A cobrança de dívida contra a Fazenda Pública: União, Estado e Município é comparável a uma terrível dor-de-cabeça para todos os envolvidos: o credor pela demora em receber; o devedor pela própria cobrança e, o magistrado, por não dispor de meios ágeis e eficazes para resolver a pendência.
Essa questão sofre um agravamento para o credor pelo fato de o que pretende receber refere-se a salário, o seu ganha-pão, a contraprestação pelo suor gasto em proveito do seu empregador. A quantia cobrada possui então o qualificativo de crédito alimentar, merecendo tratamento diverso do crédito comum. Com idêntico fundamento, estando no mesmo patamar de relevância, têm-se, a exemplo, os créditos relativos aos benefícios devidos pela Previdência Social (o INSS): aposentadoria, auxílio-acidente, auxílio-maternidade, pensão por morte, etc.
A novidade é que a Constituição Federal, em razão da Emenda Constitucional nº 30, de 13.09.00, agora determina que os créditos considerados de pequeno valor podem ser cobrados sem o uso do famigerado precatório. Vale dizer: não é mais necessário requerer a inclusão do débito no orçamento do ente público para ser pago até o final do ano seguinte. Só aqui são 2 (dois) anos a menos de espera.
O que vem a ser a "obrigação de pequeno valor" para o fim de cobrança do crédito previdenciário foi recentemente definido através da Lei nº 10.099, de 19.12.00, quando disse já no seu cabeçalho (ementa): "Altera a Lei nº 8.213, de 24 de julho de 1991, regulamentando o disposto no § 3º do art. 100 da Constituição Federal, definindo obrigações de pequeno valor para a Previdência Social". Fez constar agora no art. 128 da Lei nº 8.213, de 24.07.91, que as demandas judiciais que tiverem por objeto o reajuste ou a concessão de benefícios regulados nesta lei cujos valores não forem superiores a R$ 5.180,25 (cinco mil, cento e oitenta reais e vinte e cinco centavos) poderão ser quitados sem a necessidade da expedição de precatório.
Entendo que é possível também cobrar os créditos trabalhistas nos mesmos moldes do previdenciário, sem o precatório.
Não é novidade que na ausência de norma específica o julgador está autorizado legalmente (LICC, art. 4º) a socorrer-se de outra regra legal análoga, semelhante. Isso porque fatos da mesma natureza reclamam igual tratamento. Como exemplo citamos o caso dos digitadores. Utilizam computadores e não máquinas de datilografar. Não são, tecnicamente falando, datilógrafos porém as atividades em questão têm a mesma natureza, razão pela qual é aplicado analogicamente ao digitador a regra do art. 72, da CLT - Decreto-Lei nº 5.452, de 1º.05.1943 - que fala do período de repouso de 10 minutos a cada 90 minutos de trabalho consecutivo para os que labutam com "datilografia, escrituração ou cálculo" (Súmula 346 do TST).
Devemos ver também que a Emenda constitucional nº 30, de 13.09.2000, declarou que o crédito trabalhista, portanto o relativo a salário "e suas complementações", e o previdenciário têm a mesma natureza alimentícia, senão vejamos: "§ 1º-A Os débitos de natureza alimentícia compreendem aqueles decorrentes de salários, vencimentos, proventos, pensões e suas complementações, benefícios previdenciários e indenizações por morte ou invalidez, fundadas na responsabilidade civil, em virtude de sentença transitada em julgado.".
Por conseguinte, é legal e necessária, antes de tudo, a aplicação analógica da Lei nº 10.099, de 19.12.00, para o fim de cobrar o crédito trabalhista de pequeno valor. É questão de sobrevivência do próprio exeqüente. O crédito previdenciário não é mais alimentar que o trabalhista. Para ser beneficiado pela execução direta o credor deve preencher o seguinte requisito: ter a seu favor uma sentença transitada em julgado (que não caiba mais recurso), cujos valores pecuniários dela resultante não seja superior a R$ 5.180,25 (cinco mil, cento e oitenta reais e vinte e cinco centavos).
Nessa linha de raciocínio é pertinente esclarecer que os servidores públicos ativos (que recebem vencimentos) e inativos (proventos), além dos beneficiados por pensões e suas complementações podem requerer o mesmo tratamento: execução direta do crédito, sem precatório. Porém, o requerimento deve ser efetuado na esfera competente: Justiça Federal, para o servidor público federal e para as questões relativas a previdência; junto a Justiça Comum, no caso do servidor público estadual ou municipal, quando a sua relação com o ente público não for regida pela Consolidação das Leis do Trabalho – CLT.
Não há problema em relação à lei de Responsabilidade Fiscal (Lei Complementar nº 101, de 04.05.2000). A determinação de que os gastos a serem realizados pela administração pública devem obedecer rigidamente o estabelecido no orçamento não é novidade. Não preciso me alongar na argumentação para afastar a tese de que a determinação dirigida ao administrador público para efetuar o pagamento da dívida de forma direta, bem como o próprio ato de pagar em atenção à ordem judicial, ou ainda o seqüestro da Consta Única são ilegais. Entendo bastar o fato de a execução direta contra a fazenda pública ser inovação de ordem constitucional e com vigência posterior à referida lei. A boa doutrina indica que a legislação infra-constitucional – portanto de hierarquia inferior à Constituição Federal - deve guardar compatibilidade com aquela de ordem superior, sob pena de não gerar efeitos, em razão de inconstitucionalidade
Por fim, se não achamos a cura para a dor-de-cabeça que é a execução contra a Fazenda Pública, pelo menos a rebaixamos para uma simples enxaqueca, mais suportável.