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O jogo

15/12/1996 às 00:00
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O Brasil de 50 anos atrás tinha uma moeda forte, uma grande quantidade de créditos decorrente do esforço de guerra e belos cassinos com teatros de revistas, shows e muitos turistas.

As luzes dos hotéis cintilavam em chamamento, fulguravam as belas mulheres com seu charme e encantamento. As famílias visitavam os grandes Cassinos em trajes de gala, fraques e cartolas.

Até que alguém perdeu todas as posses e resolveu suicidar-se. A Igreja, então, colocou no caldeirão do inferno toda aquela bela estrutura que gerava empregos, divisas e tirava da vala comum muitos que por ali conseguiam projetar-se no mundo artístico.

O nosso conservador Congresso Nacional, até hoje, mantém restrições aos Cassinos, à vida noturna dos artistas, coristas e outros tantos que dela irão tirar seu sustento. Existe uma tímida atuação para fazer reverter este quadro, desde já combatida.

Interessante, porém, que durante o confisco bancário decretado pelo Governo Collor, muitos chegaram ao suicídio, à miséria, ao desespero total por terem perdido todas as economias. Nem por isso a Igreja ou nosso Congresso ou nosso Judiciário fizeram mudar as Leis, a Doutrina, a Jurisprudência, os seus Cânones.

Quantos empregos serão ativados com este tipo de segmento econômico? Não posso dizer novo porque ele, apesar da proibição, jamais deixou de existir.

O Governo Federal, Estadual, a Igreja, as Instituições de Caridade todos utilizam-se desta mania trazida pela Corte Imperial para, hoje, salvar instituições públicas ou particulares.

São as lotecas, senas, quinas, esportivas, bilhetes federais ou estaduais, raspadinhas, bingos, rifas, sorteios, ação entre amigos e mais uma infinidade de idéias que se colocam como forma certa de arrecadação de verbas.

O pobre, na tentativa de se tornar um milionário da noite para o dia, vai contribuindo para auxiliar nas verbas que são postas "para atenderem a sociedade", do outro lado da ilusão, da esperança, da fé.

Do prêmio, o leão tira a sua primeira mordida, depois as destinações sociais, enfim uma pequena parte sobra para quem tiver muita sorte.

As pressões para não legalizarem o jogo do bicho, enquanto isto, tem lobby no Congresso, na Justiça e no Executivo. Pois como seriam as rendas semanais dos seus "protetores"?

Não existe interesse em movimentar a máquina trabalhista, pois é mais fácil atrair turistas pelo chamamento de País da Orgia Sexual formado pelas muitas meninas que sequer viram formar seus bustos ou dos meninos que também não viram nascer seus pêlos pubianos mas já estão na mais velha das profissões - a prostituição -.

Estes meninos e meninas de rua que nos cruzamentos ganham muito mais do que aqueles que trabalham todo um mês para receberem um salário mínimo, dito para fornecer moradia, alimentação, transporte, diversão, saúde, educação e vestir-se como determinam as nossas Normas.

Divagando pela ficção poderíamos imaginar estes homens que compõe 60% da nossa população freqüentar um Cassino como o "Caesar"; Flamingo; Circus; ou mesmo hospedando-se neste Hotéis?

A única porta de entrada, com a certeza probabilística de cem por cento, é a dos fundos ou dos funcionários.

Será que a geração de empregos para o pai e mãe da família não ajudaria evitar que mais crianças fossem alugadas, obrigadas a percorrer os cruzamentos, avenidas e bares das famosas calçadas do vai-e-vem da noite brasileira?

Digo evitar porque aqueles que dentro dela já se encontram dificilmente irão sair ou por determinação dos próprios pais, ou por já terem aderido às drogas ou, ainda, por já conhecerem a força do dinheiro, do furto, numa incrível mistura de todos os elementos.

Quando escrevi sobre a possibilidade de mudança da sociedade no artigo "Mudar é Preciso, mas, como Mudar?", publicado no JUS NAVIGANDI, em 1.12.96, para crítica e posicionamento desta própria Sociedade, tinha em vista aquilo que a "esmola" cria em cada semáforo, em cada esquina, em cada porta de Padaria, de Banco, em cada abrigo debaixo de um viaduto.

