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Aplicabilidade da Lei de Anistia: o caso Telepará

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03/03/1997 às 00:00
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1. DA ORIGEM DA TELEPARÁ

A reclamada, porém, suscita preliminar que macula o direito dos mesmos, qual seja: que a Lei nº 8.878/94 supramencionada não se aplica ao presente caso, pois sua natureza jurídica insere-se no contexto das pessoas jurídicas de direito privado, sendo uma sociedade anônima com capital subscrito em sua maioria pela Telebrás, holding que controla o Sistema Nacional de Telecomunicações, que outorgou à reclamada a concessão para gerir o sistema estadual.

A Telepará é oriunda da fusão da Companhia de Telefones do Município de Belém - COTEMBEL com a Companhia de Telecomunicações do Pará - COTELPA, em 72, surgindo, assim, a Companhia de Telecomunicações do Pará S.A, que em 73 tomou a atual denominação, estando ora submetida ao contido na Lei nº 6.404, de 15.12.76.

Portanto, é necessário que analisemos a legislação vigente à época da constituição da reclamada, para podermos concluir se a mesma é uma sociedade de economia mista.

À época, o Decreto-Lei nº 200/67, com nova redação conforme o Decreto-Lei nº 900/69, em seu art. 5º, inciso III, conceitua nos seguintes termos a Sociedade de Economia Mista: "É a entidade dotada de personalidade jurídica de direito privado, criada por lei para a exploração de atividade econômica, sob a forma de sociedade anônima, cujas ações com direito a voto pertençam, em sua maioria, à União ou a entidade da administração indireta".

Com relação à Lei nº 6.404/76, em seu art. 236, dispõe que a constituição de sociedade de economia mista depende de prévia autorização legislativa.


2. DA FALTA DE NORMA TRABALHISTA

Assim diante do previsto no direito comum, há de se obrigatoriamente olvidar aqueles ensinamentos, como bem entendido por Krotoschim:

"El caráter de supletoria debe entenderse em el sentido de que las posibles lagunas han de llenarse em primer término mediante una interpretación derivada del caráter especial del derecho procesal del trabalho y sólo eventualmente se puede y se debe recurir al derecho processual comum".

No exercício da função judiciária, o juiz, como intérprete das leis trabalhistas, também exerce a função criadora que se desenvolve na aplicação e na interpretação do direito.

Como juiz não pode abster-se de julgar, sob a alegação de inexistência de norma jurídica pertinente, na procura da norma apropriada, serve-se de mecanismos de integração do direito, recorrendo aos princípios gerais do direito, à analogia e à eqüidade, suprindo, desta forma, as lacunas do direito.

No caso de lacunas, cria-se a norma adequada à solução do caso, dentro dos próprios quadros do ordenamento jurídico.

Outra hipótese ainda existe com as lacunas internacionais, ou seja, aquelas reservadas pelo contituinte, ou pelo legislador ordinário, para serem preenchidas pelo juiz na aplicação do direito. Ao fazer o preenchimento, o juiz exerce a função criadora.

Oliveira Viana demonstrou que os novos métodos de interpretação ampliaram os poderes do juiz, provocando o redimensionamento das fontes do direito, valorizando a jurisprudência, abrandando os princípios rígidos da separação dos poderes e da indelegabilidade de funções.

A atividade criadora do juiz deve inspirar-se necessariamente na eqüidade, método de interpretação por excelência, significando equilíbrio, comedimento e harmonização de direitos e de interesses contrapostos.

Com fulcro nessa concepção, deve-se procurar apoio nas normas da CLT (art. 8º.) e na Lei de Introdução ao Código Civil (art. 5º.), como se segue:

"Art. 8º. - As autoridades administrativas e a Justiça do Trabalho, na falta de disposições legais ou contratuais, decidirão, conforme o caso, pela jurisprudência, por analogia, por eqüidade e outros princípios e normas gerais do direito, principalmente do Direito do Trabalho e, ainda, de acordo com os usos e costumes, o direito comparado, mas sempre de maneira que nenhum interesse de classe ou particular prevaleça sobre o interesse público.

"Art. 5º. - Lei de Introdução ao Código Civil - Na aplicação de lei, o juiz atenderá aos fins sociais a que se dirige e às exigências do bem comum".


