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A importância das serventias extrajudicias no processo de desjudicialização

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17/10/2011 às 15:10
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3. INSTITUTOS REPRESENTATIVOS DA DESJUDICIALIZAÇÃO

Neste capítulo serão analisados os institutos: do protesto de títulos (Lei nº. 9.492/97); da alienação fiduciária (Lei nº. 9.514/97); da retificação de área extrajudicial (Lei nº. 10.931/04); do inventário, partilha, separação e divórcio extrajudiciais (Lei nº. 11.441/07); da usucapião administrativa (Lei nº. 11.977/09); e da retificação extrajudicial de assentos civis (Lei nº. 12.100/09).

A lei que regulamentou o protesto de títulos alargou o campo de atuação dos tabeliães de protesto, levando para a esfera extrajudicial a solução de questões antes só solucionáveis através da via judicial; a evolução legislativa retirou da exclusividade do Poder Judiciário a retificação de área e de assentos civis e o inventário, a partilha, a separação, o divórcio; e ainda criou institutos como o da alienação fiduciária de bem imóvel e o da usucapião administrativa.

Todo este contexto de alterações do direito positivo demonstra a inequívoca intenção do legislador de prestigiar os Serviços Notariais e Registrais no processo de desjudicialização, desafogando, assim, o Poder Judiciário. Após a análise de cada um dos institutos antes referidos, serão abordadas as conseqüências advindas dessas alterações legais.

3.1. PROTESTO DE TÍTULOS REGULADO PELA LEI 9.492/97

A Lei 9.492/97, ao regulamentar os serviços de protesto de títulos, promoveu significativo avanço no processo de desjudicialização brasileira. Antes do referido diploma legal, o protesto era objeto de apenas algumas leis esparsas, sendo restrito aos títulos de crédito. Assim, para a satisfação de crédito referente a outros documentos de dívida, a única alternativa se encontrava no Poder Judiciário. Frise-se que, em 1997, ano da edição da Lei de Protesto, o Poder Judiciário do Estado de São Paulo recebia mais de 200 mil execuções por mês.

Hoje, no contexto da revolução legislativa que vem criando meios alternativos para simplificar a solução de conflitos de interesse, os serviços de protesto de títulos são prestados no interesse público, garantindo segurança às relações de débito e crédito.

Conforme o art. 1º da referida lei, a função precípua do instituto do protesto é probatória, posto que, através dele, se comprova o inadimplemento de uma obrigação originada em títulos e em outros documentos de dívida.

Entretanto, o objetivo dos credores, ao se utilizarem desses serviços, não é a lavratura e o registro do protesto, mas sim o recebimento do crédito devido. O protesto, então, passa a ser utilizado como eficiente meio de cobrança extrajudicial, que poderá ou não desaguar em um eventual registro de protesto.

O grande mérito da lei em estudo foi o de alargar o número de títulos passíveis de protesto, admitindo a apresentação de outros documentos além dos títulos de crédito. Determina o art. 1º que "protesto é o ato formal e solene pelo qual se prova a inadimplência e o descumprimento de obrigação originada em títulos e outros documentos de dívida [23]", sem, contudo, definir quais seriam os outros documentos de dívida, gerando assim muita controvérsia jurídica.

Contudo, dentre os documentos que se enquadram dentro da expressão "documento de dívida", podem-se citar os seguintes, como títulos de créditos: cheque; nota promissória; duplicata mercantil e de prestação de serviços; letra de câmbio; cédula de crédito; contrato de câmbio; nota de crédito; warrant [24] e cédulas de crédito bancário. Como documentos de dívidas, propriamente ditos, podem ser citados: confissão de dívida; contrato de locação, débito de condomínio, sentença judicial; débito de serviços prestados por concessionárias, sentença arbitral; e escritura pública.

O procedimento é simples e célere. Recebidos os títulos, o tabelião deverá protocolizá-los em vinte e quatro horas. A partir da data da protocolização, o devedor será intimado em três dias, quando finda o prazo para o mesmo se manifestar ou pagar o débito. Neste momento, poderão ocorrer quatro possíveis desfechos: pagamento, retirada, protesto ou sustação judicial.

Efetuado o pagamento, o montante deverá ser colocado à disposição do credor no dia útil seguinte. Observe-se que todo o processo resolve-se em um prazo de cinco dias no máximo. Ou seja, o credor poderá reaver seu crédito em exíguo período de tempo, sem precisar se submeter às delongas dos trâmites processuais, os quais, não raro, arrastam-se por anos nos órgãos do Poder Judiciário.

Conforme discorre Eduardo Pacheco Ribeiro de Souza:

A ampliação do elenco de documentos que podem ser objeto de protesto oferece à população outro meio para solução de conflito de interesses, retirando da apreciação do Judiciário, notoriamente sobrecarregado, uma série de ações. O reconhecimento por parte do legislador quanto à relevância do serviço de protesto e seu alcance social não se restringiu à Lei 9.492/97 – o novo Código Civil, no inciso III do art. 202, dispõe que o protesto extrajudicial interrompe a prescrição, tornando sem efeito a Súmula n.153 do Supremo Tribunal Federal [25], que havia cristalizado a jurisprudência do Pretório Excelso em sentido contrário [26].

Pelo exposto, a utilização do Tabelionato de Protestos mostra ser um eficiente meio de solução extrajudicial das relações envolvendo crédito e débito. Os interessados podem valer-se de maior celeridade, menores custos e da segurança jurídica conferida por este serviço público, prestado por profissional do direito que atua imparcialmente na consecução das cobranças, bem como na lavratura e registro do protesto.

