4. O EXEMPLO ITALIANO
A jurisprudência italiana considerou inconstitucional a regra que permite a prescrição durante o curso do contrato de trabalho, cuja razão apontada foi justamente a falta de efetivo acesso à justiça.
Informa Márcio Túlio Viana que "de acordo com a Corte Constitucional daquele país, o trabalhador pode ser induzido a não exercitar o próprio direito pelo mesmo motivo pelo qual muitas vezes é levado a renunciá-lo, isto é, pelo temor da despedida" (VIANA, 2008, p.171).
De acordo com o artigo 36 da Constituição Italiana de 1948:
Il lavoratore ha diritto ad una retribuzione proporzionata alla quantità e qualità del suo lavoro e in ogni caso sufficiente ad assicurare a sé e alla famiglia un'esistenza libera e dignitosa. La durata massima della giornata lavorativa è stabilita dalla legge. Il lavoratore ha diritto al riposo settimanale e a ferie annuali retribuite, e non può rinunziarvi.
Ensina a doutora Lorena Vasconcelos Porto:
Todavia, a jurisprudência italiana corajosamente reconheceu a sua eficácia imediata, impondo, no caso concreto, a obrigação de o patrão pagar a remuneração suficiente devida ao trabalhador. Declarando a nulidade da cláusula retributiva do contrato individual, os juízes fixavam no caso concreto a justa remuneração. As primeiras decisões da Corte de Cassação nesse sentido datam da primeira metade da década de 1950, pouco tempo depois, portanto, da promulgação da Constituição de 1948(PORTO, 2009).
Assim, na Itália passou a considerar o princípio do "contra non valentem agere non currit praescriptio", em que a existência do contrato de trabalho passou a ser considerada uma causa impeditiva do prazo prescricional, conforme decisão em comento:
Però, se il diritto alle prestazioni salariali può prescriversi, non tutto il regime della prescrizione è compatibile colla speciale garanzia che deriva dall'art. 36 della Costituzione.
In un rapporto non dotato di quella resistenza, che caratterizza invece il rapporto d'impiego pubblico, il timore del recesso, cioè del licenziamento, spinge o può spingere il lavoratore sulla via della rinuncia a una parte dei propri diritti; dimodoché la rinuncia, quando è fatta durante quel rapporto, non può essere considerata una libera espressione di volontà negoziale e la sua invalidità è sancita dall'art. 36 della Costituzione: lo stesso art. 2113 del Codice civile, che la giurisprudenza ha già inquadrato nei principi costituzionali, ammette l'annullamento della rinuncia proprio se questa è intervenuta prima della cessazione del rapporto di lavoro o subito dopo. In sostanza si è voluto proteggere il contraente più debole contro la sua propria debolezza di soggetto interessato alla conservazione del rapporto.
Prossegue a Corte Constitucional Italiana:
Vi sono tuttavia ostacoli materiali, cioè la situazione psicologica del lavoratore, che può essere indotto a non esercitare il proprio diritto per lo stesso motivo per cui molte volte è portato a rinunciarvi, cioè per timore del licenziamento; cosicché la prescrizione, decorrendo durante il rapporto di lavoro, produce proprio quell'effetto che l'art. 36 ha inteso precludere vietando qualunque tipo di rinuncia: anche quella che, in particolari situazioni, può essere implicita nel mancato esercizio del proprio diritto e pertanto nel fatto che si lasci decorrere la prescrizione (...)il precetto costituzionale, pur ammettendo la prescrizione del diritto al salario, non ne consente il decorso finché permane quel rapporto di lavoro durante il quale essa maschera spesso una rinuncia. .
Entretanto, Marcio Túlio Viana esclarece que:
[...] a mesma Corte limitou depois o seu entendimento, esclarecendo que ele só se aplicava aos trabalhadores sem estabilidade no emprego. É o que se poderia fazer também no Brasil, mesmo porque o Direito Comparado é fonte do nosso Direito (art. 8º da CLT) (VIANA, 2008, p.171).
Inspirado pela jurisprudência italiana, o professor Aroldo Plínio Gonçalves defendeu, em obra publicada em 1983, que o prazo prescricional do Direito brasileiro aplicável aos empregados urbanos à época (2 anos, segundo o art. 11 da CLT) somente poderia fluir após a extinção do contrato de trabalho.
O autor baseou-se no fato de o trabalhador, na vigência do pacto empregatício, encontrar-se em verdadeiro "estado de sujeição", que o inibe de exigir em juízo os seus direitos. Dessa forma, a interpretação do art. 11 da CLT por ele defendida seria a única capaz de conformá-lo à Constituição de 67/69, em vigor à época, notadamente ao seu art. 160, II - que afirmava a valorização do trabalho como uma condição da dignidade humana - e ao art. 153, § 4º - que previa o direito de ação, garantindo o acesso ao Poder Judiciário (PORTO, 2009).
Portanto, o prazo prescricional no direito brasileiro deveria seguir a lógica do direito italiano, determinando que o prazo prescricional não flua enquanto não cessado o contrato.
5.CONCLUSÃO
Devido à ameaça do desemprego, o trabalhador deixa de reivindicar os seus direitos, tendo que aceitar o desrespeito por parte do empregador-devedor.
Tanto na legislação trabalhista como na Constituição Federal, que dispõem a tanto a respeito dos direitos sociais, dos valores sociais do trabalho, da dignidade da pessoa humana, entre outros, verifica-se, infelizmente, que a lei tem favorecido e estimulado o empregador de má-fé, que, ciente da lei, sabe que se não cumprir o disposto na legislação e Constituição a respeito dos créditos trabalhistas, o máximo que irá pagar ao empregado-credor serão os relativos aos últimos cinco anos contados do ajuizamento da reclamação trabalhista, caso o operário ajuíze tal ação. Quanto aos demais créditos, estes prescreverão.
A Constituição Federal inseriu, como um dos fundamentos do Estado Democrático de Direito, a dignidade da pessoa humana, dando grande importância à tutela ao trabalho, como forma de buscar o equilíbrio social e econômico, sendo tal princípio diretamente relacionado ao princípio da valorização do trabalho humano.
Uma vez considerado o direito ao trabalho um direito fundamental social, não pode ser negado ao empregado a sua dignidade enquanto trabalhador. A ausência de dignidade nas relações empregatícias afeta não apenas a pessoa a que ao trabalho digno não tem acesso, mas toda a sua família e seu grupo social.
Diante de todo contexto, sendo no direito trabalhista o empregado a parte vulnerável e hipossuficiente, quando se depara com as normas que dispõem a respeito da prescrição relativas às verbas trabalhistas, verifica-se algo totalmente oposto aos princípios trabalhistas, o que demonstra ser o Direito concebido pela classe dominante a fim de controlar melhor os trabalhadores.
O ordenamento jurídico brasileiro deveria considerar, quando se fala em prescrição das verbas trabalhistas, o princípio do contra non valentem agere non currit praescriptio, existente no direito italiano, que defende que a prescrição não pode correr contra o que não pode agir, considerando a existência do contrato de trabalho como causa impeditiva do prazo prescricional.
Conclui-se, então, que para que seja evitado que o empregador ingresse no campo do abuso do direito, ferindo a ordem jurídica, atingindo a dignidade da pessoa humana dos trabalhadores e até mesmo o arranhando o próprio objetivo primordial do Estado da construção do bem comum, não deveria a Constituição Federal admitir a prescrição do direito ao salário enquanto vigente o contrato de trabalho.
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