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Da responsabilidade do engenheiro subscritor de ART em atividades de queima de palha de cana-de-açúcar

20/09/2011 às 14:38
Leia nesta página:

O profissional responsável por processos de queima de cana-de-açúcar e prevenção de incêndios deve atender aos preceitos legais referentes a tal atividade, bem como é vinculado ao dever funcional de lavrar Anotação de Responsabilidade Técnica de todos os atos que praticar.

Nos termos do artigo 8° da Lei Federal n° 5.194/66, que regula o exercício das profissões de engenheiro, arquiteto e engenheiro agrônomo, tais atividades são de responsabilidade de pessoas físicas ou jurídicas devidamente registradas no Conselho Regional de Engenharia, Arquitetura e Agronomia – CREA de seus respectivos Estados.

Para que tais atividades ocorram de forma regular, a Lei Federal n° 6.496/77, que institui a Anotação de Responsabilidade Técnica – ART na prestação de serviços de engenharia, arquitetura e agronomia, determina, em seu artigo 1°, que:

Art. 1° - Todo contrato, escrito ou verbal, para a execução de obras ou prestação de quaisquer serviços profissionais referentes à Engenharia, à Arquitetura e à Agronomia fica sujeito à Anotação de Responsabilidade Técnica.

A ART, portanto, tem como finalidade primordial estabelecer, para todos os efeitos legais, quem é o técnico responsável por determinadas obras ou serviços [01]. Sua validade tem início logo que a anotação é levada a registro junto ao CREA, devidamente preenchida e assinada pelo profissional por ela encarregado.

Caso a atividade englobe funções alheias ao campo da engenharia, arquitetura ou engenharia agrônoma, ou quando houver co-autoria ou co-responsabilidade entre mais de um profissional, a ART deverá se desdobrar em tantos formulários quanto forem os envolvidos, nos termos do artigo 2°, parágrafo 1°, da Resolução CONFEA n° 425/98.

O que se tem, num primeiro momento, é que a atividade de engenheiro agrônomo/ambiental responsável por plano de prevenção de incêndios e processos de queima na colheita da cana-de-açúcar exige lavratura de ART, que enseja ao profissional dever de obedecer a todas as normas técnicas e especificações legais e práticas pertinentes.

Tratando-se de obra ou serviço inserto no Estado de São Paulo, cumpre ao profissional observar também a Lei Estadual n° 11.241/2002, que dispõe sobre a eliminação gradativa da queima de palha de cana-de-açúcar.

Referida Lei apresenta diversos requisitos que devem ser atendidos pelas empresas que adotam a queima como prática de colheita – e que, por conseguinte, deverão, quando efetuados por engenheiro, ser registrados na Anotação de Responsabilidade Técnica e observados quando da aplicação no campo.

Dentre eles, vale mencionar a redução gradativa das áreas de queima (artigo 2°), a limitação de distância do fogo para áreas de risco ao meio ambiente, comunidades ou outros empreendimentos (artigo 4°), o procedimento de autorização da queima e os requisitos para, finalmente, realizar a atividade (ambos regulamentados pelo artigo 5° e seguintes).

Note que, em que pese a Lei paulista não apontar expressamente a necessidade de apresentação da ART no plano de queima de cana-de-açúcar, a elaboração de tal documento não pode ser olvidada, visto que é dever funcional do engenheiro, passível de punição nos termos da Lei Federal n° 6.496/77:

Art. 3° - A falta de ART sujeitará o profissional ou a empresa à multa prevista na alínea ‘a’ do art. 73 da Lei n° 5.194, de 24 de dezembro de 1966, e demais cominações legais.

Além disso, a atividade em questão imputa ao engenheiro risco de responsabilização civil, criminal e administrativa – sem prejuízo de uma eventual responsabilização ética, instituída pela Resolução CONFEA n° 1.002/2002.

Segundo a Consituição Federal brasileira:

Art. 225 – Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações.

§3° - As condutas e atividades consideradas lesivas ao meio ambiente sujeitarão os infratores, pessoas físicas ou jurídicas, a sanções penais e administrativas, independente da obrigação de reparar os danos causados.

Sobre a responsabilidade civil de reparação do dano ambiental, o texto constitucional é repetido pelo parágrafo 1° do artigo 14 da Lei n° 6.938/81 (Política Nacional do Meio Ambiente), acrescido do caráter objetivo, ao asseverar que tal reparação ocorre independentemente da existência de culpa.

Significa que a simples ocorrência do dano ambiental – risco este permanente em processos de queima de cana-de-açúcar – gera o dever de reparação, ainda que não haja culpa por parte do autor.