3.2. EXECUÇÃO EXTRAJUDICAL NA ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA DE BENS IMÓVEIS INSTITUÍDA PELA LEI 9.514/97

Não há dúvida de que a publicidade registral imobiliária exerce funções não somente jurídicas, mas também sociais e econômicas. Decorre desta publicidade a segurança quanto ao direito inscrito, permitindo credibilidade no que respeita às informações prestadas pelo Registro Imobiliário. A garantia imobiliária fomenta a economia. Dentre as conclusões do XV CINDER, Congresso Internacional de Direito Registral, realizado no ano de 2005, em Fortaleza, organizado pelo IRIB – Instituto de Registro Imobiliário do Brasil, encontra-se a seguinte:

A principal função do Registro da propriedade consiste em atribuir segurança jurídica imobiliária ao mercado que, por sua vez, constitui um requisito imprescindível para a existência do empréstimo hipotecário e das demais formas das garantias imobiliárias [27].

A hipoteca e outras formas de garantia imobiliária são indispensáveis para a economia, cabendo ressaltar que a origem das leis sobre a publicidade registral imobiliária se deu exatamente para atender o mercado hipotecário. Na Espanha, a lei que regula o registro imobiliário é conhecida até os dias atuais como Lei Hipotecária Espanhola, que completou 150 anos no dia 08 de fevereiro do corrente ano. O Registro Imobiliário brasileiro teve início com o regulamento hipotecário de 1846, "que criou a publicidade registral das hipotecas convencionais, estabelecendo a inscrição com valor constitutivo [28]". A reforma hipotecária de 1864 estendeu a publicidade para as hipotecas legais, transmissões e onerações de imóveis entre vivos, e não obstante ficou conhecida como Lei Hipotecária de 1864, em razão da importância do instituto.

Constata-se, portanto, a importância da legislação registral imobiliária para a economia, exigindo o mercado instrumentos que se adaptem às realidades que vão surgindo ao longo do tempo. Verificou-se, então, que a hipoteca não mais atendia à crescente demanda imobiliária, que exige celeridade e efetividade para as garantias necessárias ao pleno desenvolvimento do setor. O legislador brasileiro, portanto, atento a tais deficiências, criou o instituto da alienação fiduciária de bens imóveis, atendendo às necessidades do mercado e fazendo com que o registro imobiliário cumpra adequadamente suas funções jurídicas, sociais e econômicas. A referida conclusão do XV CINDER refere-se às demais formas de garantia imobiliária, dentre as quais se inclui, indubitavelmente, a alienação fiduciária.

A Lei 9.514/97, além de dispor a respeito do Sistema Financeiro Imobiliário, instituiu a alienação fiduciária de coisa imóvel, inovando os mecanismos de garantia no mercado imobiliário, que até então eram pouco eficientes.

A hipoteca, garantia que era normalmente utilizada nas transações imobiliárias, pressupõe o ajuizamento de morosa execução judicial em casos de descumprimento da obrigação contratada, e muitas vezes o credor não logra ter seu crédito restituído, ou o recupera apenas parcialmente, o que inibe investimentos no setor imobiliário. O instituto da hipoteca traduz um direito real sobre coisa alheia, e tem o poder de apenas gravar o imóvel com este ônus, restando ao devedor todos os direitos de propriedade, inclusive o de alienar o bem gravado a terceiros. Sérgio Jacomino demonstra as desvantagens deste instituto:

A hipoteca serviu, ao longo de muito tempo, como eficiente instrumento de garantia. Foi e ainda é considerada como a mais clássica e tradicional das garantias reais do direito brasileiro. Ultimamente, contudo, em face do colapso institucional dos mecanismos judiciais, o instituto vem experimentando um progressivo esvaziamento de sua importância. Todos os comentaristas apontam o calcanhar de Aquiles da hipoteca: a execução judicial, que demanda um custoso processo, de incerto resultado e de morosidade garantida. Além disso, o credor hipotecário se vê diante de grandes embaraços no confronto de seu crédito em face daqueles privilegiados, como o são os fiscais e trabalhistas. Enfim, vivemos uma crise da hipoteca, o que tem levado o mercado a criar novos mecanismos de defesa do capital e do investimento aplicado. [29]

A alienação fiduciária, que já era conhecida no ordenamento pátrio para financiamento de bens móveis, é uma modalidade de garantia que consiste na transferência feita ao credor pelo devedor da propriedade resolúvel do imóvel. É um pacto de garantia que abrange dois negócios distintos: um contrato de mútuo destinado à aquisição do bem que será dado em garantia, e um contrato de direito real que transmitirá a propriedade deste bem ao credor até o pagamento da dívida. A partir de então, desdobra-se a posse, atribuindo-se ao devedor fiduciante a posse direta, e ao credor fiduciário a indireta. Trata-se de um ato bilateral, visto que, no contrato de alienação fiduciária, há duas partes: o credor fiduciário, normalmente uma instituição financeira, e o devedor fiduciante, a quem é concedido o financiamento direto. Observe-se que o vendedor não figura neste contrato de garantia.

Este negócio jurídico pode ser celebrado por instrumento público ou particular. Quando o bem dado em garantia for móvel, o contrato de alienação fiduciária deverá ser registrado no Registro de Títulos e Documentos do domicílio de devedor. O contrato deverá, outrossim, ser registrado no Cartório de Registro de Imóveis da situação do bem, quando a garantia for através de bem imóvel, para que se confira direito real do credor sobre o bem, caso contrário, este contrato manterá um vínculo apenas obrigacional entre os contratantes.

Por óbvio, a propriedade fiduciária não se confunde com a hipoteca: enquanto esta, como já dito, é direito real sobre coisa alheia, ou seja, o devedor mantém o domínio sobre o bem, a propriedade fiduciária é direito real sobre coisa própria, visto que com o registro do contrato de alienação fiduciária no Registro de Imóveis, o credor torna-se titular do domínio resolúvel sobre o bem dado em garantia. Desta distinção advém uma importante conseqüência: caindo o devedor em insolvência o bem objeto da garantia fiduciária não integrará a massa falida, ao passo que, no caso da hipoteca, o bem dado em garantia, por permanecer no patrimônio do devedor, passará a integrar o ativo da massa falida.