3. CONTROLE PELO JUDICIÁRIO DOS ATOS PRATICADOS PELO EXECUTIVO E PELO LEGISLATIVO

Apesar de todo o arcabouço legal envolvendo o caso, deve-se questioná-lo, pois o que ocorre é que durante anos a fio a sociedade brasileira acostumou-se com juizes subservientes ao Poder Executivo, entretanto, com a brisa democrática, os mesmos assumiram definitiva e verdadeiramente a nobre e fundamental missão de curadores do direito. Infelizmente para alguns, tal posicionamento jurisdicional incomoda pois estavam assentados na premissa de que bastava baixar decretos, portarias, resoluções, em clara infrigência ao direito adquirido, ao ato jurídico prefeito, que nada lhes acontecia, em fase de inércia imposta absurdamente à função judicante.

A respeito do assunto, o prof. Maurício Godinho Delgado, in Democracia e Justiça, Ed. LTr, 1993, p. 43/44, afirma:

"É que o Magistrado consubstancia, no panorama institucional de uma sociedade democrática, o intérprete conclusivo do Direito, o último leitor e concretizador da norma jurídica à situação fática efetivada. Em decorrência, emerge como último instante institucional de retificação e resguardo de direitos lesados na órbita da sociedade e Estado respectivo. Esgotado esse instante, esgota-se a ordem jurídica, com início, se for o caso, do duvidoso espaço das intervenções não-institucionais e não-democráticas. Esse caráter de derradeiro templo à audiência, reflexão e decisão sobre direitos tidos por lesados, inclusive, eventualmente, pelo próprio Estado, confere à função judicante a necessária garantia institucional da independência. Principalmente independência perante o Estado, os poderosos de todos as vertentes e os modernos grupos de pressão econômica, política e corporativa. A independência emerge, pois, como condição objetiva imprescindível ao exercício da função judicante, plasmando-se, na pessoa do Magistrado, também como atributo subjetivo à efetivação da judicatura."

Entende-se, assim, que ao presente caso para elidir ameaças, ativadas contra os direitos dos autores, conseqüentemente, contra a liberdade, que é no dizer amplo de Montesquieu, o direito de fazer tudo o que as leis permitem.

a) DA IMPOSSIBILIDADE DO DEFERIMENTO LIMINAR

Por outro lado, não restou configurado o direito líquido e certo invocado pelos reclamantes, pois o mesmo é o que se apresenta manifesto na sua existência, delimitado na sua extensão e apto a ser exercitado, para ser amparável, há de vir expresso em norma legal e trazer em si todos os requisitos e condições de sua aplicação aos requerentes: se sua existência for duvidosa; se a sua extensão ainda não estiver delimitada; se o seu exercício depender de situações e fatos ainda indeterminados, não rende ao provimento jurisdicional.

Entretanto, a questão não encerra fácil discussão, pois adverte Campos Batalha: ao despachar, o juiz deverá agir com a máxima cautela, diante da gravidade da medida requerida, pois se deve ter em mente, para efeito de uma adequada utilização das providências acautelatórias sub examen, pois seu único escopo é o de transmitir a alguém a intenção do requerente, pois, caso contrário, se estaria violentando as disposições legais, pois incabível o seu emprego com o objetivo de fazer com que o juiz impeça um funcionário de cumprir com as suas funções em desacordo com o que determina a lei. A respeito do tema, Ovídio Baptista da Silva, in Curso de Processo Civil, Vol. III, p. 268, observa:

"O que a lei pretende, é basicamente evitas as medidas que possam traduzir abuso do direito ou, então, os atos inúteis, cuja inocuidade só cause transtorno ao requerente. Por outro lado, é indispensável observar que há exigência de que as medidas judiciais não causem dúvidas e incertezas."

Verificou-se, assim, que a concessão liminar do pedido geraria sérias dúvidas e incertezas, pois há nos autos extensa documentação que corrobora a tese da reclamada, pois, como medida conservativa, deve subordinar-se à dupla exigência: a) demosntração de interesse do promovente no uso do remédio processual; e b) não-nocividade efetiva da medida, já que não se pode olvidar os princípios básicos do direito processual, que reclamam o interesse como condição de pleitear em juízo (art. 3º.) e que coíbem o abuso do direito de ação (art. 129).

