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Aspectos jurídicos da adoção de soluções sustentáveis nas construções civis da administração pública federal

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2 DESENVOLVIMENTO

No estudo do liame entre a sustentabilidade ambiental e as construções públicas, necessariamente o ponto de partida deve ser o arcabouço jurídico que fundamenta todo e qualquer dever estatal, nutrido pelos princípios que integram cada disciplina do Direito. Os princípios estruturam a ciência do Direito, baseando a feitura das normas. As normas jurídicas fornecem o rumo ao administrador público, dizendo-lhe quais são as suas obrigações e quais as condutas que lhe são vedadas. Seguindo este caminho, o administrador estará dando cumprimento ao que a sociedade espera dele, pondo sob resguardo os seus atos.

A sequência cronológica de publicação das principais normas protetoras do meio ambiente natural no Brasil é de interesse peculiar, porque mostra o sentimento que foi se desenvolvendo no seio da nossa sociedade [08].

Em uma visão sumária da ordem histórica destes atos, até a promulgação da Constituição Federal de 1988 (CF), que tanto trouxe para a sustentabilidade ambiental, vê-se que, ainda na Década de 30, foram publicados o Código de Águas, o primeiro Código Florestal e o Decreto-Lei nº 25/37 (proteção aos monumentos naturais). Na Década de 60, surgiram o Código Florestal atual, o Código de Minas e a Lei nº 5.197/67, sendo que esta última visava à proteção da fauna. Nos Anos 70, veio para o ordenamento jurídico a Lei de Parcelamento do Solo Urbano. A partir de 1980 juntaram-se a Lei de Criação de Estações Ecológicas e Áreas de Proteção Ambiental, a Lei da Política Nacional do Meio Ambiente e a Lei da Ação Civil Pública.

Em 1988 foi promulgada a Constituição Federal (CF). Das leis, o marco, sem dúvida, é a Lei nº 6.938/81 – Política Nacional do Meio Ambiente (PNMA). Embora esta Lei esteja hierarquicamente subordinada à Constituição Federal, foi por ela recepcionada "filialmente". Explico: a Constituição assimilou diversos princípios e práticas que já se haviam consolidado com a PNMA. Dessa forma, a PNMA originou um direito positivo albergado pela Constituição. Algo parecido ocorreu com a Lei da Ação Popular (Lei nº 4.717/65), que implicou o conteúdo do art. 5º, LXXIII, da Constituição Federal.

Os frutos da Constituição de 1988 para o meio ambiente não cessaram, pois, como diz Édis Milaré [09], o Direito Ambiental é dinâmico e tenta recuperar o tempo perdido. Sucederam-se medidas que tentam impor conscientização e respeito ao meio ambiente, das quais são exemplos a Lei de Crimes Ambientais, a Política Nacional de Educação Ambiental, o Estatuto da Cidade, a Política Nacional sobre Mudança do Clima (PNMC) e, mais recentemente, a Política Nacional de Resíduos Sólidos (PNRS).

As primeiras utilizações do termo "sustentabilidade" nos estudos ambientais remontam à Conferência Mundial de Meio Ambiente, em Estocolmo, no ano de 1972 e, depois, no Relatório Brundtland, em 1987, na definição de "desenvolvimento sustentável". Esta expressão não está explícita na Constituição Brasileira, mas extrai-se integralmente dos conceitos ali contidos, em um exercício de hermenêutica, sem dificuldades, como será visto.

A doutrina do Direito Ambiental apresenta uma diversidade de princípios. Todos são igualmente relevantes e, direta ou indiretamente, se relacionam com a sustentabilidade nas construções públicas. Os princípios do desenvolvimento sustentável e o da ubiquidade, entretanto, estão na própria essência do tema deste trabalho e, por isso, serão abordados com mais ênfase, ao lado do princípio da prevenção.

Não se pode falar em construções públicas sem falar em licitações, cuja estrutura legal se assenta sobre a Lei nº 8.666/93 – Lei de Licitações e Contratações Públicas. Essa norma define, de início, que os dois objetivos básicos do certame são a igualdade entre as partes e a vantagem para a Administração, o que afeta as contratações sustentáveis, em vista do critério de escolha do licitante. Ao lado dos objetivos das licitações estão os princípios, que devem ser respeitados, bem como outras exigências que a Lei faz às contratações, em especial às contratações de obras.

Do texto constitucional extraem-se os princípios básicos de cada uma destas duas matérias: meio ambiente e licitações. São, também, identificadas as relações entre elas. A análise da Constituição Federal, da Lei nº 6.938/81 e da Lei nº 8.666/93 formam a estrutura básica do assunto. Antes, porém, é necessária uma noção do que são as construções sustentáveis, suas técnicas, e os órgãos que mais se destacam na certificação de obras desse tipo. Julga-se importante uma amostra do panorama brasileiro nessa área, com análise de licitações realizadas com fundamento na legislação estudada, para que se possa concluir como está o Brasil em relação a outros países.

2.1 Obras sustentáveis

Antes de discorrer sobre os aspectos jurídicos da adoção de soluções sustentáveis nas construções civis da Administração Pública Federal, convém que sejam apresentados os principais conceitos que existem no meio da arquitetura e da engenharia civil sobre o assunto. Estes conceitos se aperfeiçoam a cada dia, à medida que a ciência descobre novos materiais e a engenhosidade dos profissionais destas áreas revela novas técnicas em benefício do homem e da natureza que o acolhe.

As soluções aplicáveis às construções sustentáveis são indiferentemente destinadas a prédios públicos ou privados. O esforço para a adoção de soluções sustentáveis é igualmente louvável se voltado para uma obra de grande porte, como uma hidrelétrica, ou se para uma pequena empreitada, como na reforma de um banheiro. Não faz diferença, pois o que importa é que tenha sido racionalizado o emprego de recursos naturais, que tenha sido emitido menos volume de gases do efeito estufa (GEE) e produzidos menos resíduos sólidos.

Sobre o conceito distintivo do que seja uma obra ou um serviço de engenharia não há definição conclusiva na legislação. "A distinção legal entre ‘obra’ e ‘serviço’ é insuficiente e defeituosa" [10] na Lei nº 8.666/93. Os incisos I e II do art. 6º desta Lei não definem obra nem serviço, mas apenas citam as atividades que se enquadram como obra e exemplifica atividades que se entendem como serviços. Marçal Justen Filho [11] questiona, diante da indefinição do texto legal, se a reforma de um imóvel, com a demolição parcial do prédio, seria uma obra ou um serviço? E a pintura de um imóvel, é obra ou serviço? Por isso, a Lei não fez distinção quanto ao seu regime jurídico, que é único para obras e para serviços de engenharia. Tampouco este trabalho se deterá nesta diferença, contanto que a obra e o serviço sejam sustentáveis. Por mera facilidade de definição, será empregado o termo "obra" para os dois tipos de contratação.

Existem vários métodos e critérios para a certificação de uma obra como sendo sustentável. Para o Conselho Brasileiro de Construção Sustentável (CBCS) [12], há seis passos para que se possa verificar se um insumo ou fornecedor pode ser considerado sustentável: (1) verificação da formalidade da empresa fabricante e fornecedora; (2) verificação da licença ambiental; (3) verificação das questões sociais; (4) qualidade e normas técnicas do produto; (5) consulta ao perfil de responsabilidade socioambiental da empresa; e (6) identificação a existência de propaganda enganosa. Para o CBCS não existe sustentabilidade sem legalidade, qualidade e formalidade. Estes critérios são, em parte, atendidos por empresas que se habilitam para licitações públicas, quando se exige formalidade da pessoa jurídica, regularidade fiscal, formalidade na contratação de empregados e inexistência de empregados menores. Outros critérios do CBCS, contudo, não são aplicáveis às contratações públicas, por serem baseados em avaliações essencialmente subjetivas, não prescritas em lei ou por creditarem suas informações a fontes não oficiais.

O Green Building Council Brasil (GBCB) [13] divulga no mercado a certificação Leadership in Energy and Environmental Design® (LEED®), a grife internacional das certificações ambientais, que aborda basicamente os seguintes critérios: (1) materiais e recursos, (2) energia e atmosfera, (3) espaço sustentável, (4) qualidade ambiental interna, (5) uso racional da água, (6) inovação na operação e (7) créditos regionais. Estes critérios gerais são expandidos e auditados por meio de diversos subitens, de acordo com a natureza da obra (construção ou reforma), com a finalidade do edifício e com o seu local, adequando-se algumas metas, quando necessário.

A Fundação Vanzolini, criada, mantida e gerida por professores da Universidade de São Paulo (USP), certifica edifícios de forma independente, concedendo-lhes a Certificação de Construção Sustentável – Processo AQUA [14] (Alta Qualidade Ambiental), que avalia as seguintes fases do empreendimento: programa; concepção (projeto); realização (obra) e operação (uso). Os benefícios de um empreendimento certificado por este processo são qualidade de vida do usuário, economia de água, de energia, disposição de resíduos e manutenção e contribuição para o desenvolvimento socioeconômico e ambiental da região. O referencial técnico do Processo AQUA é uma adaptação para o Brasil da Démarche HQE® (Haute Qualité Environnemental), da França.

Nem todas as obras e serviços de engenharia são construções novas. Por isso, os critérios de sustentabilidade são aplicáveis também às reformas de construções já existentes, por meio de retrofitting dos prédios públicos mais antigos. Considera-se que a vida útil de um edifício seja de aproximadamente 60 anos [15], o que é um longo período em que haverá custos de operação e manutenção. Essas despesas, somadas, podem chegar até seis vezes o custo da construção do prédio. Por isso a importância da sustentabilidade em reformas de edifícios menos novos.

A Caixa Econômica Federal confere o Selo Casa Azul Caixa [16] nos níveis bronze, prata e ouro, conforme critérios próprios. O Selo Casa Azul tem por finalidade "reconhecer os empreendimentos que adotam soluções mais eficientes aplicadas à construção, ao uso, à ocupação e à manutenção das edificações, objetivando incentivar o uso racional de recursos naturais e a melhoria da qualidade da habitação e de seu entorno". Os critérios básicos avaliam alguns requisitos obrigatórios e outros de livre escolha do empreendedor, entre os quais os que seguem qualidade urbana, projeto e conforto, eficiência energética, conservação de recursos materiais, gestão da água e projetos sociais.

De acordo com os critérios do Instituto para o Desenvolvimento da Habitação Ecológica (IDHEA) [17], nove passos principais são necessários para uma construção sustentável: (1) planejamento sustentável da obra; (2) aproveitamento passivo dos recursos naturais; (3) eficiência energética; (4) gestão e economia da água; (5) gestão dos resíduos na edificação; (6) qualidade do ar e do ambiente interior; (7) conforto termo-acústico; (8) uso racional de materiais; e (9) uso de produtos e tecnologias ambientalmente amigáveis.

O Governo do Estado de São Paulo criou o Programa Estadual de Construção Civil Sustentável no âmbito da própria Administração Pública (Decreto Estadual nº 55.947/10 [18]). Neste Programa, os projetos de obras e serviços de engenharia devem prever o seguinte: durabilidade e flexibilidade na concepção de espaços e instalações prediais que permitam revitalização futura; melhor desempenho ambiental durante a operação; eficiência energética dos edifícios públicos durante as fases de construção e operação; acessibilidade e mobilidade; redução do consumo de água e de geração de efluentes; reúso de água, quando aplicável; uso racional de recursos naturais no processo construtivo; uso de materiais, equipamentos e sistemas construtivos de menor impacto ambiental; redução dos impactos ocasionados no canteiro de obras e entorno do projeto até a sua desmobilização; redução, reutilização, reciclagem e destinação adequada dos resíduos; e solicitação de atendimento dos mesmos critérios por parte dos fornecedores.

Assim, verifica-se que há várias formas de se especificar as construções sustentáveis, podendo ser usados métodos de aferição para grandes ou para pequenas obras; para construções ou para reformas; para edifícios ou para rodovias. Há que se ter cautela, porém, com o que o mercado chama de greenwashing, ou "verniz verde", que é a tentativa de parecer mais ecologicamente amigável do que realmente é. É unanimidade em todos estes critérios o planejamento detalhado da construção, a adequação ao ambiente existente, a eficiência no consumo de energia e de água durante e após a obra, o conforto para os usuários, o uso de material não impactante, a redução de consumo e de resíduos, a facilidade de manutenção e o aumento do ciclo de vida do prédio.

As técnicas e materiais mais usuais são simples, envolvendo o uso de madeira certificada, agregados reciclados, telhados brancos ou tetos verdes, reúso de águas cinzas, captação de águas pluviais, aquecimento solar da água, uso de bacias sanitárias com caixas acopladas, iluminação e ventilação natural, uso de cimento CP3 ou CP4, tintas e vernizes sem compostos orgânicos voláteis e outros.

Os investimentos em sustentabilidade na construção civil ainda são mais elevados, variando, entre 3 e 10% acima da construção tradicional. Isso se deve à falta de preparação do mercado para atender a esta necessidade, além do preço da tecnologia empregada em certos materiais. Como o material e as técnicas sustentáveis são mais caros, o ideal é que eles se paguem diretamente, junto com os benefícios para o ambiente. O retorno desse investimento financeiro (ou payback) [19] ocorre em um período de aproximadamente 1 a 8 anos, de acordo com o projeto, por meio da redução da despesa que essa solução sustentável proporciona ao edifício. Esse período de retorno do investimento pode ser considerado um tempo relativamente curto, se considerada a vida útil do edifício. Não é imperativo que absolutamente todas as tecnologias e materiais disponíveis sejam empregados em uma obra. Seu uso deve sofrer o peso das condicionantes econômicas, pois se a solução não for viável sob o ponto de vista econômico, ela não é sustentável.

À equipe de arquitetos, engenheiros e gestores públicos fica a tarefa de agir em conjunto, com ética, com probidade administrativa, com criatividade, em respeito ao meio ambiente, especificando adequadamente o objeto a ser licitado, o material e as técnicas a serem empregados, para que se obtenha uma obra pública verdadeiramente sustentável.

2.2 A sustentabilidade ambiental na Constituição Federal de 1988

Desde suas primeiras linhas, a Constituição Federal Brasileira de 1988 expressa a relevância atribuída à dignidade da pessoa humana, prova inequívoca de que a pessoa física é o motivo pelo qual toda a estrutura jurídica nacional existe. No seu primeiro artigo, a Lex Mater já definiu que a teoria do antropocentrismo está no seu espírito, devendo, consequentemente, instruir tanto a interpretação constitucional como a legislação subordinada, a quê se prendem os atos oficiais.

A dignidade do ser humano, como consta do inciso III do art. 1º da Constituição, junto com os direitos sociais do art. 6º, integra o que Fiorillo [20] chama de "piso vital mínimo". Segundo o autor, esse mandamento constitucional, entre outros fundamentos essenciais a serem seguidos pelo Estado, insere o direito que tem o cidadão a um meio ambiente que lhe proporcione uma vida condizente com a condição humana, não só sob o ponto de vista fisiológico, mas também agregada por outros valores. O bem-estar social, na visão da coletividade, ora chamado de qualidade de vida, é a própria razão da organização das pessoas em grupos, sob a autoridade de um poder gestor, que lhes impõe regras, mas também lhes assegura benefícios. Entre essas contrapartidas que o Estado deve dar ao cidadão está a garantia de um meio ambiente sadio para se viver [21].

Por ocasião da promulgação da atual Constituição Federal, em 1988, foi reservado um capítulo especifico à tutela do meio ambiente. O artigo 225, da Constituição explicita que todos, Poder Público e coletividade, têm a incumbência de tutelar pelos bens ambientais. Essa tutela se dá, ora em razão da função direta de certos setores, encarregados de normatizar, policiar, processar e julgar eventuais danos; ora genericamente, quando os entes públicos exercem as suas funções administrativas, comprando bens, contratando serviços e realizando obras. O Estado, por seus órgãos e agentes, não se exime de cumprir com as suas obrigações no trato com o meio ambiente, por isso está sujeito à mesma disciplina ambiental imposta aos particulares. Por oportuno, quanto às atividades objeto deste estudo, ou seja, quanto à execução de obras públicas sob o preceito da sustentabilidade ambiental, tem-se, desde já, fundamento constitucional no caput e no inciso IV do referido art. 225, abaixo transcritos:

Art. 225. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá- lo para as presentes e futuras gerações.

§ 1º - Para assegurar a efetividade desse direito, incumbe ao Poder Público:

(…)

IV - exigir, na forma da lei, para instalação de obra ou atividade potencialmente causadora de significativa degradação do meio ambiente, estudo prévio de impacto ambiental, a que se dará publicidade;

Interpretando-se o art. 225 à luz do princípio fundamental da dignidade da pessoa humana (art. 1º, III, CF), conclui-se que tanto a coletividade como o Poder Público têm o dever de zelar pelo meio ambiente, pois ele é essencial à sadia qualidade de vida. Por isso, ele deve ser não só defendido, mas também conservado, para que possa ser aproveitado, de igual forma, por esta geração e pelas que virão, segundo o princípio da equidade intergeracional.

Inaugura-se, com esse dispositivo, uma modalidade nova de direito, que Fiorillo [22] chama de "direito futuro", diferente da ideia tradicional de direito do nascituro, do Direito Civil. Nessa nova figura constitucional, a geração protegida é uma que nem sequer foi concebida, e que ainda não é titular de quaisquer direitos, porque vai integrar uma geração que está por vir.

Quando o art. 225 diz que o Poder Público e a sociedade têm o igual dever de defender e preservar o meio ambiente, isso não quer dizer que se esteja proibindo de explorá-lo hoje. A natureza deve sim ser explorada, porém bem explorada, com critério, para que os bens ambientais existentes sejam suficientes para atender às necessidades de agora e das futuras gerações, com as mesmas opções, qualidade e facilidade de acesso [23].

Ainda no art. 225, CF, podemos fazer uma primeira constatação do impacto das construções no meio ambiente, tanto que elas foram destaque no texto constitucional, quando se fala da "instalação de obras", no inciso IV do § 1º do art. 225. Uma leitura superficial concluiria pela exigência de estudo prévio de impacto ambiental sempre que existisse uma obra, de toda e qualquer natureza e amplitude. Partindo dessa premissa, para as demais atividades somente haveria a necessidade de estudo de impacto se elas fossem causadoras de significativa degradação. A interpretação correta, no entanto, não é essa. A exigência de estudo de impacto ambiental é a mesma, seja para obra, seja para outra atividade distinta, contanto que haja a possibilidade de degradação do ambiente, sem se prender à natureza do que será executado. O pressuposto constitucional é de que qualquer empreendimento degradará o meio ambiente, seja ele uma obra ou não, cabendo àquele que possui o projeto demonstrar o contrário, eximindo-se da necessidade de apresentação do referido estudo [24].

Sem dúvida, porém, em nome do princípio da prevenção, as atenções dos órgãos ambientais se voltam para a ameaça que as novas construções civis representam, tanto que elas foram nitidamente ressaltadas dentre as demais atividades antrópicas impactantes.

Pode-se também extrair do art. 225, CF, o princípio das responsabilidades comuns, segundo o qual as ações nacionais devem considerar e integrar as ações estaduais e municipais, conforme reza o caput do art. 3º da Lei nº 12.187/09 - PNMC. Há uma relação deste princípio com o que Fiorillo [25] chama de princípio da ubiquidade, sobre o qual assim expõe seu pensamento:

Este princípio vem evidenciar que o objeto da proteção ao meio ambiente, localizado no epicentro dos direitos humanos, deve ser levado em consideração toda vez que uma política, atuação, legislação sobre qualquer tema, atividade, obra, etc, tiver que ser criada e desenvolvida. Isso porque, na medida em que possui como ponto cardeal de tutela constitucional a vida e a qualidade de vida, tudo o que se pretende fazer, criar ou desenvolver deve antes passar por uma consulta ambiental, enfim, para saber se há ou não a possibilidade de que o meio ambiente seja degradado.

A análise das repercussões de um ato oficial sobre o meio ambiente deve sempre ser levada em conta, quer se trate de ato administrativo ou legislativo. Não faz diferença se o ato tem como objeto o meio ambiente, este sempre deve ser lembrado na finalidade, mesmo que o órgão envolvido não tenha essa competência originária. O princípio das responsabilidades comuns e o da ubiquidade se complementam na preocupação com o meio ambiente quando da prática dos atos oficiais. Todos devem estar comprometidos com esse objetivo comum, independente de a defesa e preservação do meio ambiente ser ou não seu objeto de serviço.

Por isso, se uma obra for levada a efeito pela administração federal direta ou indireta, seguindo-se os princípios citados, deve sempre ser considerada a possibilidade de mitigação do seu impacto no meio ambiente, por menos danosa que ela seja, aliando-se esforços com o Estado e com o Município onde ela vá ser executada.

Formalmente, a competência administrativa quanto à matéria ambiental é comum da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, e está definida no art. 23, CF, com destaque para os incisos abaixo, em razão do foco deste trabalho:

Art. 23. É competência comum da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios:

[...]

III - proteger os documentos, as obras e outros bens de valor histórico, artístico e cultural, os monumentos, as paisagens naturais notáveis e os sítios arqueológicos;

[...]

VI - proteger o meio ambiente e combater a poluição em qualquer de suas formas;

VII - preservar as florestas, a fauna e a flora;

[...]

IX - promover programas de construção de moradias e a melhoria das condições habitacionais e de saneamento básico;

A competência à qual se destina o art. 23, no que respeita ao meio ambiente natural, é aquela necessária ao poder regulamentar do Estado, tão necessários à explicitação dos textos legais e à especificação das peculiaridades de cada região. O art. 23 também visa ao poder de polícia, no caso exercido nos atos de licenciamento, outorga, fiscalização ambiental e de policiamento propriamente dito. Essa competência é atribuída ao Poder Executivo dos Estados e do Distrito Federal, na maioria dos casos exercida por meio de suas Secretarias de Meio Ambiente, pelas Polícias Militares e por outros entes ligados à matéria.

O parágrafo único do art. 23 estipula que Lei Complementar fixará normas de cooperação entre os entes federados "tendo em vista o equilíbrio do desenvolvimento e do bem-estar em âmbito nacional". Este parágrafo deve ser conjugado com o art. 241, CF, desde a Emenda Constitucional (EC) nº 19/98, que prevê a formação de consórcios públicos. Estes consórcios são regidos pela Lei nº 11.107/05, que dispõe sobre normas gerais de contratação de consórcios públicos, e que é de fundamental relevância para os Municípios quando envolvem obras de infraestrutura como estradas, estações de tratamento de efluentes e aterros sanitários [26], ao que acrescento, sem esgotar o rol, as obras de saneamento básico, as barragens, os açudes e as obras preventivas de desastres.

A competência legislativa específica para as matérias relativas ao meio ambiente é concorrente para a União, Estados e Distrito Federal, e está disposta no art. 24, CF, acrescentando-se que à União cabe estabelecer as normas gerais, a serem complementadas pelas normas dos Estados e do Distrito Federal. Aos Municípios não cabe legislar sobre meio ambiente e, quando agem nessa seara, o fazem por força de competência complementar ou suplementar (art. 30, I e II, CF), como ocorre no caso da legislação referente ao uso, parcelamento e ocupação do solo, zoneamento urbano (art. 30, VIII, CF), Planos Diretores (art. 182, § 1º, CF), códigos de obras, gerenciamento de resíduos, comércio e outras normas locais.

Apesar do valor expressivo atribuído à defesa e à preservação dos recursos naturais para as gerações do futuro, a ordem constitucional não pode fechar os olhos à necessidade desses bens para as gerações presentes. Sem os recursos disponíveis na natureza, é inviável a satisfação das necessidades humanas nos dias atuais.

Para que haja qualidade de vida, a água, o ar atmosférico, o solo, as plantas e os minerais têm que ser explorados economicamente, pois isso é essencial para a vida, a saúde, o bem-estar e para o desenvolvimento individual e coletivo. É necessário que a economia funcione para que haja empregos, renda, conforto, qualidade de vida, pagamento de tributos e adequada prestação do dever estatal. Seria inconcebível que a riqueza natural fosse mantida intacta, em nome da preservação ambiental, enquanto o ser humano perecesse à míngua, em condições pré-históricas, digam-se, indignas. Isso não se enquadra em nenhum princípio do Direito Ambiental.

O Estado Brasileiro tem um compromisso com a natureza, mas também com a garantia do desenvolvimento nacional, o que está nos objetivos fundamentais definidos no texto constitucional, no inciso II do art. 3º. O Pavilhão Nacional traz inscrita a palavra de ordem da República: "progresso", expressão positivista que vigia ao fim do século XIX. O crescimento econômico, contudo, não pode ocorrer de forma incontida, sob pena de as gerações futuras não disporem de matéria-prima para atender às suas necessidades.

O desenvolvimento econômico nacional deve ser logrado de forma equilibrada, respeitando-se a dignidade humana, o meio ambiente e a livre iniciativa. É isso que manda o art. 170 da Constituição, no início do capítulo referente aos princípios gerais da atividade econômica e, em especial, o seu inciso VI, que evoca a defesa do meio ambiente, in verbis:

Art. 170. A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios:

[...]

VI - defesa do meio ambiente, inclusive mediante tratamento diferenciado conforme o impacto ambiental dos produtos e serviços e de seus processos de elaboração e prestação; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 42, de 19.12.2003)

O pensamento liberal que pregava a livre iniciativa com crescimento a qualquer custo foi refreado pela Constituição de 1988, que valoriza a mesma liberdade de iniciativa, mas com desenvolvimento sustentável.

Da conjugação dos principais dispositivos constitucionais que defendem a preservação do meio ambiente (art. 1º, III, e art. 225) com os que garantem o desenvolvimento econômico (art. 3º, II, e art. 170), tem-se a base legal para aplicação do princípio do desenvolvimento nacional sustentável.

Visto que a Constituição orienta os passos da República Federativa do Brasil, para que ela se conduza segundo estes princípios, é imperativo concluir que estes mandamentos se dirigem a todos os cidadãos e a todos os Poderes, pois essa é a vontade do povo, expressa pelo constituinte.

Os atos do Poder Público, antes dos atos dos demais entes privados, devem seguir estes preceitos constitucionais, visando sempre ao desenvolvimento sustentável, provendo condições econômicas favoráveis, em um meio ambiente saudável, com dignidade humana. Como define Édis Milaré [27], a característica principal do desenvolvimento sustentável consiste na possível e desejável conciliação entre o desenvolvimento econômico integral, a preservação do meio ambiente e a melhoria da qualidade de vida, três metas indispensáveis.

Para bem desempenhar as suas funções, é necessário que o Estado esteja aparelhado adequadamente sob o aspecto material. Somente assim poderá oferecer condições dignas de trabalho para os seus servidores, poderá receber bem os reclamos dos cidadãos e também atender às demandas sociais.

Quando o Poder Público compra bens, vende, contrata serviços ou constrói, seja para satisfação de uma carência social ou de infraestrutura, seja para atender às necessidades da própria repartição, ele exerce a administração como atividade meio, visando ao interesse público direta ou indiretamente.

No art. 37 da Constituição está regrado o modus operandi da Administração, segundo linhas gerais (art. 37, caput, CF) dirigidas a todas as esferas e entes públicos, impondo-lhes que obedeçam aos princípios da legalidade, da impessoalidade, da moralidade, da publicidade e da eficiência.

A forma de a Administração comprar, vender ou contratar é, em regra, por meio de licitação, ou seja, por meio da escolha da oferta que lhe seja mais vantajosa, após um chamamento público a todos os interessados para que façam suas propostas e tenham a chance de ser contratados para executar determinada prestação [28]. Pode ser contratado o fornecimento ou a alienação de bens ou a execução de serviço ou de obra. Ao administrador não é dado escolher se licita ou não: licitar é a regra [29], segundo o mandamento do art. 37, XXI, CF. Esse agir do administrador público, entretanto, se submete a diversas circunstâncias fáticas do mundo concreto, razão pela qual ele deve contar com certo grau de discricionariedade, no limite da lei, para que possa escolher uma dentre as soluções possíveis [30] de quando e como fazer; o que e quanto comprar.

A competência para legislar sobre normas gerais de licitação e contratação é privativa da União, de acordo com o inciso XXVII do art. 22, CF. A Lei nº 8.666/93 (que institui normas para licitações e contratos) e a legislação extravagante aplicável às licitações e contratos públicos regram, com detalhes, o procedimento administrativo em todas as suas fases.

Apesar de a Constituição ter reservado a competência da União para somente fixar as "normas gerais" das licitações e contratações, não é o que ocorre. A Lei de Licitações foi além, e isso enseja a arguição de inconstitucionalidade dos dispositivos legais que não se contêm como normas genéricas, e que extrapolam seu alcance. O inverso também acontece, e questiona-se a legalidade das normas estaduais, distritais e municipais que contrariem a Lei nº 8.666/93.

Resulta que as "normas gerais" da Lei de Licitações são de observância obrigatória por todos os entes da federação, enquanto as demais normas somente são exigíveis da União, sendo livre para os demais [31]. Não há consenso teórico para os doutrinadores sobre a generalidade ou não de cada dispositivo da Lei nº 8.666/93. Na prática, os instrumentos convocatórios, mesmo que sejam dos Estados, Distrito Federal e Municípios, consignam que se regerão por esta Lei.

Como dito, ao administrador ficará a tarefa de decidir da conveniência do objeto a ser licitado, da sua quantidade, da oportunidade mais adequada para licitar, dos recursos disponíveis, e outras discricionariedades, sempre à luz da probidade administrativa, o que significa que o administrador diz onde está o interesse público. Essas opções devem estar alinhadas, de acordo com os preceitos da República e da Administração, respeitando-se os critérios de sustentabilidade.

Fiorillo [32] explica que, por vezes, o interesse público primário, pode conflitar com o interesse público secundário. Em vista da possibilidade de a Administração não atender satisfatoriamente o primeiro, em função de condições impostas pelo segundo, a tutela deste coube à coletividade, e não ao próprio Poder Público. É o que ocorre, por exemplo, quando a edificação de uma arena pública para a prática de esportes deixa de atender determinada exigência ambiental. Impõe-se a intervenção em defesa do interesse difuso lesado, seja por meio dos próprios cidadãos, seja por interposição das instituições legitimadas, valendo-se dos instrumentos jurídicos adequados como a Ação Popular, a Ação Civil Pública ou o Mandado de Segurança, a fim de que as medidas necessárias à sustentabilidade de um meio ambiente sadio e equilibrado sejam asseguradas [33].

Dos dispositivos constitucionais vistos, extrai-se que a Administração conta com fundamentos suficientes para demonstrar que ela não só pode como deve contratar de forma a favorecer o meio ambiente, na prática que é chamada de "licitação sustentável, na qual se leva em conta não apenas o preço e qualidade, mas também critérios socioambientais nas decisões de compra do governo" [34]. Partindo da premissa de que todo agir do Poder Público deve ser orientado pelos fundamentos da dignidade da pessoa humana, pelo desenvolvimento e pela preservação do meio ambiente, o ato oficial de contratar não pode ser excepcionado da abrangência desses preceitos de interesse coletivo.

Na ordem constitucional vigente, a licitação é uma ferramenta das políticas públicas, no caso, prevalentemente da política ambiental, indicando que a contratação menos degradante para os recursos naturais é uma chave para o desenvolvimento sustentável [35]. Se o Poder Público contratar, comprar e construir preocupando-se com o meio ambiente, esta sua conduta estará incentivando a produção ecologicamente correta e estará proporcionando um benefício para o cidadão da geração presente e das gerações vindouras.

2.3 As licitações públicas na legislação ambiental

Quando se estudam as normas do Direito Ambiental Brasileiro, o farol é a Política Nacional do Meio Ambiente, pois, como dito anteriormente, este é o marco legal da proteção à natureza no Brasil. A Lei nº 6.938/81, que estabelece esta Política, está alinhada com os princípios contidos na Constituição Federal e foi por ela recepcionada, com poucas alterações posteriores nos princípios e instrumentos.

Das leis que trouxeram alterações à PNMA, chama a atenção a Lei nº 11.284/06, norma que trata da gestão de florestas públicas, e que, dentre as modificações de diversos textos legais, insere os instrumentos econômicos na Política Nacional do Meio Ambiente, no art. 9º, inciso XIII. Este dispositivo exemplifica como instrumentos econômicos a concessão florestal, a servidão ambiental, o seguro ambiental, em uma enumeração não taxativa, pois encerra o inciso com o acréscimo da expressão "e outros". Isto significa dizer que pode haver mais formas de atuação na política ambiental brasileira pela via econômica.

Na Economia, a "Lei da Oferta e da Procura" [36] é fundamental. Por ela, quanto mais demanda houver por um produto ou serviço, maior será o seu valor econômico e, em um resultado plausível, mais fornecedores vão tentar se inserir nesse mercado, concorrendo entre eles, até que se atinja o equilíbrio entre preço e quantidade disponível. O mesmo pode acontecer quando o Governo aumenta sua demanda por um tipo de serviço, priorizando-o em suas contratações. Como a Administração tem poder de compra elevado, estimado entre 10 a 15% do PIB, pode disciplinar e padronizar suas contratações, para que isso pese sobre o mercado, que tenderá a adaptar-se para vender para o Poder Público.

Acrescente-se que o mercado global está atento, e que a economia internacional dá preferência a empresas que pautam suas atividades segundo normas de proteção ao meio ambiente [37]. Então, essa adaptação dos fornecedores internos, para atender o governo, os favoreceria perante compradores externos.

Referindo-se à extensão dos instrumentos da Política Nacional do Meio Ambiente, Édis Milaré [38] chama a atenção para a discussão, no âmbito das Nações Unidas, por meio do seu Programa para o Meio Ambiente (PNUMA), da prática das licitações sustentáveis. O autor cita estes exemplos de mecanismos viáveis:

(i) o melhor valor para considerações monetárias que incluam a análise de preço, qualidade, disponibilidade, funcionalidade, entre outras; (ii) aspectos ambientais ("licitação verde"), que constituem os efeitos sobre o meio ambiente que o produto e/ou serviço tem em todo o seu ciclo de vida, ou seja, do berço ao túmulo; (iii) o ciclo de vida integral dos produtos; e (iv) aspectos sociais: efeitos sobre questões sociais tais como erradicação da pobreza, equidade internacional na distribuição de recursos, direitos trabalhistas, direitos humanos.

Pelo exemplo de vários países que adotam as licitações sustentáveis e finalizando sua análise sobre os instrumentos econômicos na PNMA, Milaré conclui pela viabilidade da compatibilização entre desenvolvimento econômico e preservação do meio ambiente, mediante o incentivo econômico para a adoção de práticas ambientalmente corretas e consentâneas com o princípio da prevenção.

Sobre o princípio da prevenção e também sobre desenvolvimento e fomento à preservação ambiental, Terence Dorneles Trennepohl [39] alerta para o valor antecipatório da prevenção. Diz que não há sentido em prevenir depois que a degradação já ocorreu. Para este autor, a submissão de certas atividades à aprovação prévia do Estado é uma forma de regular o mercado afastando o risco ambiental. Ele lembra que o comércio de produtos ambientais no mundo chega a US$ 500 bilhões ao ano, aí incluídas as "construções verdes" ou green buildings. O autor cita formas de participação do Estado no mercado, por meio de políticas públicas inclusive, estimulando certos setores da economia, de modo que, da interação entre empresas e Poder Público possa haver cooperação em prol do meio ambiente.