O procedimento na alienação fiduciária é simples e célere. Feito o contrato, este deve ser levado a registro no Cartório de Registro de Imóveis da situação do bem imóvel. A partir de então, o devedor assume a obrigação de pagar a dívida com todos os seus encargos, enquanto o credor fiduciário passa a ter o dever de promover a reversão da propriedade ao devedor fiduciante assim que seja satisfeito o crédito. Para isto, ele deve fornecer ao devedor o termo de quitação, que é o documento hábil para promover esta reversão, através de averbação no Registro de Imóveis. Note-se que a reversão da propriedade ocorre automaticamente por ocasião do pagamento da obrigação, bastando para tanto a apresentação do termo de quitação. Esta reversão, por conseguinte, opera-se sem qualquer intervenção judicial, como afirma Melhim Namem Chalhub:

No contrato de alienação fiduciária em garantia, a condição é contratada expressamente, de modo que opera seus efeitos automaticamente. Basta que aconteça o evento (pagamento) para que se considere efetivada a aquisição da propriedade pelo devedor, o que se dá por força da reversão decorrente da averbação do "termo de quitação" na matrícula do imóvel [30].

Entretanto, qualquer mora no pagamento das prestações autorizará que o fiduciário, aguardando o prazo de carência estipulado no contrato, requeira ao Oficial da Serventia que promova a intimação do devedor para que, no prazo de 15 dias, purgue a mora. Esta intimação torna-se exigível como prova da mora para efeitos de consolidação da propriedade, conforme previsto no §1º do art. 26 da Lei 9.514/97. Deixando tal pagamento de ser efetuado, o fiduciário poderá recolher o imposto de transmissão e providenciar a consolidação da propriedade em seu nome no Registro de Imóveis. Configura-se assim a execução extrajudicial que, indubitavelmente, tem o condão de incrementar os investimentos no setor imobiliário.

Art. 26. Vencida e não paga, no todo ou em parte, a dívida e constituído em mora o fiduciante, consolidar-se-á, nos termos deste artigo, a propriedade do imóvel em nome do fiduciário.

§1º Para fins do disposto neste artigo, o fiduciante, ou o seu representante legal ou procurador regularmente constituído, será intimado, a requerimento do fiduciário, pelo Oficial do competente Registro de Imóveis, a satisfazer, no prazo de quinze dias, a prestação vencida e as que se vencerem até a data do pagamento, os juros convencionais, as penalidades e demais encargos contratuais, os encargos legais, inclusive tributos, as contribuições condominiais imputáveis ao imóvel, além das despesas de cobrança e de intimação [31].

O objetivo do legislador com a edição da referida lei foi, além de amenizar a exagerada proteção conferida ao devedor pela hipoteca, disponibilizar um meio mais célere e descomplicado para que o credor possa reaver seu crédito.

As instituições financeiras praticamente abandonaram a hipoteca e passaram a preferir a alienação fiduciária nos contratos celebrados. A título exemplificativo, no Cartório de Registro de Imóveis do 4º Ofício de Belo Horizonte, a hipoteca, outrora sempre utilizada para a garantia de créditos, tem sofrido um vertiginoso declínio, enquanto que, por outro lado, a alienação fiduciária, hoje, vem dominando com larga vantagem este mercado. No ano de 1998, nenhuma alienação fiduciária foi realizada, ao passo que 768 hipotecas foram registradas. No ano de 2006, foram registrados 820 contratos de alienação fiduciária, enquanto apenas 103 hipotecas foram apresentadas para registro.

Como bem destacou Melhim Chalhub:

Um dos mais importantes aspectos dessa legislação é a nova orientação econômico-social que se dá ao financiamento imobiliário, pela qual são criados dois segmentos distintos para o atendimento das demandas do setor, vale dizer, um segmento de natureza social, pertinente especificamente à política habitacional, e um segmento de mercado, este mais abrangente, relativo à atividade empresarial do setor imobiliário em geral [...]. [32]

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Vale ressaltar, contudo, que a alienação fiduciária é um instituto a mais a ser utilizado nos contratos de garantia, restando a hipoteca como garantia àqueles que preferirem o procedimento judicial.

Não se pode deixar de registrar uma peculiaridade nos contratos de alienação fiduciária, qual seja: a imposição ao titular da propriedade resolúvel do ônus de colocar o bem à venda na hipótese de inadimplemento do devedor fiduciante. Por se tratar de propriedade com a finalidade de garantia, a lei estipula condições compatíveis com sua função, afastando o risco de locupletamento do fiduciário. Portanto, impõe o art. 27 da lei em questão que o credor fiduciário promova leilão extrajudicial do bem no prazo de 30 dias a contar da data da averbação de consolidação da propriedade em seu nome.

Pelo exposto, resta claro que o legislador, ao instituir a alienação fiduciária de bens imóveis através da Lei 9.514/97 [33], promoveu importante avanço no processo de desjudicialização brasileiro, pois trata-se de um instrumento de inegável segurança e utilidade para a sociedade, fomentando os negócios imobiliários sem onerar ainda mais o Poder Judiciário. Neste cenário, a atuação dos registradores é de fundamental importância. Ao analisar o título para a prática do registro, ele garante que todos os aspectos legais sejam observados, consoante à vontade das partes. A segurança advinda deste procedimento permite o incremento do tráfico imobiliário, estimulando o crescimento neste setor.

3.3. RETIFICAÇÃO DE ÁREA EXTRAJUDICIAL REGULADA PELA LEI 10.931/04

A Lei 10.931/04 [34], conhecida como Lei de Afetação, traz outro meio de solução de problema pela via extrajudicial: a retificação administrativa de metragens e outras incorreções no registro de imóveis.

