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Medidas provisórias e PEC nº 11/2011.

O fim dos "enxertos" no processo legislativo?

05/09/2011 às 13:38
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O projeto proíbe a inclusão de matérias diferentes tanto na medida provisória como no projeto de lei de conversão, sendo que, obrigatoriamente, não poderão conter temas sem afinidade, pertinência ou conexão com o assunto principal.

Desde que foram inseridas no ordenamento jurídico brasileiro, no artigo 62 da Constituição da República de 1988, as medidas provisórias se revelaram controvertidas.

Após anos de desenfreadas edições, a Emenda Constitucional nº 32, de 2001, surgiu como uma resposta, dentre outros, aos problemas resultantes das infindáveis reedições. Na alteração do rito foi imposta vedação à reedição com a determinação de que se não forem convertidas em lei no prazo de sessenta dias, prorrogável uma vez por igual período, as medidas provisórias perderão a eficácia desde a edição.

Dez anos depois da promulgação da emenda constitucional, atualmente tramita no Senado Federal a Proposta de Emenda Constitucional nº 11/2011, que mais uma vez altera o rito de tramitação das medidas provisórias no Congresso Nacional.

O texto final da PEC ainda não foi aprovado no Senado Federal, mas um dos pontos polêmicos é a proibição de inclusão de matérias diferentes tanto na medida provisória como no projeto de lei de conversão, sendo que, obrigatoriamente, não poderão conter temas sem afinidade, pertinência ou conexão com o assunto principal.

A discussão acerca desta unicidade temática trouxe a minha lembrança os fenômenos na reedição. Explico: antes da promulgação da emenda constitucional, tive a oportunidade de estudar e relatar o que denominei de "fenômenos na reedição" [01].

Naquela oportunidade, retratei as diferenças entre a previsão contida no originário artigo 62, da CF, e a prática efetivamente existente, mediante acompanhamento da evolução das reedições com descrição e análise de patologias como a reedição com alteração no texto das medidas provisórias (intra-reedições) e a migração no texto das medidas provisórias (inter-reedições).

A reedição das medidas provisórias com alteração no texto conduzia adições ou supressões na seqüência de reedições da medida provisória, ou seja, uma mesma medida provisória mês após mês trazia disposições diferentes, produzindo incerteza e efeitos complexos nas discussões sobre a eficácia normativa, pois os destinatários da norma tinham de ficar atentos a cada mês no intuito de saber o que de fato vigora.

Quanto à migração, poderia ocorrer tanto na forma de fusão quanto de cisão. Naquela, o texto de duas cadeias de medidas provisórias originais migrava para apenas uma posterior a elas. Assim, as duas cadeias anteriores deixavam de existir a partir data da publicação da medida provisória fundida, restando no ordenamento jurídico apenas a última que geralmente ainda convalidava os atos praticados com base nas anteriores. Já a cisão das medidas provisórias adotava o caminho oposto: a medida provisória se dividia em duas que passavam a regular os dispositivos constantes na originária.

Não era permitido, pelo texto constitucional, que a medida provisória sofresse alterações de uma reedição para outra. Fato é que estes "fenômenos na reedição" desafiavam uma sensata compreensão acerca das medidas provisórias, uma vez que disponibilizavam ao Presidente da República o poder de alterar uma medida provisória de uma edição para outra, causando o caos legislativo e a total insegurança jurídica sobre a norma a ser aplicada.

A situação atual é diversa, pois com a vedação à reedição de medida provisória (artigo 62, §§ 3º e 7º, da CF, na redação dada pela EC nº 32/2001) o Presidente da República não altera o texto mês a mês.

No entanto, a intenção de novamente modificar a Constituição para inserir expressa proibição à diversidade temática nas medidas provisórias e também no PLV (projeto com alterações na redação da medida provisória que tramita no Congresso Nacional) evidencia que o "enxerto" feito para alocar vários temas numa mesma medida provisória é prática recorrente promovida no Congresso Nacional.

Exemplo recente é a criação do Regime Diferenciado de Contratações Públicas (RDC) nas licitações para obras dos eventos esportivos internacionais (Copa do Mundo e Olimpíadas) que serão sediados no País, aprovado recentemente, em 15 de junho, no Plenário da Câmara dos Deputados, na forma do Projeto de Lei de Conversão da Medida Provisória nº 527/2011.