O engenheiro e professor Wanderley Moacyr John [40] analisa o mercado de construções sustentáveis no Brasil e conclui sobre a necessidade de adaptação tanto das empresas como do setor público. Cita, como obstáculos, a informalidade nos empregos da construção civil, a segurança do trabalho, a falta de locais adequados para deposição de resíduos, a falta de profissionais qualificados para o trabalho com obras sustentáveis, o desperdício de material nos canteiros, a necessidade de análise do ciclo de vida e da rastreabilidade dos insumos, dentre outros.

Na opinião de representantes do Conselho Brasileiro de Construção Sustentável (CBCS) [41], "articulação setorial, programas da qualidade e políticas públicas são mais eficientes que a imposição legal da sustentabilidade". Para o CBCS, para que um produto ou técnica sustentável seja bem-sucedido, é preciso, entre outras medidas, combater a informalidade, conscientizar os diversos agentes públicos e privados, e adotar e difundir bases técnicas adequadas. No que respeita a essas três medidas, as licitações públicas são ferramentas que, ao menos teoricamente, já favorecem as construções sustentáveis, pois as aquisições são tecnicamente especificadas; as contratações, em tese, não admitem informalidades; os gestores são identificáveis, podendo ser conscientizados em programas de qualificação, aliando-se à mobilização de servidores nas repartições; e as bases técnicas, depois de definidas, podem ser fixadas por ato normativo, a serem discutidas em programas de qualificação.

Para que se atinja o ideal de interação entre Poder Público e empresas, no que se refere às licitações, não basta que haja a vontade oficial de comprar o que for ecologicamente correto. É preciso preparar o mercado produtor, certificador e consumidor para fornecer, fazendo uso de outros dispositivos legais da Lei nº 6.938/81 que preveem estas ações, quais sejam: o incentivo ao estudo e à pesquisa de tecnologias aplicáveis às condições brasileiras de construção civil (art. 2º, VI, e art. 13, I); o incentivo ao desenvolvimento de "padrões verdes", a serem adotados pela Engenharia Civil no País (art. 2º, VI, e art. 13, I e III); propiciando condições de difusão destes mesmos conhecimentos por meio da educação ambiental em todos os níveis, em especial no nível técnico e superior de ensino (art. 2º, X); o incentivo à produção ou aquisição de equipamentos que viabilizem as construções sustentáveis, assim como a reciclagem de resíduos sólidos (art. 9º, V, e art. 13, II); o financiamento de aquisições e produções destinadas às obras sustentáveis de engenharia (art. 12).

A par destas ações voltadas para a iniciativa privada, há necessidade de o próprio Poder Público se preparar para este padrão de construção, conscientizando e qualificando os seus servidores para atuar na especificação da obra, no acompanhamento da construção, na fiscalização dos materiais imobilizados, no recebimento final dos prédios e na orientação quanto ao uso e à manutenção da edificação.

Quando se lê a notícia [42] de que o Governo dos Estados Unidos construiu 500 novas residências funcionais para seus militares no Havaí, usando aço reciclado ao invés de alvenaria tradicional nas estruturas e nas paredes, deve-se entender que isso só ocorreu porque as autoridades governamentais americanas estão conscientes de que esta é uma boa solução ambiental; porque há padrões técnicos que asseguram a eficiência da medida; e porque há fornecedores aptos a contratarem com aquele Governo.

Paulo Affonso Leme Machado [43] observa o seguinte, quando discorre sobre os incentivos financeiros e financiamentos governamentais à produção, como instrumentos econômicos em favor do meio ambiente, com referência no art. 192 da Constituição Federal, mas plenamente aplicáveis ao contexto do financiamento de obras públicas, na forma do art. 12 da Lei nº 6.938/81:

"O dinheiro que financia a produção e o consumo fica atrelado à moralidade e à legalidade dessa produção e desse consumo. (…) Nem o dinheiro privado nem o dinheiro público podem financiar o crime, em qualquer de suas feições, e, portanto, não podem financiar a poluição e a degradação da natureza."

Há, portanto, fundamento legal para que somente haja repasse financeiro e incentivos públicos para obras e produtos que, em todo o seu ciclo de vida, desde a origem dos seus insumos até a destinação final dos resíduos, não poluam nem degradem o meio ambiente. Considerando-se que o Governo Federal empregou mais de R$ 15 bilhões no ano de 2010 [44] com obras de construção civil, entre gastos diretos e transferências de recursos, fica claro que adotar indiscriminadamente uma medida nessa área não é uma decisão puramente jurídica e sim política, na qual devem ser considerados inúmeros fatores econômicos e sociais ligados à indústria da construção civil e a toda a cadeia produtiva que orbita à sua volta, incluindo quase 3 milhões de empregados diretos, além de programas sociais de habitação e de infraestrutura nacional, como o "Minha Casa, Minha Vida" e o Programa de Aceleração do Crescimento (PAC).

Para Fiorillo [45], a degradação ambiental deve ser minimizada o quanto possível, e todo esforço econômico deve ser voltado para a proteção do meio ambiente, reconhecido que é que a atividade econômica, na maioria das vezes, representa algum dano para a natureza.

Por conta do significativo impacto sobre o clima no planeta, causado especialmente pelo crescimento econômico e pelo aumento da população humana, foi promulgada a Política Nacional sobre Mudança do Clima – PNMC, instituída pela Lei nº 12.187/09. Assim como a PNMA, a PNMC prevê, dentre os seus instrumentos, linhas de crédito e de financiamento específicas de agentes financeiros públicos e privados que incentivem a adoção de medidas de proteção ao sistema climático (art. 6º, VII).

A PNMC prevê, também, de forma expressa, no inciso XII do mesmo art. 6º, que nas licitações públicas sejam estabelecidos critérios de preferências para as propostas de licitantes que apresentem produtos ou serviços que propiciem maior redução das emissões antrópicas, como segue:

Art. 6º São instrumentos da Política Nacional sobre Mudança do Clima:

(…)

XII - as medidas existentes, ou a serem criadas, que estimulem o desenvolvimento de processos e tecnologias, que contribuam para a redução de emissões e remoções de gases de efeito estufa, bem como para a adaptação, dentre as quais o estabelecimento de critérios de preferência nas licitações e concorrências públicas, compreendidas aí as parcerias público-privadas e a autorização, permissão, outorga e concessão para exploração de serviços públicos e recursos naturais, para as propostas que propiciem maior economia de energia, água e outros recursos naturais e redução da emissão de gases de efeito estufa e de resíduos; (grifei)

Na PNMC, a relação das licitações e contratos administrativos com o meio ambiente está explícita, enquanto a PNMA somente induz à conclusão da sua existência, referenciando os instrumentos econômicos, como visto. Algo interessante do inciso acima transcrito está no final do seu texto, que não se limitou à proteção do clima, mas trouxe de roldão a economia de energia, de água e de outros recursos naturais. É bem verdade que, de uma ou de outra forma, a economia dos recursos naturais contribui para a redução do aquecimento global, o que valida a abrangência do inciso.

O Decreto nº 4.131/02, que dispõe sobre medidas emergenciais de redução do consumo de energia elétrica no âmbito da Administração Pública Federal, embora expedido para fazer face às circunstâncias da época, permanece em vigor, e se adéqua à PNMC. Os art. 3º e 4º desse Decreto são dirigidos para as aquisições de materiais e equipamentos ou contratação de obras e serviços, determinando que deverão ser adotadas especificações que atendam aos requisitos inerentes à eficiência energética.

A maior parte da energia elétrica no Brasil é limpa, porque, diferente de outros países, não provém da queima de combustíveis fósseis. A matriz energética brasileira é predominantemente hidrelétrica. Apesar disso, a redução do consumo desnecessário, estimado em 50% [46], permite que os investimentos em infraestrutura sejam direcionados para áreas mais carentes, e que o excedente de energia possa ser aproveitado para o desenvolvimento.

Da análise do texto da PNMC entende-se, também, que as medidas que já existirem ou as que forem criadas para estabelecer preferências para as propostas favoráveis ao meio ambiente, estarão incluídas dentre os instrumentos dessa Política. Ou seja, se já houver medidas que deem preferência ao fornecedor ambientalmente correto (como o Dec. nº 4.131/02), desde a data de publicação da PNMC essa norma será considerada um seu instrumento; se ainda não houver, pode ser criada uma norma que dê essa preferência, e ela estará alinhada com a PNMC. Trata-se de um dispositivo que concita o Poder Público, em suas competências, a legislar sobre o assunto. Observe-se que a lei apenas cita "medidas", não sendo exigida forma normativa específica, pelo quê até mesmo um critério inserido na cláusula de um edital de licitação pode ser admitido, por enquadrar-se como instrumento da PNMC. A intenção, portanto, parece ter sido que sejam preferidas as propostas menos poluentes, sem exigi-las com rigor absoluto, até mesmo porque a disponibilidade do mercado é um limitador da vontade do Estado, conforme já explicado quando foi abordada a PNMA.

Chama a atenção que, destacada ao lado do gênero licitação, esteja a espécie (modalidade) concorrência. Ora, se a concorrência é modalidade de licitação (art. 22, I, Lei nº 8.666/93), não haveria razão para mencioná-la. A intenção do legislador pode ter sido enfatizar o princípio constitucional da competitividade, do inciso XXI do art. 37, CF.

Em outra leitura do dispositivo, poderia ser questionado se a proposta privilegiada na licitação seria somente aquela que propiciasse a economia de recursos naturais juntamente com a redução da emissão de gases de efeito estufa (GEE) e resíduos; ou, por exemplo, se aquela em que o licitante oferecesse um bem ou serviço que economizasse água, mas não contribuísse para a redução de gases, poderia obter o mesmo privilégio. Entende-se que esta discussão na interpretação da Lei não tem cabimento. O efeito almejado com a PNMC é a preservação do meio ambiente, no caso pela via da mitigação dos fatores geradores do aquecimento global. O que se quer aqui é a conjunção de benefícios por meio das licitações. O caráter abstrato e genérico da Lei não tem por fim orientar atos executórios imediatos, mas sim construir um sistema normativo com a participação de atores diversos, os chamados stakeholders (empresas, governo, terceiro setor e consumidores). O que se pretende é motivar a sociedade. Para que se exaura a intenção da PNMC são necessárias medidas de ordem mais prática.

Os edifícios usam cerca de 32% dos recursos naturais mundiais em sua construção, representam o consumo de até 40% de toda energia produzida pelo homem e geram aproximadamente 30% das emissões de GEE, segundo Tony Arnel, Presidente do World Green Building Council [47]. O impacto causado pelas obras civis certamente influenciou a redação do parágrafo único do art. 11 da PNMC, que prescreve que, por Decreto do Poder Executivo, serão fixados os planos setoriais de mitigação e de adaptação às mudanças climáticas, visando à consolidação de uma economia de baixo consumo de carbono para diversos setores, entre eles o da construção civil.

Outros instrumentos para a viabilização da PNMC também estão no seu art. 6º, e são semelhantes aos da PNMA, consistindo basicamente em fomento ao estudo, pesquisa, estabelecimento de padrões ambientais, difusão, ensino, mecanismos tributários e fiscais, mecanismos financeiros e econômicos e acompanhamento e controle de índices.

O Brasil, voluntariamente, se impôs metas elevadas, a serem atingidas até o ano de 2020, o que inclui reduzir as suas emissões de GEE em até 38,9% do projetado, de acordo com o art. 12 da PNMC. Para que sejam atingidos estes objetivos, os instrumentos da Política sobre Mudança do Clima têm que ser acionados o quanto antes, incluindo a adoção dos critérios de licitações visando à baixa emissão de CO2.

Outro problema para o ambiente e para as construções civis é a produção de resíduos, chamados comumente nesse meio de "entulho" ou "bota fora". Em agosto de 2010 foi publicada a Lei nº 12.305/10, que instituiu a Política Nacional de Resíduos Sólidos – PNRS, que, a exemplo da PNMA e da PNMC, trouxe para o mundo das leis os seus princípios, objetivos, instrumentos, diretrizes, metas e ações. A indústria da construção civil, geradora de grande volume de resíduos sólidos que é, passou então a ter parcela significativa das suas atividades regulada por lei. Estima-se que os resíduos da construção e demolição representem entre 13% e 67%, em massa, dos resíduos sólidos gerados nas cidades [48].

Em termos práticos, porém, a nova Lei encontrou um setor já preparado para as suas exigências, porque vigia, como vige, a Resolução nº 307/2002, do Conselho Nacional do Meio Ambiente (CONAMA), que estabelece diretrizes, critérios e procedimentos para a gestão dos resíduos da construção civil. Esta norma já estava incorporada ao quotidiano dos que atuam formalmente no ramo e é complementada por normas locais sobre os aterros sanitários da construção.

No art. 6º, II, da PNRS consta o princípio do "protetor-recebedor", que na ideia do Deputado Federal José Sarney Filho [49], ex-Ministro do Meio Ambiente, "aquele agente público ou privado que protege um bem natural em benefício da comunidade deve receber uma compensação financeira pelo serviço de proteção ambiental prestado". Este princípio seria direcionado à iniciativa privada, no campo tributário, dentro de uma política pública de incentivos e benefícios, fiscais e extrafiscais, chamada de "política fiscal premial" no Direito Ambiental [50]. O princípio poderia, também, ser estendido à área de licitações e contratos, para valorizar a conduta amigável ao meio ambiente daquele que fosse contatado pela Administração, a fim de beneficiá-lo em um próximo certame.

Com os objetivos da PNRS está a prioridade nas licitações para produtos, serviços e obras sustentáveis, segundo o inciso XI do art. 7º, in verbis:

Art. 7º São objetivos da Política Nacional de Resíduos Sólidos:

[...]

XI - prioridade, nas aquisições e contratações governamentais, para:

a) produtos reciclados e recicláveis;

b) bens, serviços e obras que considerem critérios compatíveis com padrões de consumo social e ambientalmente sustentáveis;

A modelo da PNMC, a Política Nacional de Resíduos Sólidos alcançou as "licitações verdes", estabelecendo prioridade para as contratações que atendam aos padrões de sustentabilidade. Aqui também não paira dúvida de que a prioridade será igual, tanto para o fornecedor/prestador que apresente proposta que atenda somente à alínea "a", como ao que atenda somente à alínea "b". Não se exige, pela interpretação legal, que o licitante atenda às duas alíneas, pois o objetivo deste inciso é incentivar a implementação de normas voltadas à sustentabilidade com o auxílio das licitações, pouco importando a ausência da conjunção aditiva ou alternativa que ligaria as duas alíneas.

Assim como a PNMA e a PNMC, a PNRS é genérica e abstrata, e pretende estimular a sociedade a se mobilizar em prol da gestão adequada de resíduos sólidos. Possui também extenso rol de instrumentos (art. 8º), incluindo os instrumentos econômicos (art. 42), como pesquisa, ensino, difusão, definição de padrões, financiamentos, estímulos tributários e medidas de controle. Referindo-se à insuficiência das práticas até agora adotadas para estimular a preservação ou evitar a degradação ambiental, Trennepohl [51] diz o seguinte:

Não basta mais ao Direito Ambiental global perfilhar entendimento de que o princípio do poluidor-pagador seja suficiente para obter resultados satisfatórios de proteção.

Essa satisfação de resultados depende da adoção de políticas e ações governamentais de desestímulo à produção e ao consumo de produtos poluentes e incentivo e prestígio a produtos, serviços e bens autossustentáveis.

O que se fala de estímulo e prestígio à produção e consumo passa pelo estabelecimento de "padrões" de sustentabilidade social e ambiental. Somente algumas classes de produtos contam com padrões definidos de aferição da sustentabilidade em termos técnicos de construção (p. ex. Selo PROCEL Edifica, Selo Casa Azul, AQUA, LEED®). Em termos mais complexos de avaliação socioambiental pelo Poder Público, tem-se um modelo no Informe Social [52], adotado sobre o programa de concessões de rodovias no Estado de São Paulo, abrangendo os aspectos econômicos, ambientais e sociais, visando a avaliar o grau de comprometimento das instituições participantes.

A referência legal às aquisições públicas, como mostrado, está no art. 7º da PNRS e os instrumentos econômicos estão no art. 42. O Decreto nº 7.404/10, que regulamenta a PNRS, em seu art. 80, inciso V, menciona as "aquisições e contratações públicas" como se estivessem no rol dos instrumentos econômicos do art. 42 da PNRS, o que não diminui o valor do regulamento.

O art. 13, inciso I, alínea "h", da PNRS atribui classificação especial aos resíduos da construção civil, os quais ainda podem ser classificados segundo sua periculosidade, chamando-se a atenção, por exemplo, para os riscos do contato humano com o amianto (Resolução CONAMA nº 348/2004), com as tintas, solventes, óleos, vernizes, lâmpadas, material radioativo e com aqueles que estejam contaminados pelo contato com efluentes, fungos e bactérias.

A União tem a responsabilidade de elaborar o Plano Nacional de Resíduos Sólidos, conforme o art. 15 da PNRS, que prevê a edição de diretrizes, de metas e o levantamento de diagnósticos sobre a situação atual dos resíduos sólidos no País. O inciso VII prescreve que o esse Plano deverá conter, também, normas e condicionantes para o acesso a recursos da União.

No art. 16 está a referência para a elaboração dos Planos Estaduais de Resíduos Sólidos, condição para o recebimento de repasses financeiros da União destinados a empreendimentos e serviços de gestão de resíduos sólidos, exigindo-se, entre outras medidas, a atividade de gestão de resíduos da construção civil.

Até então, somente os Municípios e o Distrito Federal tinham a obrigação pela gestão de resíduos sólidos, por meio dos respectivos Planos Integrados de Gerenciamento de Resíduos da Construção Civil, como diz o art. 5º da Resolução CONAMA nº 307/2002. Com a PNRS, passou a existir a competência do Poder Público como um todo e, também, dos geradores de resíduos (art. 25). As licitações, na medida em que fazem da Administração uma consumidora, lhe atribuem a responsabilidade compartilhada a que se refere o art. 30 e seguintes da PNRS.

Antes da PNRS, quando a base normativa era só a Resolução CONAMA nº 307/2002, as empresas de construção civil consideradas pequenas geradoras eram dispensadas da exigência do Projeto de Gerenciamento de Resíduos da Construção Civil, segundo o art. 7º dessa Resolução. Agora, conforme o art. 20, III, as empresas de construção civil estão sujeitas à elaboração de Plano de Gerenciamento de Resíduos Sólidos, nos termos do regulamento ou de normas estabelecidas pelos órgãos do SISNAMA (Sistema Nacional do Meio Ambiente). Por sua vez, o § 2º do art. 45 do Decreto nº 7.404/10 diz que os planos de gerenciamento de resíduos da construção civil serão regidos pelas normas estabelecidas pelos órgãos competentes do SISNAMA, o que é um sinal claro que a Resolução nº 307/2002 vai continuar regendo a atividade das construtoras.

Caso a caso, esses projetos ou planos devem ser exigidos pelos órgãos licitantes, por ocasião da contratação de empresa construtora ou de terceiro que assuma o encargo de destinação dos resíduos da obra ou da demolição.

A sociedade tem o direito constitucional ao descarte adequado de resíduos [53], mas este direito vem acompanhado do dever de coleta e recebimento, pelo Estado, e do dever de planejamento do descarte, por parte de segmentos da própria sociedade, no caso, dos empresários da indústria da construção civil.

A participação de todos, empresas, governos e sociedades, para salvar o Planeta é a palavra de ordem do Ex-Vice-Presidente dos Estados Unidos da América, Al Gore [54], que há anos empreende esforços de convencimento para mobilizar os povos de diversos países. A defesa do meio ambiente não deve encontrar fronteiras, ainda que se respeite sempre a soberania de cada Estado. O direito ao meio ambiente sadio exige o comprometimento conjugado de governos de todos os países, porque o efeito estufa, rios poluídos, lençóis freáticos contaminados, atmosfera insalubre, oceanos escassos de vida e pragas de toda ordem, sem falar do mercado de capitais e de hordas de refugiados, não se detêm nas alfândegas internacionais.

Está constatado que "hoje, qualquer sociedade em crise, não importa quão remota [...] pode causar problemas para sociedades prósperas de outros continentes e também estão sujeitas à sua influência [...]" [55]. Não é justo que, à forma como a sociedade mundial está organizada, o crescimento econômico de um povo leve à sua própria extinção ou ao colapso de outro grupo. Isso já se viu na história da humanidade, em diversas oportunidades, suscitando o questionamento sobre o que os governantes fizeram para impedir que isso ocorresse.

Os primeiros tratados internacionais versando sobre união dos povos em defesa do meio ambiente ocorreram em meados do século passado, na Europa, e tiveram cunho eminentemente econômico. Em 1968 foi fundado o Clube de Roma, que fez publicar, em 1972, o relatório "Os Limites do Crescimento" (Limits to Growth), sobre problemas ambientais no nível mundial, dando o primeiro passo em direção à conscientização internacional para o tema. Também em 1972, em Estocolmo, na Suécia, ocorreu a primeira grande conferência das Nações Unidas sobre meio ambiente, mobilizando líderes de vários países.

Na ordem constitucional brasileira, os tratados ou convenções internacionais que versem sobre direitos e garantias individuais, têm destaque na forma do § 2º do art.5º, CF. Nessa situação se enquadram os tratados internacionais sobre meio ambiente, porquanto tratam de direitos relacionados à dignidade e à própria vida humana. Sua forma de incorporação ao corpo legislativo pátrio se dá por procedimento especial, após a celebração do instrumento formal pelo Presidente da República (art. 84, VIII, CF). Posteriormente, submete-se o tratado ao referendo do Congresso Nacional (art. 49, I, CF), sendo promulgado como decreto legislativo, que depois deverá ser ratificado pelo Executivo, por meio de decreto. Só então, o termo internacional terá aplicação interna geral e obrigatória. Seu status no ordenamento jurídico, entretanto, é equiparado ao das leis ordinárias [56].

Em 1992, no Rio de Janeiro, ocorreu a Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente e o Desenvolvimento (CNUMAD), conhecida como ECO-92, que reuniu representantes de quase todos os países do mundo.

Em seu Princípio nº 8, a ECO-92 estabeleceu o seguinte, in verbis:

Princípio 8

Para atingir o desenvolvimento sustentável e mais alta qualidade de vida para todos, os Estados devem reduzir e eliminar padrões insustentáveis de produção e promover políticas demográficas adequadas.

É dizer que os Estados devem reduzir e eliminar padrões insustentáveis de produção, não só dos particulares, mas os próprios inclusive. Os padrões sustentáveis de produção não devem ser somente impostos pelos Estados aos seus cidadãos, mas devem ter como ponto de partida o próprio Estado produtor, empreendedor ou construtor. As atividades produtivas governamentais devem ser pautadas por padrões de sustentabilidade iguais ou até mesmo mais rigorosos que os exigidos dos particulares. No caso das obras públicas, como o Estado geralmente contrata empresas para construir seus edifícios, estes padrões de sustentabilidade devem ser exigidos no ato da convocação e da contratação.

Nesse princípio da ECO-92 verifica-se a referência a dois aspectos do meio ambiente, quais sejam: a necessidade de preservação dos recursos naturais e a importância do meio ambiente urbano, este sob o peso da construção civil.

O desenvolvimento sustentável com qualidade de vida tem relação direta com a política demográfica, notadamente com o planejamento na ocupação do solo, o que não se dá somente pela edificação de moradias familiares, mas também pela elevação de certas obras públicas, as quais, inevitavelmente atraem pessoas, tráfego e serviços. É o caso, por exemplo, dos conjuntos habitacionais, aeroportos, terminais rodoviários, estações de metrô e trem, hospitais, escolas, repartições públicas e outras, que são planejadas considerando, entre diversos aspectos, o afluxo de pessoas, trânsito, serviços orbitais e residências. Obras como estas devem considerar o impacto que causam na política demográfica, conforme prescrito no Estatuto da Cidade – Lei nº 10.257/01, como Estudo de Impacto de Vizinhança – EIV (art. 4º, VI). O detalhamento deste Estudo está no art. 36 e seguintes da Lei, onde consta a que "lei municipal definirá os empreendimentos e atividades privados ou públicos em área urbana que dependerão de elaboração de [...] EIV para obter as licenças ou autorizações de construção, ampliação ou funcionamento".

O Estatuto da Cidade, contudo, visa ao meio ambiente urbano das cidades, ou melhor, dos Municípios, enquanto o Princípio nº 8 da ECO-92 se aplica não somente ao Município, mas também ao Estado/Distrito Federal e até mesmo à União, no que se refere a planejamento da distribuição espacial da população e das atividades econômicas, de modo a evitar e corrigir as distorções do crescimento urbano e seus efeitos negativos sobre o meio ambiente. Muito embora para os problemas globais devam ser buscadas soluções locais, não é só o Município que deve se preocupar com a distribuição demográfica urbana. Outras políticas públicas de maior abrangência geográfica devem existir, ainda que não necessariamente por meio de lei, mas cada ecorregião deve procurar soluções específicas, considerada a sua ecologia, cultura e necessidades sociais [57]. Invoca-se, aqui, o princípio das responsabilidades comuns e o da ubiquidade, já referidos.

Verifica-se a contribuição da União e dos Estados para essa política urbana, de forma mediata, por ocasião da execução de grandes obras públicas, quando ocorre a contratação de trabalhadores originários de locais distantes, que se deslocam em massa para os canteiros de construção, ali permanecendo até o final dos contratos. Uma vez desmobilizados, grande parte destes trabalhadores, em geral com baixa qualificação profissional, busca colocação no mercado da construção civil local, que resta saturado. O resultado é o subemprego, baixa renda, condições precárias de vida, aglutinação de famílias inteiras em condições de habitação degradantes, favorecendo a marginalização e a qualidade de vida insatisfatória para essas pessoas e para outros cidadãos próximos. Esse aspecto socioambiental, por vezes, deixa de ser considerado nas obras públicas de grande porte, embora esteja na pauta dos estudos de planejamento urbano sistêmico [58], pois repercute na gestão urbana.

A Agenda 21 [59], criada no âmbito das Nações Unidas durante a ECO-92 como instrumento estratégico de definição de políticas voltadas à sustentabilidade, foi reproduzida, com adaptações, em todos os níveis de gestão pública ou particular, pois este era um dos seus objetivos. Em seu Capítulo 4, a Agenda 21 prevê a mudança de padrões de consumo das pessoas e do Governo. A cláusula 4.22 se refere à liderança exercida pelos Governos ao adquirirem produtos ecológicos. A cláusula 4.23 trata especificamente sobre contratações públicas, como segue:

4.23. Os próprios Governos também desempenham um papel no consumo, especialmente nos países onde o setor público ocupa uma posição preponderante na economia, podendo exercer considerável influência tanto sobre as decisões empresariais como sobre as opiniões do público. Consequentemente, esses Governos devem examinar as políticas de aquisição de suas agências e departamentos de modo a aperfeiçoar, sempre que possível, o aspecto ecológico de suas políticas de aquisição, sem prejuízo dos princípios do comércio internacional.

Édis Milaré [60] entende que a Agenda 21, assumida oficialmente pelos países representados, é mais do que um "código de boas-intenções", porque, ainda que seja uma utopia, é necessária, pois subsidiará um ordenamento jurídico internacional e será adaptada para atender às diferenças locais em todo o mundo.

Em setembro de 2002, ou seja, dez anos depois da ECO-92 e trinta depois de Estocolmo, reuniram-se na Conferência de Johannesburg, na África do Sul, representantes de países de todo o mundo para firmarem a Declaração de Johannesburg sobre Desenvolvimento Sustentável [61].

O Capítulo III deste documento se dirige à modificação dos padrões de consumo e de produção não sustentáveis. O Parágrafo 19 do Capítulo III prevê a motivação de todas as autoridades para que considerem o desenvolvimento sustentável em suas decisões, entre elas as que tratem de compras públicas. Isso inclui promover políticas de contratações públicas que estimulem a criação e a difusão de bens e serviços que respeitem o meio ambiente. O Parágrafo 20 trata de eficiência e de consumo energético dos edifícios durante seu longo ciclo de vida, para que seja considerado este fator nos programas socioeconômicos, nos projetos, na operação e na manutenção das construções.

Ainda que não sejam tratados externos nem convenções, as Declarações do Rio (ECO-92) e de Johannesburg expressam intenções do Governo Brasileiro no Concerto das Nações e, se não vinculam interna e formalmente o Estado, obrigam-no moralmente perante seus cidadãos e toda a comunidade internacional, devendo, por isso, serem honrados.

De todo o exposto sobre a construção civil sustentável em face da legislação ambiental, verifica-se que a política pública brasileira referente ao meio ambiente está calcada na PNMA. Ali, especialmente no inciso XIII do art. 9º, está uma porta para os instrumentos econômicos de incremento das contratações públicas sustentáveis. Conclui-se, também, que há amparo legal para o uso das licitações públicas como instrumento econômico em favor do meio ambiente, podendo ser exigidos critérios ambientais nas obras públicas, de forma a torná-las o mais sustentável possível.

Se o Governo Federal impuser o requisito de que as suas licitações de obras sejam executadas segundo "padrões verdes de construções", em tese as empreiteiras interessadas em uma parcela da cifra oferecida tentarão se adequar às exigências, o que trará benefícios ao meio ambiente e às empresas. Esta decisão, entretanto, requer a preparação do mercado e do setor público, pois as construções sustentáveis exigem estudos e pesquisas sobre insumos, técnicas, padrões adequados e mão de obra especializada.

Assim como a iniciativa privada deve estar em condições de atender à demanda, de sua parte, o Estado precisa igualmente estar preparado para especificar, fiscalizar e usar prédios públicos sustentáveis. Não é admissível a destinação de recursos públicos para atividades poluidoras, por meio de aquisições, incentivos ou financiamentos, mas também não seria razoável esperar uma atuação governamental que provocasse o rompimento abrupto com a indústria que emprega, gera renda, tributos e promove o desenvolvimento nacional como a da construção civil. Por isso, o Estado deve agir, cabendo-lhe tomar a dianteira.

O que deve ser fomentado por meio de políticas próprias, a serem implantadas de forma gradativa, é a adoção de "licitações verdes", de maneira a despertar o mercado para esse filão, o que resultará em uma aplicação diferenciada do princípio da prevenção.

A PNMC e a PNRS, mais novas que a PNMA, já trazem em seus textos referências diretas às contratações públicas sustentáveis, concitando à elaboração de normas que deem preferência aos produtos e serviços ambientalmente corretos. A generalidade dessas Políticas não define a forma executória de como efetivar a preferência a produtos sustentáveis nas licitações. Quaisquer que sejam as medidas adotadas neste sentido, terão guarida no princípio da prevenção do Direito Ambiental, valendo-se das licitações, ou seja, do poder de compra do Governo, como instrumento econômico em favor do meio ambiente.

Ao lado das licitações, o Estado dispõe de outras ferramentas que constam das três Políticas estudadas, como por exemplo o fomento ao estudo e pesquisa, ao ensino, facilidade para financiamentos, criação de incentivos tributários e definição de padrões de sustentabilidade.

A PNRS inova no campo dos fomentos à proteção ambiental, fazendo menção ao princípio do protetor-recebedor, de viés histórico na área tributária. Sob certos aspectos, a PNRS foi antecedida pela Resolução CONAMA nº 307/2002, que trata da gestão dos resíduos da construção civil e que é complementada por normas municipais e estaduais. A novidade para os construtores está na obrigatoriedade de elaboração de Plano de Gerenciamento de Resíduos Sólidos.

O Brasil participou das declarações internacionais que resultaram da ECO-92 e da Conferência de Johannesburg, demonstração da necessidade de conscientização global sobre a influência que um Estado pode exercer sobre os demais em termos de meio ambiente. O País também aderiu à Agenda 21, fruto da ECO-92, e tem buscado difundi-la, para o engajamento da sociedade em todos os segmentos, público e privado, a fim de dar-lhe penetração local.

Estes compromissos internacionais não têm a força legal dos tratados ou convenções, mas representam uma obrigação do Governo Brasileiro perante seus cidadãos e os demais povos, que esperam a execução prática das ideias ali contidas. A Agenda 21, a ECO-92 e a Declaração de Johannesburg contêm dispositivos que pretendem motivar os Governos a adotarem padrões sustentáveis de produção e de consumo, o que significa dizer, realizar licitações e contratações que favoreçam a preservação do meio ambiente.

Por tudo isso, pode-se dizer que as licitações sustentáveis de obras públicas já fazem parte das políticas ambientais brasileiras, reveladas interna e externamente, ainda que de forma genérica e transversal. O mercado, todavia, não suporta, ainda, uma mudança mais drástica do modo de consumo do Governo, embora haja premência de tempo para a sua aplicação. Diversas medidas de ordem estrutural devem ser adotadas em acompanhamento às que estão em curso, a fim de dar força executória às Políticas Ambientais. Há amparo legal para estas medidas, que já estão esboçadas em suas linhas gerais, e o Governo tem o poder de compra e outras formas de influenciar a produção. Faltam normas, padrões definidos e conscientização ambiental dos stakeholders, em especial na área pública, pois na área privada o que define os rumos é o mercado.

2.4 A sustentabilidade ambiental nas licitações e contratações administrativas

Enquanto o marco legal para o Direito Ambiental Brasileiro é a Política Nacional do Meio Ambiente, para as licitações e contratos públicos esse marco é a Lei nº 8.666/93, a Lei de Licitações e Contratos da Administração Pública. A Constituição Federal, no art. 22, inciso XXVII, confere privativamente à União a competência para legislar sobre normas gerais de licitação e contratação, a serem seguidas pelos entes e órgãos da Administração. Mais adiante diz que "as obras, serviços, compras e alienações serão contratados mediante processo de licitação pública que assegure igualdade de condições a todos os concorrentes", conforme consta do inciso XXI do art. 37, CF. Se todos os interessados podem concorrer para vender ao governo, está assim consagrado o objetivo da isonomia no processo licitatório. Quando o governo opta pela proposta que melhor atende ao interesse público, alcança outro objetivo da licitação, que é a seleção do negócio que se lhe apresenta mais vantajoso.

Os princípios das licitações e contratos administrativos estão expressos de forma não taxativa no caput do art. 3º da Lei nº 8.666/93, abaixo transcrito. Em vista da parte final desse artigo, que admite outros "que lhe sejam correlatos", é possível que a esses princípios se juntem mais alguns, identificados pela doutrina.

Art. 3º A licitação destina-se a garantir a observância do princípio constitucional da isonomia, a seleção da proposta mais vantajosa para a administração e a promoção do desenvolvimento nacional sustentável e será processada e julgada em estrita conformidade com os princípios básicos da legalidade, da impessoalidade, da moralidade, da igualdade, da publicidade, da probidade administrativa, da vinculação ao instrumento convocatório, do julgamento objetivo e dos que lhes são correlatos. (grifei)

Dos princípios enumerados no art. 3º, os que dizem respeito mais diretamente às obras públicas sustentáveis são os já citados princípios basilares da isonomia e da proposta mais vantajosa, por vezes associados ao abrangente princípio da concorrência. "A isonomia, consagrada constitucionalmente, visa a dar a todos iguais oportunidades; a concorrência, possibilitar à administração uma melhor escolha, portanto a satisfazer a necessidade da probidade administrativa." [62]

Além de princípios, isonomia e proposta vantajosa são os próprios objetivos da licitação, a fim de que todos os administrados que se interessem possam participar do certame com igualdade de condições, e para que a administração realize a melhor contratação.