Nos dizeres de Humberto Theodoro Júnior, o interesse vem a ser a necessidade ou utilidade da medida para assegurar ao promovente o fim colimado, já que o pedido pode ser absolutamente desnecessário diante dos próprios fatos relatados na petição, deve o juiz indeferir o pedido, por faltar interesse ao promovente na sua realização, já que o impedimento, na espécie, é de natureza psicológica ("dúvidas e incertezas").

b) ATUAÇÃO JUDICIÁRIA

É verdade que durante anos a fio o poder público, ao tomar medidas discriminatórias, praticando-as até a presente data, mas em escala menor, atenta contra o estado democrático de direito, tentando que se retorne a tempos passados e em nada saudosos da barbárie, do autoritarismo, da lei do mais forte, enfim, da infeliz máxima, de que ganha é quem mais pode. Felizmente, para a maioria, tais atitudes não mais encontram respaldo no meio social, pois figura básica e fundamental do Poder Judiciário retirou o poder de uma minoria grupal que utilizava e abusava freqüentemente de tais repudiosos e horríveis artíficos, em detrimento da vontade popular, da soberania dos juízes e da autodeterminação dos povos; pois neste poder há muito que estas práticas foram abolidas e frontalmente repudiadas, portanto, estabeleceu-se um contrapeso social. Assim, para aquela minoria que estava acostumada utilizar do subterfúgio da força, a figura do juiz independente e correto assusta, pois julga conforme sua consciência, não mais precisando dos favores de terceiros, mas tão-só e suficientemente de si mesmo.

Tal posicionamento faz com que esta camada inerte, inócua e dormente do tecido social ataque, vilipendie, macule, afronte, derrame absurdos, boceje indiferença, esbraveje discordância porém, a vontade da lei, da justiça, da consciência social prevalece, para tormento e desespero dos despreparados cultural e socialmente, para a convivência justa, fraterna e democrática.

Vemos que permanece viva a divisão dos Poderes preconizada por Montesquieu em seu celebérrimo De L’Espirit des lois: distinguiu o célebre pensador francês "dans chaque état trois sortes de pouvoirs", aí compreendido o Poder Judiciário, por aquele batizado como la puissance de juger, distintos dos demais Poderes e autônomo, como condição mesma da existência da liberdade, pois "il n’y a point encore de liberté si la piussance de juger n’est passeparé de la puissance Legislative e de l’Executrice".

O ser humano é inteligência, vontade e sentimento. Assim, toda e qualquer decisão constitui essencialmente atividade humana. É o que com toda justeza acentua Cesareo Rodriguez-Aguilera: "por sua naturaleza y por su finalidad, la sentencia es, y seguirá siendo, actividade humana. Pensar que, com com el tiempo, sean cerebros electronicos quienes den la solución exacta de los litigios, como la elegado a afirmarse, me parece una utopía poco atrayente y una privación a la justicia del único aspecto que puede justificaria y salvaria: SU HUMANIDAD".

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O Poder Judiciário tem por fim único e fundamental o bem comum da coletividade e toda e qualquer atividade do magistrado deve ser orientada para esse objetivo, e se o mesmo se afasta ou se desvia dessa finalidade, trai vergonhosa e descaradamente a função de que está investido, porque a comunidade não institui o mesmo senão como meio de atingir o bem-estar social, portanto, ilícito e imoral será todo o ato judicial que não for praticado no interesse da coletividade.

Analogicamente, se compararmos o juiz com o administrador público, verificamos que o fim, e não a vontade do administrador - ensina o Prof. Cirne Lima - domina todas as formas da administração. Supõe, destarte, a atividade administrativa a preexistência de uma regra jurídica própria. Já, conseqüentemente, a administração pública, debaixo da legislação, é que deve enunciar e determinar a regra de direito.

Os princípios básicos da administração pública e deste Poder estão consubstanciados em quatro regras de observância permanente e obrigatória: legalidade, moralidade, impessoalidade e publicidade. Com relação ao primeiro, eficácia de toda atividade administrativa está condicionada ao atendimento da lei, não havendo liberdade nem vontade pessoal, só se podendo praticar qualquer ato desde que autorizado por lei e, em relação ao segundo, a moralidade administrativa constitui, hoje em dia, pressuposto de validade de todo o ato da administração pública e do juiz, que administra a Justiça. Não se trata - diz HARRIOU, o sistematizador de tal conceito - da moral comum, mas sim de uma moral jurídica, entendida como "o conjunto de regras de conduta tiradas da disciplina anterior da Administração". Desenvolvendo sua doutrina, explica o autor que o agente administrativo e o juiz, como ser humano dotado de capacidade de atuar, deve, necessariamente, distinguir o bem do mal, o honesto do desonesto. E, ao atuar, não poderá desprezar o elemento ético de sua conduta. Assim, não terá que decidir somente entre o legal e o ilegal, o justo e o injusto, o conveniente e o inconveniente, o oportuno e o inoportuno, mas também entre o honesto e o desonesto. Por considerações de Direito e de Moral, o ato judicial não terá que obedecer somente à lei jurídica, mas também à lei ética da própria instituição, porque nem tudo que é legal é honesto, conforme já proclamavam os romanos: "non omne quod licet honestum est". A moral comum, remata Harriou, é imposta ao homem para sua conduta externa; a moral administrativa é imposta ao agente público para a sua conduta interna, segundo as exigências da instituição a que serve e a finalidade de sua ação: o bem comum.

