4. O Acesso à Justiça e os Princípios do Microssistema
Os princípios norteadores dos Juizados Especiais são decorrências lógicas do escopo de superação ao entrave ao acesso à justiça. São eles: oralidade, simplicidade, informalidade, economia processual e celeridade, consagrados no artigo 2º da Lei 9099/95.
Pode-se conceituar princípio como regra fundamental que deve ser observada e cumprida. O doutrinador Joel Dias Figueira Júnior assim conceitua: "princípios processuais são um complexo de todos os preceitos que originam, fundamentam e orientam o processo" 20.
Nesse sentido ainda importante elucidar que os princípios processuais dividem-se em informativos e gerais (ou fundamentais) O primeiro é aquele que representa o caráter do processo e tem como objetivo a pacificação social. O segundo, como o nome mesmo já diz (fundamentais), são aqueles previstos na Constituição Federal ou legislação ordinária, de forma implícita ou explícita, de forma que são indispensáveis para a fruição do processo, sendo que os princípios informativos não possuem esse caráter fundamental, e sim, apenas de informação e guia processual 21.
4.1. Oralidade
Quando se afirma que o processo se baseia no princípio da oralidade, quer-se dizer que ele é predominantemente oral e que procura afastar as notórias causas de lentidão do processo predominantemente escrito. Assim, significa a adoção de procedimento onde a forma oral é predominante sem eliminação do uso dos registros da escrita, já que isto seria impossível em qualquer procedimento da justiça, pela necessidade incontornável de documentar toda a marcha da causa em juízo.
O processo dominado pela oralidade funda-se em alguns sub-princípios como o do imediatismo, o da concentração, o da identidade física do juiz e o da irrecorribilidade das decisões interlocutórias, segundo a clássica lição de Chiovenda. É o conjunto desses critérios que, sendo adotados com prevalência sobre a pura manifestação escrita das partes e dos juízes, dá configuração ao processo oral.
Pelo imediatismo deve caber ao juiz a coleta direta das provas, em contato imediato com as partes, seus representantes, testemunhas e peritos.
A concentração exige que, na audiência, praticamente se resuma a atividade processual concentrando numa só sessão as etapas básicas da postulação, instrução e do julgamento, ou, pelo menos, que, havendo necessidade de mais de uma audiência, sejam elas realizadas em ocasiões próximas.
A identidade física do juiz preconiza que o juiz que colhe a prova deve ser o mesmo que decide a causa.
E, enfim, a irrecorribilidade tem a função de assegurar a rápida solução do litígio, sem a interrupção da marcha do processo por recursos contra as decisões interlocutórias.
4.2. Simplicidade
Este princípio se confunde um pouco com o princípio da informalidade orienta, que o processo deve ser simples, sem a complexidade exigida no procedimento comum. As causas complexas, não se recomenda, processá-las perante os Juizados Especiais Cíveis, considerando que as referidas causas, via de regra, exigem a realização de prova pericial 22, o que não é recomendado pelo procedimento, salvo quando o reclamante já adunar à inicial a prova técnica necessária para a comprovação de seu direito articulado na peça inaugural da ação.
Além disso, o princípio da simplicidade têm como objetivo maior a solução do litígio; assim, não importa a forma adotada para a prática do ato processual, desde que este atinja a sua finalidade e não gere qualquer tipo de prejuízo. Como exemplo, é válida a citação postal da pessoa jurídica, pela simples entrega da correspondência ao funcionário da recepção, enquanto pela regra comum do Código do Processo Civil –CPC- esta somente seria válida quando entregue à pessoa com poderes de gerência ou administração.
4.3. Informalidade
Os atos processuais são os mais informais possíveis, e, com base nesse princípio, admite-se a propositura da reclamação de forma oral, através de termo lavrado pelo cartório secretário, a presidência da audiência conciliatória por um conciliador, a presidência da audiência de instrução e julgamento por um juiz leigo, o qual proferirá sua decisão, a atribuição da capacidade postulatória sem assistência de advogado, quando o valor da causa for igual ou inferior a 20 salários mínimos.