A retificação administrativa que se procede no Registro de Imóveis, visa corrigir metragens ou outros erros, sendo processada diretamente pelo Oficial do Registro de Imóveis, restando ao Judiciário as situações sobre as quais não houver acordo entre os interessados. Segundo Antônio Macedo de Campos, "a palavra retificar significa tornar reto e, por extensão, corrigir. Assim, retificar um registro é corrigir um registro válido, mas que se ressente de uma ou mais irregularidades [35]".

A Lei Federal 10.931/04 alterou a redação dos arts. 212 a 214 da Lei 6.015/73 (Lei dos Registros Públicos), modificando o procedimento para a retificação no Registro de Imóveis, e trouxe um meio mais simples para os jurisdicionados interessados em buscar uma forma mais célere e menos dispendiosa para correção de erros nas matrículas de seus imóveis. O procedimento judicial passou a ser uma alternativa deixando de ser uma imposição legal, e cabe ao interessado decidir qual via será mais vantajosa para ele. A retificação judicial será obrigatória, porém, quando houver impugnação fundamentada por parte de qualquer confrontante.

Tais modificações trazidas para a Lei 6.015/73, evidentemente, desonerarão o Judiciário, posto ser preferível o procedimento extrajudicial por sua economia de custo e de tempo.

Quando o caso for de erro evidente, o novel diploma admite que a imperfeição seja corrigida de ofício pelo Oficial do Registro de Imóveis, não sendo mais necessária qualquer manifestação do interessado neste sentido, o que não impede que o mesmo o faça, mediante simples petição com prova do alegado, caso o Oficial não proceda à correção. As alterações de ofício deverão ser efetuadas mediante averbação, justificadamente, e deverão ser comunicadas ao interessado para que este possa interpor eventual recurso.

Nos casos em que a lei exige manifestação do interessado, o Oficial do Registro de Imóveis preside o procedimento administrativo, posto que ele poderá: processá-lo, indeferi-lo, exigir diligências, e notificar os interessados.

Quando o objetivo for a retificação de medidas, que importem ou não na alteração da área do imóvel, o interessado deverá apresentar requerimento acompanhado de planta e memorial descritivo elaborado por profissional habilitado com ART (Anotação de Responsabilidade Técnica). Deve-se ressaltar que somente ao detentor do domínio cabe requerer a retificação de área, e que este deve comprovar a aquiescência dos confrontantes, através de declaração dos mesmos, na própria planta ou em documento apartado [36], concordando com a modificação proposta pelo interessado. Portanto, a retificação extrajudicial deverá ser consensual, e ocorrerá nas situações previstas na Lei 6.015/73:

Art. 213. O Oficial retificará o registro ou a averbação:

II - a requerimento do interessado, no caso de inserção ou alteração de medida perimetral de que resulte, ou não, alteração de área, instruído com planta e memorial descritivo assinado por profissional legalmente habilitado, com prova de anotação de responsabilidade técnica no competente Conselho Regional de Engenharia e Arquitetura – CREA, bem assim pelos confrontantes. [37]

A retificação perante o Oficial de Registro de Imóveis poderá, contudo, sair da esfera extrajudicial no desenrolar do procedimento no Cartório, seja por opção do interessado, ou porque não houve acordo entre este e os confrontantes. Não se deve, porém, confundir esta judicialização com a situação na qual o interessado, inconformado com as exigências feitas pelo Registrador, suscita dúvida ao juízo competente, nos termos do art. 198 e seguintes da Lei de Registros Públicos. Neste caso, a análise da dúvida serve apenas para verificar se as exigências postas pelo Cartório são ou não procedentes, e não para autorizar ou não a consecução do ato. Ou seja, esta apreciação feita pelo Judiciário limita-se apenas a analisar se os óbices levantados pelo Registrador na qualificação do título são ou não pertinentes. Não sendo o caso de procedimento de dúvida, o registrador não poderá declinar de sua competência ao procedimento de retificação de área, a não ser nos casos em que haja litígio, conforme afirma Eduardo Augusto, Registrador de Conchas-SP:

O registrador somente pode se declarar incompetente em um procedimento retificatório se houver conflito não solucionável pela via da transação, pois, nos casos em que há lide, a competência do Judiciário é absoluta. A recusa em protocolar um requerimento de retificação de registro imobiliário, induzindo o interessado a buscar a via judicial, configura falta funcional grave, podendo o registrador ser punido até com a perda da delegação [38].

Note-se que, antes da referida lei, a retificação de área era um procedimento que exigia, além da manifestação do interessado, a citação de todos os confrontantes para que os mesmos pudessem exercer o contraditório. Este processo tão criterioso demandava mais tempo e despesas do que o atual procedimento extrajudicial, no qual basta apenas a anuência expressa dos confrontantes na própria planta ou em documento à parte. Ademais, o §3º do art. 213, que previa a participação do Ministério Público tanto no procedimento judicial quanto no administrativo, foi revogado, abolindo a intervenção do parquet [39] na retificação extrajudicial.

Com as alterações introduzidas pela Lei 10.931/04, poderão ser utilizados os seguintes meios para a promoção de retificações de registros imobiliários:

a) por escritura pública, levada depois a registro;

b) por ato do Oficial, de ofício;

c) por processo administrativo simplificado, tanto a requerimento do interessado como de ofício, com ou sem decisão judicial;

d) por processo judicial contencioso (ação ordinária).

Conclui-se, pelo exposto, que a Lei nº 10.931/04 foi editada com o nobre intuito de trazer mais celeridade ao procedimento de retificação de registros, que, desde então, realiza-se na própria Serventia Extrajudicial, sendo facultado, porém, ao interessado utilizar-se da via judicial sempre que lhe aprouver.