Os dispositivos referentes ao RDC foram "enxertados" em medida provisória que tratava originariamente apenas sobre a organização da Presidência da República e dos Ministérios, criação da Secretaria de Aviação Civil e alteração da legislação da Agência Nacional de Aviação Civil - ANAC e da Empresa Brasileira de Infraestrutura Aeroportuária - INFRAERO.

Curiosamente, a inserção dos novos dispositivos decorreu da impossibilidade da matéria ter sido aprovada em medidas provisórias anteriores.

Na verdade, as regras para licitações foram incluídas na Medida Provisória nº 527 depois de quatro tentativas anteriores. O RDC pegou "carona" na tramitação da MP 498/2010, 503/2010, 510/2010 e 521/2010, mas as medidas provisórias perderam a validade por não terem sido aprovadas no prazo constitucional.

Em relação à última (MP 521/2010), o parecer apresentado no Plenário da Câmara dos Deputados, em 4 de maio de 2011, pela relatora designada (Deputada Jandira Feghali) justificou a inserção da seguinte forma: "em relação aos novos dispositivos acrescentados ao Projeto de Lei de Conversão, por esta relatoria, ressalto que os mesmos trazem de volta à apreciação deste Plenário regras para um Regime Diferenciado de Contratações. A matéria, constante originariamente na Medida Provisória 489/2010 restou prejudicada pelo calendário eleitoral, tornando-se indispensável sua inclusão em nova MP".

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Acrescentou ainda: "Durante a tramitação da MP 503/10 o relator voltou ao tema, mas, pela complexidade da matéria, foi fechado um acordo entre os líderes para que retornasse em outra MP, motivo pelo qual reapresento o conteúdo do texto com inovações, fruto de debates com o Tribunal de Contas da União e Ministérios envolvidos, e que, com a devida antecedência, foi distribuído aos líderes partidários. O debate amadureceu o texto inicialmente apresentado tornando-o mais claro em relação às normas de fiscalização e à publicidade necessária ao procedimento licitatório".

Quando da votação da MP 521/2010, o parecer sobre o projeto de lei de conversão foi reformulado e as novas disposições foram excluídas da redação final do projeto votado pela Câmara dos Deputados.

É interessante destacar que o "enxerto" foi feito no projeto de lei de conversão para incluir matéria que declaradamente não constava originariamente nem tinha com ela qualquer relação de pertinência temática e que foi levada à discussão no Plenário várias vezes até ser finalmente aprovada. De fato, a facilidade de pegar "carona" na votação de medidas provisórias já em tramitação, permitiu que os dispositivos fossem recusados pelo Plenário (no caso da MP 521/10) e posteriormente aprovados em outra medida provisória (MP 527/2011) em um lapso temporal de pouco mais de um mês.

O caso se torna emblemático para retratar a diversidade e indisfarçável juízo de conveniência e oportunismo impingidos no rito da medida provisória não apenas pelo Presidente da República, mas pelo próprio Congresso Nacional.

É certo que as emendas ao texto podem acontecer, mas emendas estranhas ao núcleo material das medidas provisórias evidenciam um desvirtuamento do processo legislativo constitucional.

A pergunta é: a quem interessa a manter o atropelo no processo legislativo de um instrumento que, em tese, deveria ser lançado mão apenas em casos de relevância e urgência?

Lembre-se que a medida provisória não é mero projeto de lei. Ao contrário, ingressa no nosso ordenamento jurídico com força de lei, tendo efeitos imediatos e, por conseqüência, nem tudo pode ser incluído sem que se leve a efeito a discussão necessária.

Não apenas a observância ao processo legislativo é requisito essencial ao Estado Democrático de Direito, como também o cidadão não deve ser privado de saber exatamente quais são as disposições efetivamente encartadas pela norma para preservação da transparência e segurança jurídica.


Notas

01 MASSUDA, Janine Malta. Medidas provisórias: os fenômenos na reedição. Sergio Antonio Fabris Editor, Porto Alegre: 2001.

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Sobre a autora
Janine Malta Massuda

Advogada em Brasília. Mestre em Direito e Estado pela Universidade de Brasília - UnB

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MASSUDA, Janine Malta. Medidas provisórias e PEC nº 11/2011.: O fim dos "enxertos" no processo legislativo?. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 16, n. 2987, 5 set. 2011. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/19928. Acesso em: 2 nov. 2024.

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