A doutrina do Direito Administrativo é unânime em afirmar que o conteúdo do art. 3º da Lei nº 8.666/93, por tratar de princípios, é norma geral de licitações e contratos e que, por isso, é exigível em todos os entes da Administração. A abrangência desse dispositivo legal não é passível de questionamento, sob pena de afronta ao art. 22, XXVII, CF.

Na mais recente alteração do art. 3º, com a redação dada pela Lei nº 12.349/10, o meio ambiente foi brindado nas licitações. A "promoção do desenvolvimento nacional sustentável" foi inserida no texto legal, elevando a sustentabilidade ao status de objetivo/princípio das licitações e contratações públicas. Esta alteração da Lei de Licitações e Contratos vem demonstrar a importância que a sustentabilidade atingiu no Poder Público, indicando a mudança de rumos na Administração. Se faltava determinação expressa na lei para a adoção das "licitações verdes", agora não falta mais.

As questões fundamentais envolvendo os princípios das licitações e a contratação de obras sustentáveis está relacionada à igualdade de oportunidades e à seleção da melhor proposta. Questiona-se: não haveria quebra da isonomia, se houvesse a preferência da Administração por fornecedores/construtores que se propusessem a contratar sem causar danos ao meio ambiente? Poderia ser exigida do licitante a comprovação desta habilitação? Este seria o critério de escolha do vencedor da licitação? Pergunta-se em que medida uma proposta seria mais sustentável que a outra; ou se a proposta ecológica seria realmente a mais vantajosa para o Poder Público, mesmo que implicasse maior custo, como geralmente ocorre com as green buildings.

Referindo-se ao art. 3º da Lei nº 8.666/93, Paulo Affonso Leme Machado [63] diz que esta Lei não é uma lei de meio ambiente, e que o administrador deve se socorrer de leis especializadas, de acordo com a situação concreta com a qual se deparar, sendo elementar que se busque a probidade administrativa.

Citando Lucia Valle de Figueiredo e Sérgio Ferraz, Marçal Justen Filho [64] explica que na licitação "a desigualdade não é repelida, o que se repele é a desigualdade injustificada", pois a diferenciação entre os particulares é inafastável.

Assim, em poucas linhas, se existir motivo suficientemente probo, estabelecido no edital, na forma de critérios para a escolha dos contratantes, seguido da verificação de quais licitantes atendem a estes mesmos critérios, estará satisfeito o princípio da isonomia. A restrição à participação de concorrentes, entretanto, nunca é o lídimo objetivo da Administração. Para isso, o instrumento convocatório estabelecerá critérios necessários, proporcionais e pertinentes ao objeto licitado, que tragam vantagem para a Administração e que tenham respaldo legal. Dessas assertivas, se confirma o que defende o próprio autor, quando adianta que os princípios da licitação "não podem ser examinados isoladamente, aplicando-se a regra hermenêutica da implicabilidade dos princípios" [65]. O que ocorre é que, como a licitação é um processo, formado por atos administrativos conexos encadeados, os princípios são aplicáveis em diversos momentos dessa prática.

O mesmo Marçal Justen Filho [66], mais adiante, referindo-se à seleção do licitante para contratar com a Administração, afirma o seguinte:

O direito de licitar, ainda que abstrato, não é absoluto. É um direito condicionado, também na acepção definida pela doutrina processualista. O direito de licitar se subordina ao preenchimento de certas exigências, previstas na lei e no ato convocatório. Essas exigências se referem quer à pessoa do licitante quer à proposta por ele formulada.

Jessé Torres Pereira Júnior [67], comentando o art. 3º e os princípios da licitação, diz que estes se harmonizam com o da isonomia, e que somente no dia a dia surgirão questões relativas à igualdade dos particulares. Por exemplo, quando a Administração define no edital os requisitos para a participação no certame, não pode ser restritiva ao ponto de ferir o princípio da isonomia. Ao contrário, deve observá-lo para que não seja discriminatório e para que tenha nexo causal com a finalidade buscada.

Marçal Justen Filho acrescenta que a proibição legal ao caráter competitivo da licitação, contida no inciso I do § 1º do art. 3º da Lei nº 8.666/93, abaixo transcrito, não impede a exigência dos documentos necessários à prova da habilitação:

Art. 3º [...]

§ 1º É vedado aos agentes públicos:

I - admitir, prever, incluir ou tolerar, nos atos de convocação, cláusulas ou condições que comprometam, restrinjam ou frustrem o seu caráter competitivo, inclusive nos casos de sociedades cooperativas, e estabeleçam preferências ou distinções em razão da naturalidade, da sede ou domicílio dos licitantes ou de qualquer outra circunstância impertinente ou irrelevante para o específico objeto do contrato, ressalvado o disposto nos §§ 5º a 12 deste artigo e no art. 3º da Lei nº 8.248, de 23 de outubro de 1991. (grifei)

Relembre-se que se o princípio da isonomia não é absoluto, por outro lado a Administração não pode impor discriminações arbitrárias, pois as regras para as restrições à participação em certames são referenciadas na própria Constituição Federal, no art. 37, XXI, in verbis:

XXI - ressalvados os casos especificados na legislação, as obras, serviços, compras e alienações serão contratados mediante processo de licitação pública que assegure igualdade de condições a todos os concorrentes, com cláusulas que estabeleçam obrigações de pagamento, mantidas as condições efetivas da proposta, nos termos da lei, o qual somente permitirá as exigências de qualificação técnica e econômica indispensáveis à garantia do cumprimento das obrigações. (grifei)

Assim, a participação de particulares interessados nas licitações não pode ser restringida sem previsão legal, sob pena de não atendimento ao requisito da igualdade de condições ou isonomia. A Constituição, de início, limita as exigências às qualificações técnicas e econômicas indispensáveis ao objeto pretendido.

Sobre esta determinação constitucional, Marçal Justen Filho [68] alerta para que as exigências sejam as mínimas possíveis, o que seria suficiente para a Administração garantir o interesse público. Para o autor, se o ato convocatório extrapolar nas exigências para a seleção dos participantes, sem respaldos técnicos que justifiquem a "utilidade" ou "pertinência", tem-se a exclusão imotivada de concorrentes, o que infringe a Constituição, e torna o ato inválido.

À parte as exigências de qualificações econômicas, que não se diferenciam se a obra a ser executada será sustentável ou não, restam as exigências técnicas.

As condições de ordem técnica são definidas taxativamente, vedadas outras que não estejam legalmente expressas [69]. Na Lei de Licitações, a chamada qualificação técnica está prescrita no inciso II do art. 27 c/c art. 30, abaixo transcritos com grifos:

Art. 27. Para a habilitação nas licitações exigir-se-á dos interessados, exclusivamente, documentação relativa a:

I - habilitação jurídica;

II - qualificação técnica;

[...]

Art. 30. A documentação relativa à qualificação técnica limitar-se-á a:

(…) (grifei)

Pela redação do texto legal já se percebe que os dois dispositivos acima devem ser interpretados restritivamente, e que o administrador não poderá inovar na exigência de outros documentos e na imposição de critérios de seleção imotivados, senão os que encontrem respaldo muito bem fundamentado na lei e no caso concreto. A habilitação dos licitantes é ato vinculado. Uma vez que a Administração especifique no edital qual documentação requer para a qualificação dos licitantes, estará obrigada, segundo o princípio da vinculação ao instrumento convocatório [70]. Portanto, "estão excluídas tanto as cláusulas reprovadas pela Lei nº 8.666/93 como aquelas não expressamente por ela permitidas" [71]. As excepcionalidades legais não constituem ofensa ao princípio da isonomia, além do que, desde que proceda com legalidade, a Administração pode e deve escolher bem o que precisa.

Marçal Justen Filho alerta que "o problema da capacitação técnica operacional se revela como relevante em todas as espécies de contratação, mas as maiores dificuldades relacionam-se com as obras e serviços de engenharia" [72]. O inciso II e o § 1º do art. 30 preveem que se exija a comprovação de aptidão do licitante, que deve ser compatível em características, quantidades e prazos com a obra ou serviço objeto do certame.

Poderia haver a hipótese de o administrador bem-intencionado entender, com fundamento nos dispositivos legais acima referidos, que o prédio que se demonstra necessário para abrigar determinadas atividades públicas deveria ser construído visando à máxima sustentabilidade ambiental e que, para esse objeto, seria imperativo que as empresas licitantes apresentassem documentos que comprovassem o seu reconhecimento perante renomado órgão de certificação ambiental. No entender desse administrador, agindo dessa forma ele estaria exigindo a comprovação de habilitação dos licitantes, e garantindo a melhor contratação sustentável para a administração.

Esta conduta, contudo, não seria a mais correta, sob o ponto de vista jurídico. Marçal Justen Filho [73], referindo-se a exemplo semelhante, explica que, por vezes, o licitante pode até não possuir o "selo verde", mas pode ter condições técnicas para executar a obra pretendida. Pode ocorrer, também, de a empresa ter o certificado comprobatório, mas não ter a prática adequada para o que a Administração quer. Alerta, ainda, que o decurso de prazo, entre a divulgação do instrumento convocatório e a apresentação dos envelopes contendo a documentação de habilitação, poderia não ser suficiente para a conclusão do processo de auditoria pelo órgão certificador junto à construtora/fornecedora. A exigência, portanto, implicaria uma restrição desnecessária imposta pelo administrador, frustrando o caráter competitivo da licitação, o que seria contrário à lei. Como no exemplo aqui apresentado, a exigência de documentação além da necessária, dificultando a habilitação dos licitantes, pode trazer empecilhos ao alcance da isonomia do procedimento licitatório [74].

Então, o critério de escolha dos participantes da licitação para a edificação de um edifício sustentável não deve estar na exigência de documentos que certifiquem que a empresa possui esta ou aquela qualificação técnica, por mais idôneo que seja o órgão certificador. Não há fundamento legal para a exigência de um determinado selo ou atestado. Além disso, a certificação pode não ser o único meio para aferir a qualificação. Se a vontade da Administração está orientada para um prédio sustentável, o critério de seleção dos licitantes não deve estar nos certificados ambientais que as empresas possuem, mas no próprio objeto da licitação. A Administração deve sim exigir que a obra seja edificada sob condições definidas no edital, usando o material especificado, empregando a técnica adequada. É lícito que a Administração exija que a obra obtenha a certificação LEED®, ISO (International Organization for Standardization), AQUA, PROCEL Edifica, etc., mas não pode impô-las como requisito para a habilitação dos licitantes.

Em vista do trabalho a ser desenvolvido, a obra ou serviço de engenharia pode ser enquadrada no rol do Anexo II da Instrução Normativa nº 031/2009 do IBAMA. Esta Instrução Normativa trata do registro de pessoas físicas ou jurídicas que se dedicam a atividades potencialmente poluidoras e/ou à extração, produção, transporte e comercialização de produtos potencialmente perigosos ao meio ambiente. Deve ser observado que são enquadradas no Anexo II da IN 031/2009 as atividades de gerenciamento de projetos, a fabricação e a comercialização de determinados insumos para construção, além das obras de engenharia. A Instrução Normativa nº 031/2009 tem como suporte a ordem contida no inciso II do art. 17 da Lei nº 6.938/81, que fala do Cadastro Técnico Federal.

Alguns editais de licitação têm exigido o Certificado de Regularidade, na forma do art. 8º da IN 031/2009, como condição para a habilitação dos interessados em construir para o Poder Público. Essa prática é uma justa homenagem à defesa e à preservação do meio ambiente, assim como permite maior controle sobre o mercado da construção civil. Esse registro cadastral junto ao IBAMA é obrigatório para certas pessoas, por imposição legal, mas não para toda e qualquer obra ou serviço de engenharia. Deve haver uma relação de causalidade entre a exigência e o interesse público. Somente se houver esse nexo, o requisito será admitido. É necessário, também, analisar de que forma se pode exigir a certificação por meio do instrumento convocatório da licitação.

As exigências para habilitação dos interessados, como visto, devem ser as mínimas suficientes para garantir uma contratação segura para a Administração. Não cabe ao administrador público criar, ao seu alvedrio, condições de habilitação, sob o argumento de discricionariedade. Sob este aspecto, a Lei nº 8.666/93, em seu art. 27 e seguintes, apresenta exigências documentais que devem ser interpretadas restritivamente.

A obrigatoriedade de os licitantes terem registro no Cadastro Técnico Federal poderia encontrar amparo na habilitação jurídica (art. 27, I), uma vez que trata do reconhecimento da atividade do particular pelo órgão ambiental de maior nível executivo no País. Considera-se, porém, que a habilitação jurídica tem por fim evitar que o Poder Público contrate com pessoas que não tenham "aptidão efetiva para exercer direitos e contrair obrigações, com responsabilidade absoluta ou relativa por seus atos" [75]. Assim, entende-se que incluir o registro no IBAMA como condição de habilitação jurídica não teria o respaldo mais adequado, pois o registro cadastral no IBAMA não diz a aptidão civil do pretenso contratante. Acima de tudo, o art. 28 da Lei nº 8.666/93, que detalha o inciso I do art. 27, elenca um rol com números cláusulos de documentos, nos quais não cabe o registro no IBAMA.

Como muito menos se trata de qualificação econômico-financeira (art. 27, III, da Lei nº 8.666/93) ou de regularidade fiscal (art. 27, IV), muito embora haja uma taxa a recolher, a condição de os licitantes estarem regularmente cadastrado perante o IBAMA poderia ser uma exigência que se respaldaria no art. 27, II, em tratando de habilitação técnica, especialmente por que o art. 30, IV, da mesma Lei menciona expressamente que pode ser pedida pelo ente licitante "prova de atendimento de requisitos previstos em lei especial, quando for o caso". Como o cadastro no IBAMA decorre de obrigação prevista em lei, o fundamento para a exigência poderia estar aí. Ocorre que, conforme a atividade fim, o registro no Cadastro Técnico Federal não assegura nem comprova nenhuma qualidade técnica. Ou seja, o registro não acrescenta adjetivo técnico-profissional à pessoa participante da licitação. Por isso, deve haver cautela da Administração ao exigir o registro dentre as exigências para qualificação técnica.

Em uma analogia, é sabido que os veículos automotores são sujeitos a inspeção que afere a emissão de poluentes. Nem por isso pode ser exigido, a título de habilitação, que os interessados em contratar com a administração apresentem provas de que os veículos usados nos seus serviços emitem gases de acordo com as normas ambientais. Tampouco se elimina do certame um concorrente que deixe de comprovar que os eletrodomésticos do seu escritório funcionam sob os padrões do INMETRO, ou que os seus móveis são confeccionados com madeira certificada. Por isso se diz que as exigências para a habilitação devem ser as mínimas. Se assim não fosse, com o argumento do interesse público na proteção do meio ambiente, nas licitações seriam cobrados os mais inusitados documentos. Embora desejável, esse caminho não é factível, por questão prática. Esse também não é o objetivo da licitação sustentável. Ela deve auxiliar na contratação isonômica e vantajosa para a administração, privilegiando a sustentabilidade ambiental, mas é inviável que sirva para a correção de todas as mazelas sociais.

Com um olhar pragmático sobre o assunto, deve ser considerado que o Cadastro Técnico Federal é pré-requisito para a atuação do particular junto aos órgãos ambientais, como prova de regularidade. Sua obtenção se dá pela internet, por meio do site do próprio IBAMA (http://www.ibama.gov.br), nos serviços on line. Da mesma forma, pode ser verificada a regularidade do interessado junto ao órgão. Se o registro cadastral for essencial para o cumprimento das obrigações do contratado, ele deverá providenciá-lo, sob pena de não cumprir satisfatoriamente com a sua parte na avença, ensejando a rescisão contratual. Por isso, parece ser mais seguro, sob o aspecto jurídico, que a exigência de regularidade perante os órgãos ambientais, na forma da IN 031/2009 inclusive, estejam entre as obrigações contratuais, diretas ou indiretas, mas não entre os requisitos para habilitação dos licitantes.

De todo o exposto, verifica-se que a exigência do Certificado de Regularidade, como demonstrado, apesar de razoável, não se enquadra nos limites do que autorizam os art. 28 a 31 da Lei nº 8.666/93, sendo conveniente que seja exigido no escopo das obrigações do contratado.

Concluindo, o critério de sustentabilidade deve estar no projeto, e não no licitante. Deste, devem ser exigidos os documentos comprobatórios que atestem a capacidade técnica e operacional prevista na lei, com destaque para a comprovação de aptidão do corpo técnico do construtor, demonstrada pela execução de obra anterior, com características compatíveis. Tais requisitos devem ser proporcionais às necessidades da Administração, a fim de serem evitados excessos.

Ainda sobre questão da certificação ambiental de empresas licitantes, cabe um comentário quanto ao Projeto de Lei do Senado (PLS) nº 366/2008 [76], que propõe a inclusão do inciso V no § 2º do art. 3º da Lei nº 8.666/93, para que, alterado, passe a figurar com a seguinte redação, in verbis:

Art. 3º [...]

§ 2º Em igualdade de condições, como critério de desempate, será assegurada preferência, sucessivamente, aos bens e serviços:

(…)

V - produzidos ou prestados por empresa certificada pela adoção de práticas ambientalmente sustentáveis.

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Essa alteração proposta, da forma original, apresentaria o inconveniente de se criar um mercado paralelo de certificação, no qual se mercadejasse sem o rigor técnico necessário nesse ramo de atividade, somente para assegurar benefícios às empresas que fossem suas clientes. Como não estão, nem poderiam ser definidas as entidades auditoras, a porta estaria aberta a qualquer emissor de "selos verdes", descompromissado com o fim ao qual se destinaria a certificação.

O Parecer da Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania do Senado Federal, no ano de 2009, aventando a possibilidade de fraudes, caso a certificação fosse emitida por entidades privadas, concluiu pela necessidade de que a certificação proposta partisse de órgão oficial. Essa solução, entretanto, parece ir contra a tendência administrativa de redução do aparelho burocrático estatal, pois iria onerar a Administração com mais uma tarefa, qual seja, a de auditar as empresas de todos os ramos de atividades e de qualquer porte, desde que se interessem por se assegurar em caso de empate em licitações. A melhor ideia, então, seria atribuir o encargo à Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), oficialmente responsável pela normalização no País. Outra alternativa para este problema poderia estar na atribuição dessa tarefa ao terceiro setor, que já realiza a certificação socioambiental [77] de empresas, ainda que sem o escopo de habilitá-las oficialmente para licitações, como propõe o PLS nº 366/2008.

Dois outros projetos que sugerem critérios de desempate em licitações estão também em trâmite no Legislativo Federal, sob os números PLS 139/2005 e PLS 224/2007, ambos versando sobre divulgação de balanço socioambiental e sobre o "Selo Empresa Responsável". Eles tramitam no Congresso junto com o PLS 366/2008.

O outro princípio da licitação que está no foco deste trabalho é o da proposta mais vantajosa, também conhecido como princípio da vantajosidade. Este tem importância na licitação de uma obra sustentável porque, diante de conceito ainda inovador e pelo fato de o mercado ter preços diferenciados para produtos, serviços e técnicas sustentáveis, é inevitável que surjam os questionamentos se a contratação traria mais vantagem para a Administração; se seria mais razoável escolher a proposta que privilegiasse a economia de água, em lugar da que emitisse menos CO2; ou se seria mais compensatório elevar uma obra tradicional ao invés de optar pela construção sustentável.

"Selecionar a proposta mais vantajosa é, a um só tempo, o fim de interesse público que se quer alcançar em toda licitação (sentido amplo) e o resultado que se busca em cada licitação (sentido estrito)" [78]. Para Paulo Affonso Leme Machado [79], a proposta mais vantajosa para a Administração não pode conter condutas danosas ao meio ambiente, pois o Poder Público tem o dever de preservá-lo e defendê-lo para as presentes e futuras gerações. Se o Poder Público contrata algo que provoca prejuízo para o ambiente, estará faltando duas vezes com o seu dever, pelos danos causados à natureza (1) e ao erário (2), o que é passível de arguição pela via judicial cabível.

Em virtude das alterações que a sociedade sofre, em especial em consequência dos conhecimentos que produz, ela está "sempre a exigir uma adaptação dos conceitos tradicionais do Direito" [80], como é o caso, quando se trata de avaliar a vantagem da contratação de uma obra sustentável.

O conceito básico de "proposta mais vantajosa" é monolítico, significando a obtenção de mais ao menor custo. Na licitação, deve sempre ser observado o princípio da isonomia, em consonância com os demais, na busca pela proposta mais vantajosa. Marçal Justen Filho [81] entende que a maior vantagem possível está em a prestação da Administração ser a menor para a maior prestação do contratado, de forma a aumentar a relação custo-benefício para o Poder contratante. Por isso a regra é licitar.

A princípio, portanto, em uma obra, a maior vantagem estaria em a Administração concluir a edificação de que precisa por um custo financeiro reduzido. Mas não é só isso que pesa em uma obra. Diversas circunstâncias têm que ser consideradas, entre elas o prazo de construção, a qualidade do material empregado, a técnica de construção, o passivo ambiental legado para os futuros ocupantes e administradores do prédio, o impacto causado na produção do material empregado na obra, o impacto que a obra propriamente dita causará para o meio ambiente, quer durante a sua construção, quer depois, o ciclo de vida do edifício construído, qual o seu consumo de energia e água, qual o tamanho da sua "pegada ecológica", entre outros fatores que têm menos objetividade que o custo final – preço.

Esses fatores técnicos ambientais, quando estão relacionados à atividade da Administração, projetam-se sobre o interesse público, pois determinam se a obra é mais ou menos sustentável. Assim como o preço, outros fatores devem ser considerados quando se decide sobre o projeto. Obviamente os recursos disponíveis são de grande relevância para o administrador, mas, por tudo que já foi exposto até esse ponto, é impositivo que se considerem os critérios ambientais nas obras públicas. Deve ser lembrado que a prevalência do valor patrimonial, em se tratando das relações com o meio ambiente, não é regra. Enquanto a iniciativa privada tem como principal objetivo a obtenção de lucro, o Poder Público almeja o bem-estar da sociedade, simbolizado pela expressão "lucro social" [82].

Como visto, a contratação pública é um instrumento econômico à disposição do Estado em favor do meio ambiente, segundo as Políticas estudadas. É necessário, porém, que se demonstre no processo licitatório a relação entre o fim buscado (adequada instalação dos serviços públicos e preservação do meio ambiente), a vantagem para a Administração (melhor eficiência ambiental) e o custo financeiro da obra (melhor preço). O meio ambiente é fundamental, o interesse público tem relação com o ambiente e com a qualidade de vida, mas não pode ser olvidado que se a solução adotada não for economicamente viável, ela não é sustentável [83]. E o que se quer é a sustentabilidade.

O administrador não deve alegar a supremacia do interesse público na preservação e na defesa do meio ambiente e, sob esta justa finalidade (mediata), incorporar a uma obra soluções que não são proporcionais à sua destinação. O material empregado deve estar adequado à atividade a ser desenvolvida no prédio; os sistemas devem ser dimensionados em função da sua perspectiva de uso; as alternativas técnicas devem ser coerentes com as condições locais. Para algumas despesas, não se questiona quanto à sustentabilidade, como a exigência de madeira de origem certificada, o uso de cimento com reduzida emissão de GEE na sua fabricação, a aplicação de tintas livres de compostos orgânicos voláteis, e outras. Diversas soluções sustentáveis, porém, podem não ser convenientes ou possíveis, por falta de eficiência ambiental na sua aplicação àquela obra ou por ausência de economicidade.

O administrador público está preso ao que a lei lhe autoriza fazer com o recurso disponível. Bem entendido que o desenvolvimento sustentável está alçado à categoria de objetivo da licitação (alteração pela Lei nº 12.349/10), ele está ombreado com outros propósitos da licitação. O administrador deverá "também" observar a sustentabilidade, quando da definição dos critérios de escolha das propostas, o que será definido no instrumento convocatório – edital.

Antes da elaboração do edital, o administrador deverá decidir sobre como vai satisfazer o interesse público com aquela obra, fixando a que custo atingirá o objetivo da sustentabilidade. Esta dosagem influenciará no tipo de licitação a ser lançada e nos critérios de julgamento das propostas, de forma a tornar a escolha o mais objetiva possível, para que não se questionem as condições de igualdade dos participantes, nem o descumprimento do edital.

Nas obras públicas, o que ocorre com frequência é que haja uma primeira licitação para o(s) projeto(s) e, depois, que haja outro certame exclusivamente para a obra propriamente dita, sem contar a compra do material de construção, que pode ser adquirido diretamente pela Administração ou pela empresa contratada. Neste último caso, deve ser observada a proibição de imprevisão da quantidade de material a ser usado, conforme § 4º do art. 7º da Lei nº 8.666/93, para impedir falta de controle ou para que não ocorra o que se costuma denominar "contrato guarda-chuva" [84]. Nesta modalidade repudiada, uma prestação se abriga sob um contrato com o qual não tem relação alguma. Às vezes verifica-se esse procedimento ilícito com o objetivo de acobertar uma obrigação sob outra, ou para se evitar a contratação fragmentada, ou seja, para que não se divida o objeto em parcelas, como recomenda o § 2º do art. 23 da Lei.

Nas compras de material de construção, a licitação do tipo menor preço é suficiente, uma vez que é possível explicitar os requisitos de sustentabilidade desejáveis. Por tratar-se de bem de uso comum, a aquisição desse tipo de material deverá ser por meio de pregão eletrônico, seguindo os mandamentos contidos na Lei nº 10.520/02 e no Decreto nº 5.450/05. Para o atendimento dos requisitos de sustentabilidade ambiental na compra de material, existem ferramentas que podem auxiliar o administrador.

Uma dessas ferramentas é o Guia Prático de Licitações Sustentáveis [85], elaborado no âmbito da Consultoria-Jurídica da União no Estado de São Paulo, que apresenta "as informações legais mais relevantes, do ponto de vista ambiental, sobre objetos que fazem parte do dia a dia das licitações e contratações de qualquer órgão público e, em diferentes níveis, acarretam algum tipo de impacto relevante no meio ambiente". Neste Guia o aspecto legal teve maior atenção, a fim de que o administrador tenha a indicação das normas técnicas ambientais relacionadas aos itens, facilitando a sua descrição, e evitando a compra ou o emprego de material danoso ao meio ambiente. Ali, os itens estão relacionados à legislação ambiental pertinente, ao lado dos motivos que os contraindicam e das providências que devem ser adotadas na confecção do edital.

Outra ferramenta que pode auxiliar o administrador na compra de bens (de consumo ou permanentes) é o Sistema de Catalogação de Material – CATMAT [86], disponibilizado pelo Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão no seu site, no link "Acesso Livre/Catálogo de Material", e que permite a busca por itens com a indicação de sua sustentabilidade, resultando nas características técnicas do produto, que podem ser copiados para o termo de referência.

Nada impede, ainda, que a Administração Federal se socorra de outros instrumentos que lhe auxiliem a especificar o material de construção a ser empregado na obra. Podem ser usadas fontes de consulta de outros entes públicos ou privados, como, por exemplo, o "Catálogo Sustentável" [87] do Centro de Estudos em Sustentabilidade da Escola de Administração de Empresas de São Paulo da Fundação Getúlio Vargas (GVces), um banco de dados on line que armazena informações sobre produtos e serviços avaliados a partir de critérios de sustentabilidade, orientando quanto à disponibilidade para cada Estado e até Município.

Para a elaboração dos projetos das obras, as sustentáveis especialmente, são adequados os tipos de licitação que valorizem a técnica. Sobre o fator preço na elaboração dos projetos de engenharia e arquitetura, o Tribunal de Contas da União (Súmula/TCU nº 157) já se manifestou, orientando que estas contratações devem ser sujeitas a concurso ou a licitação do tipo melhor técnica, independente da consideração de valor, que deve ser balizado no edital. Para a execução das obras propriamente ditas, a regra é a licitação por menor preço, admitindo-se, excepcionalmente, a depender da complexidade técnica, a licitação nos tipos melhor técnica ou técnica e preço (art. 46, § 3º).

Na licitação de uma obra sustentável, para que não pairem dúvidas sobre a proposta mais vantajosa, é fundamental que o edital explicite todos os elementos de decisão que possam orientar o administrador na sua escolha e, também, que oriente o licitante na formulação das suas propostas – técnica e preço. Se a Administração entender que a obra desejada deve contemplar todos os requisitos disponíveis em termos de sustentabilidade ambiental para a construção de um edifício, isso deve constar da definição do objeto, com riqueza de detalhes técnicos, ao lado da demonstração do interesse público que leva a essa opção. Necessariamente, o objeto pretendido deve caber no orçamento disponível. Estes dados devem constar do projeto básico e/ou do projeto executivo da licitação, que são anexos do edital (art. 40, § 2º, I).

O projeto básico deve integrar o edital da licitação como anexo (art. 40, § 2º, I) e está definido no art. 6º, IX, da Lei nº 8.666/93. No caso das obras de engenharia, o projeto básico deve ser antecedido de estudos que assegurem a viabilidade técnica e o adequado tratamento do impacto ambiental, possibilitando, também, que se conheça o custo estimado da obra, os métodos que serão empregados em cada etapa e o prazo de execução. Deve conter, entre outros, os seguintes elementos: uma visão integral da obra com seus conjuntos, cronograma físico-financeiro, Estudo de Impacto Ambiental (EIA), tipos de serviços a executar, materiais e equipamentos a serem incorporados com suas especificações, detalhes do canteiro de obras e orçamento detalhado, incluindo materiais e serviços. Segue o conceito de projeto básico:

Art. 6º [...]

IX - Projeto Básico - conjunto de elementos necessários e suficientes, com nível de precisão adequado, para caracterizar a obra ou serviço, ou complexo de obras ou serviços objeto da licitação, elaborado com base nas indicações dos estudos técnicos preliminares, que assegurem a viabilidade técnica e o adequado tratamento do impacto ambiental do empreendimento, e que possibilite a avaliação do custo da obra e a definição dos métodos e do prazo de execução, devendo conter os seguintes elementos:

(…) (grifei)

Deste texto conclui-se que o estudo técnico de impacto ambiental deve ser executado e concluído anteriormente ao projeto básico [88], para que dele faça parte e possa ser levado ao conhecimento dos licitantes interessados (publicado). Como o processo licitatório obedece a uma sequência de atos administrativos, no caso, de acordo com o art. 7º da Lei nº 8.666/93, para que se passe para as etapas seguintes, que são o projeto executivo e a execução da obra, há que ser concluída a fase anterior.

O Estudo de Impacto Ambiental deve ser elaborado de acordo com o que prescreve a Resolução CONAMA nº 001/86. A importância da anterioridade do EIA a compor o projeto básico é óbvia, pois o construtor licitante somente poderá formular a sua proposta se tiver em mãos todos os dados do serviço que será executado (art. 40, IV). Se desconhecer as condições do impacto ambiental, o empreiteiro poderá atribuir valor equivocado a determinada fase da obra, supervalorizando ou depreciando o seu trabalho e material de construção necessário, o que implicará uma proposta imprecisa. Se a proposta for alta, o construtor não logrará a adjudicação; se for baixa, a contratação lhe trará prejuízo, ao invés de lucro. Referindo-se às empreitadas, Marçal [89] frisa que "não é possível assumir riscos por eventos desconhecidos ou imprevisíveis, não cogitados nem mesmo pela própria Administração".

Não é incomum, também, a interdição de obras públicas por deficiência na avaliação ambiental prévia, ensejando a ação do Ministério Público, dos Tribunais de Contas e dos órgãos de fiscalização ambientais. De outras vezes, para superar um obstáculo ambiental não dimensionado, os contratos precisam ser aditivados, onerando os cofres públicos e retardando a conclusão das obras.

Quando discorre sobre o projeto básico, Jessé Torres Pereira Júnior [90] ensina que há necessidade de que ele contenha a demonstração da viabilidade técnica do objeto licitado, a especificação do método de execução e a preservação do meio ambiente. Acrescenta que, da especificação do objeto no projeto básico, sugere-se a necessidade de habilitação técnica dos licitantes, o que deverá ser exigido, nos limites da lei, em cláusula apropriada no edital.

Após a fase de confecção do projeto básico, será elaborado o projeto executivo, que detalhará a obra ou serviço à luz das normas técnicas aplicáveis (art. 6º, X), sendo dirigido à execução propriamente dita. As normas referidas são as preconizadas pela Associação Brasileira de Normas Técnicas.

O projeto executivo pode ser confeccionado pela Administração ou pode, excepcionalmente, ser atribuído como encargo da empresa contratada (art. 7º, § 1º e art. 9º, § 2º). No segundo caso, o projeto executivo não integrará o edital, mas deve haver uma justificativa plausível para que se inicie a fase externa da licitação sem aquele elemento definidor de especificações, que contribui para que se saibam precisamente os custos finais da contratação. Em nome da probidade, não é razoável que se instaure uma licitação cujo objeto e custos são imprecisos. O conceito de projeto executivo está no art. 6º, X, in verbis:

Art. 6º (…)

X - Projeto Executivo - o conjunto dos elementos necessários e suficientes à execução completa da obra, de acordo com as normas pertinentes da Associação Brasileira de Normas Técnicas - ABNT;

Pelo conteúdo do inciso acima, tem-se, de plano, a ideia de que o projeto executivo só é exigível para as obras, mas o art. 7º determina que "as licitações para a execução de obras e para a prestação de serviços obedecerão ao disposto neste artigo e, em particular, à seguinte sequência: I - projeto básico; II - projeto executivo; III - execução das obras e serviços". Fica claro, por isso, que o projeto executivo não é privativo das obras.

A Associação Brasileira de Normas Técnicas [91] é uma sociedade civil sem fins lucrativos, reconhecida como único Foro Nacional de Normalização, através da Resolução nº 07/92 do Conselho Nacional de Metrologia, Normalização e Qualidade Industrial. A ABNT representa o Brasil perante organismos internacionais de normalização como a ISO – da qual é membro fundador – a International Eletrotechnical Comission (IEC), a International Telecommunications Union (ITU) e congêneres. Por meio da Lei nº 4.150/62, foi instituído o regime obrigatório de preparo e observância das normas técnicas nos contratos de obras, serviços e compras do serviço público. Por este ato, a ABNT foi declarada como entidade de interesse público, cabendo-lhe o encargo de normalização técnica.

Nos projetos de arquitetura e de engenharia civil, inúmeros métodos, sistemas e produtos devem seguir as normas ABNT existentes, em nome da boa técnica construtiva, o que dará à obra padronização, qualidade, ergonomia, conforto, segurança, sustentabilidade, etc.

As normas da série ABNT NBR ISO 14.000 estão relacionadas à qualidade ambiental de produtos e processos, e contêm procedimentos e medidas eficazes para reduzir os danos ao meio ambiente, assim como orientam para o controle do início ao fim da cadeia produtiva [92]. Embora sua aplicação ainda seja facultativa para o setor privado, porque são instrumentos paralegais, as normas da ABNT são de cumprimento obrigatório para as licitações públicas, como visto.

Para Jessé Torres Pereira Júnior [93], o projeto executivo vincula a execução da obra/serviço às normas da ABNT, as quais, quando referenciadas no edital da licitação, funcionam como motivos determinantes dos atos administrativos, reduzindo a discricionariedade e facilitando o julgamento objetivo das propostas.