Desenvolvendo o mesmo conceito, em estudo posterior, WELTER insiste em que "a moralidade administrativa não se confunde com a moralidade comum; ela é composta por regras de boa administração, ou seja: pelo conjunto de regras finais e disciplinares suscitadas não só pela distinção entre o Bem e o Mal, mas também pela idéia geral da administração e pela idéia de função administrativa". Tal conceito coincide com o do respeitável Lacharrière, segundo o qual a moral administrativa "é o conjunto de regras que, para disciplinar o exercício do poder discricionário da Administração, o superior hierárquico impõe aos seus subordinados". (Le Contrôle Hiérarchique de I’Administration dans Ia Forme Jurisdictionnel, Paris, 1938).

O inegável é que a moralidade administrativa integra o direito como elemento indissociável na sua aplicação e na sua finalidade, erigindo-se em fator de legalidade. Daí por que o TJSP decidiu, com inegável acerto, que: "O controle jurisdicional se restringe ao exame da legalidade do ato administrativo; mas sua legalidade ou legitimidade se entende não só a conformação do ato com a lei, como também com a moral administrativa e com o interesse coletivo".(TJSP 89/134). Portanto, com este julgado, a moralidade administrativa ficou consagrada pela Justiça, como necessária à validade da conduta do administrador público, portanto do próprio magistrado.

Nos estados de direito, é indispensável o controle dos atos praticados pelas partes, inclusive, quer pela própria administração, quer pelo Poder Judiciário. Nos dizeres de Hely Lopes Meirelles, controle, em tema de administração pública, é a faculdade de vigilância, orientação e correção que um poder, órgão ou autoridade exerce sobre a conduta funcional do outro. A palavra controle é de origem francesa, contròle, e, por isso, sempre encontrou resistência entre os cultores do vernáculo. Mas, por ser intraduzível e insubstituível no seu significado vulgar ou técnico, incorporou-se definitivamente em nosso idioma, já constando nos modernos dicionários da língua portuguesa, nas suas várias acepções. E, no Direito pátrio, o vocábulo controle foi introduzido e consagrado por Seabra Fagundes, desde a publicação de sua insuperável monografia O Controle dos Atos Administrativos pelo Poder Judiciário (1ª.ed.,1941).

Este, é um controle a posteriori, unicamente da legalidade, pois restrito à verificação da conformidade do ato com a norma legal que o rege. Mas é, sobretudo, um meio de preservação dos direitos individuais, porque visa a impor a observância da lei em cada caso concreto.

Neste sentido é a orientação do STF, que "a legalidade do ato administrativo, cujo controle cabe ao Poder Judiciário, compreende não só a competência para a prática do ato e de suas formalidades extrínsecas, como também os seus requisitos substanciais, os seus motivos, os seus pressupostos de direito e de fato, desde que tais elementos sejam definidos em lei, como vinuladores do ato administrativo" (STF, RDA 42/227).

O eminente Caio Tácito, há mais de trinta anos, averbou nada existir de insueto no exame, pelos nossos Tribunais, dos motivos do ato. Negar ao juiz a verificação objetiva da matéria de fato, será converter o Poder Judiciário em mero endossante da autoridade administrativa, substituir o controle de legalidade por um processo de referenda extrínseco, como querem alguns.

A análise dos pressupostos de fato que embasaram a atuação administrativa ou do particular, nos autos, é recurso impostergável para aferição do direito e o juiz, neste caso, mantém-se estritamente em sua função quando procede ao cotejo entre o enunciado legal e a situação concreta.

