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Reflexões sobre os impactos do gerencialismo no Direito Administrativo brasileiro.

Entre a crise e a plasticidade evolutiva

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11/10/2011 às 15:39
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6 NOTAS

[1] Manifestação perspícua do patrimonialismo deu-se no início do governo Lula. A esposa do então presidente, Dona Marisa, cultivou, nos jardins do Palácio da Alvorada – residência oficial do Presidente da República –, sálvias vermelhas em formato de estrela, numa alusão nítida ao Partido dos Trabalhadores (PT).

[2] Os gestores do projeto gerencialista brasileiro tacharam a Constituição de 1988 como "retrocesso burocrático" (BRASIL, 1995, p. 20). Como exemplo desse "retrocesso burocrático" tem-se a estabilidade do servidor público.

[3] Percebe-se tal assertiva no contexto pátrio: a nota de rodapé 2 evidencia o patrimonialismo na Administração Pública; a nota 3 consagra a Administração Burocrática. Por seu turno, institutos do gerencialismo foram inseridos na Constituição pela Emenda 19/98, cujo exemplo é o contrato de gestão – art. 37, § 8º.

[4] Perspicaz a observação de Chevallier (2009, p. 86-87): os postulados gerencialistas foram impostos pela OCDE e Banco Mundial aos países em desenvolvimento como forma de lograr recursos financeiros para atenuar desequilíbrios econômicos; já para os países em transição – precipuamente da Europa Oriental – tais postulados foram impostos pela União Européia.

[5] "A proposta de Reforma Administrativa gerencial, mais uma vez, é criada, proposta, posta (e imposta?) pelo próprio Estado sem qualquer participação da sociedade. Como gestação interna do Poder Executivo, a Reforma Administrativa foi vislumbrada sob um único ângulo" (DIAS, 2003, p. 213, grifo nosso).

[6] Seria leviano, pelas transcrições acima, afirmar que as concepções de Alexy e Dworkin são similares. Não o são. Dworkin concede um sentido deontológico para os princípios, de modo que, na colisão de princípios, somente um prevalecerá, em razão de sua maior dimensão de peso; já Alexy concede um sentido teleológico aos princípios, de modo que, na colisão de princípios, todos devem ser considerados pela decisão, denotando-se, portanto, a chamada otimização.

[7] Ora, não se pode vislumbrar a criação ou organização de uma Administração Pública voltada para a ineficiência.

[8] Existe doutrina que distingue a proporcionalidade, a razoabilidade e a ponderação; não entraremos, entretanto, nestes pormenores. Enxergamos os termos, portanto, como similares.

[9] Art. 5º do Tratado da Comunidade Européia: "[...] Nos domínios que não sejam das suas atribuições exclusivas, a Comunidade intervém apenas, de acordo com o princípio da subsidiariedade, se e na medida em que os objectivos da acção prevista não possam ser suficientemente realizados pelos Estados-Membros, e possam pois, devido à dimensão ou aos efeitos da acção prevista, ser melhor alcançados ao nível comunitário".

[10] A lista indica as empresas federais privatizadas desde o início da década de 90; assim, algumas empresas foram privatizadas antes do Governo Fernando Henrique Cardoso. A lista, com outras informações adicionais, encontra-se no sítio do Ministério do Planejamento, no seguinte endereço: http://www.planejamento.gov.br/secretarias/upload/Arquivos/dest/090105_ESTA_Univ_privatizadas.pdf

[11] Interessante observar o quanto as agências reguladoras, modelos americanos amplamente exportados para todo o Ocidente, constituem-se numa espécie de globalização hegemônica do tipo localismo globalizado, conforme o rico léxico de Boaventura de Souza Santos (2006, p. 438).

[12] Celso Antônio Bandeira de Mello (1999, p. 146-154) apresenta severas – e procedentes – críticas ao contrato de gestão.

[13] A Lei 18.975, de 29 de junho de 2010, do Estado de Minas Gerais, institui o padrão remuneratório do subsídio para as carreiras do grupo de atividades de Educação Básica do Poder Executivo Estadual e do pessoal civil da Polícia Militar do Estado de Minas Gerais.

[14] Vinícius Marins (2010, p. 87) chama essa privatização de orgânica. In verbis: "[privatização orgânica ocorre quando] [...] uma entidade privada é investida do exercício de um poder público, figurando como depositária da responsabilidade pela execução de uma tarefa que a lei confiou à Administração Pública".

