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Jurisprudência defensiva: um combate a ser feito por todos

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O STF e o STJ, diante da impossibilidade humana de julgar de forma efetiva a grande quantidade de processos, passaram a adotar a chamada "jurisprudência defensiva" e barrar os recursos que soam de menor importância.

A "jurisprudência defensiva" vem ganhando força e volume nas Cortes Superiores do Brasil.

Já em 07 de abril de 2008, o Ministro do Superior Tribunal de Justiça, Humberto Gomes de Barros, em seu discurso de posse [01], expôs uma síntese da vida e do dilema da mencionada Corte.

Segundo consta na transcrição de sua fala, Humberto Gomes de Barros afirma que o Superior Tribunal de Justiça foi criado para "liberar" o Supremo Tribunal Federal e ser, então, o guardião da legislação infraconstitucional e tutor da segurança jurídica.

Aduziu que o objetivo inspirador do constituinte, ao criar o Superior Tribunal de Justiça, fora para assegurar o duplo grau de jurisdição no âmbito estadual – estados e regiões, sendo que seria levada à Corte Superior somente as causas de maior repercussão, sob as quais houvesse incerteza relativa à incidência ou interpretação da legislação federal.

No início, o Tribunal Superior de Justiça "abandonou velhas técnicas que dificultavam o conhecimento de recursos excepcionais. Mitigou a exigência de prequestionamento e outras dificuldades. Passou a resolver questões federais efetivamente relevantes. Desgraçadamente, a nova Corte foi vítima de fatal esquecimento. Tanto o Constituinte de 1988 quanto o Legislador ordinário esqueceram-se de imunizá-la contra velha endemia que aflige o Poder Judiciário brasileiro – o processualismo e a ineficácia das decisões judiciais.".

Nessa perspectiva, apresenta o Ministro que apesar das especificidades, os recursos especiais transformaram-se em verdadeiros recursos ordinários e, onde existiam 19.267 processos julgados em 1991, passaram a existir 330.257 no ano de 2006.

Dessa forma, "sufocado", o Superior Tribunal de Justiça mergulhou em um paradoxo semelhante ao do "patético Juca Mulato".

Isto é, no caso do Juca, o paradoxo foi: "Não amar é sofrer; amar é sofrer mais".

Em se tratando da Corte Superior de Justiça, o disparate foi: "Não julgar é justiça denegar; Julgar às pressas é arriscar E com a injustiça flertar.".

Conforme expôs o Ministro, com aumento substancial de feitos houve a intensificação dos julgamentos, o que por sua vez, aumentou a possibilidade de falhas, tornando insegura a jurisprudência.

Em meio a tudo isso, disse Humberto Gomes de Barros: "Preso a infernal dilema, vê-se (O Superior Tribunal de Justiça) na iminência de fazer uma de duas opções: – consolidar-se como líder e fiador da segurança jurídica, ou – transformar-se em reles terceira instância, com a única serventia de alongar o curso dos processos e dificultar ainda mais a prestação jurisdicional.".

Conclui o Ministro que o Superior Tribunal de Justiça mergulha na última opção.

Nesse panorama, o Ministro Humberto Gomes de Barros expôs que "para fugir a tão aviltante destino, adotou a denominada "jurisprudência defensiva", "consistente na criação de entraves e pretextos para impedir a chegada e o conhecimento dos recursos que lhe são dirigidos".

Eis o foco deste estudo.

Em vista do grande número de julgamentos levados a efeito ao Superior Tribunal de Justiça, sob o dilema acima exposto e a impossibilidade humana de se julgar de forma efetiva tais processos, a Corte Superior, assim como o Pretório Excelso, passaram a adotar a chamada "jurisprudência defensiva" e barrar os recursos que soam de menor importância.

Em aula inaugural da segunda turma do Curso de Especialização em Direito Processual Civil da PUC/SP, em convenio com a ESA/MS, a coordenadora da pós-graduação, Teresa Arruda Alvim Wambier, deixou clara sua preocupação com a chamada "jurisprudência defensiva", momento em que afirmou a necessidade do combatê-la.

Nessa oportunidade, Teresa Wambier expôs o exemplo em que a Corte Superior de Justiça do Brasil deixou de conhecer um recurso, pois, segundo seu entendimento, propostos embargos de declaração pela outra parte, mesmo que não conhecidos ou improvidos, haveria a parte inicialmente recorrente que reiterar seu recurso, isto é, apresentar uma nova petição informando o desejo de manutenção de sua insurgência.