Os projetos básico e executivo devem atender, ainda, aos requisitos constantes dos incisos I a VII do art. 12, a seguir transcrito:

Art. 12. Nos projetos básicos e projetos executivos de obras e serviços serão considerados principalmente os seguintes requisitos:

I - segurança;

II - funcionalidade e adequação ao interesse público;

III - economia na execução, conservação e operação;

IV - possibilidade de emprego de mão-de-obra, materiais, tecnologia e matérias-primas existentes no local para execução, conservação e operação;

V - facilidade na execução, conservação e operação, sem prejuízo da durabilidade da obra ou do serviço;

VI - adoção das normas técnicas, de saúde e de segurança do trabalho adequadas;

VII - impacto ambiental.

A enumeração do art. 12 não é exaustiva [94], devendo ser considerados outros interesses, de acordo com o caso concreto. No texto legal está expresso que "principalmente" aqueles aspectos devem ser observados. A depender de outras exigências de ordem legal, sejam gerais ou locais, mais critérios podem ser acrescentados a estes.

Nesse ponto Marçal Justen Filho [95] diz que os requisitos são cumulativos, quando forem cabíveis, e que tratam basicamente de segurança e economia, além do impacto ambiental.

Segundo Jessé Torres Pereira Júnior [96], conforme a natureza do objeto, os itens do "roteiro" do art. 12 podem ser exigíveis ou não no projeto. Para ele, o art. 12 apresenta um rol sugestivo, sem força cogente para Estados, Distrito Federal e Municípios, por não se tratar de norma geral, mas sim recomendações didáticas, triviais a qualquer obra, pública ou privada. O autor confere atenção diferenciada ao inciso VII do art. 12, que trata de impacto ambiental, conforme determina o art. 225, § 1º, IV, CF. Se a obra for potencialmente causadora de significativa degradação, a Administração deve providenciar o EIA, com antecedência, para que integre o projeto básico. Nesse estudo, elaborado conforme a Resolução CONAMA nº 001/86, devem constar soluções e recomendações técnicas que evitem, previnam ou reduzam danos ou que até indiquem a alteração do projeto básico/executivo. Estas soluções e recomendações devem estar expressas no Relatório de Impacto Ambiental (RIMA). A antecipação ao problema ambiental é um ato de prudência dos administradores, que devem evitar caráter de urgência para o EIA/RIMA. Por fim, o autor considera que, se não for percebida a possibilidade de dano ambiental antes da licitação, deve-se fazer o EIA ainda que na fase de execução, para que se corrija o rumo da obra de acordo com as recomendações do RIMA.

Toshio Mukai [97] também não lista o art. 12 dentre as normas gerais de licitações e contratos, o que leva à conclusão de que seu conteúdo só tem força normativa para a União.

Maria Adelaide de Campos França [98], citando José Cretella Júnior, observa, resumidamente, os seguintes aspectos sobre o art. 12: as obras devem ser seguras para os circunstantes e devem ter longo ciclo de vida; as obras, mais que úteis, devem ser funcionais; se não forem adequadas ao interesse público, as obras só produzirão danos; a economia deve informar a execução, conservação e operação da obra; o transporte de material ou mão de obra de lugares distantes onera o erário; é obrigatória a observância das normas ABNT; e as obras não devem impactar danosamente o meio ambiente.

Para Paulo Affonso Leme Machado [99], a regra de interpretação diz que na lei não há palavras inúteis e, da análise do caput do art. 12, o EIA, que ele denomina EPIA (Estudo Prévio de Impacto Ambiental), é anterior ao projeto básico, é indispensável e não pode ser esquecido ou deixado de lado. Esse entendimento não contraria o do parágrafo anterior, mas o endossa. Se a obra se enquadrar no que exige a Resolução CONAMA nº 001/86, o EIA é indispensável e não pode ser esquecido ou relevado. Se a construção não estiver nesse rol, a Administração deve consultar o órgão ambiental, submetendo-se à sua discricionariedade, uma vez que "é elementar que a licitação busque a probidade administrativa", como frisa o renomado autor.

Sob o enfoque da Política Nacional do Meio Ambiente, Édis Milaré [100] refere-se à avaliação de impacto ambiental prescrita no art. 9º, III, da Lei nº 6.938/81 como instrumento desta Política. O autor também entende que essa avaliação deve ser prévia à intervenção no meio ambiente, pois se trata da aplicação dos princípios da prevenção e da precaução. Diz que as práticas mais frequentes da avaliação de impacto ambiental são o EIA seguido do RIMA, o Estudo de Impacto de Vizinhança, o Relatório Ambiental Preliminar (RAP) do Estado de São Paulo, o Estudo de Viabilidade Ambiental (EVA) do Município de São Paulo e outras espécies de licenciamentos. Constata, ainda, que grande parte dos danos ambientais se deve às obras e seus efeitos cumulativos e sinérgicos, destacando-se a omissão do Poder Público em exercer o seu papel fiscalizador e pró-ativo. Conclui pela necessidade de pensamento estratégico na avaliação ambiental.

Por tratarem de segurança, economia de recursos e meio ambiente, todos os requisitos do art. 12 se inserem no campo da sustentabilidade ambiental, mormente em versando sobre projetos básicos e executivos, que são os embriões da obra de engenharia civil. No que diz respeito à defesa e à preservação do meio ambiente, o art. 12 da Lei nº 8.666/93 merece ser ressaltado, pois é preciso nessa questão em todos os seus incisos. Trivial ou não, didático ou cogente, o art. 12 da Lei exala sustentabilidade, o que remete o intérprete à mais nova alteração do art. 3º, aquela que inseriu o desenvolvimento sustentável como objetivo das licitações e contratações públicas.

Evidentemente, há uma vinculação direta entre o conteúdo do art. 225, § 1º, IV, CF, com o inciso VII do art. 12 da Lei nº 8.666/93, quando associa obra ou serviço público com a possibilidade de significativa degradação do meio ambiente. Volta-se, então, à explicação já exposta sobre a necessidade do Estudo de Impacto Ambiental com o projeto básico, quando foi visto que essa exigência ocorre em nome do princípio da prevenção, e que a apresentação do Estudo só é obrigatória diante da possibilidade de significativo dano ambiental, em condições de igualdade, quer a obra/atividade seja desenvolvida pelo Poder Público, quer seja por particular.

A definição técnica de impacto ambiental está na Resolução CONAMA nº 001/86, que dispõe sobre critérios básicos e diretrizes gerais para a avaliação de impacto ambiental. Esta norma associa o EIA ao respectivo Relatório de Impacto Ambiental (RIMA) e, no art. 2º, incisos I a XVIII, apresenta um rol meramente exemplificativo das atividades que dependem de EIA/RIMA para que seja obtido o licenciamento perante os órgãos ambientais. A maior parte das atividades ali listadas são obras de infraestrutura e de maior porte, para as quais é obrigatório o estudo de impacto. Para as atividades não constantes do art. 2º da Resolução, há discricionariedade do órgão ambiental [101], que deverá ser consultado antes da licitação. A Resolução CONAMA nº 001/86 ainda descreve os elementos técnicos essenciais do EIA e o conteúdo mínimo do RIMA.

A Resolução CONAMA nº 237/97 trata especificamente do licenciamento ambiental perante os órgãos competentes, o que é fase seguinte à de elaboração do EIA/RIMA. É curioso que o Anexo I a essa Resolução, quando lista uma série de atividades sujeitas a licenciamento, inclui as "obras civis" e, nestas, ao fim de um rol exemplificativo, generaliza "outras obras de arte", deixando à discricionariedade dos agentes ambientais a requisição de licenciamento para qualquer edificação.

Se o objetivo deste trabalho fosse descobrir caminhos estreitos para a elevação de obras em condições duvidosas, surgiria aqui o questionamento sobre a arbitrariedade da Administração ou a inadmissibilidade restritiva das lacunas jurídicas, podendo ser explorada a indefinição da citada norma. Mas a ideia desse estudo é justamente o oposto: é mostrar que não existem brechas, mas sim estradas largas para que o administrador público probo, antes de aprovar um projeto básico ou executivo, consulte os órgãos ambientais e se aconselhe com os seus colegas, servidores especializados na defesa do meio ambiente. O que se quer é a obra pública sustentável, e não que se edifiquem prédios sobre olhos d’água ou em áreas de preservação permanente, gerando passivos ambientais, como não raro acontece.

Dentro do estudo das obras públicas sustentáveis, deve ser feita menção, ainda, às seguintes Resoluções CONAMA: nº 005/88 – licenciamento de obras de saneamento; nº 006/89 – licenciamento de obras de geração de energia elétrica; nº 004/93 – obras em área de restinga; nº 307/02 – resíduos da construção civil; nº 377/06 – sistemas de esgotamento sanitário; nº 404/08 – aterramento sanitário de pequeno porte; e nº 412/09 – construção de habitações de interesse social.

Em vista da possibilidade de impacto não só no meio ambiente natural, mas também no ambiente artificial, cabe alerta quanto à necessidade do Estudo de Impacto de Vizinhança (EIV), de acordo com a Lei nº 10.257/01 – Estatuto da Cidade, art. 4º, VI.

Retornando aos incisos do art. 12 da Lei nº 8.666/93, segue-se na análise dos demais dispositivos (de I a VI), que tratam, direta ou indiretamente, de sustentabilidade, especialmente se consideradas as obras de engenharia civil. Observe-se que, com exceção do referido inciso VII, os demais não são novidade na legislação, e já constavam, com poucas mudanças, no Decreto-Lei 2.300/86, que foi revogado pela Lei nº 8.666/93.

Nos incisos I e VI, os requisitos de segurança física e do trabalho estão compreendidos no âmbito do meio ambiente do trabalho e da qualidade de vida. Estes requisitos são comuns para qualquer construção. A ABNT possui em seu acervo produtivo as normas técnicas da série NR – Normas Regulamentadoras, que são de adoção obrigatória, por serem relativas à segurança do trabalho, exigidas, com outros atos normativos, pelo Ministério do Trabalho. A segurança do trabalho e a saúde do trabalhador são objeto de cuidado das Comissões Internas de Prevenção de Acidentes (CIPA) de cada canteiro de obras, e deve ser preocupação de empregados e de empregadores. A medicina e segurança do trabalho estão delineadas nos art. 154 e seguintes da Consolidação das Leis do Trabalho.

Os editais e contratos administrativos que envolvem mão de obra contêm cláusulas de exigência de cumprimento das normas de segurança, uso de equipamento de proteção individual, apresentação de exames médicos admissionais e demissionais, etc. Cabe lembrar a possibilidade de responsabilização civil, trabalhista e previdenciária do Poder Público pela desídia na fiscalização do cumprimento das obrigações nas contratações de empreitadas e subempreitadas.

Quanto à segurança física dos usuários das obras públicas depois de acabadas, descabem maiores considerações, à vista da responsabilização pessoal dos responsáveis pela obra, sejam contratados ou servidores, em caso de danos a terceiros e mesmo por eventuais vícios na edificação (art. 69, 70 e 73, § 2º, Lei 8.666/93). A interdição de uma obra, total ou parcialmente, enseja prejuízo para a Administração, o que é indesejável sob o enfoque do desenvolvimento sustentável, pois constitui desperdício econômico que poderia ser evitado.

A funcionalidade e a adequação ao interesse público, no inciso II do art. 12, dizem respeito à ideal instalação dos serviços públicos, acessibilidade, ergonomia, conforto, bom ambiente de trabalho e boas condições de atendimento ao público. Estes aspectos refletem na eficiência do trabalho do servidor e bem estar dos usuários dos edifícios públicos, que poderão perceber o emprego dos seus tributos retornarem para si em forma de atendimento condizente, automação, organização, respeito às limitações físicas, redução do tempo de espera, eficiência no atendimento e satisfação de todos os envolvidos. Aqui cabe menção à Lei nº 10.098/00, que estabelece normas gerais e critérios básicos para a promoção da acessibilidade das pessoas portadoras de deficiência ou com mobilidade reduzida, e ao Dec. nº 5.296/04, que regulamenta essa Lei. As características exigidas quanto à funcionalidade e adequação, entretanto, não autorizam luxo ou excessos por parte de quem define o projeto básico. Por isso deve haver razoabilidade, para que se evitem obras faraônicas, não condizentes com as necessidades do ente público. Essa é a aplicação prática do que se falou sobre o equilíbrio entre finalidade, vantajosidade e custo da obra sustentável.

Nos incisos III e V do art. 12, economia e facilidade na execução, na conservação e na operação de edifícios públicos, com ampliação do ciclo de vida, nada mais é do que o grande objetivo das "construções sustentáveis" ou green buildings. As técnicas que podem ser empregadas para a economia de recursos em troca de maior conforto e funcionalidade de edifícios é uma arte à parte, a cargo da habilidade dos arquitetos e dos engenheiros.

É sabido que a incorporação de soluções sustentáveis a uma obra é um investimento que pode se pagar financeiramente (payback) em um prazo de poucos anos [102], e que o retorno socioambiental pode ser muito superior ao financeiro. À Administração cabe definir com razoabilidade o que necessita, sem exageros, comprando somente o que precisa para a obra, à medida que surgirem as necessidades, sem perda da economia de escala, para o quê o sistema de registro de preços é a ferramenta ideal (Lei nº 8.666/93, art. 15, c/c Dec. nº 3.931/01).

É lembrar, por oportuno, que os padrões de consumo devem ser considerados segundo critérios de sustentabilidade, como manda a PNRS (Lei nº 12.305/10), já estudada. O emprego de material reciclado e reciclável, redução do volume de entulho e a opção por material com maior ciclo de vida já não fazem parte somente das boas práticas construtivas. Isso é lei, e deve ser cumprido.

O correto planejamento da obra, por seus projetos básico e executivo bem detalhados, poderá prever as técnicas mais adequadas ao objeto, o que implicará o aproveitamento mais racional dos recursos e menos desperdício, assim como maior facilidade de operação e menos custos na manutenção predial. Para isso, a equipe de arquitetos, engenheiros e fiscais deve estar consciente do seu compromisso com a sustentabilidade da obra. A exigência de certificação de sustentabilidade, desde o edital, como já abordado, é uma ferramenta que auxilia no cumprimento destes padrões, pois a construção necessariamente será auditada desde o projeto até a sua conclusão.

Durante a obra, em qualquer nível de complexidade, mesmo na contratação de uma pequena empreitada ou tarefa, é importante que seja desenvolvido um programa de difusão de conhecimentos e conscientização dos operários quanto à economia de recursos, a fim de evitar desperdício de energia elétrica, água, combustível, tintas, resinas, solventes, madeira, ferragem, tijolos, telhas, blocos, revestimentos e outros materiais que se transformarão em resíduos sólidos.

Por fim, no inciso IV do art. 12, a Lei exige a observância da racionalização do transporte, a fim de que haja redução de custos finais e, também, diminuição na emissão de GEE, para evitar a queima excessiva de combustíveis fósseis, antecipando-se ao que seria objeto da PNMC.

Esse inciso se dirige, inicialmente, para o emprego de mão de obra local, a fim de evitar a influencia da migração de trabalhadores temporários. No caso da construção civil essa migração pode ser especialmente danosa, porque grandes construções costumam absorver elevados efetivos de trabalhadores, com baixo nível de qualificação, que vêm de longe em busca de oportunidades em empreiteiras. Alguns destes operários ficam alojados nos canteiros, outros trazem as famílias junto e se instalam nas periferias. Encerrada a obra, os empregados são dispensados e não retornam às suas cidades de origem, iniciando-se um problema social que envolve desemprego, subemprego, favelização da área urbana, marginalização, aumento da criminalidade, ocupação desordenada do solo, falta de saneamento básico e queda na qualidade de vida.

Pela possibilidade de repercussão na demografia urbana, é de se cogitar, de acordo com o tamanho da obra executada, no Estudo de Impacto de Vizinhança previsto no Estatuto da Cidade (Lei nº 10.257/01, art. 4º, VI) não só para a situação futura de operação, após a conclusão da obra, mas também para o seu impacto durante a fase de construção, aquela que envolve o fluxo de operários, maquinário e material.

A seleção de pessoal, entretanto, compete geralmente às empresas contratadas, e o Poder Público contratante raramente tem a oportunidade de interferir neste processo. Como nem todas as obras e serviços de engenharia são de grande porte, é possível que haja a possibilidade de influência da Administração, por meio da cobrança de cláusula editalícia, em empreitadas menores.

O inciso IV do art. 12 também contém o requisito de que o material, tecnologia e matéria-prima que sejam incorporados à obra sejam os existentes em locais mais próximos. O desenvolvimento sustentável tem como uma das suas máximas a busca de "soluções locais para problemas globais". É ideal o consumo de material, tecnologia e recursos naturais da região em que está sendo elevada uma obra, empregando-se soluções adequadas ao clima, à variação térmica e aos hábitos culturais locais.

Do ponto de vista econômico, é excelente que os recursos trazidos com a construção sejam empregados para a compra de insumos no mercado local. Assim como no caso da mão de obra, em se tratando de material, não é difícil para a Administração inserir uma cláusula do projeto básico ou executivo que aponte essa exigência em uma empreitada integral. O difícil é cobrá-la. Por isso, dada a hipótese de indisponibilidade e de falta de economicidade na aquisição de material regional, é usual que se estabeleça uma quota reservada do total de aquisições para produtos existentes na área, em um raio de algumas centenas de quilômetros do canteiro. Assim, tem-se a valorização da produção e do comércio local, tem-se a redução de custos com transporte, além da redução na emissão de GEE, sem contar a facilidade na substituição de eventuais itens defeituosos, o que é comum de acontecer no setor de construção. De outra parte, essa exigência de regionalização dos insumos não pode comprometer a qualidade e a vida útil da construção.

O uso do pregão eletrônico é outro fator a pesar na regionalização do material, da tecnologia e da matéria-prima, quando for adquirido diretamente pela Administração. Exaltado merecidamente como uma forma de se reduzir deslocamentos de fornecedores licitantes até o órgão responsável pelo certame, bem como por sua agilidade no processo, que dispensa o trâmite documental, o pregão na sua modalidade eletrônica (Lei nº 10.520/02 c/c Dec. nº 5.4540/05, art. 4º) pode ser um impeditivo ao fornecimento de produtos de origem local, por expandir o universo dos concorrentes da licitação.

Muito a propósito da análise do art. 12 da Lei nº 8.666/93, o Dec. nº 95.733/88 guarda uma relação próxima com o tema. Segundo a ementa desse Decreto, ele "dispõe sobre a inclusão, no orçamento dos projetos e obras federais, de recursos destinados a prevenir ou corrigir os prejuízos de natureza ambiental, cultural e social decorrentes da execução desses projetos e obras". Este Decreto considera que, por vezes, obras federais causam impacto ambiental nos Estados e Municípios onde se situam os empreendimentos, e que estes entes da federação nem sempre dispõem de recursos para evitar estes impactos. À terminologia da época, considera, por fim, que o desenvolvimento econômico nem sempre é sustentável, e que o objetivo do Estado é o desenvolvimento em equilíbrio com bem-estar social. Ainda que não defina o que sejam projetos e obras de médio e grande porte, aos quais se destina, o Decreto prescreve que seja reservada uma dotação de, no mínimo, 1% do orçamento de cada obra ou projeto, a fim de prevenir ou corrigir os efeitos negativos identificados em relação aos aspectos socioambientais.

O percentual de 1%, embora seja o mínimo, é pouco em face dos efeitos negativos que podem decorrer de obras de médio e grande porte. Além disso, é duvidoso o conhecimento do Dec nº 95.733/88 por parte dos administradores. Por isso, é possível que a norma tenha se perdido no tempo, tornando-se mais um exemplo ineficaz de "ecologia cosmética", no dizer de Ulrich Beck [103]. De um lado o administrador fica jungido a fazer mais (obras) com menos (recursos); de outro, vê-se obrigado a extrair recursos do seu orçamento para aplicar no passivo socioambiental. Não seria de admirar que, questionados, gestores públicos menos informados afirmem que despenderam um percentual maior que 1% na construção de um jardim interno no prédio, ou que distribuíram cestas básicas aos seus empregados, ou que contribuíram para a festa de Natal da comunidade. Mas isso não é sustentabilidade; isso não é prevenir e corrigir os danos causados pela obra, como quer o Decreto.

O Dec nº 95.733/88 foi uma tentativa de internalizar as externalidades negativas. A solução para dar-lhe efetividade passa pela conscientização política e pela responsabilidade socioambiental, pois o investimento de um percentual mais elevado que 1%, se for antecedido de estudos sérios e se o recurso for aplicado com ética, retornará um valor muito superior para o Estado.

Em se tratando de retorno de investimentos para o Poder Público, quando analisada a construção de um conjunto de casas populares no Estado de São Paulo, um estudo demonstrou que o efeito multiplicador na economia por parte da construção civil se aproxima de 2, sendo mais precisamente 1,98. Isso significa que para cada Real investido em construção civil, a economia se beneficia em dois Reais. Quanto à arrecadação de tributos, verificou-se que ao final de quatro anos, cerca de 80% do valor do investimento já terá retornado, direta ou indiretamente, para os cofres públicos [104].

A conscientização socioambiental, tão necessária para se assimilar esses cálculos, exige tempo para que se sedimente nos grandes sistemas, mormente aqueles como o sistema público, onde há descentralização administrativa, divisão em Poderes, em diversas esferas, órgãos e entes, todos com suas autonomias, culturas próprias e rotinas sedimentadas, no qual não há compromisso com desempenho, nem com o lucro, nem com a estabilidade no próprio emprego.

Uma das formas como o Governo Federal procura despertar a responsabilidade socioambiental nas instituições é por meio da Agenda Ambiental na Administração Pública (A3P), uma iniciativa do Ministério do Meio Ambiente (MMA) que visa a implementar a gestão socioambiental sustentável das atividades administrativas e operacionais do Governo.

Uma vertente da A3P é a das licitações sustentáveis, já adotada em diversos países e com iniciativas isoladas em alguns Estados e Municípios brasileiros. A ideia é que, progressivamente esta prática seja introduzida na Administração Federal e se torne obrigatória. É bem verdade que não há no Brasil uma política única a respeito desse tema [105], mas há várias políticas ambientais que induzem a esse caminho. Os fundamentos legais e doutrinários foram até aqui apresentados.

Um passo a mais na A3P foi dado em janeiro de 2010, quando a Secretaria de Logística e Tecnologia da Informação (SLTI) do Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão (MPOG) publicou a Instrução Normativa nº 001/2010 (IN SLTI/MPOG nº 001/10), dispondo sobre os critérios de sustentabilidade ambiental na aquisição de bens, contratação de serviços ou obras pela Administração Pública Federal direta, autárquica e fundacional. De acordo com a ementa e com o conteúdo dessa Instrução, toda a Administração Pública Federal deve, a partir de então, se submeter a critérios de sustentabilidade nas suas compras, obras e contratações de serviços. Essa seria, portanto, a corporificação de todas as ideias que vagavam esparsas na legislação vista.

Poderia ser questionado como uma norma publicada por uma Secretaria do MPOG poderia ter alcance tão amplo, influindo em todo o Executivo Federal. A resposta para esta questão está no Decreto nº 1.094/94, que dispôs sobre o Sistema de Serviços Gerais (SISG) dos órgãos civis da Administração Federal direta, das autarquias federais e fundações públicas. O art. 3º deste Decreto instituiu como órgão central do SISG a Secretaria da Administração Federal da Presidência da República (SAF/PR), representada pela Subsecretaria de Normas e Processos Administrativos, com as atribuições e competências definidas ali, entre as quais as seguintes:

Art. 1º Ficam organizadas sob a forma de sistema, com a designação de Sistema de Serviços Gerais (SISG), as atividades de administração de edifícios públicos e imóveis residenciais, material, transporte, comunicações administrativas e documentação.

§ 1º Integram o SISG os órgãos e unidades da Administração Federal direta, autárquica e fundacional, incumbidos especificamente da execução das atividades de que trata este artigo.

(…)

Art. 2º O SISG compreende:

I - o órgão central, responsável pela formulação de diretrizes, orientação, planejamento e coordenação, supervisão e controle dos assuntos relativos a Serviços Gerais;

[...]

Art. 3º A Secretaria da Administração Federal da Presidência da República (SAF/PR), representada pela Subsecretaria de Normas e Processos Administrativos, atuará como órgão central do SISG, com as atribuições e competências definidas neste decreto.

[...]

Art. 5º Incumbe ao órgão central do SISG, com observância das leis e regulamentos pertinentes:

I - quanto a edifícios públicos e imóveis residenciais:

a) expedir normas para disciplinar a construção, demolição, e manutenção de edifícios públicos e imóveis residenciais, bem assim das respectivas instalações;

b) expedir normas para disciplinar a contratação de serviços de terceiros para a execução de obras e serviços de construção, reforma, manutenção, demolição, zeladoria e vigilância de edifícios públicos e imóveis funcionais;

c) supervisionar e coordenar a execução das normas de que tratam as alíneas anteriores ou executá-las quando julgar necessário;

II - quanto a material:

a) fixar os padrões e especificações do material para uso do serviço público;

b) expedir normas para disciplinar a licitação, a contratação, a aquisição, o recebimento, o registro, a guarda, a requisição, a distribuição e a utilização de material permanente e de consumo;

c) expedir normas para disciplinar a conservação, recuperação, manutenção, inventário, baixa e alienação de material permanente e de consumo;

d) supervisionar e coordenar a execução das normas de que tratam as alíneas anteriores ou executá-las quando julgar necessário;

[...]

Art. 7º Fica instituído o Sistema Integrado de Administração de Serviços Gerais (SIASG), auxiliar do SISG, destinado a sua informatização e operacionalização, com a finalidade de integrar e dotar os órgãos da administração direta, autárquica e fundacional de instrumento de modernização, em todos os níveis, em especial: (grifei)

Ocorre que a Lei nº 9.649/98 extinguiu a SAF/PR, enquanto a

Lei nº 10.683/03, que dispõe sobre a organização da Presidência da República e dos Ministérios, revogou aquela e, em seu art. 27, inciso XVII, alínea "g", assim determinou, in verbis:

Art. 27. Os assuntos que constituem áreas de competência de cada Ministério são os seguintes:

[...]

XVII - Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão:

[...]

g) coordenação e gestão dos sistemas de planejamento e orçamento federal, de pessoal civil, de organização e modernização administrativa, de administração de recursos da informação e informática e de serviços gerais;

(grifei)

Desta feita, conclui-se que atualmente o MPOG é o responsável pela gestão do Sistema de Serviços Gerais da Administração Federal, detendo a competência própria de órgão central do sistema.

Por sua vez, o MPOG foi organizado pelo Decreto nº 7.063/10, que aprovou a sua atual estrutura regimental, conforme segue:

Art. 2º O Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão tem a seguinte estrutura organizacional:

[...]

II - órgãos específicos singulares:

[...]

e) Secretaria de Logística e Tecnologia da Informação [SLTI]:

1. Departamento de Logística e Serviços Gerais;

[...]

Art. 28. À Secretaria de Logística e Tecnologia da Informação compete planejar, coordenar, supervisionar e orientar normativamente as atividades de administração dos recursos de informação e informática, de serviços gerais e de gestão de convênios e contratos de repasse, bem como propor políticas e diretrizes a elas relativas, no âmbito da administração federal direta, autárquica e fundacional.

Art. 29. Ao Departamento de Logística e Serviços Gerais compete:

I - formular e promover a implementação de políticas e diretrizes relativas às atividades de administração de materiais, de obras e serviços, de transportes, de comunicações administrativas e de licitações e contratos, adotadas na administração federal direta, autárquica e fundacional;

II - gerenciar e operacionalizar o funcionamento sistêmico das atividades do Sistema Integrado de Administração de Serviços Gerais - SIASG, do Sistema de Gestão de Convênios e Contratos de Repasse - SICONV e do Sistema de Diárias e Passagens - SCDP, por intermédio da sua implantação, acompanhamento, regulamentação e avaliação;

Essa estrutura de leis e decretos demonstra que a Secretaria de Logística e Tecnologia da Informação do MPOG tem competência legal para normatizar as licitações no âmbito da administração federal direta e indireta e, no que diz respeito a este estudo, para disciplinar a aquisição de material e a contratação de obras e serviços.

A Instrução Normativa SLTI/MPOG nº 001/10 dispõe, inicialmente, que as especificações para a aquisição de bens, contratação de serviços e obras na administração pública federal "deverão conter critérios de sustentabilidade ambiental, considerando os processos de extração ou fabricação, utilização e descarte dos produtos e matérias-primas" (art. 1º), sem que o instrumento convocatório frustre o princípio da competitividade (art. 2º).

Quanto à contratação de obras, o art. 4º inaugura o Capítulo intitulado "Das Obras Públicas Sustentáveis", iniciando com uma referência direta e quase textual ao art. 12 da Lei nº 8.666/93. Além da redução no consumo de energia e água, o artigo apresenta um rol não exaustivo de itens que integram os conceitos de construções sustentáveis, que devem constar dos projetos básicos e executivos, tais como: climatização mecânica, automação da iluminação, uso de lâmpadas econômicas, aquecimento solar da água, medição individualizada do consumo de água e energia, reúso da água, tratamento de efluentes, aproveitamento de águas pluviais, uso de material reciclado, reutilizado ou biodegradável e uso de madeira certificada. Exige, ainda, a gestão de resíduos e o emprego de agregados reciclados nas obras, além da observância das normas do INMETRO e das normas ISO.

A Instrução Normativa continua, nos artigos seguintes, com orientações para especificações de materiais e serviços sustentáveis na confecção dos respectivos editais de licitações. Observa-se um erro material, quando deixa de mencionar, no art. 6º, II, que o Dec. nº 48.138, de 8 de outubro de 2003, que institui medidas para redução do consumo e racionalização do uso de água, compõe a legislação do Estado de São Paulo.

Caberia perguntar, insistentemente, se a SLTI/MPOG teria competência para editar uma Instrução Normativa que não se limita a disciplinar o SISG. A Instrução nº 001/2010 vai além disso. Ela normatiza as licitações e contratos da Administração Federal como um todo, o que seria próprio da Lei 8.666/93 ou, atentando para o caráter genérico desta, deveria ser editado pelo Presidente da República, por meio de decreto, considerando que seu público alvo estaria subordinado ao Chefe do Poder Executivo.

Sobre a edição de atos normativos no âmbito do Poder Executivo Federal, Maria Sylvia Zanella Di Pietro [106] ensina o seguinte:

Note-se que o artigo 87, parágrafo único, inciso II [da Constituição Federal], outorga aos Ministros de estado competência para "expedir instruções para a execução das leis, decretos e regulamentos". (…) Todos esses atos estabelecem normas que têm alcance limitado ao âmbito de atuação do órgão expedidor. Não têm o mesmo alcance nem a mesma natureza que os regulamentos baixados pelo Chefe do Executivo. (…)

Em todas essas hipóteses, o ato normativo não pode contrariar a lei, nem criar direitos, impor obrigações, proibições, penalidades que nela não estejam previstos, sob pena de ofensa ao princípio da legalidade (…).

Poderia ser entendido que o órgão central do SISG detém competência para normatizar o objeto da licitação (art. 2º, I, Dec. nº 1.094/94). Uma coisa seria a atividade objeto da licitação, e outra seria o processo licitatório. O órgão central não teria, assim, competência para formular diretrizes para o processo licitatório.

Mas seria possível separar o objeto e a licitação? Entende-se que nesse caso não. Padronizando-se o objeto, a licitação como um todo estará padronizada, porque o processo está na lei e é sempre similar. Se o Chefe do Executivo Federal deu autoridade ao MPOG para normatizar as compras e as contratações da Administração, não se pode distanciar estas orientações da atividade de licitar. Certas rotinas administrativas comuns aos entes federais devem seguir uma linha de conduta padronizada, que coube ao MPOG definir, como órgão gestor do SISG.

Assim, vê-se que o processo licitatório da obra ou do serviço de engenharia que estiver enquadrada no SISG deve seguir as normas da SLTI/MPOG atinentes a formatação, protocolo, prazos, padronização, inserção de dados e demais matérias correlatas, balizadas pelas regras do Sistema. Por sua vez, o objeto licitado deve seguir os padrões fixados pelo MPOG. Desse modo, o processo da licitação, com todos os seus procedimentos, que são formais, está completamente enquadrado pelo MPOG, incluindo-se o objeto a ser contratado.

Superada essa questão de competência, pode-se dizer que, desde o início do ano de 2010, a Administração Federal conta com um instrumento normativo que é um importante passo na marcha pela sustentabilidade no Poder Público, concretizando esse avanço justamente na área das licitações.

A IN SLTI/MPOG nº 001/2010 não cria direitos nem impõe obrigações contrárias à Lei nº 8.666/93. Ela detalha, tão somente para a Administração Pública Federal, a aplicação do art. 12 para as obras públicas e dá sentido prático ao objetivo do desenvolvimento sustentável inserido no art. 3º da Lei. Neste dispositivo, que tem força de ato regulador de norma legal, usou-se a expressão "devem". Para as compras e serviços, a Instrução Normativa recomenda a adoção de critérios sustentáveis, fazendo uso do da expressão "poderão" (art. 5º, caput).

A inobservância da IN SLTI/MPOG nº 001/2010 pode gerar consequências negativas não só para o meio ambiente, mas também para os gestores públicos. Ao lado do aspecto ético, a ser aferido na esfera administrativa disciplinar, a IN SLTI/MPOG nº 001/2010 pode ensejar a responsabilização do administrador público na esfera civil, uma vez que possui força legal perante os agentes da Administração Federal. O seu descumpimento pode ser objeto dos instrumentos de tutela legal do meio ambiente e da probidade administrativa. Outra força coercitiva que pode ser suscitada a partir da IN SLTI/MPOG nº 001/2010 é a cobrança do seu cumprimento por parte do Tribunal de Contas da União. Obviamente estas medidas são extremas, e na progressão do desenvolvimento didático da conscientização socioambiental na Agenda Ambiental na Administração Pública o caminho punitivo não parece ser o mais eficaz, ao menos por enquanto.

Ao final, portanto, da fase interna da licitação, tendo sido concluídos o projeto básico, o projeto executivo, sucedida a fase externa, publicado o edital com todos os requisitos técnicos e de sustentabilidade da obra, habilitados e classificados os licitantes, adjudicado o objeto e assinado o contrato com a Administração, segue a execução da obra. Esta etapa será fiscalizada por agente designado para tal, ou contratada uma pessoa que execute este serviço (art. 9º, § 1º, art. 13, IV, e art. 67 da Lei nº 8.666/93).

A fiscalização constitui uma prerrogativa do Poder Público (art. 58, III, Lei nº 8.666/93), que o fará para garantir o correto emprego dos recursos, verificando as condições contratuais e aferindo o seguimento do cronograma físico-financeiro. Nesta fase, importantíssima para a Administração, poderá ser verificado o atendimento do que tiver sido pactuado sobre qualidade do material, seus requisitos técnicos, seguimento das normas ABNT, correta aplicação do material na obra, qualificação do pessoal contratado, cumprimento das normas de segurança individual e coletiva, cumprimento das obrigações trabalhistas e previdenciárias, regionalização da mão de obra, adoção de medidas de racionalização de recursos, e outras exigências constantes dos projetos e do contrato.

A efetividade da fiscalização tem que incidir sobre o material empregado, as técnicas usadas, a mão de obra, as rotinas, a segurança e sobre outras exigências editalícias e contratuais. Isso só ocorrerá com o acompanhamento direto do fiscal, seja por visitas frequentes e inopinadas ou pela destinação de um fiscal residente no canteiro.