[15] Ora, bem lembrou José Maria Boquera Oliver (1963, p. 127), que a personalidade jurídica do Estado é una, ao contrário de sua capacidade, que é dupla: uma atinente ao Direito Público e outra ao Direito Privado.

[16] Sobre a privatização funcional, de uma maneira um pouco distinta daquela apresentada, veja-se o escólio de Vinícius Marins (2010, p. 87): "[a privatização funcional] corresponde a uma mera contribuição dos particulares, com sua capacidade e competência, para a execução de uma função pública pela própria Administração [...]".

[17] Expressão cunhada pela portuguesa Maria João Estorninho, por ocasião de sua tese de doutoramento na Faculdade de Direito de Lisboa.

[18] "A convicção de que existe [uma] competência moral acima da competência técnica é o pressuposto ideal da democracia" (BOBBIO, 2000, p. 424).

[19] "[...] entre adultos, não há ninguém tão inequivocamente mais bem preparado do que outros para governar, a quem se possa confiar a autoridade completa e decisiva no governo do estado" (DAHL, 2001, p. 89).

[20] No Caderno MARE 15, que trata dos avanços da Reforma na Administração Pública, existe menção em transformar o CADE em uma agência executiva, estando, naquela ocasião, na fase de preparação para assinatura do protocolo de intenções (BRASIL, 1998c, p. 89).

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[21] Deveras ilustrativo disso é a diminuição da esfera de discricionariedade no direito administrativo, o que se contrapõe às intenções gerencialistas, na medida em que a dilatação da discricionariedade é essencial à eficiência administrativa e, por conseguinte, a um controle de resultados.

[22] Basta lembrar as constantes decisões judiciais que determinam a obrigatoriedade de o SUS fornecer, gratuitamente, remédio de alto custo à população carente, com gravames inequívocos para o orçamento público.

[23] Conforme as palavras do próprio Luhmann (2002, p. 173): "Por consiguiente, la evolución se efectúa cuando se cumplen diferentes condiciones y cuando éstas se acoplan entre sí de manera condicional (= no necesaria), a saber: 1) La variación de un elemento autopoiético respecto de los patrones de reproducción que habían sido, hasta el momento, vigentes. 2) La selección de la estructura que hace posible que dicha variación se constituya en condición de las siguientes reproducciones. 3) La estabilización del sistema, en el sentido de mantenerlo dinámicamente estable para que sea posible la reproducción autopoiética de esa forma (determinada estructuralmente) que ha experimentado mutación".

[24] Note-se que em momento algum no texto se qualificou a evolução provocada pelo gerencialismo no contexto brasileiro como algo positivo – ou negativo; o próprio Luhmann (2002, p. 192) registra que a evolução pode não ser positiva, vez que inexistente uma teleologia da evolução; esta pode ser planificada, mas não determinada.

[25] "Il diritto amministrativo si presenta come un mosaico di contraddizioni. Soggetto per una parte a un veloce cambiamento, è per altre parti l'emblema della stabilità. Tradizionalmente unitario, è diventato pluralista. Figlio dell'accentramento, sopravvive ad un intenso decentramento. Esempio di unilateralismo, ha saputo resistire all'ondata contratualistica. Regno del formalismo, si valle dell'informalità. Ospita nel suo seno nazionalizzazione e privatizzazioni, regolazione e de-regolazione. Figlio dell'interesse nazionale, è però anhe strumento della cooperazione sovrastatale e globale. Subisce allo stesso modo limiti statali e limiti sovrastatali e globali. Tutte queste opposizioni e contraddizioni vivono, come tanti strati sovrapposti e mescolati, secondo il modello dell'"institutional layering’, in una tensione permanente, nel diritto amnistrativo, rendendo difficile afferrarne, in un esame unitario, le molte componenti."

[26] O texto original fala em "sovrastatali", que pode ser vertido em português como "supra-estatais". Contudo, seria um reducionismo tolo dizer "supra-estatais" e "globais" na mesma frase, por serem palavras praticamente sinônimas. Se o autor indicou três palavras, estas só podem ser distintas. Logo, optamos pelo termo "regionais", atinente às limitações impostas pelo direito comum europeu.

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Sobre o autor
Renato de Abreu Barcelos

Graduado em Direito pela Universidade de Itaúna. Pós-graduando em Direito pela PUC Minas.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

BARCELOS, Renato Abreu. Reflexões sobre os impactos do gerencialismo no Direito Administrativo brasileiro.: Entre a crise e a plasticidade evolutiva. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 16, n. 3023, 11 out. 2011. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/20206. Acesso em: 20 abr. 2024.

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