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O juizado especial e a proposta de acesso à justiça

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28/08/2011 às 15:14
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4. O Acesso à Justiça e os Princípios do Microssistema

Os princípios norteadores dos Juizados Especiais são decorrências lógicas do escopo de superação ao entrave ao acesso à justiça. São eles: oralidade, simplicidade, informalidade, economia processual e celeridade, consagrados no artigo 2º da Lei 9099/95.

Pode-se conceituar princípio como regra fundamental que deve ser observada e cumprida. O doutrinador Joel Dias Figueira Júnior assim conceitua: "princípios processuais são um complexo de todos os preceitos que originam, fundamentam e orientam o processo" 20.

Nesse sentido ainda importante elucidar que os princípios processuais dividem-se em informativos e gerais (ou fundamentais) O primeiro é aquele que representa o caráter do processo e tem como objetivo a pacificação social. O segundo, como o nome mesmo já diz (fundamentais), são aqueles previstos na Constituição Federal ou legislação ordinária, de forma implícita ou explícita, de forma que são indispensáveis para a fruição do processo, sendo que os princípios informativos não possuem esse caráter fundamental, e sim, apenas de informação e guia processual 21.

4.1. Oralidade

Quando se afirma que o processo se baseia no princípio da oralidade, quer-se dizer que ele é predominantemente oral e que procura afastar as notórias causas de lentidão do processo predominantemente escrito. Assim, significa a adoção de procedimento onde a forma oral é predominante sem eliminação do uso dos registros da escrita, já que isto seria impossível em qualquer procedimento da justiça, pela necessidade incontornável de documentar toda a marcha da causa em juízo.

O processo dominado pela oralidade funda-se em alguns sub-princípios como o do imediatismo, o da concentração, o da identidade física do juiz e o da irrecorribilidade das decisões interlocutórias, segundo a clássica lição de Chiovenda. É o conjunto desses critérios que, sendo adotados com prevalência sobre a pura manifestação escrita das partes e dos juízes, dá configuração ao processo oral.

Pelo imediatismo deve caber ao juiz a coleta direta das provas, em contato imediato com as partes, seus representantes, testemunhas e peritos.

A concentração exige que, na audiência, praticamente se resuma a atividade processual concentrando numa só sessão as etapas básicas da postulação, instrução e do julgamento, ou, pelo menos, que, havendo necessidade de mais de uma audiência, sejam elas realizadas em ocasiões próximas.

A identidade física do juiz preconiza que o juiz que colhe a prova deve ser o mesmo que decide a causa.

E, enfim, a irrecorribilidade tem a função de assegurar a rápida solução do litígio, sem a interrupção da marcha do processo por recursos contra as decisões interlocutórias.

4.2. Simplicidade

Este princípio se confunde um pouco com o princípio da informalidade orienta, que o processo deve ser simples, sem a complexidade exigida no procedimento comum. As causas complexas, não se recomenda, processá-las perante os Juizados Especiais Cíveis, considerando que as referidas causas, via de regra, exigem a realização de prova pericial 22, o que não é recomendado pelo procedimento, salvo quando o reclamante já adunar à inicial a prova técnica necessária para a comprovação de seu direito articulado na peça inaugural da ação.

Além disso, o princípio da simplicidade têm como objetivo maior a solução do litígio; assim, não importa a forma adotada para a prática do ato processual, desde que este atinja a sua finalidade e não gere qualquer tipo de prejuízo. Como exemplo, é válida a citação postal da pessoa jurídica, pela simples entrega da correspondência ao funcionário da recepção, enquanto pela regra comum do Código do Processo Civil –CPC- esta somente seria válida quando entregue à pessoa com poderes de gerência ou administração.

4.3. Informalidade

Os atos processuais são os mais informais possíveis, e, com base nesse princípio, admite-se a propositura da reclamação de forma oral, através de termo lavrado pelo cartório secretário, a presidência da audiência conciliatória por um conciliador, a presidência da audiência de instrução e julgamento por um juiz leigo, o qual proferirá sua decisão, a atribuição da capacidade postulatória sem assistência de advogado, quando o valor da causa for igual ou inferior a 20 salários mínimos.