Qualquer descumprimento de cláusula contratual deve ser motivo para que seja notificada a empresa contratada, a fim de que lhe seja dada a oportunidade de contraditar e se defender, antes da aplicação de qualquer sanção ou mesmo da retenção de parcela vincenda da obra.

A Instrução Normativa SLTI/MPOG nº 002/2008, que disciplina a contratação de serviços por órgãos integrantes do SISG, traz o referencial para a atuação dos fiscais de contrato.

Por fim, encerrada a obra, ocorre o seu recebimento provisório, pelo fiscal da Administração (art. 73, I, "a"), e o recebimento definitivo, por servidor ou comissão designada (art. 73, I, "b"). Estas oportunidades são as últimas que a Administração tem para verificar o cumprimento de certos requisitos que, por ventura, tenham ficado pendentes durante a execução. Materialmente, nesta fase, pode não ser viável a conferência da satisfação de certas exigências de sustentabilidade, por já terem sido os insumos incorporados à obra. O responsável pela fiscalização deve saber discernir se uma pendência deve ensejar uma condição suspensiva do prosseguimento ou se ela pode ser exigida mais tardiamente.

Conclui-se, pelo exposto sobre as licitações e contratações públicas, que a Lei nº 8.666/93, como marco legal da matéria, tem dispositivos que explicitamente mostram o caminho da melhor contratação por meio das "licitações sustentáveis", quando o poder de compra da Administração pode servir de incentivo para fornecedores e para o bem do meio ambiente. As cautelas que devem ser adotadas neste tipo de licitação dizem respeito ao princípio da isonomia, na exigência de certificações, e à demonstração da vantajosidade, quando o interesse público se dividir entre o menor custo e o maior benefício para a natureza.

Exemplos de dispositivos legais que orientam para a sustentabilidade nas licitações e contratos estão no art. 3º e no art. 12 da Lei 8.666/93. Outro exemplo está na Instrução Normativa nº 001/2010 da SLTI/MPOG, que instituiu as licitações sustentáveis no âmbito da Administração Federal.

A exigência de EIA/RIMA e de outras análises ambientais visam a dimensionar o impacto ambiental da obra e, necessariamente, devem antecedê-la, a fim de que, por precaução, se busquem alternativas menos danosas para o ambiente. As normas da ABNT são ferramentas que devem ser usadas nas especificações de bens, serviços e obras, ainda que se considerem normas paralegais.

Os momentos de elaboração do projeto básico e do projeto executivo são capitais na especificação dos requisitos técnicos de uma obra pública. São, portanto, oportunidades de inserção dos requisitos ambientais que podem fazer a diferença entre uma obra tradicional e uma obra sustentável. Outro momento crucial para a verificação do atendimento dos requisitos de sustentabilidade das obras públicas é durante a fiscalização das obras, quando, mais que no recebimento, pode ser acompanhado in loco o cumprimento dos requisitos de sustentabilidade exigidos no edital.

Diversos requisitos socioambientais dos projetos básico e executivo já integravam a legislação sobre licitações e contratos desde antes de se discutir sustentabilidade nas compras públicas. Estes requisitos, que antes tinham caráter de "roteiro didático, sugestivo e trivial", atualmente receberam reforço expresso. O desenvolvimento sustentável foi incorporado aos objetivos/princípios das licitações, e as obras, serviços e compras públicas devem ser obrigatoriamente sustentáveis. No âmbito da Administração Federal, há a Instrução Normativa nº 001/2010 SLTI/MPOG que aponta para isso.

Ainda que a instituição das licitações sustentáveis não seja originária de Decreto Presidencial, e sim de uma Instrução Normativa nascida no MPOG, pode-se dizer que a Agenda Ambiental na Administração Pública venceu mais uma etapa. O caminho legal para se lograr a sustentabilidade em licitações de obras está preparado. O próximo passo é fazer uso dessa legislação.

2.5 Jurisprudência

A jurisprudência é uma fonte secundária do Direito Brasileiro e, por isso, tem relevante papel na sua formação, porquanto aproxima o direito positivo e a doutrina, que são teóricos, dos casos práticos da vida quotidiana.

Neste estudo aproveitam-se entendimentos de tribunais de todo País sobre questões que envolvem as licitações públicas e a sustentabilidade ambiental; princípios das licitações e contratações administrativas e práticas que favorecem o meio ambiente; discricionariedade e vinculação nas licitações que tenham reflexos sobre o meio ambiente. Estas decisões judiciais contêm ensinamentos que devem integrar o estudo das soluções sustentáveis nas obras públicas.

O Tribunal de Contas da União (TCU) auxilia o Congresso Nacional no exercício do controle externo da Administração. Embora não seja órgão do Poder Judiciário, o TCU julga os atos relacionados às licitações e aos contratos administrativos na esfera federal. Isso porque, constitucionalmente, lhe cabe a função de apreciar as contas dos administradores públicos e fiscalizar a aplicação de recursos orçamentários, quanto à sua legalidade, legitimidade e economicidade. Por esse mister, a jurisprudência do TCU é a mais farta em análises de aplicações de princípios jurídicos a licitações e contratos administrativos. Sua jurisprudência será visitada.

2.5.1 Poder Judiciário

Na ação a seguir ementada, o Supremo Tribunal Federal teve a oportunidade de se manifestar quanto à constitucionalidade de uma lei paranaense que impunha regras aos processos licitatórios de compra de veículos para a frota estadual. A referida lei tinha como pano de fundo a preservação ambiental, e estabelecia preferência para determinada ordem de produtos e produtores. Na oportunidade, a Corte dissipou o aparente confronto entre o princípio da isonomia e a discricionariedade da Administração para a especificação do objeto licitado, como segue:

EMENTA: LICITAÇÃO PÚBLICA. Concorrência. Aquisição de bens. Veículos para uso oficial. Exigência de que sejam produzidos no Estado-membro. Condição compulsória de acesso. Art. 1º da Lei nº 12.204/98, do Estado do Paraná, com a redação da Lei nº 13.571/2002. Discriminação arbitrária. Violação ao princípio da isonomia ou da igualdade. Ofensa ao art. 19, II, da vigente Constituição da República. Inconstitucionalidade declarada. Ação direta julgada, em parte, procedente. Precedentes do Supremo. É inconstitucional a lei estadual que estabeleça como condição de acesso a licitação pública, para aquisição de bens ou serviços, que a empresa licitante tenha a fábrica ou sede no Estado-membro [107].

Nesta ação questiona-se a inconstitucionalidade da alteração sofrida no art. 1º da Lei nº 12.204/98 (Paraná), trazida pela Lei nº 13.571/02. O artigo alterado passou a ter a seguinte redação:

Art. 1º Qualquer aquisição ou substituição de unidades automotivas para uso oficial poderá ser realizada por veículos movidos a combustíveis renováveis, ou por veículos movidos a combustíveis derivados de petróleo, produzidos no Estado do Paraná. (grifei)

Para a parte autora, a inconstitucionalidade estaria na quebra do princípio da igualdade, da concorrência isonômica e do interesse público, havendo arbitrariedade quando o Estado restringe a participação de licitantes, excedendo os limites prescritos no art. 37, XXI, CF, que somente admite "exigências de qualificação técnica e econômica indispensáveis à garantia do cumprimento das obrigações". A ré invocou o interesse público na proteção ambiental e na garantia de processo licitatório. A Advocacia-Geral da União se manifestou pela inconstitucionalidade das expressões, em vista da restrição ao caráter competitivo da licitação e da discriminação de produtores de outros Estados.

Na sua decisão, o Ministro Relator entendeu que, na primeira parte, quanto à definição do tipo de combustível a alimentar a frota estadual, tratar-se-ia de escolha discricionária da administração estadual, sobre a qual pesariam fatores de ordem econômica ou política, o que não encontraria obstáculo no ordenamento jurídico. Por estabelecer o critério de preferência do objeto da licitação, não haveria qualquer vício invalidante no ato de admitir veículos movidos a combustíveis fósseis, mesmo que a lei visasse à proteção ambiental.

No tocante à segunda parte do artigo atacado, o Relator concluiu que ocorreria ofensa ao princípio da isonomia quando o texto legal impõe a condição de ser o objeto da licitação produzido no Estado do Paraná, discriminando produtores de outros Estados, ainda que estes possam oferecer condições mais vantajosas. Essa distinção iria frontalmente contra o que determina o art. 19, III, CF, constituindo desvio de finalidade por parte do Estado-membro investir a licitação de função instrumental, para servir de incentivo fiscal, industrial ou social. Por unanimidade, o Supremo Tribunal Federal (STF) julgou inconstitucional esse trecho da legislação paranaense.

Ainda que não trate de obra pública, ficou claro para qual lado pende a balança quando confrontados os interesses públicos primários, no caso, atinentes à universalidade das licitações e à não diferenciação entre pessoas, versus interesses públicos secundários, como o estímulo à produção local, resultando em tratamento diferenciado entre possíveis concorrentes, o que seria inconstitucional.

De outra parte, restou explícito que a definição dos critérios na escolha do objeto não contraria preceito legal nem princípio jurídico, sendo plenamente admissível que o ente licitante diga as características do objeto que pretende adquirir. Está dentro da competência da Administração definir o objeto do certame, com base em fatores econômicos, técnicos ou políticos, mas não discriminar os licitantes por meio de preferências não albergadas pela lei.

No Processo nº 2003.71.01.004601-4/RS [108], que tramitou no Tribunal Regional Federal (TRF) da 4ª Região, a contenda envolveu obras de infraestrutura no Porto de Rio Grande – RS, cujos trabalhos se deram em duas fases. Para a primeira fase foi elaborado um EIA/RIMA anterior à licitação, tendo sido identificados impactos ambientais, culturais e socioeconômicos. O Ministério Público Federal impetrou Ação Civil Pública alegando que aquele EIA/RIMA era incompleto, pois se concentrou exclusivamente sobre a primeira fase da obra, e não sobre a totalidade do empreendimento, cabendo, por isso, a desconstituição do Estudo/Relatório e das respectivas licenças. Alegou, também, que houve inobservância da proibição de o licitante que elaborou projeto básico participar da licitação da obra, o que caracterizava irregularidade na licitação (art. 9º, II, Lei nº 8.666/93), invocando, por tudo isso, a declaração da nulidade da concorrência. A União argumentou especialmente pela necessidade de ampliação do porto e pela inexistência de dano ambiental. O EIA/RIMA, entre outras considerações, concluiu que os benefícios potenciais do empreendimento compensavam largamente os custos ambientais e socioeconômicos envolvidos

Na decisão do Tribunal, em sede de apelação contra o provimento de primeira instância, o Relator entendeu estar correta a elaboração de EIA/RIMA específico para a primeira fase da obra, que foi licitada inicialmente. Outro estudo, para a segunda fase da obra, estaria condicionado a novas condições e antecederia uma nova licitação. Concluiu, também, que seria incabível a anulação da licitação com suporte no art. 9º, II, da Lei nº 8.666/93, pois a paralisação dos trabalhos afrontaria o interesse público imediato, o que não seria oportuno, uma vez que a obra estava praticamente concluída, impossibilitando materialmente a outorga a outro licitante.

Para este estudo, ficou evidente que é impositiva a anterioridade do EIA/RIMA à fase externa da licitação, de acordo com a etapa do serviço a ser executado, segundo as condições existentes, admitindo-se a divisibilidade do Estudo. Deve ficar claro, também, que a prevalência do interesse público imediato na conclusão da obra se deu em face da incorreta seleção do licitante, que havia participado da confecção do projeto básico, e não em face do dano ao meio ambiente. Por fim, constata-se a valoração dos benefícios da obra do porto, pelo Juízo, diante dos inafastáveis danos ambientais e socioeconômicos.

O Tribunal de Justiça do Estado do Espírito Santo, no Agravo de Instrumento nº 24079018875 [109], decidiu sobre a razoabilidade da exigência de licença ambiental como requisito para habilitação técnica em processo licitatório, conforme constou de edital de pregão. A agravante, empresa do ramo de manutenção predial [110], afirmou que a exigência de licença junto ao Instituto Estadual de Meio Ambiente não tinha supedâneo legal, e que refugia ao previsto no art. 28 a 31 da Lei nº 8.666/93. O juiz a quo demonstrou "o encadeamento lógico que liga os princípios constitucionais de defesa de meio ambiente à norma regulamentadora estadual que fundamentou a exigência constante do edital, não cumprida pela agravante".

Neste Processo, o Relator observou, inicialmente, que o interesse da licitação é na participação do maior número de interessados, para que se possa selecionar a proposta mais vantajosa, o que só ocorre se não for dificultada a participação de todos, por meio de exigências descabidas. O tribunal manteve a liminar de primeira instância, fundamentando sua decisão no art. 30, IV, Lei nº 8.666/93, considerando que "a legislação que trata de licenciamento ambiental criou, dentro da competência legislativa estadual, exigência legal e razoável aos interessados em tomar parte no certame, que, aliás, sequer precisaria constar do edital para ser de observância obrigatória".

Assim, tendo-se a Lei de Licitações e Contratos como norma geral (art. 1º), verifica-se a possibilidade de inserção de requisitos de sustentabilidade ambiental na legislação complementar, que deve ser aproveitada pelo administrador público para impor exigências editalícias de qualificação técnica dos interessados nos certames, o que tem suporte no inciso IV do art. 30 da Lei nº 8.666/93.

Em decisão do Tribunal de Justiça do Estado do Paraná, esteve sob juízo um pregão eletrônico para a aquisição, pelo menor preço, de tratores para coleta e transporte de lixo. A empresa vencedora do certame entregou o material em desconformidade com as exigências editalícias, pois não apresentou o certificado de aprovação do INMETRO com relação à fabricação e à comercialização de tratores com motores ecológicos. O edital do pregão exigia que houvesse a apresentação de certificado de dispositivos controladores de emissão de gases poluentes de referidos equipamentos, emitido por organismos nacionais ou internacionais.

Diante da constatação da desconformidade, a Administração deu a oportunidade para defesa do fornecedor. Não atendido o requisito, providenciou-se o desfazimento do contrato, o não pagamento do empenho, concedeu-se prazo para retirada das máquinas já entregues, impôs-se multa de 20% sobre o valor da compra, bem como a suspensão temporária de participação em licitações e o impedimento de contratar com a Administração por um período.

A empresa vencedora alegou, no mandamus, que a exigência de apresentação de certificado feria a Lei de Licitações e os princípios da legalidade e da igualdade dos licitantes, e que se tratava exclusivamente de exigência formal e não essencial.

O Tribunal Paranaense [111] concordou com o juízo recorrido e denegou a segurança, por improcedência do pedido, em vista da inexistência de ato abusivo e ilegal por parte da autoridade dita coatora. Reconheceu que o critério estabelecido pela Administração Pública estava no âmbito do mérito administrativo (oportunidade e conveniência), e que a escolha dos requisitos do objeto não contrariava os princípios das licitações, atendendo ao interesse público. Tendo em vista o princípio da vinculação ao instrumento convocatório, que rege todo certame licitatório, não vislumbrou nenhuma ilegalidade ou abusividade na decisão administrativa.

Nesse julgado constata-se o descompasso entre o interesse público na aquisição de bens ambientalmente amigáveis e a capacidade de atendimento pelo mercado, que está despreparado para tal. Vê-se, também, que é plenamente lícita a imposição de requisitos técnicos nas licitações, mas desde que estejam dirigidos para o objeto da contratação, sob pena de ferir o princípio da igualdade. Como dito pelo Desembargador Relator sobre a exigência contida no edital, "não implica em violação aos princípios da legalidade e da igualdade, do julgamento objetivo, da justa competição entre os licitantes, da satisfação do interesse público, mas sim os observa". Merece ser destacado que não há referência legislativa alguma à obrigatoriedade de serem impostos critérios ambientais no edital, do quê verifica-se iniciativa positiva da Administração atacada. Conclui-se, por isso, que o estabelecimento de critérios de sustentabilidade ambiental nas contratações públicas cabe na autoridade do administrador.

No Processo nº 2007.055328-9, que tramitou no Tribunal de Justiça do Estado de Santa Catarina [112], questionou-se a habilitação de uma empresa construtora na licitação para pavimentação asfáltica de um trecho de rodovia. O juízo a quo cocedeu liminar em mandado de segurança em favor da empresa impetrante, cedendo aos argumentos de prejuízo pela não continuidade no certame.

A Administração agravou da decisão de primeira instância, argumentando que, ao contrário do previsto no edital da concorrência, a licitante não havia apresentado registro de licença fornecido pelo Departamento Nacional de Produção Mineral (DNPM), que provasse a autorização para exploração de basalto para a produção de material asfáltico. Expôs que, sem a licença, o DNPM poderia fechar a lavra não autorizada, interrompendo a pavimentação e originando prejuízos para a municipalidade.

A 4ª Câmara de Direito Público do Tribunal de Justiça do Estado de Santa Catarina (TJSC), por unanimidade, decidiu que é essencial que a Administração Pública respeite a integridade do meio ambiente, e que o interesse coletivo justifica a restrição ao princípio da igualdade. O acórdão enfocou a contraposição entre a essencialidade da exigência editalícia e o caráter competitivo do certame, conforme o art. 3º, § 1º, I, da Lei nº 8.666/93. O recurso de agravo foi provido para desfazer os efeitos da liminar outrora concedida e para afastar da licitação a empresa que não possuía a licença ambiental requerida no edital. Abaixo, excerto do voto do Relator, in verbis:

Destaque-se que um aspecto essencial do edital de concorrência pública relaciona-se com a liberação da obra sob o prisma de licenças ambientais. A disciplina jurídica vigente entre nós condiciona a própria Administração Pública, na execução das suas obras, a respeitar a integridade do meio ambiente.

Logo, licitar obras públicas sem licenciamento ambiental e sem projeto executivo é uma grande afronta à segurança e à eficiência do certame. Não existe a menor garantia de que o cronograma original será observado, nem de que a obra coincidirá com aquela licitada.

Para a análise da sustentabilidade em obras públicas, o caso tratou de exigência quanto à habilitação do licitante, e não à especificação do objeto, a fim de assegurar a efetiva execução do serviço e a regularidade ambiental plena. O juízo ad quem teve entendimento diverso do juízo originário, para privilegiar a legalidade do ato que visava a assegurar o respeito às normas ambientais, repelindo-se a informalidade. Valorizou-se, na decisão, a sustentabilidade ambiental exigida na licitação, na medida em que foi combatida a informalidade da empresa construtora, que não possuía licença para lavra de insumo essencial para a obra pública. O caso versou sobre asfalto, mas guarda analogia com o fornecimento de madeira, cimento, areia, pedra, cerâmica ou qualquer material de construção de origem natural.

2.5.2 Tribunal de Contas da União

A Corte de Contas, que lida direta e detalhadamente com licitações públicas, tem continuamente recomendado às entidades fiscalizadas o cuidado na elaboração dos instrumentos convocatórios. Com o foco na finalidade deste estudo, foram selecionados exemplos de acórdãos que tratam de exigências para habilitação dos participantes da licitação.

Do Acórdão AC-1910-38/07-P [113], extrai-se que, inicialmente, a unidade técnica local do TCU recomendou à entidade fiscalizada que não condicionasse a pontuação (técnica) em processo licitatório às empresas que apresentassem um certificado específico, no caso, o reconhecimento pelo ISO:

a) ao instituir a apresentação de certificação de qualidade como critério de pontuação, evite o direcionamento a um certificado específico, estabelecendo a aceitabilidade de todas as certidões idôneas disponíveis no mercado, emitidas por entidade certificadora independente, não mencionando produtos específicos, senão a título exemplificativo; (grifei)

O Tribunal, entretanto, divergiu dessa orientação, conforme trecho abaixo, reconhecendo que é admissível que a Administração especifique que a certificação ISO é condição para a pontuação das propostas técnicas, sendo vedada a exigência de certificações de quaisquer tipo como requisito de habilitação dos interessados.

23. Em relação à primeira determinação proposta, destaco que o TCU não tem admitido que a certificação ISO e outras semelhantes sejam empregadas como exigência para habilitação ou critério de desclassificação de propostas (Decisão nº 20/1998 e Acórdão nº 584/2004, ambos do Plenário). Todavia, ressalto que esta Corte aceita a utilização desse tipo de certificado como critério de pontuação (Decisão nº 351/2002 e Acórdão nº 479/2004, ambos do Plenário). (grifei)

24. Com espeque nessas considerações, entendo que a atribuição de pontos em decorrência da apresentação de certificados ISO 9001:2000 é consentânea com a jurisprudência desta Corte de Contas.

Fiscalizando o emprego de recursos do Programa de Aceleração do Crescimento, o Plenário do TCU exarou o Acórdão AC-0608-11/08-P [114] sobre licitação que teve por objeto a recuperação e melhorias de diversos itens de infraestrutura urbana. Da decisão se extraem os seguintes ensinamentos, in verbis:

9.3.6. Não exija, como requisito para habilitação das licitantes, a apresentação de certificados de qualidade e outros documentos que não integrem o rol da documentação exigida por lei para comprovação de capacidade técnica, nos termos do inciso II c/c o § 1º, ambos do art. 30 da Lei nº 8.666/93, abstendo-se especialmente de exigir certificado do Programa Brasileiro de Qualidade e Produtividade de Habitat (PBQPH) - Nível A, aceitando-o, se for o caso, apenas como critério de pontuação técnica;

Neste caso fica patente o que já foi objeto de análise na Seção 2.4 (sustentabilidade ambiental nas licitações e contratações administrativas). Aqui o TCU determina que uma Prefeitura Municipal não insira no instrumento convocatório a exigência de determinado "selo verde" como critério para qualificação técnica dos licitantes, por falta de previsão legal. Tais certificados, por mais idôneos que sejam, devem ser usados como critério de seleção do objeto, no caso, para fins de pontuação técnica das propostas.

Esse tipo de recomendação é recorrente no TCU, destacando-se a do Acórdão AC-2215-41/08-P [115], dirigida ao Ministério das Cidades e à Caixa Econômica Federal, para que se abstivessem de orientar e exigir das Prefeituras Municipais o Certificado do Programa Brasileiro de Qualidade e Produtividade de Habitat (PBQPH) como critério de habilitação nas licitações contempladas com recursos federais, em especial dirigindo-se aos contratos de repasse firmados com recursos do Programa de Aceleração do Crescimento.

No Acórdão C-2614-26/08-2 [116], a Segunda Câmara do TCU acolheu representação e confirmou irregularidade em uma licitação para contratação de empresa para a instalação de rede elétrica e de cabeamento de informática, o que é considerado serviço complementar em edificação. Para esse contrato foi exigido que a empresa possuísse a certificação ISO 14.001, como critério de habilitação, o que foi considerado inadequado. Em consequência, para as futuras licitações, observou o seguinte:

6. Em tese, a consideração da certificação ISO 14001 no processo de licitação não fere o dispositivo constitucional mencionado, caso fique comprovado que a qualificação atestada pelo certificado seja condição imprescindível ao atendimento do interesse público no que respeita ao fornecimento do serviço, do bem ou à execução da obra contratados. No entanto, este Tribunal não tem admitido este tipo de exigência como critério de exclusão do licitante na fase de habilitação, mas como critério de pontuação na fase de julgamento das propostas. Digo assim, porque este caso assemelha-se à exigência da certificação ISO 9000 por parte da empresa, contemplada nas seguintes deliberações: Decisões Plenárias n° 152/2000 e 1526/2002; Acórdãos Plenários n.º 300/2004, 584/2004, 865/2005. (grifei)

7. Empresto o raciocínio de Hely Lopes Meirelles (Meirelles. Direito administrativo brasileiro, 16. Ed, p. 243) para sustentar minha tese. ‘Todavia não configura atentado ao princípio da igualdade aos licitantes o estabelecimento de requisitos mínimos de participação, no edital ou convite, porque a Administração pode e deve fixá-los sempre que necessários à garantia da execução do contrato, à segurança e perfeição da obra ou serviço, à regularidade do fornecimento ou ao atendimento de qualquer outro interesse público’.

8. Assim, pode ser do interesse público garantir, ou procurar minimizar a chance, de a ação governamental provocar danos ao meio ambiente. [...]

As normas ABNT são referidas expressamente no inciso X do art. 6º da Lei nº 8.666/93, e são exigência do projeto executivo, como visto. Essas certificações ABNT, em especial as NBR ISO 14.000, que são relacionadas à qualidade ambiental de produtos e processos, podem e devem balizar a seleção das propostas técnicas, visando à garantia da obra, do serviço ou do fornecimento, mas não podem limitar a participação no certame de licitantes que não a possuam. A condição de participação na licitação, sobretudo, deve se subordinar ao interesse público, no qual se insere a tutela do meio ambiente, a fim de que o projeto executivo e, futuramente, a obra ou o serviço, tenha a qualidade conforme as normas da ABNT.

2.6 Editais de licitações

Foi uma tarefa árdua obter editais de licitações que exigissem efetivas práticas de sustentabilidade, para que se dispusesse de material para análise nesse trabalho. A quase totalidade dos editais se limitam a citar a IN nº 001/2010 – SLTI/MPOG, sem maiores compromissos de natureza prática no contrato, dando indícios de que aquela cláusula editalícia é um item formal, sem qualquer reflexo para a obra.

Os editais de licitações a seguir foram selecionados por trazerem em seu conteúdo exemplos de requisitos de sustentabilidade em obras públicas. Muito embora nem todos os editais tenham origem na esfera federal, eles têm em comum a intenção de a Administração adotar práticas ambientalmente amigáveis. Considerando que a legislação de base é comum a todos os entes da Federação, podem ser extraídos ensinamentos e ideias indistintamente.

Certamente os editais escolhidos têm características primorosas quanto a aspectos técnicos que não cabem neste trabalho. De cada um deles foram destacadas somente as cláusulas editalícias que representam o emprego das licitações públicas como contribuição do Estado para o meio ambiente.

2.6.1 Construção do edifício do Banco Central do Brasil no Rio de Janeiro (RJ)

Por meio do Processo nº 0901455880 [117], foi lançado o edital de licitação, na modalidade concorrência, do tipo menor preço, para execução, sob o regime de empreitada global, de obras e serviços para construção do novo edifício do Banco Central do Brasil, na cidade do Rio de Janeiro – RJ.

A cláusula 1.2 do Anexo 1 – Especificações Básicas desse edital apresenta os critérios de sustentabilidade ambiental e certificação, que apenas cita a obrigatoriedade de o edifício a ser construído seguir a Instrução Normativa nº 001/2010 da SLTI/MPOG.

A cláusula 4.2.1.5 especifica as divisórias ambientais modulares, que devem ser confeccionadas com madeira aglomerada de origem certificada, com o selo FSC (Forest Stewardship Council).

A cláusula 5.1 do Anexo 1 descreve as instalações hidráulicas e sanitárias, referenciando o aproveitamento de água de chuva para reúso.

No Anexo 5, que é a minuta do contrato a ser firmado com a licitante vencedora, na Cláusula Sexta – Obrigações da Contratada, na cláusula XIX, está a obrigação pela remoção dos resíduos da construção civil (RCC). Não há menção expressa à Resolução CONAMA nº 307/2002 (Resíduos da Construção Civil), e à época do edital estudado a Lei nº 12.305/10 (PNRS) ainda não havia sido publicada. Entende-se que nem por isso fica mitigada a responsabilidade do construtor pela adequada destinação do "entulho" (Cf. 1.1.22 e 1.1.61 do Anexo 1 do edital). Se, no curso do contrato, surgiu essa obrigação legal, comprovado que o ônus daí decorrente causou desequilíbrio econômico-financeiro em desfavor do contratado, cabe a adequação dos valores à nova situação (art. 65, II, "d").

A cláusula XXXII da Cláusula Sexta, também possui uma menção à IN 001/2010 SLTI/MPOG, como obrigação da contratada.

Ainda na minuta do contrato, na Cláusula Décima Sexta (p. 489), consta o seguinte:

CLÁUSULA DÉCIMA SEXTA - Após o período de observação e desde que tenham sido corrigidos os defeitos, falhas ou imperfeições detectados, resultando no cumprimento total e perfeito do objeto na forma das especificações e nos termos deste contrato, será firmado o Termo de Recebimento Definitivo, em 2 (duas) vias, por representantes do BACEN e da CONTRATADA.

PARÁGRAFO PRIMEIRO - O Termo de Recebimento Definitivo somente será firmado após o recebimento dos seguintes documentos:

[...]

i) Certificação de Sustentabilidade;

O problema deste requisito é que não há a definição de qual será o órgão emitente da "certificação de sustentabilidade" a ser apresentada pelo construtor, nem em qual nível essa certificação será exigida. Se isso não está definido nas especificações técnicas, no projeto básico e no projeto executivo, é pouco provável que a certificação de sustentabilidade atenda a maiores compromissos com o meio ambiente. Aqui voltamos à questão do "selo verde". O que importa não é que haja um reconhecimento do edifício por um órgão certificador, mas que a obra seja efetivamente sustentável. O reconhecimento da sua sustentabilidade virá por consequência. A rotulagem não poderia ser um fim em si mesma, tal qual um elemento de marketing.

2.6.2 Construção da sede da Superintendência Regional da Polícia Federal no Estado do Amapá

A construção do edifício sede da Superintendência Regional do Departamento da Polícia Federal no Estado do Amapá foi objeto do Processo nº 08361.002495/2010-02 [118], licitação lançada na modalidade concorrência, tipo menor preço, no regime de execução indireta – empreitada por preço unitário.

A cláusula 5.33 do Anexo I – Projeto Básico impõe, como responsabilidade da contratada, a obrigação pelo cumprimento das regras que abrangem os processos de extração ou fabricação, utilização e o descarte de produtos e matérias-primas previstos na Instrução Normativa nº 001 da SLTI/MPOG.

A cláusula 22.2.12 do edital atribui à licitante vencedora a responsabilidade pela remoção do entulho da obra (resíduo da construção civil), que deve ter destinação de acordo com as exigências legais, como de praxe. A Cláusula 10.1.13 do contrato repete a obrigação.

A cláusula 18.6 do edital prescreve que a garantia contratual deverá servir para, eventualmente, cobrir débitos trabalhistas da contratada com seus operários. Os itens 22.2.1, 23.1.1 e 23.1.3 também se referem às obrigações sociais, trabalhistas e previdenciárias e à responsabilidade por demandas trabalhistas. O projeto básico e a minuta de contrato repetem esses deveres da empresa contratada. O projeto básico ainda exige, nos itens 5.1 e 5.31, a lista de funcionários, com nome completo, número da identidade e outros dados pessoais de cada trabalhador, para fins de controle pela Administração.

Essas exigências não são diferentes nos demais editais e contratos estudados. Questiona-se aqui a efetividade desses dispositivos, mais propriamente quanto à forma como serão executados pela contratada e como ocorrerá a fiscalização pela contratante.

Neste ponto me permito trazer um comentário relacionado não só a este edital, mas a muitos outros. É um assunto já referido en passant no começo do subtítulo 2.3, quando se falou em necessidade de formalidade nas construções sustentáveis.

Um dos aspectos que não se coaduna com a sustentabilidade é a informalidade do mercado que, em tese, não deve ocorrer nas licitações públicas. Dos tipos de informalidade, a relativa ao pessoal é preocupante e gera despesas posteriores para a Administração Pública, em face de demandas trabalhistas após o encerramento da obra, quando todas as despesas já foram liquidadas e a garantia contratual restituída ao contratado.

Muitas vezes essas ações chamam a Administração à lide, para que responda como segunda reclamada. Não raro, a Administração resta condenada a satisfazer débitos deixados pendentes pela empresa contratada, onerando os cofres públicos além do custo do serviço. Nos contratos de construção civil esse problema se agrava, em virtude do número de empregados envolvidos. A Administração Pública não se exime da responsabilidade subsidiária perante os obreiros, quando terceiriza serviços, como afirma o combatido Enunciado 331 do Tribunal Superior do Trabalho (TST) [119]. Reiteradamente se confirma essa assertiva quando se demanda sobre relações trabalhistas e se questiona sobre a falta de fiscalização por parte da Administração na contratação de serviços. A deficiência da fiscalização do contrato compromete visceralmente a Administração.

Como ocorre nos editais e contratos públicos, a responsabilidade pelas obrigações trabalhistas sociais e previdenciárias cabe à contratada (art. 71, Lei nº 8.666/93). Os contratos exigem a apresentação da lista de empregados, às vezes a sua frequência, seus dados pessoais, função, etc. O pagamento à contratada, em geral, fica condicionado às medições técnicas e, também, à prova de quitação dos débitos do empregador junto ao INSS (Instituto Nacional do Seguro Social) e ao FGTS (Fundo de Garantia do Tempo de Serviço). Raramente se exige cópia dos recibos das obrigações trabalhistas pagas aos operários. Mais raramente ainda se confere se aqueles que assinam os recibos são os mesmos empregados que estão presentes no canteiro.

É comum na construção civil que as empresas apresentem suas relações de empregados à contratante, todos eles formalmente registrados. Ocorre que nem todos os operários necessários são efetivos na construtora, e as vagas são supridas com operários de terceiros (subempreiteiros). Dessa espécie surgem os chamados "gatos", gíria que designa subempreiteiras baratas, de baixa qualidade, menos produtivas e que pagam mal aos operários, descumprindo obrigações legais. Os custos que essa mão de obra mal qualificada gera na construção vai além do valor pago ao "gato", porque envolve o desperdício de material, atrasos, necessidade de retrabalho, alta rotatividade e chamamento a juízo posterior.

Outra forma de burla à legislação trabalhista e que é sempre objeto de cautela por parte da Administração é a cooperativa de operários da construção civil, que muitas vezes, em termos práticos, não difere de uma subempreiteira ou "gato". Nesses casos, é usual que a admissão do operário no canteiro de obras seja condicionada à sua adesão a uma cooperativa específica, que somente serve para encobrir a verdadeira relação de emprego com a construtora.

Para resolver esse problema, a Administração deve exercer cerrado controle sobre o pessoal que ingressa no canteiro, preferencialmente intensificando a fiscalização e, até mesmo, terceirizando esse serviço, com o controle informatizado e biométrico dos operários. Aliem-se a isso todas as cautelas já empregadas atualmente em relação à conferência dos pagamentos de FGTS e INSS, além do acompanhamento de eventual dispensa de funcionário, pagamento de 13º salário, férias, horas-extras, benefícios indiretos, etc. Também é fundamental que os fiscais de contrato tenham domínio da sua função e que tenham consciência da sua responsabilidade, exercendo o poder que é conferido por lei à Administração, verificando in loco, o cumprimento das obrigações da empresa, conforme licitado, em especial o cumprimento das obrigações trabalhistas.

Após este aparte, retornando à análise específica da licitação do Processo nº 08361.002495/2010-02 da SR/DPF/AP, se alguma das partes buscar o cumprimento dos critérios de sustentabilidade da IN 001/2010 SLTI/MPOG, vai se deparar com um fator complicador, porque não está definido como fazê-lo. Essa situação dificulta o trabalho da Comissão Fiscalizadora do contrato, que não disporá de elemento objetivo para a cobrança do contratado. O resultado é que se corre o risco de se ter uma obra que contribuirá minimamente para a sustentabilidade ambiental.