Tinha em vista que somente aquilo que é belo aos nossos olhos, ao nosso olfato, ao nosso tato nos seduz enquanto aquilo que nos incomoda tendemos a ignorar, a não ver, não sentir.

Continuar buscando horizontes, sonhos, alegrias é nosso dever, cultivar flores somente em nossos jardins não nos importando se o esgoto aberto aos céus reside em nosso vizinho. É muito mais fácil gritar, fazer barulho por causa de um caso isolado a construir melhorias e alentos a muitos quando o mau cheiro chega até nossa janela.

Não existe indução ao vício se a norma for direta, clara e dura o suficiente para incutir respeito caso seja descumprida. O vício já está instalado na propina, na lavagem do dinheiro da venda das drogas que em sua maioria estão naqueles 60% que tem de obedecer ao dono do morro, do ponto, da rua sem direito a expor suas queixas, proteção e de criar sua prole com dignidade.

O grande herói da favela é aquele que domina, protege, induz a comunidade distribuindo presentes, alimentos e drogas às crianças.

É chegado mais um momento de gritar aos quatro ventos que a Justiça Social e as Leis se fazem pelos usos e costumes da sociedade como um todo. Não se faz jurisprudência para acompanhar voto de Presidente, por cumplicidade política, por estar vivendo um tempo diferente da realidade.

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Não se deve calar, aquele que tem o dever e a honra de legislar, para receber as benesses de quem faz nascer a injustiça, retirando os parcos direitos conseguidos em troca de muito suor, muito sangue e muito sofrimento.

É chegado um novo tempo, um tempo de ousar, de usar como arma a caneta de um poeta que escreve com o sangue retirado das próprias veias porque nada mais lhe resta senão a própria vida como único bem, bem este, que é caro demais até para deixar de o ter.

Em filas de atendimentos médicos conferindo o resultado da sua derradeira aposta, no jogo que escolheu como prêmio, a loteria de ser o sorteado para não ser deixado morrer no frio corredor de um posto de saúde, igual ao ouvir o estampido da arma no jogo da roleta russa.

Não sucumbir nos torpes ideais que nos são impostos por povos que não conseguem entender nossa formação étnica diversificada, de um País que se compara ao tamanho do nosso menor Estado Federado para ditar Normas de Economia, de Moral, de Sociedade e Jurídica.

Enfim, chegar de cabeça erguida e poder dizer com orgulho que se fez vencedor de um jogo social.

Que o seu País apostou na liberdade, na igualdade e, sobretudo, nas Leis surgidas pelo costume, pelo clamor público, pelo direito, pela paz.

Que seus Juristas houveram pela receptividade das mudanças; seu Legislativo dirigiu os interesses respeitando os anseios de seus representados e a Administração cumpriu o que estava escrito.

Os velhos ranços conservadoristas foram colocados em arquivos mortos; a criatividade e a versatilidade são companheiras de um novo episódio de valoração humana.

A atualização das normas se processaram fora do jogo político, respeitou-se o direito e não se inclinaram as cabeças aos ditames de se fazer justiça segundo a vontade do Rei.

A idéia de fazer multiplicar os pães nasce da idéia de alimentar primeiro àqueles que se uniram em fé, sob o mesmo chão, comungaram as mesmas idéias, falaram a mesma língua e guardaram o melhor de si para repartir primacialmente entre o seu próprio povo.

E no jogo da vida é no jogo da diversão que bem melhor seria a criação de empregos, o corte da compra de proteção, o turismo saudável, o favorecimento de quem habita este imenso território sem fé, sem amor, sem ilusão.

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Sobre o autor
Alberto Monteiro Alves

advogado em Minas Gerais

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ALVES, Alberto Monteiro. O jogo. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 1, n. 3, 15 dez. 1996. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/1961. Acesso em: 24 nov. 2024.

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