Veja um dos julgados do Superior Tribunal de Justiça nesse sentido:

PROCESSO CIVIL. AGRAVO REGIMENTAL. RECURSO ESPECIAL. TEMPESTIVIDADE. O recurso especial interposto antes do julgamento dos embargos de declaração é intempestivo, devendo ser reiterado no prazo recursal. Agravo regimental não provido. (AgRg nos EREsp 755.271/DF, Rel. Ministro ARI PARGENDLER, CORTE ESPECIAL, julgado em 16/06/2010, DJe 10/08/2010)

Entenda, publicado o acórdão, podem as partes desde já apresentar recursos. Não há necessidade de se aguardar o prazo para propositura de embargos ou de qualquer insurgência da outra parte. Tão logo publicada a decisão, a parte sucumbente pode desde já apresentar o recurso, seja no primeiro ou no último dia do seu prazo.

Imagine-se que ambas as partes tenham sucumbido parcialmente. Caso uma delas apresente recurso especial e a outra, embargos de declaração, mesmo que este recurso não seja conhecido nem provido, a parte que apresentou o recurso especial necessariamente deverá (no entendimento esposado pelo STJ) reiterar sua insurgência.

Para Teresa Wambier não há razoabilidade em precedentes como esses. Tal pensamento mitiga postulados fundamentais do Estado Democrático de Direito.

Evidentemente, há razão na posição da jurista.

Perceba, o recurso especial foi apresentado tempestivamente, pois dentro dos quinze dias preceituados no art. 508 do Código de Processo Civil. Não há, em lugar algum do Código de Processo Civil, explicação ou legitimação para que se exija a reiteração do recurso outrora proposto, quando não há modificação no acórdão.

Imagine-se a surpresa ao jurisdicionando que, propôs seu recurso no tempo hábil, mas, por uma cultura de se obstar o conhecimento dos recursos, tem seu pleito não conhecido por não ter reiterado seu recurso contra uma decisão que se manteve intacta.

Desta forma, mesmo que os embargos declaratórios tenham o condão de interromper o prazo recursal, tendo em vista que o recurso da outra parte já fora proposto e, evidentemente, não existindo alteração no acórdão, efetivamente não há razão ou plausibilidade em se exigir que a parte reitere sua insurgência.

Pensar da maneira defendida pela jurista Teresa Arruda Alvim é tutelar a boa fé, a efetiva prestação jurisdicional, o dever de cooperação, o devido processo legal, a instrumentalidade das formas, além de proibir as chamadas decisões surpresas, fornecendo ao cidadão uma resposta eficaz do Poder Judiciário.

Outro exemplo de "jurisprudência defensiva" é deixar de se conhecer um recurso por que o preenchimento da guia de preparo foi feito de forma manual.

Veja o julgado neste sentido:

AGRAVO INTERNO NO RECURSO ESPECIAL. PROCESSUAL CIVIL. PREPARO. GUIA DE RECOLHIMENTO. ANOTAÇÕES FEITAS À MÃO. NECESSIDADE DE CONSTAR O NÚMERO DO PROCESSO NA ORIGEM. JURISPRUDÊNCIA DA CORTE ESPECIAL. 1. A eg. Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça orienta-se no sentido de que, "a partir da edição da Resolução n. 20/2004, além do recolhimento dos valores relativos ao porte de remessa e retorno em rede bancária, mediante preenchimento da Guia de Recolhimento da União (GRU) ou de Documento de Arrecadação de Receitas Federais (DARF), com a anotação do respectivo código de receita e a juntada do comprovante nos autos, passou a ser necessária a indicação do número do processo respectivo" (AgRg no REsp 924.942/SP, de relatoria do e. Ministro MAURO CAMPBELL MARQUES, julgado na sessão de 3/2/2010 e publicado no DJe de 18/3/2010). 2. Com isto, ficou consolidado, no âmbito deste STJ, o entendimento de que, em qualquer hipótese, a ausência do preenchimento do número do processo na guia de recolhimento macula a regularidade do preparo recursal, inexistindo em tal orientação jurisprudencial qualquer violação a princípios constitucionais relacionados à legalidade (CF, art. 5º, II), ao devido processo legal e seus consectários (CF, arts. 5º, incs. XXXV e LIV, e 93, IX) e à proporcionalidade (CF, art. 5º, § 2º). Ressalva do entendimento pessoal deste Relator, conforme voto vencido proferido no julgamento do AgRg no REsp 853.487/RJ. 3. Na hipótese em exame, a guia de recolhimento do preparo do recurso especial não foi devidamente preenchida com a correta indicação do número do processo junto ao Tribunal de origem. Portanto, é forçoso reconhecer a inviabilidade de conhecimento do apelo especial. 4. As anotações feitas à mão na respectiva guia de recolhimento não podem ser consideradas, não sendo aptas a demonstrar a regularidade do preparo. Precedentes. 5. Agravo interno a que se nega provimento. (AgRg no REsp 1105229/MG, Rel. Ministro RAUL ARAÚJO, QUARTA TURMA, julgado em 03/03/2011, DJe 18/03/2011)

