As conseqüências para o Judiciário brasileiro não poderiam ser outras senão a morosidade da justiça e o descrédito com uma prestação jurisdicional morosa e cara. Hoje o acesso à Justiça é relativamente fácil, principalmente com o advento dos Juizados Especiais Cíveis, o difícil é a saída, o desfecho da demanda que, na maioria dos casos, demora anos a ser resolvida. Nesse sentido bem traduz a Revista da Associação dos Magistrados da Justiça do Trabalho da 15ª Região – AMATRA qual a opinião da sociedade em relação do Judiciário brasileiro:

"há uma descrença generalizada no Judiciário, poder estatal que paulatina e progressivamente vem se tornando enorme, caro, moroso, ineficiente, e que desagrada, em seus atuais contornos, tanto os operadores do direito (magistrados, advogados, promotores, procuradores, etc) quanto os destinatários do serviço Judiciário. Não há hoje quem o diga eficaz, em nosso País" [19]

Assim, evidente é o prejuízo que a crescente demanda por danos morais traz à Justiça Especial, afetando toda a máquina Judiciária e aumentando o problema da morosidade processual.


9. Solução e Conclusão

Diante de todo o exposto podemos concluir que o número de demandas pleiteando danos morais aumentou significativamente nas últimas décadas, haja vista a consagração da indenização de cunho moral e material como um direito e garantia fundamental instituído pelo artigo 5º, X da Lei Maior, bem como pela difusão desta reparação pela mídia.

Ocorre, porém, que a tutela dos direitos humanos com a essa possibilidade de reparação de danos, acabou provocando uma avalanche de ações de cunho indenizatório em todo o Judiciário, acarretando a problemática da morosidade processual que tanto se discute.

A solução, como vimos, não está em determinar um critério fixo de indenização por danos morais, como por exemplo um critério matemático ou de tabelamento, mas sim, difundir entre os operadores do direito – principalmente entre os advogados – a problemática que esse tipo de ação vem causando para o Judiciário, bem como fazer crescer a consciência da população em geral que nem todo ‘sofrimento’ é passível de ser indenizável.

Nessa celeuma, também é importante ressaltar que os Tribunais têm papel essencial em coibir o enriquecimento ilícito causado por demandas indenizatórias, haja vista que tem o poder de reformar sentenças de primeiro grau que, como analisamos pelas jurisprudências citadas, continham pedidos absurdos de cunho reparatório.

Assim, enquanto os operadores do direito e a sociedade como um todo não entenderem que o Judiciário não é um meio de enriquecer e protelar direitos ou mera expectativas deles, a problemática da morosidade processual continuará sendo um fantasma para toda a comunidade jurídica.


10. Referências Bibliográficas

BERNARDO, Wesley de Oliveira Louzada. Danos Morais: Critérios de Fixação de Valor. São Paulo: Renovar, 2005.

MELO, Nehemias Domingos de. Dano Moral. Problemática do Cabimento à Indenização do Quantum. ATLAS, 2009.

Revista da Associação dos Magistrados da Justiça do Trabalho da 15ª Região – AMATRA. nº 2 – ano 2009.

TELLES, Inocêncio Galvão. Direito das Obrigações. Coimbra Editora, 6ª edição.

WALD, Arnoldo. Curso de Direito Civil Brasileiro. São Paulo: Revista dos Tribunais. 1989.

Jornal "A Tribuna" (Vitória ES) publicada em 17/10/2006.

- Artigos Online:

Consultor Jurídico. Revista Eletrônica, 2007.

http://www.conjur.com.br/2007-jul-21/cidadaos_inundam_justica_processos_dano_moral:

Artigo Online. Decisões do STJ criam tabela de indenizações. 16.09.09.

http://www.portalcorreio.com.br/noticias/matler.asp?newsId=99767.

Notas

  1. WALD, Arnoldo. Curso de Direito Civil Brasileiro. São Paulo: Revista dos Tribunais. 1989, p. 407
  2. TELLES, Inocêncio Galvão. Direito das Obrigações. Coimbra Editora, 6ª edição, p. 375.
  3. Artigo 5º, X: São invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação.
  4. Jornal "A Tribuna", 2006. p. 07.
  5. Consultor Jurídico. Revista Eletrônica, 2007.
  6. http://www.conjur.com.br/2007-jul-21/cidadaos_inundam_justica_processos_dano_moral

  7. Idem.
  8. Consultor Jurídico. Revista Eletrônica, 2007.
  9. http://www.conjur.com.br/2007-jul-21/cidadaos_inundam_justica_processos_dano_moral

  10. Consultor Jurídico. Revista Eletrônica, 2007.
  11. http://www.conjur.com.br/2007-jul-21/cidadaos_inundam_justica_processos_dano_moral

  12. Consultor Jurídico. Revista Eletrônica, 2007.
  13. http://www.conjur.com.br/2007-jul-21/cidadaos_inundam_justica_processos_dano_moral

  14. MELO, Nehemias Domingos de. Dano Moral. Problemática do Cabimento à Indenização do Quantum. ATLAS, 2009. p. 132.
  15. BERNARDO, Wesley de Oliveira Louzada. Danos Morais: Critérios de Fixação de Valor. São Paulo: Renovar, 2005. p. 153.
  16. In BERNARDO, Wesley de Oliveira Louzada. Danos Morais: Critérios de Fixação de Valor. São Paulo: Renovar, 2005. p. 153 a 155.
  17. Idem p.162.
  18. BERNARDO, Wesley de Oliveira Louzada. Danos Morais: Critérios de Fixação de Valor. São Paulo: Renovar, 2005. p. 164.
  19. BERNARDO, Wesley de Oliveira Louzada. Danos Morais: Critérios de Fixação de Valor. São Paulo: Renovar, 2005. p. 159.
  20. No mesmo sentido: REsp nº 255.056/RJ, Rel. Ministro CARLOS ALBERTO MENEZES DIREITO, DJU de 30/10/2000 "O entendimento deste Tribunal é que "o valor do dano moral (...) deve ser fixado com moderação, considerando a realidade de cada caso, cabível a intervenção da Corte quando exagerado, absurdo, causador de enriquecimento ilícito". Se não há flagrante abuso, não se justifica a revisão pela Corte".
  21. Resp 782912/RS, Rel. Ministro FERNANDO GONÇALVES, DJ de 28.11.2005 "Destarte, não se vislumbra, na espécie, a alegada exorbitância, exigência para a interferência deste tribunal"

  22. STJ - REsp 932/001
  23. Artigo Online. Decisões do STJ criam tabela de indenizações. 16.09.09.
  24. http://www.portalcorreio.com.br/noticias/matler.asp?newsId=99767.

  25. Revista da Associação dos Magistrados da Justiça do Trabalho da 15ª Região – AMATRA. nº 2 – ano 2009. p. 172
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Sobre a autora
Tônia de Oliveira Barouche

Bacharel em Direito pela UNESP (Universidade Estadual Paulista Julio de Mesquita Filho). Pesquisadora FAPESP. Membro do Núcleo de Pesquisas em Direito Processual Civil e Comparado - NUPAD da UNESP. Advogada.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

BAROUCHE, Tônia Oliveira. Os danos morais e o Judiciário: a problemática do "quantum" indenizatório. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 16, n. 2938, 18 jul. 2011. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/19409. Acesso em: 19 abr. 2024.

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