Referido instituto reparatório encontra guarida no Código Civil:

Art. 927 – Aquele que, por ato ilícito, causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo.

Parágrafo único – Haverá obrigação de reparar o dano, independentemente de culpa, nos casos especificados em lei, ou quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, riscos para o direito de outrem.

Sobre as sanções criminais e administrativas, importante ressaltar a responsabilidaden solidária, preconizada pelo Código Florestal (Lei Federal n° 4.771/65, artigo 29), pela qual as penalidades incidem tanto sobre autores diretos do ato lesivo, quanto sobre diretores, arrendatários, proprietários ou a própria pessoa jurídica, quando o dano ambiental decorrer de atitude de prepostos ou funcionários em suas atividades normais.

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Assim, podem todos os envolvidos – pessoas físicas ou jurídicas, diretores ou prepostos – responder conjuntamente, na medida de suas culpabilidades, de forma solidária, pelo prejuízo coletivo oriundo do dano ambiental, sem prejuízo de uma eventual responsabilização individual de qualquer dessas partes.

Responsabilidade penal aparece quando o evento lesivo ao meio ambiente for considerado crime, normalmente tipificado na Lei de Crimes Ambientais (Lei Federal n°9.605/98) ou outras normas estaduais correlatas.

A prática de queima para colheita de cana-de-açúcar normalmente leva, ainda que por ação de terceiros ou fatores naturais como mudanças bruscas de vento, seus autores a condutas tipificadas como destruição de área de preservação permanente, destruição de vegetação em estágio de regeneração ou incêndio em área de mata ou floresta [02], todos punidos com pena de reclusão e multa.

A Lei de Crimes Ambientais regulamenta também as infrações administrativas ao meio ambiente, assim considerados os eventos que violem as regras jurídicas de uso, gozo, promoção, proteção e recuperação do meio ambiente (artigo 70).

Referido conceito é regulamentado pelo Decreto Federal n° 6.514/08, que dispõe sobre as infrações e sanções administrativas ao meio ambiente. E é exatamente o atigo 43 de tal Decreto, cuja pena é de multa calculada por hectare atingido, que normalmente configura as infrações decorrentes da queima de cana-de-açúcar:

Art. 43 – Destruir ou danificar florestas ou demais formas de vegetação natural, em qualquer estágio sucessional, ou utilizá-las com infringência das normas de proteção em área considerada de preservação permanente, sem autorização do órgão competente ou em desacordo com a obtida.

Vale apenas ressalvar que a boa prática de profissionais a cargo de pessoas jurídicas, no exercício normal e regular de suas funções, não tende a ser imputada por danos ambientais, nas esferas cível, criminal e administrativa, de maneira individual.

É o que vem consagrando a atual prática administrativa e judicial brasileira, fazendo com que esmpresas, hipersuficientes frente a seus contratados, sejam inicialmente responsabilizadas.

Por fim, a responsabilidade ética, instituída pela Resolução CONFEA n° 1.002/2000, preconiza, em seu artigo 8°, inciso IV, pelo cumprimento responsável e competente dos compromissos profissionais, por meio do uso de tecnicas responsáveis, produtos e serviços de qualidade e procedimentos que atendam a todas as normas e leis e sejam seguros na implementação.

O desrespeito a tal preceito constitui conduta vedada aos profissionais de engenharia, arquitetura e engenharia agrônoma, e podem ser averiguados em processo disciplinar, sempre instaurado e conduzido pelas entidades regulamentadoras de tais atividades profissionais.

Assim, resta demonstrado que o profissional responsável por processos de queima de cana-de-açúcar e prevenção de incêndios deve atender aos preceitos legais referentes a tal atividade, bem como é vinculado ao dever funcional de lavrar Anotação de Responsabilidade Técnica de todos os atos que praticar, sob pena multa por infração funcional, sem prejuízo do risco de ser, individual ou solidariamente, responsabilizado por eventuais danos ambientais nas esferas civel, criminal, administrativa e ética.


Notas

  1. Assim o artigo 2° da Lei Federal n° 6.496/77.
  2. Respectivamente, artigos 38, 38-A e 41 da Lei de Crimes Ambientais.
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Sobre o autor
Jorge Brunetti Suzuki

bacharel em Direito pela Faculdade de Direito de Franca (SP)

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SUZUKI, Jorge Brunetti. Da responsabilidade do engenheiro subscritor de ART em atividades de queima de palha de cana-de-açúcar. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 16, n. 3002, 20 set. 2011. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/20026. Acesso em: 22 nov. 2024.

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