Ora, não há razoabilidade nesse tipo de precedente. Nem se diga nos precedentes em que se constatam meros equívocos na indicação dos códigos, principalmente os complicados códigos da Receita Federal.

Não se pode barrar um recurso por conta disso.

Argumenta-se que há risco de lesão ao fisco, pois as anotações manuais podem ter sido burladas pelos causídicos.

Ora, com o máximo respeito, isso é "fumaça" para esconder a verdadeira intenção das Cortes Superiores, qual seja: diminuir o número de recursos a ser julgado.

A boa fé do advogado e das partes deve ser presumida e, noutro passo, a má fé tem que, necessariamente, ser comprovada. Caso haja dúvida, que seja compelido ao advogado que apresente outra guia, comprovante de depósito, extrato da conta; enfim, o que não se pode aceitar é o não conhecimento do recurso e a resolução do conflito.

A cultura da "jurisprudência defensiva" causa perplexidade e frustração ao jurisdicionando, além de deixar em maus lençóis os advogados que, por medo de não ter seus recursos conhecidos, acabam por exceder-se em diversas hipóteses, como quando extraem cópia integral dos autos para não terem risco de não conhecimento do agravo, entre outros.

O caminho que se está tomando não é o correto.

O Advogado Geral da União, Ministro Luis Inácio Lucena Adams [02], em entrevista ao site do planalto, deixa a seguinte indagação: "É importante estudar as consequências da jurisprudência defensiva. Será que ela de fato reduz a litigiosidade? Não é mais eficiente conhecer mais recursos, julgar mais questões de mérito, do que não conhecer e, portanto, não resolver os problemas?".

A "jurisprudência defensiva" não diminui a litigiosidade, mas causa perplexidade e frustração ao jurisdicionando que não sabe e nem saberá se efetivamente possui ou não direito.

Não bastasse, o aumento da litigiosidade não pode ser visto somente sob enfoque negativo. Ao revés, isso é sinal de que o brasileiro está amadurecendo e enfim busca seus direitos.

Àqueles que não conheciam nem de ouvir um Fórum, hoje, postulam nos Juizados Especiais. Isso não é ruim, mas sim evidência do amadurecimento da democracia e da busca pela efetividade dos direitos.

Nesse passo, não pode e não deve o Poder Judiciário fechar as portas aos jurisdicionando sob argumentos frágeis de que uma guia não foi preenchida corretamente.

Deve o Poder Judiciário investir em tecnologia, mão de obra qualificada, campanhas preventivas e aumento nos movimentos conciliatórios o que, diga-se de passagem, vem sendo feito com grande sucesso.

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O Estado, recordista em litígios, deve repensar seu modo de agir. A começar pela discutível necessidade do recurso de ofício deve ser repensada.

Ainda, há que se fortalecer a jurisprudência e a tutela coletiva. As demandas de massa devem ser julgadas de forma uníssona, para que, uma vez pacificada a questão, exista calmaria na jurisprudência.

O Projeto de Lei 8.046/2010 (Projeto do novo Código de Processo Civil), em trâmite na Câmara dos Deputados, dá sinais de estar em compasso com o aqui defendido.

O Projeto contempla o princípio da cooperação (art. 5º do PL 8.046/10), bem como explicita que a insuficiência do preparo não ensejará deserção, caso o recorrente a supra no prazo de cinco dias (art. 961, I, do Projeto), o preenchimento equivocado da guia não resultará em deserção, podendo o relator intimar a parte para esclarecer o caso (art. 961, §2º, do Projeto) e a falta de peça obrigatória não comportará na não admissão do agravo, caso o recorrente intimado, supra a falta no prazo de cinco dias (art. 971, §3º, do Projeto).

Ainda, há no projeto a sucumbência por etapa, isto é, vencido em primeira e segunda instância, haverá duas sucumbências o que, efetivamente, desestimula a proliferação de recursos infundados e, isso sim, diminui a litigiosidade infundada.