2.6.3 Elaboração do projeto básico para a ampliação do edifício-sede da Delegacia da Receita Federal do Brasil em Novo Hamburgo (RS)

A Superintendência Regional da Receita Federal do Brasil da 10ª Região Fiscal, por meio do Edital nº 16/2010 [120], deu publicidade à licitação para a elaboração do projeto básico completo para a ampliação do edifício-sede da Delegacia da Receita Federal do Brasil em Novo Hamburgo (RS). A modalidade escolhida foi tomada de preços, e o tipo de licitação técnica e preço. Assim, trata-se de contratação de pessoa jurídica para a confecção do projeto, e não para a obra do edifício.

O Anexo I – Diretrizes e Especificações Técnicas do Projeto Básico ao Edital inicia a sua apresentação informando da elaboração, em fase anterior, de um Estudo de Viabilidade Urbanística (EVU), com base no qual o projeto básico em licitação deveria ser confeccionado.

O conteúdo do art. 12 da Lei nº 8.666/93 está integralmente transcrito na cláusula 2.1 do Anexo I, a título de requisitos gerais do projeto básico.

As recomendações quanto à acessibilidade das pessoas portadoras de deficiência ou com mobilidade reduzida, conforme determina o Decreto nº 5.296/04 e a Norma ABNT nº 9050/2004 estão na cláusula 2.2 do Anexo I.

A cláusula 2.3 do Anexo I estipula que o projeto deverá conter critérios de sustentabilidade ambiental, nos termos da Instrução Normativa nº 001/2010, da SLTI/MPOG.

A mesma cláusula também alerta que o projeto não deverá prever o emprego de qualquer material ou produto que contenha amianto em sua composição, considerando a nocividade dessa substância para a saúde dos que com ela têm contato.

A exigência de eficiência energética está na cláusula 2.4 do Anexo I, que aponta para os padrões do INMETRO, com suporte no Dec. nº 4.131/02, que trata da redução do consumo de energia elétrica na Administração Federal, e que se alinha com a Política Nacional sobre Mudança do Clima (Lei nº 12.349/10).

A cláusula 6.11.8 exige que seja previsto sistema de reuso das águas e/ou captação das águas pluviais, visando o atendimento aos critérios de sustentabilidade e economicidade.

É relevante a cláusula 3.1 – Projeto Arquitetônico, onde não faltam exemplos de boas práticas ambientais em obras. Ali podem ser encontradas exigências como valorização do conforto térmico e iluminação natural, ambientes claros, "telhado verde", telhas brancas, redução da impermeabilização do solo, entre outros detalhes técnicos.

O Projeto de Ar Condicionado, na cláusula 3.3 demonstra preocupação em garantir facilidade na manutenção dos sistemas, o que reduz o custo de manutenção. Por sua vez, o Projeto de Instalações Elétricas prevê o uso de lâmpadas econômicas e versatilidade no aproveitamento dos ambientes.

O Projeto de Paisagismo e Pavimentação especifica o uso de espécies locais de plantas na jardinagem, o maior aproveitamento possível de árvores existentes no terreno (evitar a supressão) e o emprego de blocos intertravados nas áreas de estacionamento, o que permite a infiltração das águas de chuvas. As medidas de compensação ambiental necessárias foram deixadas a cargo do executante do projeto.

O Projeto Hidrossanitário considera a facilidade de manutenção e o aproveitamento de águas pluviais, se comprovada a sua viabilidade econômica, afinal, "se não for economicamente viável, não é sustentável".

Quanto à destinação de resíduos sólidos, o edital prescreve que deve constar do projeto básico um Projeto de Gerenciamento de Resíduos da Construção Civil, na forma da Resolução CONAMA nº 307/2002 e da IN SLTI/MPOG nº 001/2010. Essa medida também deve atender a exigência do Plano de Gerenciamento de Resíduos Sólidos, na forma do art. 20, III, da Lei nº 12.305/10.

O edital não inclui dentre os seus objetivos que ao final da obra seja obtida certificação ou reconhecimento do edifício como sustentável, muito embora haja razoável número de soluções técnicas que pudessem ensejar isso.

Pelo exposto, vê-se que este edital tem por fim a confecção do projeto básico da obra que será depois licitada. Os requisitos mínimos estão traçados como orientação para os projetistas, o que lhes permite incrementar o projeto básico com maior número de soluções benéficas para o meio ambiente. A simples indicação do art. 12 da Lei nº 8.666/93 lhes autoriza a tornar a obra mais sustentável do que foi descrita neste primeiro edital. Obviamente, o trabalho será cotejado, ao final de cada projeto (arquitetônico, estrutural, instalações elétricas, paisagismo, hidrossanitário, ...), pelo fiscal do contrato. É natural que durante a elaboração dos projetos possa haver reuniões para discussão de alternativas e adequação do projeto a uma estimativa de custos. Assim, adicionam-se ou excluem-se ideias que tornam a obra mais sustentável, de acordo com o orçamento previsto.

2.6.4 Revitalização da Pousada "Refúgio do Parque" em Teresópolis (RJ) - Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade – ICMBIO/MMA

O objeto da Concorrência nº 03/2010 [121] do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBIO) é a revitalização da Pousada "Refúgio do Parque", por meio de concessão de prestação de serviços de apoio ao uso público, incluindo a construção, implantação, manutenção, conservação, gestão, exploração e operação, conforme especificações do projeto básico. A licitação ocorreu na modalidade maior lance ou oferta, visto que o imóvel já existia e necessitava sofrer a intervenção objeto do certame, para que pudesse cumprir a sua finalidade.

No preâmbulo do edital, já se menciona a aplicação subsidiária da Instrução Normativa nº 001/2010 SLTI/MPOG.

A contratação não se direciona especificamente para uma obra, porque a Pousada já estava elevada no seio do Parque Nacional da Serra dos Órgãos, uma unidade de conservação localizada na Serra do Mar, em Teresópolis – RJ. O objetivo é que o licitante vencedor assuma as instalações existentes, execute adaptações, reformas, mobílie e explore economicamente a pousada e o restaurante, por um período de 10 anos [122], com recursos próprios, efetuando o pagamento mensal por esta concessão de uso do patrimônio da União.

A cláusula 3.3.1.2 do Projeto Básico diz que o concessionário deverá executar as obras para o acabamento da varanda (guarda-corpo, revestimento do piso etc.), usando material de baixo impacto ambiental, tais como madeiras de reflorestamento, com certificação (selo verde ou similar), tintas ecológicas, etc.

A cláusula 3.3.2 determina que as áreas de acesso e circulação devem ser mantidas desimpedidas, com as devidas adaptações, para garantir o acesso de pessoas com necessidades especiais. Devem ser observadas as normas técnicas NBR 9050/94 ABNT e as disposições da Lei 10.098/00, para resguardar as condições mínimas de acomodação de pessoas com mobilidade e/ou sentidos reduzidos.

A cláusula 3.3.4 exige a instalação de mobiliário adequado na sala de estar, priorizando a confecção com materiais ecológicos e antialérgicos, bem como conforto térmico, obtido com tapetes de fibras naturais com tratamento antiácaro. A exigência de mobiliário em madeira maciça, de origem de reflorestamento ou com selo de origem, está, também, nos itens 3.4.8.3 e 3.4.8.4, que tratam das suítes. Os móveis dos quartos coletivos (item 3.4.10.1) não tiveram a mesma exigência.

Dentro do prazo de dois anos, o concessionário deve construir uma área de lazer, conforme item 3.3.5 do Projeto, contendo sauna, piscina de relaxamento e duchas. As louças e sistemas hidráulicos dessa área devem "privilegiar o sistema green building de construção, objetivando o melhor uso dos recursos hídricos disponibilizados".

Foi lembrado do baixo custo ambiental na tecnologia dos televisores das suítes (item 3.4.8.5). O requisito de eficiência energética não só para estes equipamentos, mas também para os refrigeradores (item 3.4.8.6) e para as lâmpadas (item 3.4.8.8) foi lembrado na cláusula 3.6.7.

A cláusula 3.4.9 prevê a disponibilidade de vasos sanitários com caixas [acopladas] de válvula dupla. Quanto ao sistema de aquecimento da água, deduz-se que será elétrico, pois não há menção a aquecimento solar.

Aqui, um parêntese: é de se analisar que pode não ser economicamente viável a instalação de um sistema de aquecimento solar na pousada (para lavatórios e chuveiros), pois o edifício já estava pronto na época da licitação, e a incorporação de um sistema como esse demandaria adaptação da rede hidráulica existente, aumentando custos e gerando resíduos.

Considerando que se trata de concessão de uso no interior de um Parque Nacional, além de um ato administrativo do Ministério do Meio Ambiente, as ações ambientais na Pousada crescem de importância, ainda mais porque devem ser motivo de observação criteriosa dos hóspedes. Por isso, a cláusula 3.6 do Projeto Básico prevê o treinamento dos funcionários da Pousada em relação à redução do consumo de energia elétrica e de água, assim como para a separação de resíduos sólidos. Prescreve, também, o monitoramento do consumo de energia, de água e a coleta seletiva de resíduos. Como envolve atividade hoteleira, a cláusula 3.69 prescreve o seguimento da Norma ABNT NBR 15.401/2006, elaborada pela Comissão de Estudo de Turismo Sustentável do Comitê Brasileiro de Turismo.

A minuta de contrato, Anexo VIII, apresenta, na Cláusula Sétima, os seguintes parâmetros definidores da qualidade do serviço: cumprimento das Normas NBR 15.401/2006; programa de separação de lixo e reciclagem; contratação preferencial de funcionários da região, em função de provisão de benefícios locais; e as diretrizes dispostas na Política Nacional do Meio Ambiente, no Sistema Nacional de Unidades de Conservação e no Plano de Manejo da Unidade de Conservação.

Por fim, dentre as obrigações da concessionária está o cumprimento da IN nº 001/2010 da SLTI/MPOG.

A dificuldade do acompanhamento diuturno pelo fiscal desse contrato é compensada pela fiscalização exercida pelos usuários do local, a princípio pessoas interessadas na preservação ambiental. Os requisitos de sustentabilidade desse edital não implicam elevado esforço por parte do concessionário, pois são razoáveis, na medida do interesse público e essenciais para a atividade desenvolvida, pois combinam com o estilo do lugar. Mesmo assim, foram inseridos no edital e no contrato, denotando o zelo na sua elaboração. Esses requisitos, cabe frisar, são o mínimo que o concessionário deve cumprir, principalmente se considerado o seu propósito de marketing, em função do turismo ecológico. Quanto menor for a "pegada ecológica" da Pousada, maior o benefício para o ambiente, e maior a possibilidade de lucros do concessionário.

2.6.5 Fiscalização, supervisão e gerenciamento das obras de construção do Estádio Novo Verdão, em Cuiabá (MT)

Esta licitação, de iniciativa do Estado do Mato Grosso, não tem como objeto a construção propriamente dita, mas sim a contratação de serviços de engenharia especializados de fiscalização, supervisão e gerenciamento das obras de construção do Estádio Novo "Verdão" e seu entorno, em Cuiabá, na modalidade concorrência, tipo técnica e preço, sob o regime de empreitada por preço global e execução indireta, conforme o Edital nº 001/2010/AGECOPA [123].

Na cláusula 8 – Da Proposta Técnica do edital, especifica-se a qualificação da equipe técnica a ser contratada. A cláusula e.6 estabelece o seguinte:

e.6) Coordenador de Construção Verde (Green Building): Profissional com especialização na Área Ambiental (arquitetura ou engenharia), qualificado e com experiência comprovada em projetos de mesma complexidade para atuar como Coordenador de Construção Verde (Green Building). Entre outras atividades, a função do Coordenador é liderar a equipe de comissionamento (engenheiros, instaladoras, subcontratados, consultores) gerenciando, coordenando e acompanhando a execução dos testes e ensaios dos equipamentos e sistemas do edifício. Cabe ainda ao Coordenador analisar e validar os resultados da verificação de desempenho dos sistemas e ainda garantir o atendimento de todos os requisitos de comissionamento previsto na norma LEED referente ao projeto, de modo a atender os requisitos exigidos pelo contratante, as premissas de projeto e os projetos executivos.

Dessa forma, toda a responsabilidade por garantir a sustentabilidade da obra estará sobre o Coordenador de Construção Verde, que exigirá dos fornecedores, dos prestadores de serviços e dos construtores o cumprimento dos requisitos do projeto básico da obra em sua área de atuação. Esse arquiteto/engenheiro estará à frente da execução da obra, supervisionando o cumprimento das cláusulas do contrato firmado entre a Administração e a empresa construtora.

Antes desse ponto do edital, não havia qualquer sinal de que a futura obra adotaria critérios de sustentabilidade, mas, por esse item, já se tem uma ideia do que se deseja da construção. Observe-se que, acertadamente, a Administração Estadual não exigiu que o Coordenador possuísse nenhuma qualificação específica. A referência à certificação LEED® está no projeto (objeto).

O preceituado a respeito do Coordenador de Construção Verde se repete na cláusula 10.3 – Do Julgamento da Proposta Técnica, em três oportunidades, quando se demonstra qual será a pontuação atribuída ao profissional. Nestes itens fica claro que o Coordenador deverá possuir qualificação técnica que o habilite a exigir a certificação LEED®, pois esta norma será exigida no projeto da obra. Aliás, como será visto no projeto básico, a certificação LEED® é uma exigência da FIFA (Federação Internacional de Futebol Amador) [124] e, como o estádio "Novo Verdão" tem por fim imediato acolher jogos da Copa de 2014, o Poder Público só estará satisfeito se atendido este requisito.

O objeto da proposta técnica é a composição do corpo de engenheiros e/ou arquitetos que integrarão a equipe de trabalho. A melhor equipe será a mais bem pontuada. De acordo com a doutrina e com a jurisprudência vista, seria até admissível que fossem reservados pontos específicos se o Coordenador possuísse a certificação LEED®, pois este requisito estaria coerente com o interesse público e com o objeto licitado. Isso, porém, restringiria a participação de bons profissionais, poderia elevar o custo do serviço e poderia ser suprido satisfatoriamente de outra forma.

O Anexo I ao edital traz o Plano de Trabalho e Projeto Básico. Na cláusula 4 está o Escopo dos Serviços, destacando-se as seguintes atribuições e obrigações da contratada na área de planejamento e controle :

17. Gerenciamento das ações referentes à Gestão Ambiental, com relação às medidas mitigadoras, planos e projetos ambientais exigidos pelos órgãos ambientais a serem desenvolvidos para a execução das obras;

18. Acompanhamento, controle, avaliação e apresentação de informações técnicas de forma permanente, nas atividades de construção, verificando o cumprimento das especificações ambientais exigidas pelas licenças ambientais: preliminar, instalação e operação;

[...]

21. Verificar o cumprimento, pelas projetistas e construtoras, das condições para a aceitação provisória e definitiva dos serviços e obras, incluindo o cumprimento das especificações ambientais, inclusive da certificação LEED (Leadership in Energy and Environmental Design) exigida pela FIFA;

Além disto, é fundamental salientar que a gerenciadora deve exigir o cumprimento dos projetos que estão atrelados a certificação LEED, entre eles:

a) sistemas hidráulicos - esgoto, águas pluviais, águas de reuso, drenagem;

b) sistemas elétricos incluindo iluminação;

c) especificações de arquitetura considerando pisos, coberturas, metais e válvulas sanitárias, acabamentos;

d) sistemas de ar condicionado (equipamentos/motores/gás refrigerante) e Ventilação mecânica;

e) projeto paisagístico e de recuperação ambiental;

O Anexo III do edital apresenta as Orientações Técnicas de Sustentabilidade para o Empreendimento (etapa de construção), baseadas nas normas LEED®.

Neste documento, detalham-se as orientações para os serviços iniciais e para a implantação do canteiro de obras, onde são abordadas atividades como a movimentação de terra, áreas passíveis de impacto ambiental, lavagem de veículos, armazenamento de resíduos sólidos, ocupação de áreas vegetadas, impacto de ruído na vizinhança, entre outros.

Encontra-se, também, entre as obrigações da contratada, a revisão do Plano de Prevenção e Controle da Poluição Ambiental do Canteiro de Obras, devendo ser acompanhados aspectos como movimentação e descarte de solo, erosão do solo, sedimentação e assoreamento da drenagem pluvial e dos cursos d’água, geração de poeira, lava-rodas, supressão da vegetação, contaminação do solo e da água, interferências na fauna e flora local, reaproveitamento do top soil, geração de ruído e de vibração, incômodo para a vizinhança, poluição do ar e alteração no tráfego local.

No Anexo III estão, ainda, as diretrizes sobre o Projeto de Gerenciamento de Resíduos da Construção Civil, prescrevendo o cumprimento da Resolução CONAMA nº 307/2002 e estabelecendo a meta de 75% do volume total de resíduos de demolição e da obra, que devem ser desviados de aterros ou de incineração, para serem reciclados ou reutilizados no próprio empreendimento. Entre outros deveres, está a fiscalização de um programa de educação ambiental a ser implantado pela construtora entre os operários.

A gestora contratada deverá, também, fiscalizar a aquisição de materiais e suprimentos para a obra, exigindo-se materiais de conteúdo reciclado e materiais regionais a serem incorporados à obra com a meta de 30% e 20%, respectivamente. Como materiais regionais são definidos aqueles cuja extração, beneficiamento e manufatura da matéria prima ocorram dentro de um raio de até 800 km do local do empreendimento. "Dessa forma, estimula-se o uso de recursos locais, reduzindo os impactos ambientais associados ao transporte".

Quanto à aquisição dos insumos para a obra, deverá ser fiscalizado o preenchimento da Declaração Ambiental do Produto. O material de madeira empregado na obra (tábuas, esquadrias, portas, piso, etc) deve ser fiscalizado em, no mínimo 95% do custo, objetivando-se a aferição do selo FSC. Caso não haja esta certificação, a madeira deverá ser certificada por outro órgão.

A contratada deverá exigir da empresa construtora o cadastramento no Cadastro Técnico Federal do IBAMA, mas esta não é uma condição para habilitação dos licitantes. As compras de madeira nativa devem ser acompanhadas do Documento de Origem Florestal (DOF), aprovado pelo IBAMA.

O Anexo III discorre, ainda, sobre a compra de produtos que contenham compostos orgânicos voláteis (COV), como tintas, vernizes, solventes, adesivos, selantes e outros congêneres, e sobre a necessidade de fiscalização do preenchimento da Ficha de Inspeção de Produtos Químicos com Compostos Orgânicos Voláteis (FIPCOV).

A empresa construtora será encarregada de adquirir materiais com SRI (solar refletance index), como pisos e coberturas, mas caberá à empresa gestora fiscalizar o SRI, submetendo o material a ensaios laboratoriais e comparando os resultados com os índices especificados pelas normas LEED®.

A contratada deve fiscalizar a confecção e o cumprimento de um Plano de Qualidade do Ar Interno, quer durante a construção, quer antes da ocupação, no qual devem estar previstos procedimentos que evitem a contaminação dos dutos e dos equipamentos de ar condicionado, a fim de assegurar o bem estar dos trabalhadores e dos futuros usuários do estádio.

Por fim, o Anexo III incumbe a contratada de contratar um profissional para chefiar a equipe de comissionamento (engenheiros, instaladoras, subcontratados, consultores), a fim de que gerencie, coordene e acompanhe a execução dos testes e ensaios dos equipamentos e sistemas de energia do edifício, tais como aquecimento, ventilação, exaustão, condicionamento de ar, sistema elétrico, iluminação, automação, segurança e aquecimento de água. Este encargo segue estritamente o que prescrevem as normas LEED®, incluindo a preparação e, às vezes, a assessoria aos futuros operadores do edifício.

Esta licitação difere das anteriores por contratar uma empresa, composta essencialmente por engenheiros ou arquitetos, que serão encarregados de gerenciar uma grande obra, que por sua vez será executada por outra empresa de engenheiros e arquitetos. A primeira equipe deverá conhecer muito bem o contrato que firmará, porque é o que lhe dá autoridade para agir sobre a construtora. Deverá, também, conhecer muito bem os requisitos da administração contratante, para poder cobrar o que é devido.

O projeto básico está declaradamente assentado sobre as normas LEED®. Não há referência à IN 001/2010 SLTI/MPOG, porque a licitação ocorre no âmbito estadual, portanto fora do alcance dessa Instrução. Também não há menção ao art. 12 da Lei nº 8.666/93, porque, como visto, este dispositivo não é tido como norma geral das licitações e contratos, logo não é constitucionalmente imposto aos demais entes, que não aos federais. Apesar disso, por força do que exige a FIFA, primeira usuária do Estádio Novo Verdão, têm que ser atendidas as normas LEED® nessa obra, o que acarreta um benefício para o meio ambiente.

Por força da adoção integral do padrão LEED®, tem-se uma visível preocupação com o consumo de energia elétrica, o que é próprio dos países que têm sua matriz energética baseada em combustíveis fósseis. Isso fica patente no destaque dado às funções do agente de comissionamento, supervisor do sistema elétrico do edifício. Muito embora o consumo de energia elétrica seja relevante, o consumo de água não teve tanto destaque. O mesmo ocorreu em relação aos estudos de impacto ambiental e de vizinhança (no edital chamado de off site), que foram referidos superficialmente. Por outro lado, o projeto básico cita o aquecimento de água e do ar, sendo que o estádio será construído na cidade de Cuiabá, em pleno Pantanal Mato-grossense.

A importação para o Brasil de padrões dos Estados Unidos e da Europa pode levar a distorções, como adverte o Engenheiro Wanderley Moacyr John [125], para quem "o problema das certificações é que elas precisam ser adequadas não só à realidade local, mas às estratégias selecionadas para o país". Mesmo que a FIFA exija o padrão LEED® de certificação, entende-se que, em nome da sustentabilidade, os critérios auditados poderiam ser adaptados à finalidade do edifício e ao seu local de construção, como visto no início desse estudo.

2.6.6 Elaboração de projeto básico e projeto executivo para construção do Centro de Estudos de Clima e Ambientes Sustentáveis da Universidade de São Paulo (USP)

Por meio da Concorrência Nacional nº 01/2010 – IAG/USP [126], do tipo técnica e preço, a Universidade de São Paulo lançou o edital que teve por objeto a seleção de uma empresa especializada na elaboração de projeto básico, projeto executivo completo e projetos complementares para a construção de um laboratório de pesquisa de elevada tecnologia, denominado CECAS – Centro de Estudos de Clima e Ambientes Sustentáveis.

As condições para a habilitação dos interessados são mínimas, na forma da lei, e estão definidas na Seção II do edital.

Esta licitação foi lançada no tipo técnica e preço, e na Seção III do edital estão definidas as qualificações que a equipe técnica deve possuir, verificando-se, entre elas, a necessidade de um engenheiro civil ou hidráulico especializado em reúso de água, além de um consultor especialista em conforto acústico, outro em conforto ambiental (iluminação natural, conforto térmico, ventilação natural), em eficiência energética, em sustentabilidade, e mais um especialista em geração de energia elétrica fotovoltaica. A motivação fática para estas exigências encontra respaldo no Anexo II, que contém o detalhamento técnico do que a USP pretende. Esses requisitos dos profissionais serão valorados no julgamento das propostas técnicas, mediante a apresentação de atestados de consultoria em projetos similares, na forma do Anexo XI ao edital.

O Anexo II ao edital apresenta as especificações técnicas do estudo preliminar de arquitetura do projeto. Na cláusula 4 deste Anexo estão listadas as soluções técnicas a serem adotadas, e que a licitante vencedora deverá observar quando da elaboração dos projetos básico, executivo e complementares. A cláusula 4.1 especifica muito bem o que se espera do prédio CECAS, com a seguinte exigência:

4.1 O edifício laboratório de pesquisa de elevada tecnologia - CECAS - Centro de Estudo de Clima e Ambientes Sustentáveis será um edifício modelo, do tipo ZEB – Zero Energy Building, planejado para gerar no mínimo a totalidade de sua energia e contemplará iniciativas de sustentabilidade e reduzido impacto ambiental durante as etapas de construção, uso e operação do edifício. O edifício utiliza tecnologias passivas e tecnologias ativas de forma a minimizar ao máximo o seu consumo energético. Os materiais e técnicas adotadas deverão ser compatíveis com as tecnologias sustentáveis empregadas, visando atender as normas técnicas oficiais, os textos legais em vigor e os requisitos das certificações pretendidas, visando à melhor razão custo/benefício.

Em seguida, a cláusula 4.2 lista quais são as certificações que a USP pretende obter com o novo edifício, esclarecendo que estas certificações não são objeto da contratação desta equipe, que só confeccionará os projetos, mas é necessário que eles trabalhem, desde o início, com esse escopo. Os reconhecimentos almejados são os seguintes: LEED®Leadership in Energy and Environmental Design do USGBC – United States Green Building Council, nas categorias: NC – New Construction and Major Renovation 2009; o AQUA – Alta Qualidade Ambiental do Empreendimento; e a Etiquetagem Voluntária do Nível de Eficiência Energética de Edifícios Comerciais, de Serviços e Públicos do PROCEL – Programa Nacional de Conservação de Energia Elétrica da ELETROBRAS (Centrais Elétricas Brasileiras).

Na cláusula 5 do Anexo II está a descrição das tecnologias a serem empregadas no edifício CECAS, que deverão elevar o desempenho da construção, o que inclui, entre outros recursos, geração autônoma fotovoltaica, uso de biomassa ou biogás como fonte de energia, turbinas eólicas de pequeno porte, elevadores eficientes, sistema de iluminação interna automatizado, dutos de iluminação natural captada no exterior, resfriamento de ar por troca de calor com o solo, monitoração dos indicadores de sustentabilidade (água, ar, CO2, energia), captação e tratamento das águas pluviais, reduzido consumo de água potável no esgoto, eliminação de água potável para rega, área transparente e iluminante na fachada, conteúdo reciclado nos novos materiais, material extraído e manufaturado em um raio de no máximo 800 km da obra, madeira certificada e limites de concentração de compostos orgânicos voláteis.

Diante desse edital, vê-se que a licitação ocorre sob a autoridade de ente estatal, portanto alheio à Instrução Normativa nº 001/2010 SLTI/MPOG e também ao conteúdo do art. 12 da Lei nº 8.666/93, embora se sujeite a normas locais, sobre as quais não cabe discorrer. Muito embora os dispositivos federais citados não tenham sido tomados diretamente como regra, verifica-se o seu atendimento integral, entendendo-se que os requisitos de acessibilidade constarão do projeto básico, por força de lei, uma vez que não foram explicitados neste edital.

Verifica-se, também, uma adequação irreparável entre os requisitos da equipe técnica, os critérios de julgamento das propostas e as soluções sustentáveis a serem adotadas. Disso fica demonstrada a motivação e o interesse público na contratação do corpo técnico com tal nível de especialização. A comprovação da especialização dos técnicos da equipe, por meio de atestados de participação em projetos similares, e não por meio de diplomas, aumenta a concorrência entre as empresas licitantes.

2.6.7 Revitalização, modernização e recuperação do Complexo Cais Mauá em Porto Alegre (RS)

O Governo do Estado do Rio Grande do Sul decidiu proceder à revitalização, modernização e recuperação de uma área portuária em Porto Alegre, denominada Cais Mauá, que inclui áreas tombadas, para fins de aproveitamento como um complexo empresarial, de cultura, lazer, entretenimento e turismo. Para isso, foi selecionado um estudo técnico, jurídico e econômico-financeiro de viabilidade do projeto, o qual serviu de base à fase seguinte, que será analisada. Nesta etapa, a Administração Estadual procederá à licitação pública, por meio do edital de concorrência nº 001/2010 – RS [127], para a revitalização do Cais Mauá, por meio da celebração de contrato de arrendamento de área portuária não operacional, incluindo a construção, implantação, manutenção, conservação, melhoria, gestão, exploração e operação, por meio de operadores especializados.

O objetivo é a instalação de hotel, estacionamentos, shopping center, lojas, escritórios, cento de lazer e entretenimento, exposição, ensino e saúde. O contrato terá validade de 25 anos, prorrogável por igual período, com pagamento anual do arrendamento. Será sagrada vencedora a empresa que propuser o melhor preço para o arrendamento. Cada licitante, entretanto, deverá apresentar uma Proposta de Metodologia de Execução (§ 8º do art. 30 da Lei nº 8.666/93), que será julgada e receberá uma pontuação, a qual, se não atingir um valor mínimo, não habilitará a empresa interessada à apresentação da proposta comercial (preço).

Cabe ao licitante vencedor a obtenção das licenças ambientais necessárias (cláusulas 8.1 e 12.1 do edital), bem como a indenização pelos estudos de viabilidade do empreendimento, acima referidos (item 15.3 do edital). A cláusula 1.11 do edital já prescrevia o seguinte:

1.11 Licenças Ambientais – documentos concludentes da avaliação dos impactos causados pelo Complexo Cais Mauá, tais como: seu potencial ou sua capacidade de gerar líquidos poluentes (despejos e efluentes), resíduos sólidos, emissões atmosféricas, ruídos e o potencial de risco. Para avaliação da degradação ambiental e do impacto das atividades no meio urbano será considerado o reflexo do empreendimento no ambiente natural, no ambiente social, no desenvolvimento econômico e sócio-cultural, na cultura local e na infra-estrutura da cidade (art. 5º, Lei Federal n° 8.267/98). No Rio Grande do Sul, o Código Estadual de Meio Ambiente – Lei Estadual n° 11.520/00 determina a competência do Município para a emissão de licenças ambientais relativas aos empreendimentos e atividades consideradas como de impacto local, bem como aquelas que lhe forem delegadas pelo Estado por instrumento legal ou Convênio (art. 69). (grifei)

Os projetos disponíveis até a publicação do edital foram aprovados previamente pelo Conselho de Atividade Portuária de Porto Alegre, pela Secretaria Municipal de Meio Ambiente e pela comunidade local. Consta, ainda, que a proposta de revitalização, com ocupação e construção de novas edificações, foi objeto de análise e pareceres favoráveis da Comissão [Municipal] de Análise Urbanística e Gerenciamento (CAUGE) e dos Conselhos Municipal de Desenvolvimento Urbano Ambiental (CMDAU), do Patrimônio Histórico e Cultural (COMPHAC) e de Meio Ambiente (COMAM), estabelecendo para o Projeto Cais Mauá regime urbanístico específico com vista à sustentabilidade do empreendimento.

O Anexo I – Termo de Referência se refere, no Memorial Descritivo, à aprovação de Lei Municipal que aprova novo regime urbanístico em função do Projeto Cais Mauá (Lei Complementar Municipal nº 638/10). O Anexo I apresenta, também, dados de valor ambiental, histórico e arquitetônico sobre o lugar, o que deve ser considerado no empreendimento.

Este conjunto de informações expressa o engajamento político dos diversos setores públicos em prol do projeto, que visa a extinguir uma área urbana degradada, promovendo a sua reabilitação urbana, uma tendência em várias cidades portuárias, como Marselha (Vieux Port), Recife (Bairro Santo Antônio), Buenos Aires (Puerto Madero), Barcelona e Gênova.

A cláusula 3.2 do Termo de Referência, versando sobre meio ambiente, diz que os impactos ambientais negativos deverão ser mínimos, exigindo-se estudos específicos para alterações das instalações portuárias existentes. Acrescenta o seguinte, in verbis:

Quando se tem como objetivo realizar construções sustentáveis, deve-se considerar que os edifícios devam ser mais eficientes, duráveis, saudáveis, confortáveis, flexíveis, seguros, econômicos e práticos, apresentando desempenho superior aos convencionais.

[...]

Em arquitetura, para se alcançar um empreendimento sustentável, este necessita atender a certos requisitos básicos, que devem ser em sua plenitude: ecologicamente corretos; economicamente viáveis; socialmente justo; culturalmente aceito. Isto significa que, deve se projetar e construir de maneira sustentável, atendendo à legislação trabalhista, fiscal e ambiental, buscando maneiras de fomentar a adoção de boas práticas socioambientais entre fornecedores e parceiros.

O edital refere-se aos critérios LEED®, AQUA, PROCEL Edifica, prescrevendo que o Projeto visa ao atendimento de aspectos essenciais para a certificação de sustentabilidade, sem que seja obrigatório que isso se concretize, contanto que sejam seguidos seus preceitos básicos, tais como a busca de processos construtivos mais eficientes, seleção de materiais visando redução do impacto ambiental, eficiência energética dos sistemas especificados dentre outros, garantidores de uma arquitetura de certa forma sustentável. Por fim, ressalta a importância do planejamento e da integração das equipes de engenheiros e arquitetos para o sucesso de uma construção sustentável. De forma didática, o edital enfatiza os seguintes aspectos: eficiência energética (exige o Selo PROCEL), conforto ambiental, conservação da água, seleção de materiais, saúde e bem-estar do usuário e qualidade do empreendimento (acessibilidade, resíduos, operação e manutenção).

O fato de a Administração Estadual não exigir categoricamente a certificação de sustentabilidade, mas sim o cumprimento de requisitos específicos, parece prudente em um projeto desse vulto. Em face dos dados até então disponíveis, essa imposição comporia uma equação de muitas variáveis, o que poderia elevar o custo do empreendimento e, até mesmo, inviabilizar o investimento privado, o que não seria razoável. A Administração optou pelos resultados, e não pelo selo verde.

O Capítulo III do Termo de Referência contém detalhes sobre a Proposta de Metodologia de execução e o seu critério de julgamento, documento que que demonstra a objetividade necessária aos trabalhos, segundo determina o art. 3º da Lei nº 8.666/93.

Uma peculiaridade dessa licitação é que não se trata de elaboração de projeto básico, nem de aproveitamento de instalações já existentes e tampouco a edificação de um projeto definido. Nesse caso, o Projeto Cais Mauá ainda não estava consolidado. Por isso a necessidade de um Projeto de Metodologia de Execução. O Estado tinha uma ideia da forma de aproveitamento, mas as especificidades das obras tinham que partir do futuro empreendedor, em função da sua sensibilidade comercial para o projeto. Disso surge um risco para este mesmo empreendedor: estava sendo licitada uma obra que envolvia uma grande área e para a qual não havia ainda EIA/RIMA, nem EIV, nem licenciamento ambiental prévio. Fica claro que deveria haver o equilíbrio entre os requisitos ambientais para licenciamento, os interesses econômicos do licitante e o interesse púbico, expresso pelo Governo Estadual. Este é o cerne da licitação sustentável.

2.6.8 Construção, montagem e comissionamento do edifício do Fórum do Meio Ambiente do Distrito Federal

Pelo edital da concorrência nº 003/2009 [128], o Tribunal de Justiça do Distrito Federal deu publicidade à licitação para a contratação de empresa especializada para a construção, montagem e comissionamento do edifício e seus sistemas prediais do Fórum do Meio Ambiente do Distrito Federal, com foco em sustentabilidade, eco-eficiência, e baseados nos critérios LEED®, objetivando posterior certificação junto ao United States Green Building Council.

A cláusula 6.1 do edital prescreve que as marcas indicadas na planilha de custos são apenas referências, podendo ser substituídas por similares, desde que atendam aos requisitos LEED®. Do contrário, a contratada ficará obrigada a fornecer insumos das marcas indicadas. Nesse aspecto entende-se que seria preferível que a Administração detalhasse as especificações técnicas desejadas, motivando-as com suporte em razões ambientais, ao invés de transferir o encargo de referência do material a terceiro, o que pode comprometer a concorrência. Esse rigor fica atenuado na cláusula 11.56 a 11.61, quando se refere às obrigações da construtora e da similaridade de materiais. É necessário que se tenha certeza da relevância da exigência técnica do produto, em face das características do local da obra e da adequação das normas LEED® à situação.