3.4. INVENTÁRIO, PARTILHA, SEPARAÇÃO E DIVÓRCIO EXTRAJUDICIAIS REGULAMENTADOS PELA LEI 11.441/07

A Lei 11.441/07 [40] trouxe relevantes alterações para o operador do direito, ao autorizar a substituição do processo judicial pela via administrativa para promover o inventário e a partilha de bens, bem como separações [41] e divórcios consensuais.

A doutrina conceitua jurisdição voluntária como aquela que envolve a administração pública de interesses privados, na qual se enquadram a separação e o divórcio consensuais. Ademais, de há muito, a jurisprudência pacificou entendimento de que os processos de jurisdição voluntária não alcançam a autoridade de coisa julgada, justamente por serem procedimentos administrativos realizados pelo Poder Judiciário. Portanto, conclui-se que não há qualquer óbice à possibilidade de que estes institutos sejam tratados na esfera administrativa. O inventário e a partilha, não obstante serem procedimentos especiais de jurisdição contenciosa, conforme Título 1, do Livro IV, do Código de Processo Civil [42], também foram contemplados pelo legislador com a possibilidade de solução pela via extrajudicial.

O inventário extrajudicial será sempre uma opção ao jurisdicionado quando não houver incapazes entre os herdeiros, ou ainda, quando o de cujus não houver deixado testamento. Aliás, como previsto na Lei Processual Civil, art. 1.031, quando entre os herdeiros capazes não há divergências, ao inventário e à partilha já se aplica um procedimento quase administrativo, que é o rito de arrolamento, porém ainda permeado por inúmeros atos processuais desnecessários, que acabam por causar delongas ao processo. Hoje, aberta a sucessão, não havendo testamento, sendo todos os herdeiros capazes e havendo consenso entre eles, o inventário poderá ser feito no Tabelionato de Notas por escritura pública, na qual constará a partilha dos bens, quando for o caso.

Art. 982. Havendo testamento ou interessado incapaz, proceder-se-á ao inventário judicial; se todos forem capazes e concordes, poderá fazer-se o inventário e a partilha por escritura pública, a qual constituirá título hábil para o registro imobiliário [43].

Apesar da exigência legal da presença de advogado ao referido ato, cabe ao tabelião orientar os herdeiros sobre a forma adequada de se efetivar a partilha, bem como indicar as providências a serem adotadas para a lavratura da escritura pública. O tabelião também ficará incumbido de proceder à verificação da identidade dos envolvidos, além de solicitar as certidões referentes aos bens a serem partilhados, e deverá, igualmente, exigir a comprovação de regularidade fiscal dos imóveis, sob pena de responsabilidade civil [44]. O controle fiscal, porém, é restrito à verificação da regularidade do pagamento do tributo, não diz respeito, pois, ao quantum debeatur [45]do imposto.

Como já dito, a Lei 11.441/07 exige a presença de advogado ao ato de lavratura da escritura pública para orientar juridicamente as partes quanto aos termos do inventário, e atuar em eventual composição que se faça necessária quanto às exigências do tabelião. Cabe ressaltar, porém, que mesmo que haja discórdia entre o advogado e o tabelião quanto aos termos da partilha, a escritura não poderá ser obstada. Nestes casos, então, o tabelião deve fazer ressalva quanto ao seu entendimento no próprio corpo da escritura.

Quanto aos custos do inventário extrajudicial, estes certamente são bem abaixo dos custos do procedimento judicial, principalmente porque os honorários advocatícios devidos no procedimento administrativo serão calculados sobre duas únicas etapas: na elaboração dos termos da partilha (normalmente feita pelo tabelião) e na lavratura do ato notarial. No processo judicial, por outro lado, esses honorários normalmente são calculados com base no monte a ser partilhado. Os emolumentos devidos à Serventia, ademais, são fixados por lei estadual, a partir da qual a Corregedoria de Justiça de cada Estado elabora uma tabela de emolumentos. Acrescente-se que, no Rio de Janeiro, a Corregedoria de Justiça determinou que os emolumentos devidos nos inventários extrajudiciais não podem ultrapassar o valor das custas no inventário judicial [46].

Quanto à separação e ao divórcio, estes também poderão ser ajustados mediante escritura pública lavrada nas Serventias Notariais, desde que haja consenso entre as partes e que não envolva interesses indisponíveis ou relativos a incapazes.

Foi coerente o legislador ao editar a Lei 11.441/07, que acrescenta o art.1.124-A ao Código de Processo Civil, posto que, se o casamento é firmado pela via administrativa, não há qualquer sentido na exigência de que ele seja desfeito pela via judicial. O restabelecimento conjugal, por sua vez, também, poderá ser obtido pela via extrajudicial, pelos motivos já expostos.

Art. 1.124-A. A separação consensual e o divórcio consensual, não havendo filhos menores ou incapazes do casal e observados os requisitos legais quanto aos prazos [47], poderão ser realizados por escritura pública, da qual constarão as disposições relativas à descrição e à partilha dos bens comuns e à pensão alimentícia e, ainda, ao acordo quanto à retomada pelo cônjuge de seu nome de solteiro ou à manutenção do nome adotado quando se deu o casamento [48].

Os divórcios e as separações em cartório são feitos de forma simples, rápida e segura pelo Tabelião de Notas. O procedimento, que no Judiciário pode levar meses, no cartório, pode ser realizado no mesmo dia, dependendo da documentação exigida. Até mesmo os casais que já tenham iniciado o processo judicial, podem desistir deste e optar pela via da escritura pública para a dissolução da sociedade conjugal. A escritura pública de separação ou divórcio deverá conter: a vontade expressa das partes em separar-se ou divorciar-se; a descrição dos bens a serem partilhados; a definição de pensão alimentícia, quando for o caso; o acordo quanto a eventual mudança de nome dos cônjuges; e a assinatura de advogado comum ou não das partes.