A questão atinente à má fé processual deve ser rigorosamente aplicada pelos magistrados, claro que sem excessos. Isso desestimula a realização de atos atentatórios à efetividade do processo.

Deve-se prevenir a litigiosidade em massa, com campanhas educativas com as empresas de grande porte, uma fiscalização preventiva estatal para impedir práticas abusivas por parte das grandes empresas. Isso fulmina a litigiosidade.

Há quem diga que ainda devem ser melhoradas algumas coisas.

Veja a posição de Luiz Guilherme Marinoni e Daniel Mitidiero [03]: "A rigor, o art. 920 (agora 961) é parcialmente contrário ao cariz cooperativo do processo civil do Estado Constitucional. Se a insuficiência de preparo dá lugar à possibilidade de sua complementação (art. 920, II) (agora 961, I), não há razão para que a inexistência de preparo não dê lugar a idêntica providência.".

Ainda, complementam os juristas: "Como já observamos, ‘em uma estrutura de processo civil regido pela ideia de colaboração, jamais a ausência de preparo pode levar à deserção do recurso e conseguinte inadmissibilidade sem que o órgão jurisdicional, previamente, intime a parte para efetivação do depósito correspondente.".

Com efeito, é de se dar razão aos pensadores. No Processo Civil Constitucional, em um Estado Democrático de Direito, não há mais espaço para entraves formais e burocráticos. Deve-se visar e buscar o julgamento do mérito; a resposta ao jurisdicionando.

É necessário haver preocupação com o mérito, com o bem da vida. O princípio da instrumentalidade das formas deve ser levado a efeito de modo efetivo. O processo e o procedimento devem ser meios para que se tutele e se responda sobre a pretensão dos litigantes, sobre o mérito da demanda.

Deve-se responder ao jurisdicionando se há ou não direito e razão em seu pleito.

Não basta a resposta de que seu pedido não foi analisado por um entrave formal ou burocrático.

Desta forma, a "jurisprudência defensiva" é um mal ao Estado Democrático de Direito e à efetividade da justiça, de forma que sua aplicação mitiga sobremaneira os direitos fundamentais acima expostos, sobretudo, de uma resposta efetiva do Poder Judiciário.

Os entraves à admissão dos recursos não é a solução para celeridade processual.

Deve-se primar pela justiça, pela resolução dos conflitos e efetivação dos direitos, pela cooperação, pela instrumentalidade das formas.

A solução para o enxugamento dos tribunais não está na jurisprudência defensiva, mas na coibição à má fé processual, à procrastinação do processo, na concessão de efetividade nas sentenças, na estruturação do Poder Judiciário, no investimento em campanhas conciliatórias e preventivas, no aumento da efetividade das tutelas coletivas, entre outros.

Enfim, a "jurisprudência defensiva" não é solução, mas um mal e, como todo mal, deve ser combatido até que seja extirpado do cenário jurídico brasileiro.


Notas

  1. http://www.stj.gov.br/portal_stj/publicacao/engine.wsp?tmp.area=551&tmp.texto=87057. Acesso em 25 de ago. de 2011.
  2. http://www4.planalto.gov.br/centrodeestudos/galeria-de-fotos/arquivos-importados/entrevista-com-o-advogado-geral-da-uniao-ministro-luis-inacio-lucena-adams).
  3. O Projeto do CPC. Críticas e propostas. 2ª Triagem. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2010. p. 181.
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Sobre o autor
Luiz Felipe Ferreira dos Santos

Advogado. Sócio do Escritório Souza, Ferreira e Novaes. Mestre em Sistema Constitucional de Garantia de Direitos mantido pela Instituição Toledo de Ensino - ITE/Bauru e integrante do Grupo de Pesquisa “Tutela Efetiva de Direitos Coletivos” liderado pelo Professor Pós-Doutor Rui Carvalho Piva no Programa de Pós-Graduação Stricto Sensu do Centro Universitário de Bauru/SP mantido pela Instituição Toledo de Ensino. Pós Graduado em Direito Processual Civil pela PUC/SP. Pós Graduado em Direito Civil e Direito Processual Civil pela Faculdade Prof. Damásio de Jesus. Graduado em Direito pela Universidade para o Desenvolvimento do Estado e da Região do Pantanal.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SANTOS, Luiz Felipe Ferreira. Jurisprudência defensiva: um combate a ser feito por todos. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 16, n. 2983, 1 set. 2011. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/19900. Acesso em: 22 dez. 2024.

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