4.4. Economia processual
O princípio da economia processual visa o máximo de resultados com o mínimo de esforço ou atividade processual, aproveitando-se os atos processuais praticados.
4.5. Celeridade
celeridade, no sentido de se realizar a prestação jurisdicional com rapidez e presteza, sem prejuízo da segurança da decisão. A preocupação do legislador com a celeridade processual é bastante compreensível, pois está intimamente ligada à própria razão da instituição dos órgãos especiais, criados como alternativa à problemática realidade dos órgãos da Justiça comum, entrevada por toda sorte de deficiências e imperfeições, que obstaculizam a boa fluência da jurisdição. A essência do processo especial reside na dinamização da prestação jurisdicional, daí por que todos os outros princípios informativos guardam estreita relação com a celeridade processual, que, em última análise, é objetivada como meta principal do processo especial, por representar o elemento que mais o diferencia do processo tradicional, aos olhos do jurisdicionado. A redução e simplificação dos atos e termos, a irrecorribilidade das decisões interlocutórias, a concentração dos atos, tudo, enfim, foi disciplinado com a intenção de imprimir maior celeridade ao processo.
5. Estrutura
Também a estrutura pelo qual o Juizado Especial foi criado se baseia na busca pela efetivação do acesso à justiça. Vejamos:
O microssistema consiste em três partes judiciárias: o juiz togado, o juiz leigo e o conciliador.
O juiz togado é o responsável pela unidade jurisdicional especial, dirigindo a tramitação dos feitos. É ele o principal responsável por zelar pelos princípios orientadores do microssistema, além de assegurar a igualdade de tratamento entre as partes, reprimir e prevenir atos contrários à boa fruição do processo e tentar a conciliação. Como, porém, as causas de competência da Justiça Especial são as denominadas de menor grau de complexidade, julgou-se desnecessário que o juiz togado estivesse presente em todos as ações, permitindo que as partes se sintam mais à vontade com a máquina Judiciária, como já analisamos no item 2.1
O juiz leigo é aquele que pode presidir a audiência de conciliação, porém sua maior atuação é na presidência de toda a fase instrutória da ação, para depois enviar recomendação de sentença ao juiz togado, para que este aprecie e dê sua decisão – de forma livre e desvinculada.
Os conciliadores são pessoas escolhidas para auxiliar as partes no processo, explicando as vantagens da conciliação e realizando-a de forma justa e equilibrada aos dois pólos da demandas. Conforme dita-nos a lei Especial, são escolhidos preferencialmente entre os bacharéis de Direito, haja vista que podem melhor auxiliar as partes sobre seus direitos e sobre os trâmites da Justiça. Sobre o assunto, disserta Carreira Alvim:
"Os conciliadores tem sido, de certa forma, prestigiados nos juizados especiais, mas não na pessoa dos bacharéis, e sim estudantes de Direito, que vem cumprindo satisfatoriamente a sua função; mormente porque esse trabalho conta com o estágio, indispensável para se tornarem advogados." 23.
Notas
PINTO, Oriana Piske Azevedo Magalhães. Artigo online Abordagem Histórica e Jurídica dos Juizados de Pequenas Causas aos Atuais Juizados Especiais Cíveis e Criminais Brasileiros. Acessado dia 27.05.2010. https://www.tjdft.jus.br/trib/bibli/docBibli/ideias/AborHistRicaJurDica.pdf.
CARNEIRO, Athos Gusmão. Juizados de Pequenas Causas: lei estadual receptiva. AJURIS, n. 33, mar. 85, p.7
CARNEIRO, Athos Gusmão. Juizados de Pequenas Causas: lei estadual receptiva. AJURIS, n. 33, mar. 85, p.3.
FRIGINI, Ronaldo. Comentários à Lei de Pequenas Causas.São Paulo: Livraria e Editora de Direito, 1995. p. 27.