A cláusula 11.3 determina que a empresa contratada fique obrigada à observância dos projetos fornecidos pela Administração, assim como às "prescrições e exigências contidas no Caderno de Especificações, Caderno de Encargos, Edital, normas da ABNT, critérios LEED®, legislação e regulamentos aplicáveis". Aqui é importante que todos os documentos estejam alinhados, para que se evitem divergências ou interpretações dúbias. Talvez por este motivo a cláusula 11.6 já preveja essa hipótese.

As obrigações da contratada seguem estritamente sobre as normas LEED®, referindo-se a recebimento e rejeição de material, responsabilidade pela certificação no nível "ouro", treinamento de engenheiros, mestres e encarregados, orientação de terceiros (subcontratados e fornecedores) e organização do canteiro.

Nas cláusulas 11.70 a 11.99 fica estipulado o atendimento a todos os critérios LEED®, prevendo a elaboração e implementação de um Plano de Prevenção da Poluição das Atividades de Construção, evitando-se a erosão do terreno, a emissão de partículas em suspensão e resíduos pulverulentos. Prevê, também, obediência à Resolução CONAMA nº 307/2002 e a confecção de um Plano de Gerenciamento de Resíduos que prescreva que pelo menos 75% dos resíduos gerados sejam reutilizados na obra ou desviados de aterros, para serem reciclados. Não foi especificado, mas entende-se que este percentual se refere a volume, e não a custo, como visto em oportunidade anterior.

A obrigação da contratada pela elaboração e pelo seguimento de um Plano de Gerenciamento da Qualidade Ambiental Interna está na cláusula 11.78, que determina uma série de medidas em relação aos aparelhos e dutos do sistema de ar condicionado. Incluem-se nesse Plano as recomendações quanto às cautelas no emprego de produtos que emitam compostos orgânicos voláteis.

Quanto à seleção de materiais para a obra, a cláusula 11.96 do edital impõe a escolha prioritária de insumos com conteúdo reciclado, reciclável, renovável, madeira certificada pelo FSC e material originário de um raio de até 800 km do local da obra.

No que se refere ao consumo de água, as cláusulas 11.91 a 11.93 contêm recomendações quanto ao lava-rodas dos caminhões e lavagem de betoneiras, quando aos dispositivos hidráulicos de redução de consumo (torneiras e válvulas sanitárias) e quanto à escolha das espécies para composição da jardinagem, de forma que exijam pouca rega.

A relevância das normas do USGBC para o contrato é tamanha que a tabela de infração/graduação reserva a penalidade de maior peso (6%) para o não atendimento dos critérios LEED®. As referências a normas técnicas internacionais também é notável. A referência a normas da ABNT facilitariam a seleção do material de construção, deixando-se as normas alienígenas para quando não houvesse correspondente nacional.

A observação, por fim, é quanto à necessidade de conhecimento do que a Administração está contratando, para que se evite a importação de conceitos acabados que não correspondam exatamente ao interesse dos administrados. O uso de certificações facilita a especificação da obra e lhe dá uma garantia relativa de sustentabilidade. Por outro lado, essa exigência encarece o serviço e pode não ser satisfatória em certos aspectos, por não estar plenamente adaptada às características locais. Para que isso seja evitado, é imperativo que as equipes de servidores se debrucem criteriosamente sobre os projetos e sobre as normas, confrontando-os e optando pelo interesse público.

2.6.9 Reforço estrutural na edificação de saúde do 22º Batalhão Logístico Leve em Barueri (SP)

As obras sustentáveis não precisam ser grandes construções como estádios de futebol ou centros culturais. Também não precisam ser "obras conceito", que têm a função adjunta de mostrar que é possível por na prática a ideias de vanguarda que se têm nos livros acadêmicos. Tampouco se deseja que elas se limitem à frieza do edital, somente para satisfazer a um requisito burocrático dos pareceristas (parágrafo único do art. 38 da Lei nº 8.666/93), passando ao largo dos canteiros. As obras sustentáveis devem ser incorporadas com naturalidade ao quotidiano da Administração Pública, sendo adotadas até mesmo nas reformas edilícias.

Um exemplo de obra de engenharia de porte reduzido que buscou soluções sustentáveis é a do Processo nº 64326.001165/2010-99 [129], para Reforço Estrutural na Edificação da Formação de Sanitária do 22º Batalhão Logístico Leve do Exército, em Barueri (SP). O edital prescreve a realização de empreitada global, no tipo menor preço.

A cláusula 2.2 proíbe a participação de cooperativas de mão de obra ou de trabalho. Poderia ter sido indicada, a título de referência legal, a Instrução Normativa nº 002/2008 da SLTI/MPOG, que dispõe sobre regras e diretrizes para a contratação de serviços, e que orienta quanto aos casos em que é admissível a contratação de cooperativas. Para o objeto desse edital, como está formulado, não caberia a participação de cooperativas de mão de obra.

O edital também não admite a participação na licitação de pessoas jurídicas que estejam "proibidas de contratar com a Administração Pública, em razão de sanção restritiva de direito decorrente de infração administrativa ambiental", como prescrito no art. 72, § 8°, V, da Lei n° 9.605/98 – Lei de Crimes Ambientais.

Nas exigências relativas à habilitação jurídica, na cláusula 5.1.1 (f), o edital exige a comprovação de registro e de regularidade no Cadastro Técnico Federal de Atividades Potencialmente Poluidoras ou Utilizadoras de Recursos Ambientais, na forma da Instrução Normativa nº 031/2009 do IBAMA, combinada com o art. 17, II, da Lei nº 6.938/81.

Conforme já abordado no subtítulo 2.4 deste estudo, quando tratado de condições de participação nas licitações sustentáveis e isonomia, entende-se que essa exigência deve ser cercada de cautela, em função do que efetivamente será executado, uma vez que a sua ausência não é indicativo de falta de aptidão para contratar, nem de desqualificação de nenhuma ordem. Muito embora o edital condicione a exigência ao caso de a empresa ser potencialmente poluidora ou utilizadora de recursos ambientais, e ainda afirme a possibilidade de se buscar a certificação mediante consulta on line, entende-se que o requisito pode ser deslocado para as "obrigações da contratada", sem prejuízo para a obra. Se o serviço a ser executado exigir materialmente o registro no IBAMA, isso deve ser exigido nas qualificações técnicas (art. 30, IV, da Lei nº 8.666/93).

A cláusula 14 do edital admite a subcontratação no percentual máximo de 20% do valor do contrato, mas somente para a locação de maquinário e para o serviço de transporte de material. Esta decisão se enquadra perfeitamente no que dispões o art. 72 da Lei nº 8.666/93.

As Especificações Técnicas anexas ao edital, no título nominado "Obra Pública Sustentável" (2.3.4), faz referência ao art. 12 da Lei nº 8.666/93, objetivando a economia da manutenção, operacionalização da edificação, redução do consumo de energia e água, bem como a utilização de tecnologias e materiais que reduzam o impacto ambiental. Nesse aspecto, exige o seguinte:

a) automação da iluminação do prédio, projeto de iluminação, interruptores, iluminação ambiental, iluminação tarefa, uso de sensores de presença;

b) uso exclusivo de lâmpadas fluorescentes compactas ou tubulares de alto desempenho e de luminárias eficientes;

c) utilização de materiais que sejam reciclados, reutilizados e biodegradáveis, e que reduzam a necessidade de manutenção;

d) comprovação da origem da madeira a ser utilizada na execução de obra ou serviço.

O mesmo dispositivo determina prioridade para o emprego de mão de obra, materiais, tecnologias e matérias primas de origem local na construção. Exige, também, o Projeto de Gerenciamento de Resíduos de Construção Civil – PGRCC, conforme a Resolução CONAMA nº 307/2002.

O item 10 – Licenciamento Ambiental das Especificações antecipa que a obra licitada não necessita de licenciamento ambiental, na forma da Resolução CONAMA nº 237/1997.

Nas Especificações, no item 11 – Licitação Sustentável, consta a exigência de emprego de madeira certificada, de acordo com a legislação vigente e segundo prescreve a IN nº 001/2010 SLTI/MPOG.

Diante do exposto sobre esse edital, constata-se a cautela na contratação de mão de obra e na seleção de empresas que efetivamente estejam habilitadas, muito embora possam ser dispensáveis certas exigências como a relativa à regularidade junto ao IBAMA. Isso demonstra, por outro lado, a busca pela formalidade, um dos objetivos das licitações sustentáveis. O porte da obra favorece o controle do fiscal (ou da comissão fiscalizadora) sobre o material e sobre o pessoal, permitindo a cobrança mais efetiva das práticas sustentáveis contratadas com a construtora. Em uma obra como essa, orçada em menos de R$ 165.000,00 (cento e sessenta e cinco mil reais), em uma instituição que conta com corpo próprio de engenheiros civis, a atuação da fiscalização da Administração pode atingir os objetivos de sustentabilidade, evitando o custo de uma certificação independente.

2.7 Direito comparado

A adoção de licitações sustentáveis é uma tendência em vários países, em virtude da conscientização de cidadãos de todo o mundo sobre o risco de escassez de recursos naturais e sobre o aquecimento global. Fóruns internacionais como a ECO-92, a Conferência de Johannesburg e a Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima (Protocolo de Quioto) despertam a atenção da sociedade e têm exigido o compromisso dos gestores públicos, considerando que as compras públicas representam uma parcela importante da atividade econômica.

Diversos países têm tido resultados positivos com a prática das licitações sustentáveis. Alguns já contam com uma estrutura legal que lhes permite realizar este tipo de contratação. Contam, também, com suporte administrativo e técnico que dão agilidade aos processos de gestão.

As licitações sustentáveis guardam muitas semelhanças, independente dos países onde ocorram. A construção civil sustentável também usa técnicas similares na maioria dos lugares. Neste estudo serão vistas objetivamente as principais normas legais sobre obras públicas sustentáveis em três países, localizados bem distantes um do outro: um no Velho Continente, a França; outro no Novo Mundo, o Canadá; e outro na América do Sul, o Chile. Será explorado, ainda que sem aprofundamento doutrinário, o que estes países têm de comum e de diferente, em relação ao Brasil, em termos de sustentabilidade em licitações de obras públicas.

2.7.1 Obras públicas sustentáveis na França

De acordo com o Plano Nacional de Ação para as Compras Públicas Sustentáveis [130], a política francesa de licitações públicas sustentáveis teve início a partir da Agenda 21, adotada na Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente e o Desenvolvimento (ECO-92). As cláusulas 4.22 e 4.23 da Agenda 21 se referem especificamente à responsabilidade dos governos na orientação do consumo privado e na influência das compras públicas sobre os cidadãos e sobre as empresas, para que sejam considerados os fatores ambientais.

Algumas comunidades locais francesas adotaram a Agenda 21 Local nas suas compras públicas, em parceria com organizações não governamentais, cumprindo compromisso assumido na Charte d'Aalborg, por ocasião da Conferência Europeia de Cidades Sustentáveis, promovida em 1994 pelo ICLEI – Conselho Internacional de Governos Locais pela Sustentabilidade.

Em 1996, o Governo Francês resolveu implementar uma política de "esverdeamento" da administração pública, na qual se inseriam as licitações, deparando-se, no entanto, com limitações de ordem legal.

Sob influência da Conferência de Johannesburg, em 2002, a comunidade Cités Unies France criou um grupo de trabalho denominado "Compras Públicas Éticas", para estimular a inserção de cláusulas éticas nas licitações públicas.

Em 2003, o Governo Francês, convencido de que havia necessidade de regulamentar as compras públicas sustentáveis, implantou a Estratégia Nacional de Desenvolvimento Sustentável, para redefinir a política de "esverdeamento" da administração, e inseriu a reforma do Código de Contratações Públicas como objetivo.

O Código de Contratações Públicas francês foi alterado em 2004, a partir de quando o meio ambiente passou a ser um dos elementos a serem considerados nas licitações. Assim, os critérios, especificações e exigências ambientais puderam ser inseridos em todas as fases da licitação, a saber: nas definições das necessidades, nas obrigações da contratada, no projeto executivo, nas comprovações de qualificações técnicas das empresas interessadas e na classificação e na seleção dos licitantes.

Observe-se que a legislação francesa possui um Código de Contratações dividido em duas partes, sendo a Parte I aplicável aos poderes e a Parte II destinada às entidades licitantes. Há, ainda, a legislação aplicável às licitações das pessoas de direito público ou privado que não se submetem ao Código de Contratações Públicas. Neste trabalho será vista a Parte I. Os princípios fundamentais da contratação pública estão insculpidos no inciso II do art. 1º desse código, in verbis:

Article 1

I.- (…)

II.-Les marchés publics et les accords-cadres soumis au présent code respectent les principes de liberté d'accès à la commande publique, d'égalité de traitement des candidats et de transparence des procédures. Ces principes permettent d'assurer l'efficacité de la commande publique et la bonne utilisation des deniers publics. Ces obligations sont mises en oeuvre conformément aux règles fixées par le présent code.

Assemelhando-se aos princípios das licitações e contratações do Direito Brasileiro, na França considera-se a liberdade de acesso à contratação pública, igualdade de tratamento entre os participantes da licitação e transparência nos procedimentos. Acrescente-se a eficácia da contratação e o bom emprego dos recursos públicos.

Em 2006, o Código de Contratações Públicas sofreu nova reforma, desta vez para incluir o desenvolvimento sustentável dentre os critérios das licitações. Essa alteração notadamente atingiu a redação do art. 5º, do art. 6º, VII, do art. 14 e do art. 45, II, que serão vistos a seguir.

A Parte I do Código de Contratações Públicas [131], no que respeita às obras públicas sustentáveis, prescreve o seguinte:

Article 5

I. - La nature et l'étendue des besoins à satisfaire sont déterminées avec précision avant tout appel à la concurrence ou toute négociation non précédée d'un appel à la concurrence en prenant en compte des objectifs de développement durable. Le ou les marchés ou accords-cadres conclus par le pouvoir adjudicateur ont pour objet exclusif de répondre à ces besoins.

[...]

O art. 5º diz que a natureza e a extensão das necessidades da administração devem ser determinadas com precisão, antes da fase externa da licitação, tendo em conta os objetivos de desenvolvimento sustentável.

O art. 6º trata das obrigações do contratado, in verbis:

Article 6

I. - Les prestations qui font l'objet d'un marché ou d'un accord-cadre sont définies, dans les documents de la consultation, par des spécifications techniques formulées:

1º [...];

2º Soit en termes de performances ou d'exigences fonctionnelles. Celles-ci sont suffisamment précises pour permettre aux candidats de connaître exactement l'objet du marché et au pouvoir adjudicateur d'attribuer le marché. Elles peuvent inclure des caractéristiques environnementales.

Un arrêté du ministre chargé de l'économie précise la nature et le contenu des spécifications techniques.

Assim, as obrigações devem ser definidas no instrumento convocatório, por meio de especificações técnicas, que podem ter suporte em desempenho ou exigências funcionais, incluindo características ambientais, com a condição de que sejam precisas o suficiente tanto para o particular interessado como para o órgão licitante. Observa-se que um ato do Ministro da Economia definirá a natureza e o conteúdo das especificações técnicas que poderão ser exigidas.

O inciso VII do art. 6º, trata especificamente da rotulagem ambiental, in verbis:

VII. - Lorsque les performances ou les exigences fonctionnelles définies en application du 2° du I comportent des caractéristiques environnementales, celles-ci peuvent être définies par référence à tout ou partie d'un écolabel pour autant :

1° Que cet écolabel soit approprié pour définir les caractéristiques des fournitures ou des prestations faisant l'objet du marché ;

2° Que les mentions figurant dans l'écolabel aient été établies sur la base d'une information scientifique ;

3° Que l'écolabel ait fait l'objet d'une procédure d'adoption à laquelle ont participé des représentants des organismes gouvernementaux, des consommateurs, des fabricants, des distributeurs et des organisations de protection de l'environnement ;

4° Que l'écolabel soit accessible à toutes les parties intéressées.

Le pouvoir adjudicateur peut indiquer, dans les documents de la consultation, que les produits ou services ayant obtenu un écolabel sont présumés satisfaire aux caractéristiques environnementales mentionnées dans les spécifications techniques mais est tenu d'accepter tout moyen de preuve approprié.

Reformado em 2006, o art. 6º, VII, informa que, quando o desempenho ou as exigências funcionais do produto ou serviço contiverem características ambientais, elas podem ter como referência um selo ecológico ("selo verde"). Exige-se, porém, o seguinte do edital: adequação do selo ao objeto; base científica do selo; que o processo de rotulagem tenha tido a participação do governo, de consumidores, do mercado e de organizações ambientais; e que o selo seja acessível aos interessados.

Por sua vez, o art. 14 prescreve que as condições de execução de um contrato administrativo podem incluir elementos de ordem social ou ambiental, considerando os objetivos de desenvolvimento sustentável em harmonia com desenvolvimento econômico, proteção e valorização do meio ambiente e do progresso social. As condições de execução, entretanto, não podem servir para discriminar os concorrentes.

Article 14

Les conditions d'exécution d'un marché ou d'un accord-cadre peuvent comporter des éléments à caractère social ou environnemental qui prennent en compte les objectifs de développement durable en conciliant développement économique, protection et mise en valeur de l'environnement et progrès social.

Ces conditions d'exécution ne peuvent pas avoir d'effet discriminatoire à l'égard des candidats potentiels. Elles sont indiquées dans l'avis d'appel public à la concurrence ou dans les documents de la consultation.

O art. 45, I, do Código impõe limitações às exigências para habilitação dos interessados na licitação, que devem ser proporcionais ao objeto e devem constar do instrumento convocatório. Essas exigências se vinculam basicamente à experiência, à capacidade profissional, técnica e financeira, bem como aos poderes do mandatário. O rol de informações e de documentos a serem exigidos deverá ser fixado por ato do Ministro da Economia.

O inciso II do art. 45, com a alteração introduzida em 2006, também faz referência à certificação a ser exigida pela administração, e prescreve o seguinte:

II. - Le pouvoir adjudicateur peut demander aux opérateurs économiques qu'ils produisent des certificats de qualité. Ces certificats, délivrés par des organismes indépendants, sont fondés sur les normes européennes.

Pour les marchés de travaux et de services dont l'exécution implique la mise en oeuvre de mesures de gestion environnementale, ces certificats sont fondés sur le système communautaire de management environnemental et d'audit (EMAS) ou sur les normes européennes ou internationales de gestion environnementale.

Assim, para os contratos de obras e serviços para os quais seja necessária a adoção de medidas de gestão ambiental, as certidões devem ser fundamentadas sobre o Sistema Comunitário de Ecogestão e Auditoria, ou Système Communautaire de Management Environnemental et d'Audit, ou ainda Eco-Management and Audit Scheme (EMAS) da União Europeia ou sobre normas europeias ou internacionais de gestão ambiental.

O art. 53 do Código de Contratações regra a escolha da proposta mais vantajosa, nos seguintes termos:

Article 53

I. - Pour attribuer le marché au candidat qui a présenté l'offre économiquement la plus avantageuse, le pouvoir adjudicateur se fonde:

1° Soit sur une pluralité de critères non discriminatoires et liés à l'objet du marché, notamment la qualité, le prix, la valeur technique, le caractère esthétique et fonctionnel, les performances em matière de protection de l'environnement, les performances en matière d'insertion professionnelle des publics en difficulté, le coût global d'utilisation, la rentabilité, le caractère innovant, le service après-vente et l'assistance technique, la date de livraison, le délai de livraison ou d'exécution.

D'autres critères peuvent être pris en compte s'ils sont justifiés par l'objet du marché;

2° Soit, compte tenu de l'objet du marché, sur un seul critère, qui est celui du prix.

Dessa forma, para adjudicar o objeto licitado ao participante que ofereça a proposta economicamente mais vantajosa, o órgão licitante poderá se basear no chamado custo global, que consiste em uma pluralidade de critérios não discriminatórios e vinculados ao objeto do contrato, em especial sobre a qualidade, o preço, o valor técnico, as características estéticas e funcionais, o desempenho em relação ao meio ambiente, entre outros que podem não estar no rol do texto legal, mas que podem ser considerados se houver justificativa em face do objeto licitado.

O parágrafo 2º do art. 53 prescreve que, em função do objeto licitado, a proposta mais vantajosa poderá considerar somente o critério do preço ofertado.

O inciso II do art. 53 estipula, ainda, que, quando forem previstos diversos critérios para a seleção das propostas, o órgão licitante deve especificar o peso de cada critério valorizado, o que deve constar do instrumento convocatório.

A Constituição Francesa [132] também sofreu alteração, para se adaptar à necessidade de inclusão do meio ambiente no mais alto nível do ordenamento jurídico. No ano de 2005, a Carta do Meio Ambiente de 2004 foi incorporada ao texto constitucional por meio da Lei Constitucional nº 2005-205.

A Carta do Meio Ambiente apresenta as considerações do povo francês sobre os seguintes aspectos: a importância dos recursos e do equilíbrio natural para a humanidade; as condições ambientais para o futuro da humanidade; o ambiente como patrimônio comum; a influência antrópica crescente sobre o ambiente; o reflexo do consumo e da exploração dos recursos naturais sobre a biodiversidade, sobre as pessoas e sobre a sociedade; a busca pela preservação do meio ambiente tal como pelos demais interesses nacionais; que, para garantir um desenvolvimento sustentável, o atendimento das necessidades do presente não devem comprometer a capacidade das gerações futuras e dos demais povos de satisfazer suas próprias necessidades.

O art. 6º da Carta do Meio Ambiente, abaixo transcrito, é específico quanto à orientação das políticas públicas na promoção do desenvolvimento sustentável, preceituando que devem ser conciliadas a proteção e a valorização do meio ambiente, assim como o desenvolvimento econômico e o progresso social.

ARTICLE 6.

Les politiques publiques doivent promouvoir un développement durable. A cet effet, elles concilient la protection et la mise en valeur de l'environnement, le développement économique et le progrès social.

No Código de Construção e Habitação [133] da França há diversos dispositivos que impõem a proprietários, arquitetos e construtores medidas de proteção ao meio ambiente, dos quais merecem destaque os que tratam de eficiência energética e recarga de veículos elétricos.

O art. L111-5-3 prescreve que, até o dia 1º de janeiro de 2015, os edifícios comerciais, especialmente aqueles com função de local de trabalho, se possuírem local de estacionamento aos empregados, devem ter instalados equipamentos que permitam a recarga de veículos elétricos ou híbridos, além de infraestrutura segura para o estacionamento de bicicletas. Esta imposição é regulamentada pelo Conselho de Estado, para que se especifiquem as condições e formas de aplicação a cada tipo de prédio.

O desempenho energético e ambiental está normatizado a partir do art. L111-9, que estabelece que um decreto do Conselho de Estado determine o seguinte: para as construções novas, seu desempenho energético e ambiental, em vista da emissão de GEE, consumo de água, produção de RCC (construção, manutenção, reforma e demolição), com níveis específicos a partir de 2020; o estudo prévio de viabilidade no fornecimento de energética e de obediência às normas de eficiência térmica; as categoria de prédios que devam ser objeto de um estudo de viabilidade técnica e econômica, avaliando especialmente as soluções para fornecimento de energia renovável e sistemas de aquecimento e refrigeração.

O art. L111-10 prescreve que um decreto fixará o desempenho energético e ambiental desejável dos edifícios ou das partes de edifícios existentes e que sejam objeto de reformas, devendo ser considerada, entre outras características, a relação entre o custo da obra e o valor do prédio.

Pelo art. L111-10-3 foi estabelecido um prazo de oito anos, a contar de 1º de janeiro de 2012, para que sejam realizadas reformas para melhorar o desempenho energético e térmico e a acessibilidade dos edifícios existentes que tenham fins comerciais ou que abriguem serviços públicos.

Ao lado dessa legislação, o Governo Francês, por intermédio do Comitê Interministerial para o Desenvolvimento Sustentável, presidido pelo Primeiro Ministro da França, decidiu elaborar o Plano Nacional de Ação para as Compras Públicas Sustentáveis [134], inserido na Estratégia Nacional de Desenvolvimento Sustentável.

O Plano Nacional de Ação para as Compras Públicas Sustentáveis se fundamenta na responsabilidade ambiental do Estado, no fomento ao mercado e no exemplo de consumo dado aos cidadãos. Seus instrumentos de atuação são os seguintes: a legislação de amparo, já abordada; os objetivos; as ferramentas de apoio aos administradores; as ferramentas de formação dos administradores; as ferramentas de sensibilização; a organização dos atores envolvidos; e os meios de acompanhamento e de avaliação dos resultados.

Os objetivos do Plano são de ordem conceitual e também estão quantificados, dizendo respeito à redução da emissão de CO2 nos transportes administrativos e nos edifícios (10%) e à gestão dos imóveis públicos para a redução do consumo de água (20%) e de energia (10%), além do controle da origem da madeira usada. Pretende-se, também, que 20% das novas construções públicas atinjam o padrão Haute Qualité Environnemental (HQE®) ou o rótulo Haute Performance Énergétique (HPE®) ou outro equivalente, e que, a partir de 2008, esse percentual chegue a 50%.

As ferramentas de apoio disponibilizadas aos administradores públicos incluem normalizações, selos, etiquetas e rótulos, guias de compra e informações on line. As ferramentas de formação consistem em seminários e cursos ministrados em instituições governamentais, voltados especialmente para as licitações sustentáveis. A fim de sensibilizar os servidores encarregados das aquisições, o governo organiza conferências e sites que auxiliam na escolha de produtos e serviços ambientalmente amigáveis. Para difundir conhecimentos, informações jurídicas, dados técnicos de produtos, eventos e outras informações sobre o assunto, destacam-se os sites http://www.ecoresponsabilite.environnement.gouv.fr/, http://www.developpement-durable.gouv.fr e o www.achatsresponsables.com.

No acompanhamento e avaliação das licitações sustentáveis, o Governo Francês disponibiliza os serviços de l’Observatoire Économique de l’Achat Public do Ministério da Economia, das Finanças e da Indústria, que consolida e analisa os dados econômicos das licitações. Ligado a l'Observatoire está o Groupe d’Étude des Marchés Développement Durable Environnement (GEM-DDEN), cuja função é o estudo das licitações e do desenvolvimento sustentável, e que elabora documentos de ordem prática (guias), com fundamento jurídico, para auxiliar os órgãos licitantes a integrar o meio ambiente e o desenvolvimento sustentável em suas licitações. Destes documentos de apoio destaca-se o Guia da Compra Pública Sustentável – Qualidade Ambiental na Construção e a Reabilitação de Edifícios Públicos [135].

O Ministério do Planejamento e da Reforma do Estado da França também executa auditoria sobre os gastos públicos, disponibilizando os indicadores no site www.ecoresponsabilite.ecologie.gouv.fr. Desde 2007, os gestores públicos podem acessar os dados dos órgãos que administram, onde consta o consumo de água, energia, destinação de resíduos e outros dados relativos à sustentabilidade das sua licitações.

Assim, pode-se concluir que a preocupação com o meio ambiente foi assimilada pela legislação de licitações públicas da França bem depois que no Brasil, porém sob forte influência da ECO-92. A Constituição Francesa somente incorporou o conceito de desenvolvimento sustentável em 2005, ao passo que no Brasil o texto constitucional original de 1988 já trazia essa ideia, que foi aperfeiçoada em 2003. Ambos os países introduziram o desenvolvimento sustentável entre os princípios das licitações, abrindo as portas para as "licitações verdes", o que a França fez em 2006, e o Brasil mais recentemente, em 2010.

Na França como no Brasil, os requisitos sustentáveis nos editais de licitação não são impositivos para todos os contratos, mas, como se trata de um princípio das licitações, o administrador público tem a obrigação de se questionar sobre a possibilidade de exigir critérios sustentáveis, em função do objeto licitado.

As licitações francesas, igualmente às brasileiras, valorizam a igualdade de condições entre os participantes e o livre acesso ao certame. Embora o desenvolvimento sustentável seja um mandamento na lei francesa, igual ao Brasil, não se admite essa alegação para inobservância da isonomia.

O Ministério da Economia da França tem competência para editar atos que definam o conteúdo e a natureza das características técnicas sustentáveis exigíveis dos objetos licitados, assim como os requisitos de habilitação dos licitantes, o que não consta do texto legal. Isso lembra a edição de Instruções Normativas pelo MPOG no Brasil.

Pelas dimensões geográficas menores que as do Brasil, pela proximidade das fronteiras externas e devido à participação na União Europeia, a França adota o sistema de gestão ambiental europeu (EMAS) como referência, e que é obrigatório para as obras públicas que assim necessitem. Guardadas as devidas diferenças entre os instrumentos, pode-se associar esta especificidade em relação às obras com a exigência de EIA/RIMA no Brasil.

Quanto à análise das propostas dos licitantes, é interessante observar que a legislação francesa, assim como a brasileira, concede discricionariedade ao gestor para avaliar a vantajosidade de cada oferta, desde que isso esteja no instrumento convocatório. A avaliação do "custo global" permite que sejam considerados valores que não estão no texto da lei, o que no Brasil seria usado como critérios "técnicos" da licitação do tipo "técnica e preço". A rotulagem ambiental está no Código de Contratações francês desde 2006, cercado da devida prudência, pois, além das demais cautelas, não se exige a certificação da empresa, e sim do produto ou do serviço, como admitido também nas licitações brasileiras.

Outra observação é que as exigências sobre as edificações públicas sustentáveis estão mais dispersas na legislação extravagante francesa, como os decretos do Conselho de Estado, do que propriamente no Código de Contratações ou no Código de Construção e Habitação. Os indicadores tutelados são especialmente energia, água, madeira, resíduos e emissão de CO2. A diferença, contudo, é que o Governo Francês monitora esses indicadores, impõe padrões de desempenho, e estabelece prazos para adaptação dos prédios públicos.

Veja-se, também, que o Plano Nacional de Ação para as Compras Públicas Sustentáveis da França, tem origem e função comparáveis às da Agenda Ambiental da Administração Pública do Brasil. Importante constatar a presença do Chefe de Governo (Primeiro Ministro) no Comitê Interministerial para o Desenvolvimento Sustentável, o que dá peso a todas as ações administrativas que sustentam o referido Plano. Em virtude até mesmo da tradição francesa no profissionalismo dos administradores públicos, fica clara a mobilização gerada pelo Plano de Compras Públicas Sustentáveis, o que se comprova em visita aos sites do Ministério da Ecologia, do Desenvolvimento Sustentável, dos Transportes e da Habitação da França (www.ecoresponsabilite.environnement.gouv.fr/ e www.developpement-durable.gouv.fr).

Embora a proposta deste trabalho seja voltada para a análise estritamente legal, para "não perder a viagem", é inevitável notar que a sensível diferença entre as licitações sustentáveis dos dois países está na velocidade e no peso do engajamento do Governo Francês, que é superior em relação ao caminho percorrido até então pelo Governo Brasileiro. Isso repercute em medidas administrativas que impulsionam as licitações sustentáveis, como, por exemplo, investimentos.

Obviamente diversos fatores de ordem política, geográfica, econômica e cultural podem compor um estudo mais detido sobre a legislação ambiental francesa em face da brasileira, agregando-se aí a conjuntura administrativa que cerca o assunto, além dos reflexos da legislação da União Europeia sobre o tema, mas não é essa a proposta, por enquanto.

Concluindo, em termos legais, as diferenças entre as leis de licitações públicas do Brasil e da França se limitam ao maior ou menor detalhamento do texto, mas o conteúdo é essencialmente o mesmo. Isso também ocorre com referência ao desenvolvimento sustentável nas respectivas constituições. Brasileiros e franceses têm previstas em suas legislações as licitações sustentáveis e experimentam isso como algo novo, ainda em implantação, com o cuidado de privilegiar a igualdade de condições entre os particulares, a vinculação ao instrumento convocatório e a valoração de critérios de sustentabilidade no julgamento das propostas. Em relação às obras públicas, os franceses exigem a rigorosa observância de padrões sustentáveis de desempenho para os seus edifícios, com metas e prazos a serem atingidos, tanto pelas construções novas quanto pelos prédios existentes.

2.7.2 Obras públicas sustentáveis no Canadá

Duas características marcantes são comuns ao Brasil e ao Canadá: ambos são países de dimensões continentais, o que dificulta a administração, incluindo o controle ambiental sobre os vastos e variados recursos naturais; e são países jovens, com reflexos políticos e sociais decorrentes, e com grandes espaços territoriais não explorados economicamente.

Em virtude de a ordem legislativa do Canadá ter a tradição consuetudinária como herança do sistema jurídico inglês e ter, em seu topo, a Lei Constitucional de 1982 [136], que não detalha o trato com o meio ambiente, o foco deste estudo foi concentrado a partir das leis ordinárias e de outros atos de igual envergadura.

A Lei Canadense de Avaliação Ambiental [137], sancionada em 1992, dispõe sobre a análise de projetos, competências dos órgãos ambientais e das autoridades, procedimentos administrativos, audiência pública, certificação, convênios entre órgãos, publicidade dos atos e sobre a Agência Canadense de Avaliação Ambiental. O conteúdo da Lei, embora extenso, é forte no processo administrativo.

O Anexo da Lei trata de matéria voltada exclusivamente para as construções civis e seus impactos ambientais, como projetos de aumento da eficácia energética de edifícios públicos, reparação ou prevenção de catástrofes ambientais, instalações de transportes, aterros sanitários, vias, rodovias, ferrovias, pontes, estação de tratamento de água, estação de tratamento de efluentes, parque aquático, áreas de lazer ou esportes e outras obras.

Assim como a Lei de Avaliação Ambiental, as Resoluções CONAMA nº 001/86 e 237/97 abordam os mesmos aspectos, com menos detalhes processuais, e são complementadas com Resoluções específicas para determinadas atividades (saneamento, energia, resíduos, etc).

A ideia de desenvolvimento sustentável está presente nas considerações iniciais da Lei, e foi incorporada às definições, conforme os trechos abaixo transcritos:

Attendu:

que le gouvernement fédéral vise au développement durable par des actions de conservation et d’amélioration de la qualité de l’environnement ainsi que de promotion d’une croissance économique de nature à contribuer à la réalisation de ces fins;

que l’évaluation environnementale constitue un outil efficace pour la prise en compte des facteurs environnementaux dans les processus de planification et de décision, de façon à promouvoir un développement durable;

[...]

2. (1) Les définitions qui suivent s’appliquent à la présente loi.

[...]

« développement durable » Développement qui permet de répondre aux besoins du présent sans compromettre la possibilité pour les générations futures de satisfaire les leurs.

A preocupação com a duplicidade de licenças ambientais, que também se tem no Brasil (art. 7º da Resolução CONAMA nº 237/97), foi objeto da lei canadense, in verbis:

b.1) de faire en sorte que les autorités responsables s’acquittent de leurs obligations afin d’éviter tout double emploi dans le processus d’évaluation environnementale;

Em 1993 foi sancionada a Lei da Mesa Redonda Nacional sobre Meio Ambiente e Economia [138], que também usou o conceito universal de desenvolvimento sustentável (art. 2º). A missão principal da Mesa é a de órgão consultivo, atuando junto aos governantes e aos setores de origem dos membros que a compõem, promovendo a integração do meio ambiente ao lado da economia nos respectivos processos decisórios. A Mesa Redonda tem autonomia para patrocinar e apoiar conferências, estudos, pesquisas e outras iniciativas que tenham por fim a difusão das ideias relativas ao desenvolvimento sustentável.