Assim como a escritura pública de inventário, a de separação e divórcio também será título hábil à promoção de averbação, neste caso, no Cartório Registro de Pessoas Naturais onde foi registrado o casamento, como também de registro no Registro de Imóveis quanto à partilha dos bens.

A prova de que a população necessita de agilidade e simplicidade para solucionar problemas cotidianos está na pronta aceitação desse novo procedimento por parte dos usuários. Após três anos da entrada em vigor da Lei 11.441/07, uma pesquisa intitulada "Estatísticas do Registro Civil", produzida anualmente pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) apontou um crescimento de 24,9% nos atos de separações e 33,9% nos atos de divórcios consensuais realizados em 2008 nos Tabelionatos de Notas de todo o país, em comparação com os números de 2007. O Colégio Notarial do Brasil - Seção São Paulo divulgou dados que mostram que, em 2.010, os cartórios de notas de São Paulo praticaram 9.317 escrituras de divórcios, o que representa um aumento de 109% em relação ao anos de 2.009. [49] A tendência é que esses números aumentem a cada dia.

Pelo exposto, demonstram-se as inúmeras vantagens trazidas pela Lei 11.441/07. Acrescente-se, ainda, que a opção pelo procedimento administrativo, em detrimento do judicial, permite a livre escolha da Serventia Notarial, o que confere conforto e praticidade aos interessados. O art. 8º da Lei 8.935/94, estabelece que "é livre a escolha do tabelião de notas, qualquer que seja o domicílio das partes, ou o lugar de situação dos bens objeto do ato ou negócio [50]. Este comando legal permite que as partes possam buscar um profissional de sua confiança. Ademais, o interessado tem a faculdade de ajustar data e horário de sua conveniência para a lavratura do ato, não tendo pois que se submeter ao agendamento feito pelo Poder Judiciário. Quanto à segurança jurídica dos atos realizados pelo tabelião, profissional dotado de fé pública, este, assim como o juiz de direito no processo judicial, zelará pela fiel e correta aplicação da lei.

3.5. USUCAPIÃO ADMINISTRATIVA REGULADA PELA LEI 11.977/09

A usucapião [51] é o instituto através do qual o indivíduo adquire a propriedade pela posse contínua, mansa e pacífica, por um lapso de tempo, e seu rito está previsto nos arts. 941 a 945 do Código de Processo Civil. O Poder Judiciário, mediante provocação do interessado, declara o direito da parte, transformando uma situação fática em situação jurídica, sempre que presentes os requisitos legais.

De acordo com o comando da lei processual, o possuidor deverá, juntamente com o fundamento do pedido, juntar à petição inicial a planta do imóvel em questão e requerer a citação do proprietário do mesmo, bem como a citação de todos os confinantes, os quais, não sendo encontrados, serão citados por edital, nos termos do art. 232, IV do mesmo diploma. Ademais, deverão ser intimados os representantes da Fazenda Pública para que manifestem se têm interesse na causa. Pelo exposto, observa-se que o procedimento para que se declare o domínio de um imóvel torna-se extremamente moroso, desgastante e dispendioso.

A Lei 11.977/09, na busca por maior agilidade para a regularização de áreas irregularmente ocupadas, instituiu o Programa Minha Casa Minha Vida destinado à aquisição de casa própria pela população de baixa renda, bem como dispôs sobre a regularização fundiária de assentamentos localizados em áreas urbanas. Trata-se de uma inovação importante no cenário brasileiro, posto que enfatiza a função social da propriedade, prevista no art. 170, III da Carta Magna, e dá efeito prático à natureza social da posse.

Art. 170. A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios:

III- função social da propriedade; [52]

O novel diploma introduz no ordenamento jurídico brasileiro, o instituto da legitimação de posse, o qual admite que a usucapião possa ser processada perante o oficial do Registro de Imóveis, sem a intervenção do Poder Judiciário. Trata-se de um procedimento simples e rápido, devendo o interessado apresentar certidão do cartório distribuidor para provar que não há outras ações que versem sobre a posse ou a propriedade do imóvel em questão, e declarar que: o bem pretendido é utilizado para sua moradia, que não é proprietário de qualquer outro imóvel, e que não teve anterior reconhecimento de usucapião de outro imóvel em área urbana.

A legitimação de posse, entretanto, como medida preliminar de reconhecimento da propriedade imobiliária não é uma novidade no Brasil. A Lei nº. 601 de 1.850 (Lei de Terras) [53] já previra o referido instituto, determinando que eram passíveis de legitimação "as posses mansas e pacíficas adquiridas por ocupação primária, ou havidas do primeiro ocupante, que se achem cultivadas, ou com princípio de cultura e morada habitual do respectivo posseiro ou de quem o represente." A finalidade da legitimação de posse, de acordo com o art. 11 da mencionada lei, era a expedição de um título de proprietário, com o qual um mero posseiro se transformava em proprietário, podendo, por isso, hipotecar ou alienar o imóvel. Percebe-se, portanto, que desde a metade do século XIX, já havia legislação no sentido de se garantir a função social da propriedade, assim como o uso adequado da terra.

Hodiernamente, nos termos da lei 11.977/07 [54], a usucapião administrativa pode ser proposta por iniciativa da Administração Pública, de beneficiários, individual ou coletivamente, ou ainda, de associação de moradores. Segundo o art. 42, II da referida lei, a usucapião administrativa será um procedimento cabível sempre que houver interesse em se regularizar assentamentos já consolidados em áreas urbanas que contenham mais de 50 habitantes por hectare.