4.4. Economia processual

O princípio da economia processual visa o máximo de resultados com o mínimo de esforço ou atividade processual, aproveitando-se os atos processuais praticados.

4.5. Celeridade

celeridade, no sentido de se realizar a prestação jurisdicional com rapidez e presteza, sem prejuízo da segurança da decisão. A preocupação do legislador com a celeridade processual é bastante compreensível, pois está intimamente ligada à própria razão da instituição dos órgãos especiais, criados como alternativa à problemática realidade dos órgãos da Justiça comum, entrevada por toda sorte de deficiências e imperfeições, que obstaculizam a boa fluência da jurisdição. A essência do processo especial reside na dinamização da prestação jurisdicional, daí por que todos os outros princípios informativos guardam estreita relação com a celeridade processual, que, em última análise, é objetivada como meta principal do processo especial, por representar o elemento que mais o diferencia do processo tradicional, aos olhos do jurisdicionado. A redução e simplificação dos atos e termos, a irrecorribilidade das decisões interlocutórias, a concentração dos atos, tudo, enfim, foi disciplinado com a intenção de imprimir maior celeridade ao processo.


5. Estrutura

Também a estrutura pelo qual o Juizado Especial foi criado se baseia na busca pela efetivação do acesso à justiça. Vejamos:

O microssistema consiste em três partes judiciárias: o juiz togado, o juiz leigo e o conciliador.

O juiz togado é o responsável pela unidade jurisdicional especial, dirigindo a tramitação dos feitos. É ele o principal responsável por zelar pelos princípios orientadores do microssistema, além de assegurar a igualdade de tratamento entre as partes, reprimir e prevenir atos contrários à boa fruição do processo e tentar a conciliação. Como, porém, as causas de competência da Justiça Especial são as denominadas de menor grau de complexidade, julgou-se desnecessário que o juiz togado estivesse presente em todos as ações, permitindo que as partes se sintam mais à vontade com a máquina Judiciária, como já analisamos no item 2.1

O juiz leigo é aquele que pode presidir a audiência de conciliação, porém sua maior atuação é na presidência de toda a fase instrutória da ação, para depois enviar recomendação de sentença ao juiz togado, para que este aprecie e dê sua decisão – de forma livre e desvinculada.

Os conciliadores são pessoas escolhidas para auxiliar as partes no processo, explicando as vantagens da conciliação e realizando-a de forma justa e equilibrada aos dois pólos da demandas. Conforme dita-nos a lei Especial, são escolhidos preferencialmente entre os bacharéis de Direito, haja vista que podem melhor auxiliar as partes sobre seus direitos e sobre os trâmites da Justiça. Sobre o assunto, disserta Carreira Alvim:

"Os conciliadores tem sido, de certa forma, prestigiados nos juizados especiais, mas não na pessoa dos bacharéis, e sim estudantes de Direito, que vem cumprindo satisfatoriamente a sua função; mormente porque esse trabalho conta com o estágio, indispensável para se tornarem advogados." 23.


Notas

  1. PINTO, Oriana Piske Azevedo Magalhães. Artigo online Abordagem Histórica e Jurídica dos Juizados de Pequenas Causas aos Atuais Juizados Especiais Cíveis e Criminais Brasileiros. Acessado dia 27.05.2010. https://www.tjdft.jus.br/trib/bibli/docBibli/ideias/AborHistRicaJurDica.pdf.

  2. CARNEIRO, Athos Gusmão. Juizados de Pequenas Causas: lei estadual receptiva. AJURIS, n. 33, mar. 85, p.7

  3. CARNEIRO, Athos Gusmão. Juizados de Pequenas Causas: lei estadual receptiva. AJURIS, n. 33, mar. 85, p.3.

  4. FRIGINI, Ronaldo. Comentários à Lei de Pequenas Causas.São Paulo: Livraria e Editora de Direito, 1995. p. 27.

  5. CARDOSO, Antônio Pessoa. A Conciliação nos Juizados Especiais. Revista dos Juizados de Pequenas Causas – Doutrina e Jurisprudência. Porto Alegre, n. 15, dez.1995, p. 43.

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  6. GRINOVER, Ada Pellegrini. Deformalização do processo e deformalização das controvérsias. Revista de Informação Legislativa, Brasília, n. 97, jan./mar./1988, p. 202.