A Lei de Gestão das Finanças Públicas [139] estabelece regras genéricas sobre licitações e contratos administrativos no Canadá. Algo parecido com o que ocorria no Brasil quando o Decreto-Lei nº 200/67 regulava a organização administrativa e as licitações públicas (art. 125 a 144, revogados pela Lei nº 8.666/93). O art. 40.1 dessa Lei prescreve o dever de respeito à igualdade, publicidade e transparência do processo licitatório, in verbis:

40.1

Le gouvernement fédéral s’engage à prendre les mesures indiquées pour favoriser l’équité, l’ouverture et la transparence du processus d’appel d’offres en vue de la passation avec Sa Majesté de marchés de fournitures, de marchés de services ou de marchés de travaux.

O Regulamento de Contratações do Estado [140] não especifica nenhuma ordem quanto a aquisições sustentáveis ou quanto à proteção e defesa do meio ambiente, pois seu conteúdo é essencialmente prático, dirigido a aspectos do instrumento convocatório e a questões financeiras.

As licitações públicas canadenses estão norteadas mais de perto pela Política de Contratações [141] do Secrétariat du Conseil du Trésor, norma de natureza regulamentar, que propaga o amplo acesso, concorrência e igualdade, para que se tenha a contratação mais rentável ou, conforme o caso, a mais adequada aos interesses do Estado e do povo canadense, como expresso no seu objetivo:

1. Objectif de la politique

L'objectif des marchés publics est de permettre l'acquisition de biens et de services et l'exécution de travaux de construction, d'une manière qui contribue à accroître l'accès, la concurrence et l'équité, qui soit la plus rentable ou, le cas échéant, la plus conforme aux intérêts de l'État et du peuple canadien.

Das primeiras linhas da Política de Contratações fica claro que na licitação prevalecem os critérios objetivos da isonomia, do livre acesso e da concorrência, mas a compra economicamente mais rentável nem sempre ocorrerá, porque pode haver o caso em que falarão mais alto os interesses do Estado e do povo. Nessas hipóteses, aí estará a vantajosidade da contratação, o que não quer dizer que não haverá critérios para a escolha da proposta mais interessante. Com suporte nos princípios legais da isonomia, acesso e transparência, é certo que haverá critérios de escolha da melhor proposta, só que isso não está explicitado na lei.

O subparágrafo 9.1.1 explica a importância da consideração de todos os custos envolvidos ao longo da vida útil do objeto licitado, o que não se limita ao custo inicial ou contratual básico, como transcrito abaixo:

9.1.1 [...]. Inhérente à la notion de meilleure valeur est la prise en considération de tous les coûts pertinents que suppose la vie utile de l'acquisition, pas seulement du coût initial ou du coût contractuel de base.

O parágrafo 10.4 da Política de Contratações alerta para a importância da definição das necessidades antes do chamamento ao certame, porque a seleção da melhor proposta não estará só no contrato, mas igualmente na requisição do objeto a ser adquirido. Explica que a qualidade técnica nem sempre será a mais desejável, pois nem sempre será a oferta mais econômica. Nas aquisições mais complexas, a análise dos custos e dos benefícios poderá levar à justeza da qualidade técnica em função de vários fatores. A busca pela melhor proposta será favorecida pela definição das necessidades em termos de rendimento, evitando-se detalhes técnicos. Por isso, os entes públicos devem procurar definir suas necessidades com base em normas nacionais ou internacionais, segundo a legislação federal, em especial quando tratarem de produtos perigosos e proteção ambiental.

O parágrafo 13 regra a contratação de obras, mas não faz maiores referências ao meio ambiente ou ao desenvolvimento sustentável. O parágrafo 16 regula os contratos de serviços, e autoriza que a descrição do objeto a ser executado contenha os detalhes das restrições impostas, como a proteção ao meio ambiente e a conservação dos recursos [naturais], in verbis:

- les détails des contraintes imposées, par exemple les politiques et normes gouvernementales ou autres, les activités connexes actuelles et envisagées, la sécurité, la prise en considération d'autres intérêts, l'équité en matière d'emploi, la protection de l'environnement, la conservation des ressources et autres restrictions pertinentes;

O Apêndice "O" da Política de Contratações, publicado em 1998, apresenta a Iniciativa Federal para o Setor de Edificações – Gestão de Energia, que tem por finalidade auxiliar os ministérios a investir no aumento do rendimento energético dos seus imóveis, incluindo a promoção de programas de redução do consumo de eletricidade. São sugeridos a instalação de iluminação e equipamentos de alto rendimento, modificação dos sistemas de aquecimento, ventilação, climatização, revestimento dos prédios e, em certos casos, a produção da própria eletricidade, além da concepção de estruturas que facilitem a operação e a manutenção.

O mesmo Apêndice informa que le Conseil du Trésor autoriza as autoridades administrativas a firmar contratos ou a modificar os já vigentes com as empresas de serviços públicos, para que sejam previstas medidas de gestão e de melhora da eficácia energética. A ideia é que uma empresa gestora intervenha no imóvel público e assuma eventuais benfeitorias materiais e aperfeiçoamentos funcionais, tendo seu lucro na diferença sobre o que o órgão público economizar em eletricidade, em relação à despesa anterior ao contrato.

Mais especificamente sobre as compras públicas sustentáveis, o Governo do Canadá possui a Política de Compras Ecológicas [142], em vigor desde 2006. Essa Política parte da premissa que o Governo é um comprador importante e que suas ações repercutem sobre a economia. Visa fundamentalmente a influenciar a demanda de bens e serviços sustentáveis, assim como o uso crescente de normas ambientais. Explica que pretende uma melhor relação preço-qualidade, envolvendo a integração dos fatores de desempenho ambiental ao processo licitatório, o que compreende o planejamento (projeto), a compra, o uso e a alienação, ou seja, todo o ciclo de vida do objeto.

O texto introdutório dessa Política cita, ainda, a preocupação com as mudanças climáticas e com a contribuição na demonstração do espírito de liderança do governo, incentivando cidadãos e empresas a adotar práticas que privilegiem o meio ambiente; estimulando o espírito de inovação e o desenvolvimento do mercado, de modo que bens e serviços sustentáveis estejam disponíveis a outros setores da sociedade; e apoiando novas tecnologias ambientais.

Os objetivos da Política de Compras Ecológicas é proteger o meio ambiente e apoiar o desenvolvimento sustentável. Os resultados pretendidos são a redução na emissão de GEE, redução dos contaminantes atmosféricos, eficácia energética, economia de água, diminuição das substâncias que empobrecem a camada de ozônio, diminuição da produção de resíduos, promoção da reciclagem, do reúso e do uso de recursos renováveis, redução da produção de resíduos tóxicos e químicos.

O parágrafo 7.1 dessa Política prescreve que os administradores devem assegurar que os objetivos em matéria de compras ecológicas estão sendo atingidos, garantindo a conformidade com as obrigações legais, regulamentares e políticas.

O parágrafo 7.2 determina que os administradores públicos zelem para que a sua gestão dos processos licitatórios incorpore os fatores de desempenho ambiental. Mais precisamente, os entes que administram devem: adotar uma metodologia eficaz para o planejamento e para a definição das exigências das compras; estabelecer procedimentos e medidas de controle para identificar os fatores de risco e atenuá-los; estabelecer metas em termos de licitações ecológicas; prover a formação adequada de funcionários para apoiar os objetivos da Política; avaliar o desempenho dos gestores públicos; e prestar contas dos resultados obtidos, por meio de relatórios anuais.

A Lei Federal do Desenvolvimento Sustentável [143] do Canadá, sancionada em 2008, prescreve a criação e o funcionamento de uma Estratégia Federal de Desenvolvimento Sustentável, sob coordenação e controle do Ministro do Meio Ambiente, com supervisão do Conseil Privé da Rainha para o Canadá. Esta Lei especifica, com detalhes, os prazos, procedimentos e trâmite para elaboração da Estratégia e para a sua adoção no âmbito dos ministérios e demais entes estatais.

O Ministère des Travaux Publics et Services Gouvernementaux Canada – TPSGC (Ministério de Obras Públicas e Serviços Governamentais do Canadá), por meio do seu site [144], informa que o Governo Canadense é um dos principais proprietários de imóveis do país, e que se esforça para reduzir a pegada ecológica ligada a esses prédios. Por isso, o governo se empenha para conseguir que os novos imóveis e os prédios que venham a ser reformados sejam pelo menos 30% mais ecoeficientes em termos energéticos do que prevê o Code Modèle National de l'Énergie pour les Bâtiments. Desde abril de 2005, o objetivo é que todos os edifícios de escritórios do governo sejam adequados ao nível "ouro" do LEED® do Conseil du Bâtiment Durable du Canada.

O TPSGC ainda anuncia que, o Governo do Canadá procura operar e executar a manutenção dos seus edifícios da forma mais ecológica possível. Desde abril de 2007, foi adotado para os prédios federais o programa de avaliação ambiental "Visez Vert Plus" da Building Owners and Managers Association of Canada (BOMA Canada), ou Associação de Proprietários e Administradores de Edifícios do Canadá. Este programa é direcionado para a avaliação nos aspectos relevantes como energia, água, condições ambientais interiores e gestão ambiental. Permite, também, que se projetem manutenções dos imóveis e intervenções para melhora da sua eficiência ambiental. No período de 2007 a 2010 foram conduzidas pesquisas para a execução da Política de Construções Sustentáveis. Até março de 2009, 170 imóveis foram avaliados pelo programa "Visez Vert Plus", sendo que 115 foram certificados com nota igual ou superior a 70%. Um objetivo do TPSGC é que, até março de 2012, os processos construtivos e os relatórios de gestão dos imóveis tenham sido examinados, a fim de zelar pela adequação ao Sistema de Desenvolvimento Sustentável do Canadá.

O site http://www.tpsgc-pwgsc.gc.ca, com diversos links para o site do Governo dos Estados Unidos http://www.epa.gov, conta com extensa quantidade de informações que podem subsidiar as decisões dos administradores, que vão de dados objetivos relativos a produtos e práticas benéficas ou prejudiciais ao meio ambiente, até diretrizes para a integração de critérios ambientais aos processos licitatórios, além de cursos on line. Neste site pode ser encontrada a publicação Normes d’Aménagement: Guide de Référence Technique e o Guide pour une Construction e une Rénovation Respectueuses de l’Environnement, referências técnicas para administradores públicos.

Dessa breve vista sobre a legislação que regula as licitações de obras do Governo do Canadá, pode-se constatar que as diferenças entre o sistema jurídico canadense e o brasileiro são tais que não se podem comparar os dois face a face. As leis canadenses têm um texto conciso, no modelo inglês, deixando boa parte da matéria para a jurisprudência. Exemplo disso é a Lei Constitucional de 1982, que por ser tipicamente aberta, não se refere à proteção do meio ambiente, deixando esse assunto para o legislador infraconstitucional. O contrário, porém, ocorre com a Lei de Avaliação Ambiental canadense, em face das Resoluções do CONAMA no Brasil, que regulamentam a avaliação de impacto e o licenciamento ambiental.

O conceito de desenvolvimento sustentável foi incorporado à legislação canadense em 1993, com a Lei da Mesa Redonda Nacional sobre Meio Ambiente e Economia, que partiu para a ação desde então.

A legislação canadense sobre licitações e contratos públicos se completa com a Lei de Gestão das Finanças Públicas, o Regulamento de Contratações do Estado e a Política de Contratações. A primeira assegura a igualdade das partes, do acesso e da transparência nos processos licitatórios. Quanto à aquisição mais vantajosa, está explícito na Política de Contratações do Canadá, expedida pelo Poder Executivo, que o interesse público nem sempre estará ao lado de critérios técnicos ou econômicos, permitindo-se discricionariedade em relação à escolha dos requisitos do objeto. Essas características são fundamentais e não diferem das do Direito Brasileiro. Um dos interesses a serem considerados é a proteção do meio ambiente e dos recursos naturais.

A Política de Contratações alerta, também, para a consideração do ciclo de vida do objeto licitado e para a importância da definição de parâmetros de desempenho, com base em normas técnicas, como a forma ideal de selecionar a melhor proposta. No que se refere às edificações públicas, a grande preocupação da Política é com a gestão do consumo de energia elétrica.

A Política de Compras Ecológicas trouxe as ideias de "licitações verdes", com todas as suas particularidades, para o seu lugar dentre as normas sobre licitações. No documento fica claro o seu objetivo e os resultados esperados, que são os mesmos das licitações brasileiras. A diferença essencial é que no Brasil é desejável que se alcancem resultados, enquanto a norma canadense exige metas a serem atingidas pelos órgãos públicos, presceve formação adequada aos administradores, lhes atribui encargos, avalia o seu desempenho e monitora os indicadores definidos.

Em 2008 foi sancionada a Lei do Desenvolvimento Sustentável, que deu mais força às medidas adotadas no âmbito da administração pública canadense, pois impôs uma Estratégia de Desenvolvimento Sustentável e fixou prazos e procedimentos para que seja adotada em todas as repartições públicas do Canadá.

No Brasil, o que se tem semelhante à Estratégia de Desenvolvimento Sustentável canadense é a Agenda Ambiental da Administração Pública, igualmente sob a coordenação do Ministério do Meio Ambiente, à qual os órgãos públicos podem aderir voluntariamente. A lista dos entes públicos que aderiram à A3P está disponível no site do MMA, e somava 88 entes públicos até o encerramento deste trabalho, incluindo-se neste rol [145] entes da administração direta e indireta das três esferas de governo, nos três Poderes da República. Em vista do que poderia ser, esse número é pífio.

Os imóveis do Governo Canadense são controlados pelo Ministério de Obras Públicas e Serviços Governamentais – TPSGC (sigla em francês), que se esforça para melhorar o desempenho e para obter a certificação ambiental independente dos edifícios públicos federais (LEED® e BOMA Canada). O TPSGC incentiva as licitações sustentáveis, incluindo as de obras públicas, fornece subsídios para os administradores e implementou o programa "Visez Vert Plus", que consolida indicadores numéricos que convencem da eficácia das normas canadenses.

Resumindo, tem-se que as leis canadenses sobre licitações de obras sustentáveis são concisas em relação às brasileiras. No Canadá, o legislador deixou o detalhamento das normas para as Políticas, as quais, até então, cumprem muito bem o seu papel, a ver pelos resultados alcançados em termos de sustentabilidade nos edifícios que abrigam os entes públicos. À parte as diferenças econômicas do Brasil e do Canadá, vê-se que lá as leis geram efeitos práticos, expressos numericamente pelos indicadores da Administração. Isso comprova os dois extremos de um longo processo legal e administrativo, e representam a ação (vontade do povo) e resultado (preservação ambiental).

O aprendizado que se pode extrair do processo de implantação das licitações sustentáveis no Canadá é a atribuição de deveres aos administradores, que não contam com a faculdade de optar pela adesão ao desenvolvimento sustentável. No Canadá, proteger o meio ambiente é dever, e não uma opção.

2.7.3 Obras públicas sustentáveis no Chile

Neste estudo foi vista legislação da França, um país europeu, de longa tradição no Direito, com boa situação econômica, recursos naturais escassos e cuja sociedade possui forte consciência política e ambiental, e com longa tradição em administração pública. Depois, foi analisada a legislação do Canadá, outro país que tem condições econômicas que favorecem a adoção de medidas concretas sobre o controle ambiental e sobre as licitações sustentáveis, onde se têm dimensões físicas e riquezas naturais assemelhadas às brasileiras.

É chegada a oportunidade de conhecer a legislação sobre licitações de obras públicas sustentáveis do Chile, um Estado sul-americano, colonizado no sistema mercantilista por um país ibérico, que conquistou autonomia política tão recentemente quanto o Brasil, que depende muito das suas riquezas naturais e que tem uma economia considerada emergente.

À semelhança do que prescreve a Constituição Brasileira, o direito a viver em um meio ambiente livre de contaminação, no Chile, é assegurado a todas as pessoas, e é dever do Estado zelar por isso, conforme prescreve o parágrafo 8º do art. 19 da Constituição Chilena [146], a seguir transcrita:

Artículo 19.- La Constitución asegura a todas las personas:

(…)

8º.- El derecho a vivir en un medio ambiente libre de contaminación. Es deber del Estado velar para que este derecho no sea afectado y tutelar la preservación de la naturaleza.

La ley podrá establecer restricciones específicas al ejercicio de determinados derechos o libertades para proteger el medio ambiente; [...]

Em virtude das características geológicas do Chile, que sujeitam o país a fortes abalos sísmicos, as construções civis devem obedecer a rigorosos padrões técnicos. Esses padrões encontram base legal na Ley General de Urbanismo y Construcciones [147], à qual se submetem as obras edilícias públicas, com poucas exceções, conforme prescreve o art. 116, in fine, a seguir transcrito:

Artículo 116.- La construcción, reconstrucción, reparación, alteración, ampliación y demolición de edificios y obras de urbanización de cualquier naturaleza, sean urbanas o rurales, requerirán permiso de la Dirección de Obras Municipales, a petición del propietario, con las excepciones que señale la Ordenanza General.

Deberán cumplir con esta obligación las urbanizaciones y construcciones fiscales, semifiscales, de corporaciones o empresas autónomas del Estado y de las Fuerzas Armadas, de las Fuerzas de Orden y Seguridad Pública y de Gendarmería de Chile. [...]

No Brasil, uma só lei federal de licitações se aplica a compras, serviços e obras. No Chile, as licitações públicas de fornecimento e de serviços são disciplinados pela Ley de bases sobre contratos administrativos de suministro y prestación de servicios [148], mas a execução e a concessão de obras públicas não são reguladas por esse diploma, como excetua o seu art. 3º, "e", in verbis:

Artículo 3º.- Quedan excluidos de la aplicación de la presente ley:

(…)

e) Los contratos relacionados con la ejecución y concesión de obras públicas.

Asimismo, quedan excluidos de la aplicación de esta ley, los contratos de obra que celebren los Servicios de Vivienda y Urbanización para el cumplimiento de sus fines, como asimismo los contratos destinados a la ejecución, operación y mantención de obras urbanas, com participación de terceros, que suscriban de conformidad a la ley Nº 19.865 que aprueba el Sistema de Financiamiento Urbano Compartido.

No obstante las exclusiones de que se da cuenta en esta letra, a las contrataciones a que ellos se refieren se les aplicará la normativa contenida en el Capítulo V [Tribunal de Contratação Pública] de esta ley, como, asimismo, el resto de sus disposiciones en forma supletoria, (…) (grifei)

É sabido, porém, que nem tudo que se executa em uma construção civil é considerado obra, pois há serviços que são prestados e bens que são fornecidos e que são imobilizados no edifício. Por isso, a Lei de Bases sobre Contratos Administrativos de Fornecimento e Serviços merece ser vista neste estudo.

Essa Lei, no seu art. 5º, determina três modalidades de licitações, que são (1) a licitação pública, por chamamento a todos os interessados, (2) a licitação privada, dirigida a determinadas empresas, assemelhando-se ao "convite" da lei brasileira, e (3) a contratação direta, como a do Brasil. O artigo acrescenta que a licitação pública será obrigatória quando o objeto orçado ultrapassar o valor de 1.000 unidades tributárias, exceto se se enquadrar como uma das situações de licitação privada, enumeradas no art. 8º.

O art. 6º dessa Lei, modificado pela Lei nº 20.238 de 19 de janeiro de 2008, manda que as normas da licitação estabeleçam condições que visem à combinação mais vantajosa entre todos os benefícios do bem ou serviço a adquirir, considerando todos os custos que lhes são associados, sejam eles presentes ou futuros. Proíbe que se estabeleçam condições arbitrárias entre os licitantes, bem como que atendam unicamente ao requisito do menor preço ofertado. Disso já se verifica que a legislação de licitações chilena está adaptada para internalizar as externalidades, ampliando a análise da vantajosidade nas contratações públicas. Segue o texto do art. 6º:

Artículo 6º.- Las bases de licitación deberán establecer las condiciones que permitan alcanzar la combinación más ventajosa entre todos los beneficios del bien o servicio por adquirir y todos sus costos asociados, presentes y futuros. En el caso de la prestación de servicios habituales, que deban proveerse a través de licitaciones o contrataciones periódicas, se otorgará mayor puntaje o calificación a aquellos postulantes que exhibieren mejores condiciones de empleo y remuneraciones. Estas condiciones no podrán establecer diferencias arbitrarias entre los proponentes, ni sólo atender al precio de la oferta. [...]

O art. 10 da Lei de Bases sobre Contratos Administrativos de Fornecimento e Serviços, transcrito abaixo, também regra o julgamento da proposta mais vantajosa, de acordo com o que estabelecer o instrumento convocatório e as normas pertinentes.

Artículo 10.- El contrato se adjudicará mediante resolución fundada de la autoridad competente, comunicada al proponente. El adjudicatario será aquel que, en su conjunto, haga la propuesta más ventajosa, teniendo en cuenta las condiciones que se hayan establecido en las bases respectivas y los criterios de evaluación que señale el reglamento. [...]

O art. 21 da Lei determina que todos os órgãos do setor público deverão se submeter ao conteúdo dos art. 18, 19 e 20, por que esses mesmos órgãos devem fornecer ao sistema de compras e contratações eletrônicas as informações básicas sobre suas aquisições de bens, serviços e obras públicas.

Em virtude do disposto no art. 3º da Lei sobre Contratos Administrativos, retro transcrito, as obras públicas chilenas são regulamentadas por decreto presidencial, diferente do Brasil, onde elas são reguladas pela Lei de Licitações. O Regulamento para Contratos de Obras Públicas [149] do Chile prescreve em seu art. 1º que os contratos se adjudicarão por meio de licitações públicas, das quais poderão participar os interessados previamente inscritos nos registros do Ministério de Obras Públicas, como segue:

Artículo 1. (…)

Los contratos se adjudicarán por licitaciones públicas, en las cuales podrán participar los contratistas inscritos en los registros del Ministerio que se determinen en las bases administrativas. [...]

O art. 2º, abaixo transcrito, determina que, antes da contratação de obras públicas, deverá haver amparo para tal nas normas ambientais, mas, diferente da legislação brasileira, no Regulamento de Obras não se menciona qualquer estudo de impacto que confronte a obra, sua repercussão no ambiente e as soluções atenuadoras viáveis.

Artículo 2. Para contratar cualquier obra deberá existir previamente autorización de fondos y deberá disponerse de bases administrativas, bases de prevención de riesgo y medioambientales, especificaciones técnicas, planos y presupuesto, con el visto bueno de la misma autoridad que adjudicará el contrato. [...]

Segundo o Regulamento, os interessados em participar das licitações de obras deverão se inscrever previamente nos registros do Ministério de Obras Públicas. As condições dessa inscrição estão no Título II do Decreto, a partir do art. 5º, e ocorrem por categorias de serviços, coerente com uma pontuação atribuída aos particulares pelo próprio Poder Público, em função dos trabalhos já executados, da qualidade desses trabalhos e conforme a especialização dos funcionários das empresas.

A seleção das propostas nas licitações de obras públicas se dá na seguinte sequência, aqui resumida: os particulares, devidamente inscritos junto ao Ministério de Obras Públicas, apresentam ao órgão desse Ministério os envelopes contendo as suas propostas; a administração procede à abertura dos envelopes que contenham as propostas técnicas, a fim de verificar o atendimento aos requisitos do projeto licitado; as propostas que não atendam às exigências são desclassificadas nessa fase; salvo disposição em contrário, dez dias depois, faz-se a abertura da proposta econômica; em seguida, ocorre o julgamento da oferta mais vantajosa, que será aquela de menor preço absoluto ou a de menor preço em função da possibilidade de alteração de quantidades unitárias, tudo de acordo com o método definido no instrumento convocatório. No Regulamento não consta a possibilidade de se ter sob seu regimento a elaboração do projeto básico de obra pública. Concluindo-se que o projeto básico pode ser elaborado pela administração ou pode ser contratado de terceiros, a título de serviço, mas sempre na forma da citada Ley de bases sobre contratos administrativos de suministro y prestación de servicios, de 2003.

Depois de adjudicado e firmado o contrato de obra, o fiscal designado deverá verificar o cumprimento das obrigações assumidas pelo licitante vencedor. O descumprimento da legislação ambiental por parte da empresa será especialmente considerado pelo fiscal do contrato, muito embora não haja sanção especificada por tal, como consta do art. 136 do Regulamento para a Contratação de Obras, abaixo:

Artículo 136. El incumplimiento por parte del contratista, de las disposiciones contenidas en la legislación y reglamentación ambiental vigente y de las normas que regulan los efectos sobre el medio ambiente, será especialmente considerado por el inspector fiscal al emitir sus informes que servirán de base para calificación.

O art. 180 explica por que a administração chilena, por suas comissões de recebimento, deve estar atenta ao cumprimento da legislação ambiental. Isso se deve especialmente à valoração que este aspecto da obra tem na qualificação da contratada, para fins de registros cadastrais junto ao Ministério de Obras Públicas, como segue:

Artículo 180. La comisión calificará el comportamiento del contratista con una sola nota final que corresponderá al promedio ponderado de las notas asignadas, en una escala de 1 a 7, en cada uno de los aspectos fundamentales siguientes:

1) Calidad de la construcción, o cumplimiento de las especificaciones técnicas y de los planos, y normativas medioambientales. (Ponderación A);

Disso, percebe-se que a finalidade da verificação da conformidade ambiental da obra pública chilena é menos sancionatória do que cadastral.

Apesar de o Regulamento para Contratos de Obras Públicas não se referir explicitamente à análise de impacto ambiental, a ser procedida previamente às construções, essa análise é obrigatória para uma lista de empreendimentos constantes da Ley sobre bases generales del medio ambiente [150], conforme segue:

Artículo 8°.- Los proyectos o actividades señalados en el artículo 10 sólo podrán ejecutarse o modificarse previa evaluación de su impacto ambiental, de acuerdo a lo establecido en la presente ley.

(…)

Artículo 10.- Los proyectos o actividades susceptibles de causar impacto ambiental, en cualesquiera de sus fases, que deberán someterse al sistema de evaluación de impacto ambiental, son los siguientes: [...]

O art. 10 apresenta um extenso rol de obras que devem se sujeitar a declaração de impacto ambiental ou a estudo de impacto ambiental, por se presumir que causem danos ao meio ambiente, em qualquer de suas fases. Esse rol contempla essencialmente construções de maior porte, envolvendo obras de infraestrutura, assinalando-se obras de saneamento, de eletricidade, aeroportos, portos, terminais de transportes em geral, prospecção ou exploração do subsolo, unidades de conservação e outras construções, de interesse público ou particular.

As regras sobre avaliação de impacto ambiental que constam da Ley sobre bases generales del medio ambiente são detalhadas pelo Decreto nº 30, Reglamento del sistema de evaluación de impacto ambiental, que foi modificado pelo Decreto nº 95, promulgado em 21 de agosto de 2001.

A Ley sobre bases generales del medio ambiente chilena, alterada pela Lei nº 20.417, de 26 de janeiro de 2010, criou o Conselho de Ministros para a Sustentabilidade, nos seguintes termos:

Artículo 71.- Créase el Consejo de Ministros para la Sustentabilidad, presidido por el Ministro del Medio Ambiente e integrado por los Ministros de Agricultura; de Hacienda; de Salud; de Economía, Fomento y Reconstrucción; de Energía; de Obras Públicas; de Vivienda y Urbanismo; de Transportes y Telecomunicaciones; de Minería, y de Planificación.

(…)

As atribuições e funções desse Conselho incluem a proposição ao Presidente da República do Chile dos critérios de sustentabilidade que devam ser incorporados na elaboração das políticas e processos de planejamento dos Ministérios, assim como em seus serviços que sejam interdependentes ou relacionados. Isso demonstra uma preocupação recente do Governo Chileno em manter-se em dia com o que outros países já praticam, que é a adoção de práticas sustentáveis pela administração pública, incluindo as licitações.

A mesma Lei nº 20.417, de 26 de janeiro de 2010, acrescentou no art. 7º da Ley sobre bases generales del medio ambiente o programa de Avaliação Ambiental Estratégica, inaugurando o tema na legislação chilena.

O Governo do Chile está empenhado em promover ações junto ao Poder Público para implantar critérios sustentáveis nas contratações públicas. Além das alterações legais apontadas, outras iniciativas podem ser encontradas nos sites governamentais daquele país, e que comprovam o interesse em acompanhar as tendências mundiais de colocar em sincronismo o desenvolvimento econômico, as ações do Estado e a preservação do meio ambiente.

O site de compras do governo www.chilecompra.cl concentra informações e dados gerais das licitações públicas. Esse encargo cabe ao Ministério da Fazenda do Chile, que disponibiliza orientações e normas sobre licitações e contratações, a exemplo do Ministério do Orçamento, Planejamento e Gestão no Brasil.

Em virtude do desenvolvimento econômico chileno, o Governo tem buscado a eficiência energética nas suas compras. Em março de 2008, a Dirección de Compras y Contractación Pública (Chile Compra) do Ministério da Fazenda, junto com outras instituições, produziu a publicação PePS: Promoviendo um Sector de Compras Públicas Enegéticamente Eficiente - Manual de Compras Energéticamente Eficientes [151], que apresenta orientações a respeito do assunto.

Do mesmo modo como o MPOG do Governo Brasileiro edita Instruções Normativas, no Chile o Ministério da Fazenda publica suas Directivas, com destaque para a Directiva de contratación pública nº 9 [152], que trata de contratação de bens e serviços incorporando critérios de eficiência energética. Esse documento se baseia na Lei de Bases sobre Contratos Administrativos de Fornecimento e Prestação de Serviços (Lei nº 19.886/2003), e orienta os administradores públicos na aquisição de bens ou contratação de serviços, para que eles considerem toda a vida útil do objeto licitado, como transcrito:

Esta directiva ayuda a los distintos organismos a considerar como variable en los procesos de adquisición, no sólo la inversión inicial de un determinado bien o servicio, sino que además, y en forma adicional, los costos de pago mensual de los servicios energéticos (iluminación, climatización, transporte, etc.).

Por ello, se recomienda a los compradores evaluar las compras de productos tanto por las inversiones iniciales, como por los costos de operación a lo largo de la vida útil de los productos y en los plazos totales de los contratos de servicios de electricidad, gas, transportes u otro, siguiendo las pautas que se presentan a continuación.

A Directiva nº 9 se ocupa de guiar os administradores quanto ao seguinte: requisição de bens e serviços com características de eficiência energética e facilidade de manutenção; instrumento convocatório fundamentado em exigências técnicas de rendimento energético do produto; avaliação da eficiência energética na escolha dos bens ou serviços, considerando o custo total de operação; e monitoramento dos resultados alcançados, tanto para fins de registros para futuras aquisições, como para aferir se o desempenho é o que se pretendia com a compra.

Mais uma prova do empenho do Governo do Chile na implantação das contratações públicas sustentáveis é o conteúdo da Ficha Licitación nº 511671-6-LE10 [153], instrumento convocatório pelo qual seria contratada uma empresa que confeccionasse uma lista de produtos e serviços com suas respectivas características de sustentabilidade. A descrição do estudo é a seguinte:

Descripción

Se requiere contratar estudio que determine el grado de preparación de la industria para la implementación de compras públicas sustentables, con especial énfasis en la situación actual respecto de los productos disponibles en el catálogo electrónico ChileCompra Express

Por esta contratação de serviço, publicada em 23 de agosto de 2010, o Governo do Chile pretendia contratar um estudo que lhe mostrasse o estado atual de preparação do parque industrial interno, e sua capacidade para fazer face à adoção das compras públicas sustentáveis. O trabalho deveria ter por base o projeto "Fortalecimiento de las capacidades para las Compras Púbicas Sustentables (SPP) en Chile", elaborado em conjunto pelo Programa de Naciones Unidas para el Medio Ambiente (PNUMA), Comision Nacional del Medio Ambiente de Chile (CONAMA) e Dirección ChileCompra. A estimativa era que esse serviço ficasse pronto em janeiro de 2011.

Do exposto até então, se conclui sobre algumas diferenças básicas das licitações no Brasil e no Chile. A primeira diferença pertinente a este estudo é que no Chile não há uma regra única para compras, serviços e obras. O rito para a contratação de obras públicas é regido por norma própria, e é sensivelmente diferenciado.

A segunda diferença é que a legislação chilena não prescreve uma abertura tão ampla para ingresso nos certames, em especial no que se refere às obras, pois, para essas, a habilitação dos participantes é realizada em fase bem anterior, e não é especifica para uma licitação em pauta. Isso não quer dizer que as condições não sejam isonômicas, mas sim que a habilitação dos construtores candidatos não é parte do processo licitatório, o que dificulta a individualização do contratado em função da obra licitada.

Uma semelhança é que, desde 2008, há a possibilidade de estabelecimento de critérios técnicos para a escolha da proposta mais vantajosa para compras e serviços, porque não deve haver o julgamento só quanto ao preço ofertado, devendo sim ser considerado o custo global do bem ou serviço, como se espera de uma licitação sustentável. Quanto às obras públicas, entretanto, o Regulamento para Contratos de Obras só prevê o critério de escolha dos licitantes com base no preço ofertado, diverso do que ocorre no Brasil.

A avaliação de impacto ambiental é dirigida especialmente a obras e é considerada nas construções públicas, em todas as suas fases, muito embora a legislação de contratos não se refira explicitamente a essa exigência.

Desde 2010 a Lei de Bases Gerais do Meio Ambiente criou o Conselho de Ministros para a Sustentabilidade, em uma aplicação do princípio da ubiquidade, o que é um avanço em relação ao Brasil. Criou, também, o programa de Avaliação Ambiental Estratégica.

Outras iniciativas para a implantação da sustentabilidade no setor público são constatadas nos sites do Governo Chileno, na contratação de assessoria especializada, na divulgação de manuais e na publicação de instruções normativas. Destas, destaca-se a Diretiva de Contratação Pública nº 9, do Ministério da Fazenda, que orienta os gestores públicos na busca por sustentabilidade nas licitações, em especial para que procurem eficiência energética nas compras e nas contratações de serviços. No que se refere à sustentabilidade nas obras públicas, a Diretiva nº 9 não traz qualquer regra específica.

Em resumo, é dizer que a legislação chilena conta com menos dispositivos sobre sustentabilidade em obras públicas que a legislação brasileira. Desde 2008, de forma gradual, algumas alterações vêm sendo incorporadas às normas chilenas sobre o assunto, sendo essas inovações voltadas mais às compras e serviços do que às obras do Poder Público, onde pouco foi alterado. Isso se deve, em parte, à diferença entre os processos de compras, que são diferenciados para as obras. O Governo do Chile, contudo, está empenhado em implantar critérios de licitações sustentáveis na sua administração, sem descuidar da capacidade de atendimento da demanda pelo seu mercado produtor, e pode contar com o peso político do Conselho de Ministros para essa mudança.

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Sobre o autor
João Luiz de Negreiros Guerra

Coronel do Exército. Bacharel em Direito Assessor Jurídico do Comando de Aviação do Exército.Especialista em Direito Administrativo

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

GUERRA, João Luiz Negreiros. Aspectos jurídicos da adoção de soluções sustentáveis nas construções civis da administração pública federal. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 16, n. 3009, 27 set. 2011. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/20076. Acesso em: 25 dez. 2024.

Mais informações

Msc. Ana Lúcia Carrilo de Paula Lee - Professora Orientadora

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