O procedimento é simples e célere. O auto de demarcação [55] elaborado pelo Poder Público será encaminhado ao Cartório do Registro competente, que promoverá a notificação pessoal do proprietário e dos confrontantes por edital, para que apresentem impugnação à averbação da demarcação, no prazo de 15 dias. Ao fim deste lapso temporal, sem que haja qualquer manifestação dos interessados, o ato averbatório será realizado na matrícula da área a ser regularizada, e caso não exista esta matrícula, uma nova deverá ser aberta com base na planta e no memorial descritivo da área objeto de regularização.

Deve-se ressaltar, outrossim, que, uma vez promovida a averbação do auto de demarcação, a matrícula fica bloqueada para qualquer outro ato diverso daqueles necessários à regularização fundiária. Ou seja, nenhum ato estranho ao procedimento poderá ser processado, o que vale dizer que o imóvel estará bloqueado para alienações ou onerações de qualquer natureza.

Em seguida, o Poder Público promoverá o projeto de regularização fundiária, previsto no art. 51 da referida lei, que será registrado no mesmo Registro de Imóveis. A partir de então, será entregue ao beneficiário o título de legitimação de posse, previsto no art. 47, IV, e, após cinco anos, o detentor deste título poderá requerer a sua conversão em título de propriedade, tendo em vista a aquisição do imóvel por usucapião, nos termos do art.183 da Constituição Federal.

O apego exagerado aos procedimentos judiciais pode suscitar dúvidas quanto à constitucionalidade do meio extrajudicial de privação do direito de propriedade. Pode haver entendimento no sentido de que a usucapião administrativa importa violação do direito de propriedade, e que vai de encontro ao princípio do devido processo legal, no que concerne ao desapossamento de bens.

Cabe ressaltar, entretanto, que tanto no procedimento judicial, quanto no administrativo, o usucapiente, que comprova o uso contínuo, manso e pacífico pelo lapso temporal previsto em lei, já adquiriu a propriedade, e que a sentença proferida pelo magistrado, ou o registro efetuado pelo Oficial do Registro de Imóveis não são constitutivos, isto é, esses atos têm efeitos meramente declaratórios, pois sua única finalidade é declarar uma situação fática já existente. Portanto, não se trata de desapossamento de bem, mas sim de uma mera declaração de que a posse transformou-se em propriedade, depois de observados os requisitos legais.

Ademais, o texto da Lei 11.977/09 não exclui do Poder Judiciário a apreciação de qualquer lesão ou ameaça de lesão a direito do proprietário. O procedimento previsto na referida lei assegura, outrossim, a oportunidade de manifestação e de defesa por parte do proprietário do imóvel em questão, visto que prevê notificação pessoal do mesmo para que se pronuncie no prazo de 15 dias, período durante o qual, ele poderá impugnar o ato obstando a consecução do mesmo em cartório.

Em suma. a legitimação de posse e a sua conversão em propriedade seguem os seguintes passos:

1) demarcação elaborada pelo Poder Público, por meio da qual se tem a descrição e caracterização do imóvel;

2) cadastramento dos moradores e constatação do tempo de ocupação, com o que se comprova a duração da posse;

3) notificação pessoal do proprietário e prazo de 15 dias [56] para sua manifestação (a notificação poderá ser por edital caso o proprietário não seja encontrado no endereço constante nos assentamentos do Registro de Imóveis);

4) averbação do título de legitimação de posse;

5) após cinco anos, a posse será transformada em propriedade, a requerimento do interessado.

Como exposto, ao proprietário do bem demarcado, foi concedida a oportunidade de apresentar defesa na via extrajudicial, impugnando os fatos narrados pelo usucapiente, podendo, ainda, apresentar impugnação na via judicial. Não há, por conseguinte, qualquer violação aos preceitos constitucionais de direito de propriedade e do devido processo legal.

Apesar das vantagens trazidas por esta lei, fora do âmbito das hipóteses nela contidas (a regularização fundiária de áreas urbanas), para o reconhecimento da usucapião em outras áreas, ainda se faz necessário que a parte interponha ação judicial. Segundo João Pedro Lamana Paiva, que celebra a edição do novo diploma legal:

Trata-se de uma medida ainda muito tímida que alcança apenas a regularização fundiária de assentamentos irregulares ocupados, predominantemente, por população de baixa renda. No entanto, essa iniciativa, por decorrer de incessante luta dos registradores do estado gaúcho e apresentação do anteprojeto de lei no Ministério da Justiça brasileiro, não deve ser menosprezada [57] .

Em síntese, a desjudicialização do instituto da usucapião nos moldes da Lei 11.977/09, além de retirar do Judiciário esta sobrecarga desnecessária, promove importante impulso na efetivação da função social da propriedade: disponibilizando à população de baixa renda oportunidade de regularizar sua casa própria de forma rápida, simples e segura, através das Serventias Registrais.

Os efeitos práticos da Lei 11.977 já foram observados em novembro do ano de 2.010, quando o Auto de Demarcação Urbanística de parte da favela da Rocinha (RJ) foi averbado no Cartório do 2º Ofício de Registro de Imóveis da Capital. Esta iniciativa beneficiará famílias residentes em cerca de cinco mil habitações, e representa um marco importante para a regularização fundiária no Brasil [58].

3.6. RETIFICAÇÃO DE REGISTRO DE ASSENTAMENTO CIVIL JUNTO AO REGISTRO CIVIL REGULADA PELA LEI 12.100/09

Outro instituto a ser analisado é o da retificação extrajudicial de assento de registro civil. A retificação é um processo destinado a restabelecer a verdade das declarações contidas nos assentos do Registro Civil, desfazendo erro de fato ou de direito ou preenchendo uma omissão, oriundos de uma declaração errônea ou de equívoco cometido pelo próprio Oficial do Registro Civil. Antes da Lei 12.100/09, o cidadão que desejasse promover correção de um erro em seu assento civil deparava-se com tanto rigor formal que, muitas vezes, preferia manter seu registro inalterado, ainda que o conteúdo do mesmo permanecesse em desacordo com a realidade fática de sua vida.