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CARDOSO, Antônio Pessoa. A Conciliação nos Juizados Especiais. Revista dos Juizados de Pequenas Causas – Doutrina e Jurisprudência. Porto Alegre, n. 15, dez.1995, p. 43.
GRINOVER, Ada Pellegrini. Deformalização do processo e deformalização das controvérsias. Revista de Informação Legislativa, Brasília, n. 97, jan./mar./1988, p. 202.
Artigo 98, I, da Constituição Federal.
PINTO, Oriana Piske Azevedo Magalhães. Artigo online Abordagem Histórica e Jurídica dos Juizados de Pequenas Causas aos Atuais Juizados Especiais Cíveis e Criminais Brasileiros. Acessado dia 27.05.2010. https://www.tjdft.jus.br/trib/bibli/docBibli/ideias/AborHistRicaJurDica.pdf.
AMARO, Zoraide Sabaine dos Santos. Razoável Duração do Processo - Demora na Prestação Jurisdicional – Implicações à Violação aos Princípios Constitucionais. Artigo Online. Acessado dia 31/03/2011.
https://www.conpedi.org.br/manaus/arquivos/anais/bh/zoraide_sabaini_dos_santos_amaro.pdf
JUNIOR, Nelson Nery. Aspectos Polêmicos e Atuais dos Recursos Cíveis de Acordo com a Lei 10352/01. Revista dos Tribunais: São Paulo. 2002, p. 107.
JUNIOR, Nelson Nery. Aspectos Polêmicos e Atuais dos Recursos Cíveis de Acordo com a Lei 10352/01. Revista dos Tribunais: São Paulo. 2002, p. 108.
Idem. p. 109.
DINAMARCO. Cândido Rangel. A Instrumentalidade do Processo. 6.ed.rev. e atual. São Paulo: Malheiros, 1998. p. 129, v.1.
CAPPELLETTI, Mauro; GARTH, Bryan. Acesso à Justiça. Ellen Gracie Northfleet (trad). Porto Alegre: Antonio Fabris, 1988, p. 21.
BARBOSA, Vinícius Reis. Acesso à Justiça: Reflexões a Partir do Cotidiano no Juizado Especial Cível da Comarca de Franca/SP. TCC, 2007. p.78.
Segundo o IBGE, a taxa de escolaridade em 2009 para região Norte era de 39,1 e para a região Nordeste 39,2; em contrapartida, a taxa de escolaridade em 1999 para a região Sul era de 44,6, ou seja, a região Norte e Nordeste está, no mínimo, 10 anos atrasada quanto ao grau de escolaridade em relação às regiões mais desenvolvidas do País, o que obstaculiza o acesso à Justiça de forma igual nas regiões do Brasil, bem como a qualidade dos serviços prestados.
CAPPELLETTI. Mauro. Acesso à Justiça. Porto Alegre: Fabris, 1998. p. 23-24. Em: BARBOSA, Vinícius Reis. Acesso à Justiça: Reflexões a Partir do Cotidiano no Juizado Especial Cível da Comarca de Franca/SP. TCC, 2007. p.80.
SADEK. Maria T. O Sistema de Justiça. São Paulo: IDESP/Sumaré 1999. p. 13. Em: BARBOSA, Vinícius Reis. Acesso à Justiça: Reflexões a Partir do Cotidiano no Juizado Especial Cível da Comarca de Franca/SP. TCC, 2007. p.80.
WATANABE, Kazuo. Acesso à Justiça na Sociedade Moderna. In GRINOVER, Ada. Participação e Processo. São Paulo: Revista dos Tribunais: 1988, p. 36.
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JUNIOR. Joel Dias Figueira. Os Juizados Especiais Cíveis Estaduais e Federais. São Paulo: Revista dos Tribunais. 2006. p. 23.
Idem. p. 34.
Sobre a complexidade da causa fundada na prova pericial discutiremos em tópico apropriado.
Juizados especiais cíveis estaduais. 2.ed. Curitiba: Juruá, 2004. p. 38