Laubadère ponderou sobre isso, nos seguintes termos: "Le juge ne sort pas de son rôle pisque l’existente de certaines circonstances de fait est la condition même pour que l’acte administratif soit légal; on n’a que le choix des exemples a citer: question de savor si, dans telles circonstances, l’interdiction d’une réunion a répondu a une ménace effective de dédordre (Jurisprudence constante em matière de mesures de police); si dans telles cille il existe une crise d’office (C.E.9 janv. 1948, Consorts Banbedienne, S., 1948, 3, 14), si telle organisation sundicale pêut être considerée comme la plus representative, d’après le nombre de ses adhérants (C.E., er fev. 1949, 3 arrêts, S., 1950, 3, 57, concl. Barbet), etc."

c) MOTIVAÇÃO DECISÓRIA

Fez-se necessário tecer todas as hipóteses nos autos suscitadas, tendo-se em vista que a singeleza e precariedade da decisão será a manifestação do arbítrio e do capricho que não se coaduna com o direito, pois o preceito da motivação é de ordem pública, já que nos dizeres de Lopes da Costa, ele é que põe a administração da Justiça a coberto dos dois piores vícios que possam manchá-la: o arbítrio e a parcialidade; portanto, sua falta, apesar de sua natureza imperativa, implica na incerteza e na insegurança para as partes no litígio, dado o due process of law.


4. BREVE ANÁLISE DO SISTEMA DE SOCIEDADES DE ECONOMIA MISTA NACIONAL

Com a Revolução Industrial ocorrida na Grã-Bretanha, entre 1750 a 1830, o homem tomou consciência das possibilidades de que dispunha para mudar profunda e radicalmente toda a estruturada sociedade. De uma economia basicamente agrícola-artesanal, nasce uma outra predominantemente urbano-industrial, que não privilegia apenas os ingleses, mas se difunde na Europa, notadamente na Bélgica, Alemanha, Itália e, no fim do século XIX, na União Soviética, Estados Unidos da América, inclusive na Ásia, através do Japão, já a a partir de 1868.

Em todo esse contexto, foi exigida maior ação do Estado, sobretudo em iniciativas até então da exclusiva responsabilidade de particulares. Sua participação se torna mais intensa em virtude da multiplicidade de solicitação e pleitos. Assim, vê-se que o Estado é obrigado a exercer a sua força e, paulatinamente, passa a influir na vida econômica, não só de forma direta, mas em associação com terceiros.

Esse ingresso do Estado na vida econômica, associado ao particular, foi facilitado pela pré-existência de normas de direito privado, surgindo, assim, as sociedades de economia mista e, com o propósito de exercer essas atividades com recursos próprios, o independentemente de reunir maiores somas de recursos, proporcionou ao Estado a criação das empresas públicas.

No caso brasileiro, a primeira discussão séria e consistente quanto à matéria, ocorre com Paulino José Soares de Souza, o Visconde de Uruguai, pelos idos de 1862, e ao mesmo tempo de Dom Pedro II, passando por diversas transformações, até a presente data, que se abstêm de mencioná-las, dada a sua extensão.

Finalmente, após o transcurso implacável da história, com a Constituição de 1988, o papel do Estado na economia foi remodelado, sendo que a atual ordem econômica funda-se na livre iniciativa e na valorização do trabalho humano, cabendo ao Estado as funções de fiscalização, incentivo e planejamento, sendo este determinante para o setor público e indicativo para o setor privado.

Assim, o papel do Estado na atividade econômica deixa de ser o de agente propulsor da economia, função essa que é reservada à iniciativa privada; cabe-lhe reprimir os abusos e assegurar o bem-estar da coletividade e o desenvolvimento do país.

Dentro dessa linha de raciocínio, foram previstas quatro formas de intervenção: a normativa, a repressiva, a tributária e a exploração direta da atividade econômica, sendo que especificamente esta última dá-se quando for necessária aos imperativos de segurança nacional ou que tenham por objetivo atender a relevantes interesses coletivos.

A própria Carta Política já elenca os setores que, devido à sua relevância, não admitem a participação da iniciativa privada, constituindo monopólio da União. São eles ligados ao petróleo e aos minérios e minerais nucleares e somente nessas hipóteses é que cabe ao Estado assumir a forma empresarial e ocupar em espaço que, na nova ordem constitucional, compete à iniciativa privada. Sujeita-se ele, então às formas de direito privado, através da criação de empresas e estas, por via de conseqüência, ao regime jurídico de direito privado, quanto aos aspectos tributários e trabalhistas, pois, afinal, num estado de direito, não seria justo que o poder público, exercendo uma atividade concorrente com a do setor privado, se valesse de privilégios decorrentes de sua posição para obter melhores resultados.