A Lei 3.764/60, em seus arts. 1º ao 5º, previa o procedimento a ser seguido no caso de retificação de assento civil. O interessado deveria dirigir-se ao cartório competente para requerer a referida retificação. O Oficial, após protocolar e autuar a petição, deveria submetê-la, juntamente com os documentos necessários, ao órgão do Ministério Público e, posteriormente, os autos eram conclusos ao juiz. Deferido o pedido, o Oficial averbaria a retificação à margem do assento, mencionando a data da decisão e de seu trânsito em julgado, bem como o número do protocolo. Se o juiz, no entanto, entendesse que o pedido exigisse maiores indagações, ou ainda, se o parquet o impugnasse, o magistrado ordenaria a distribuição dos autos para que a retificação se procedesse na forma da lei processual. As retificações, portanto, demandavam autorização judicial para que fossem procedidas.

Art. 2º. Recebida a petição, protocolada e autuada, o oficial de registro a submeterá com documentos ao órgão do Ministério Público e fará os autos conclusos ao juiz togado da circunscrição, que despachará em 48 (quarenta e oito) horas [59].

A redação do art. 110 da Lei 6.015/73 também não inovou o procedimento previsto na Lei 3.764/60, posto que não previa a correção de ofício pelo Oficial do Registro Civil, exigindo para tanto a participação do Poder Judiciário.

O art. 1º da Lei 12.100/09, facilitando todo o procedimento, determinou a retificação extrajudicial de registro de assentamento civil, em caso de erros que não necessitem de qualquer outra averiguação para a constatação imediata da necessidade de sua correção. O art. 110 da Lei 6.015/73, a seu turno, passou a vigorar com a seguinte redação:

Art. 110. Os erros que não exijam qualquer indagação para a constatação imediata de necessidade de sua correção poderão ser corrigidos de ofício pelo oficial de registro no próprio cartório onde se encontrar o assentamento, mediante petição assinada pelo interessado, representante legal ou procurador, independentemente de pagamento de selos e taxas, após manifestação conclusiva do Ministério Público.

§ 1º  Recebido o requerimento instruído com os documentos que comprovem o erro, o oficial submetê-lo-á ao órgão do Ministério Público que o despachará em 5 (cinco) dias.

§ 2º  Quando a prova depender de dados existentes no próprio cartório, poderá o oficial certificá-lo nos autos.

§ 3º  Entendendo o órgão do Ministério Público que o pedido exige maior indagação, requererá ao juiz a distribuição dos autos a um dos cartórios da circunscrição, caso em que se processará a retificação, com assistência de advogado, observado o rito sumaríssimo.

§ 4º  Deferido o pedido, o oficial averbará a retificação à margem do registro, mencionando o número do protocolo e a data da sentença e seu trânsito em julgado, quando for o caso." (NR) [60]

Assim, pelo novo diploma, foi autorizada a retificação extrajudicial de erros de grafia e outros erros evidentes em assentos de registro civil, quando for possível aferir a evidência do erro, pelos elementos disponíveis, arquivados no próprio Ofício de Registro Civil. Porém, o texto final da Lei 12.100/09 ainda cria um pequeno entrave ao interessado ao determinar a manifestação do Ministério Público. Segundo João Pedro Lamana Paiva:

Apesar de ter afastado a necessidade de manifestação final do juiz em relação ao caso concreto, manteve, o novo texto legal, a necessidade de manifestação "conclusiva" do Ministério Público em relação ao pedido formulado pelo interessado, o que, data venia, também recebia melhor tratamento no texto do projeto original, pois previa essa manifestação do órgão ministerial tão somente se suscitada dúvida em relação decisão proferida pelo Oficial do Registro. Não se trata de ser desprovida de importância a manifestação do Parquet, mas de sua desnecessidade frente ao erro evidente (já que este está, conceitualmente, restrito à banal ocorrência de erros gráficos ou de transposição de dados para o assento lavrado), desde que devidamente comprovado, basicamente através de documentos, perante o Registrador Civil. [61]

Como demonstrado, a Lei nº. 12.100/09 tem o salutar intuito de retirar do Poder Judiciário uma atribuição que pode facilmente ser conferida aos Registradores Civis. A correção de erros relativos a nomes e ao estado das pessoas é um direito fundamental de todo cidadão, portanto, a desburocratização deste procedimento deve ser o objetivo primeiro do legislador.

Demonstrados os procedimentos e os benefícios da desburocratização dos institutos acima mencionados, o próximo capítulo procederá a uma análise das possíveis mudanças legislativas que promoverão um avanço no processo de desjudicialização, tornando a efetivação dos direitos uma realidade no cenário jurídico brasileiro.

Trata-se de uma abordagem sobre a atuação dos titulares de cartório em atividades que poderão ser desburocratizadas e trazidas para as Serventias Extrajudiciais, tais como: o inventário, a partilha, e o divórcio sem as restrições atualmente impostas pela Lei 11.441/07; a usucapião em todas as suas modalidades; o procedimento de dúvida pela via administrativa, e, por fim, a arbitragem, que apesar de já se encontrar na esfera extrajudicial, poderá ser administrada pelos cartórios, trazendo muitos benefícios para os cidadãos, como será demonstrado oportunamente.

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Sobre a autora
Lígia Arlé Ribeiro de Souza

Substituta do 2º Ofício de Teresópolis - RJ.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SOUZA, Lígia Arlé Ribeiro. A importância das serventias extrajudicias no processo de desjudicialização. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 16, n. 3029, 17 out. 2011. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/20242. Acesso em: 25 abr. 2024.

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