  7. Artigo 98, I, da Constituição Federal.

  8. PINTO, Oriana Piske Azevedo Magalhães. Artigo online Abordagem Histórica e Jurídica dos Juizados de Pequenas Causas aos Atuais Juizados Especiais Cíveis e Criminais Brasileiros. Acessado dia 27.05.2010. https://www.tjdft.jus.br/trib/bibli/docBibli/ideias/AborHistRicaJurDica.pdf.

  9. AMARO, Zoraide Sabaine dos Santos. Razoável Duração do Processo - Demora na Prestação Jurisdicional – Implicações à Violação aos Princípios Constitucionais. Artigo Online. Acessado dia 31/03/2011.

  10. https://www.conpedi.org.br/manaus/arquivos/anais/bh/zoraide_sabaini_dos_santos_amaro.pdf

  11. JUNIOR, Nelson Nery. Aspectos Polêmicos e Atuais dos Recursos Cíveis de Acordo com a Lei 10352/01. Revista dos Tribunais: São Paulo. 2002, p. 107.

  12. JUNIOR, Nelson Nery. Aspectos Polêmicos e Atuais dos Recursos Cíveis de Acordo com a Lei 10352/01. Revista dos Tribunais: São Paulo. 2002, p. 108.

  13. Idem. p. 109.

  14. DINAMARCO. Cândido Rangel. A Instrumentalidade do Processo. 6.ed.rev. e atual. São Paulo: Malheiros, 1998. p. 129, v.1.

  15. CAPPELLETTI, Mauro; GARTH, Bryan. Acesso à Justiça. Ellen Gracie Northfleet (trad). Porto Alegre: Antonio Fabris, 1988, p. 21.

  16. BARBOSA, Vinícius Reis. Acesso à Justiça: Reflexões a Partir do Cotidiano no Juizado Especial Cível da Comarca de Franca/SP. TCC, 2007. p.78.

  17. Segundo o IBGE, a taxa de escolaridade em 2009 para região Norte era de 39,1 e para a região Nordeste 39,2; em contrapartida, a taxa de escolaridade em 1999 para a região Sul era de 44,6, ou seja, a região Norte e Nordeste está, no mínimo, 10 anos atrasada quanto ao grau de escolaridade em relação às regiões mais desenvolvidas do País, o que obstaculiza o acesso à Justiça de forma igual nas regiões do Brasil, bem como a qualidade dos serviços prestados.

  18. CAPPELLETTI. Mauro. Acesso à Justiça. Porto Alegre: Fabris, 1998. p. 23-24. Em: BARBOSA, Vinícius Reis. Acesso à Justiça: Reflexões a Partir do Cotidiano no Juizado Especial Cível da Comarca de Franca/SP. TCC, 2007. p.80.

  19. SADEK. Maria T. O Sistema de Justiça. São Paulo: IDESP/Sumaré 1999. p. 13. Em: BARBOSA, Vinícius Reis. Acesso à Justiça: Reflexões a Partir do Cotidiano no Juizado Especial Cível da Comarca de Franca/SP. TCC, 2007. p.80.

  20. WATANABE, Kazuo. Acesso à Justiça na Sociedade Moderna. In GRINOVER, Ada. Participação e Processo. São Paulo: Revista dos Tribunais: 1988, p. 36.

  21. JUNIOR. Joel Dias Figueira. Os Juizados Especiais Cíveis Estaduais e Federais. São Paulo: Revista dos Tribunais. 2006. p. 23.

  22. Idem. p. 34.

  23. Sobre a complexidade da causa fundada na prova pericial discutiremos em tópico apropriado.

  24. Juizados especiais cíveis estaduais. 2.ed. Curitiba: Juruá, 2004. p. 38

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Sobre a autora
Tônia de Oliveira Barouche

Bacharel em Direito pela UNESP (Universidade Estadual Paulista Julio de Mesquita Filho). Pesquisadora FAPESP. Membro do Núcleo de Pesquisas em Direito Processual Civil e Comparado - NUPAD da UNESP. Advogada.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

BAROUCHE, Tônia Oliveira. O juizado especial e a proposta de acesso à justiça. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 16, n. 2979, 28 ago. 2011. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/19873. Acesso em: 5 dez. 2025.

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