O texto federal comete, ainda, ao Estado, o dever de prestação de serviços públicos, segundo a titularidade oriunda do sistema federativo de repartição de competências. Essa titularidade é inalienável. Pode o Estado, por lei, criar uma entidade que personaliza esse serviço, titularizando-o, ou, então, delegando ao particular a sua execução.

Portanto, é de fundamental importância que se frise que há dois tipos de empresas do Estado: as que se destinam à intervenção na atividade econômica e as que titularizam a prestação de serviços públicos.

Na organização da administração pública brasileira estas empresas, muito embora integrem a chamada administração indireta, modernamente denominada de administração descentralizada, eis que destacadas da administração direta ou central, são pessoas jurídicas de direito privado e assumem duas formas básicas. Porém, com o advento da novel Carta Magna, a criação dessas empresas só pode ser realizada através de lei (CF, art. 37, XIX), constituindo seu patrimônio em patrimônio da União, sendo indispensável a autorização legislativa para extingüi-la ou transferi-la a particular (CF, art. 48, V). Vale destacar o ensinamento de Marcos Juruena Villela Souto, in "O Programa Brasileiro de Privatização de Empresas Estatais":

"Empresas públicas, quando forem constituídas com capitais eminentemente públicos;

Sociedade de Economia Mista, quando o Estado se associa ao particular para a constituição do capital social".

O processo de criação dessas empresas no Brasil desencadeou-se durante a 2ª Guerra Mundial, quando por razões de segurança nacional levaram à criação da Fábrica Nacional de Motores (cuja finalidade era a fabricação e manutenção de motores de avião)-1946; a Companhia Siderúrgica Nacional-1941; a Companhia Vale do Rio Doce-1942; a Companhia de Álcalis-1943; a Companhia de Hidrelétrica do São Francisco-1945, apesar de ter surgido anteriormente, com padrões avançados, o Instituto de Resseguros, em 1939.

A década de 50 deu ensejo à criação da indústria de base, que mereceu o apoio do governo, com a criação do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social, sendo que no mesmo período surgiu a Petrobrás-1953.

Nas décadas de 60 e 70, o Estado brasileiro empolgou-se em dinamizar sua atividade empresarial, objetivando estar presente em áreas complementares às empresas originalmente criadas, assim surgiram os grandes grupos da Eletrobrás-1961 (holding do sistema federal de eletricidade); Sidebrás; Nuclebrás; Portobrás; Telebrás (Holding do Sistema de Telecomunicações), constando que, nesse período, segundo o SESI, mais de 300 empresas estatais teriam sido criadas.

Vale destacar que a construção de Brasília, à época do governo de Juscelino, esteve sob a responsabilidade de uma empresa pública, criada especialmente com esse objetivo, sob a forma de sociedade anônima, com capital subscrito pela União, a Companhia de Urbanização da Nova Capital do Brasil-Novacap.

Esse gigantismo do Estado brasileiro gerou um excessivo intervencionismo estatal que em muitos casos não está mais presente ou não se coaduna com o texto constitucional vigente. Assim, afora as hipóteses em que haja prestação de serviços públicos ou de exploração direta da atividade econômica para atender imperativos de segurança nacional ou relevante interesse coletivo, não pode mais existir empresas estatais.

Para se corrigir a anomalia do gigantismo do Estado, oriunda de uma política que lhe atribui o papel de condutor da economia, há várias propostas em debate no sentido de devolver à iniciativa privada este espaço, que, por sinal, lhe compete em um regime de normalidade, devendo o Estado retornar às suas funções típicas, especialmente no que concerne ao essencial, como a saúde pública, a segurança, a educação e o saneamento.

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Sobre o autor
Carlos Zahlouth Júnior

juiz do Trabalho em Belém (TRT da 8ª Região), vice-presidente da Amatra VIII, professor de Direito na UFPA e na UNAMA, pós-graduado em Processo Civil pela Universidade de Coimbra (Portugal)

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ZAHLOUTH JÚNIOR, Carlos. Aplicabilidade da Lei de Anistia: o caso Telepará. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 2, n. -2312, 3 mar. 1997. Disponível em: https://jus.com.br/pareceres/1963. Acesso em: 26 abr. 2024.

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