7.Competência Penal
Conforme leciona Tourinho Filho (2001, p. 78), competência pode ser conceituada como: "o âmbito, legislativamente delimitado, dentro do qual o órgão exerce o seu Poder Jurisdicional."
Assim, esse fracionamento do Poder Jurisdicional é feito de várias formas, levando-se em conta a natureza da lide (ratione materiae), o território (ratione loci) e as funções que os órgãos podem exercer dentro dos processos.
As disposições acerca da competência encontram previsão legal nos arts. 70, 88 e 89 do Código de Processo Penal. Além disso, a Constituição Federal trata da matéria relativamente à competência jurisdicional nos casos de crimes cometidos a bordo de navios em seu art. 109, IX.
7.1.Competência da Justiça Federal brasileira
A Constituição Federal diz que a Justiça Federal possui competência para processar e julgar os crimes cometidos a bordo de navios ou aeronaves, ressalvada a competência da Justiça Militar.
Em virtude da leitura do art. 109, IX, da CF, depreende-se que tal dispositivo legal refere-se expressamente a "navios" em vez de "embarcações", como ocorre nas regras do Código Penal, o que leva a doutrina a crer que a Justiça Federal é competente apenas para processar e julgar os crimes que ocorrerem a bordo de navios, excetuando-se os crimes cometidos a bordo de outros tipos de embarcações, para os quais a competência é da Justiça Estadual.
Esta querela é atinente à diferenciação de navio e embarcação, sendo que a maioria dos doutrinadores entende navio como uma embarcação de grande porte. Neste sentido, embarcação é gênero, do qual navio é espécie.
Apesar de estar prevista legalmente a competência da Justiça Federal para processar e julgar os crimes cometidos a bordo, existem entendimentos que defendem a tese de que tal competência dos juízes federais somente seria possível na hipótese de crimes cometidos a bordo de navios em alto-mar, sendo que, em casos de crimes ocorridos no mar territorial brasileiro, a competência seria da Justiça Estadual.
Em se tratando de crime doloso contra a vida cometido a bordo de navio, a competência é do Júri federal, disciplinado no Decreto-lei n.º 253/67.
7.2.Competência da Justiça Militar brasileira
O art. 5º, § 1º do Código Penal diz que a lei brasileira se aplica ao crime cometido no território nacional, devendo ser consideradas como extensão do território brasileiro as embarcações de natureza pública ou a serviço do governo brasileiro onde quer que se encontrem (mar territorial brasileiro, alto-mar ou águas estrangeiras).
As embarcações (navios, barcos, lanchas etc.) de natureza pública abrangem os navios de guerra, e as que estão a serviço do governo incluem aquelas que se prestam ao transporte de diplomatas e chefes de Estado.
Assim, qualquer crime que ocorra a bordo de navio público ou a serviço do governo brasileiro, será processado e julgado pela Justiça Militar, que se compõe, nos termos da Constituição Federal, do Superior Tribunal Militar; dos Tribunais e dos Juízes Militares instituídos por lei, que a organizará, competindo-lhe processar e julgar os crimes militares definidos em lei.
Convém ressaltar que, nos casos de crimes dolosos contra a vida praticados por militar contra civil, a competência será da Justiça comum (art. 9º, parágrafo único, do COM e art. 82, § 2º do CPPM, com redação determinada pela Lei 9.299/96).
8.Fixação da Competência Penal
O CPP consagra, em seus arts. 88 e 89, regras atinentes à fixação da competência para as hipóteses de crimes cometidos fora do território nacional, no seu mar territorial e no alto-mar.
8.1 Crimes cometidos fora do território nacional
Quanto aos crimes cometidos em território estrangeiro, o art. 88 do CPP diz que: "No processo por crimes praticados fora do território brasileiro, será competente o juízo da Capital do Estado onde houver por último residido o acusado. Se este nunca tiver residido no Brasil, será competente o juízo da Capital da República."
Como dito alhures, existem casos em que, mesmo o crime tendo sido praticado fora do território nacional, ficará sujeito à lei brasileira. "Nestes casos, como fixar-se a competência? Há dois foros: um comum e outro subordinado. Na ausência daquele, lança-se mão do outro." (TOURINHO FILHO, 2001, p.155)
Nos crimes cometidos fora do território nacional, em primeiro lugar deve-se investigar quem é competente para processar e julgar o infrator: se a Justiça Federal ou a Militar.
Se se tratar de crime da alçada da Justiça Federal, deve-se fixar, de acordo com as regras do art. 88 do CPP, o foro competente e, em seguida, o órgão que deverá tratar da matéria.
Em se tratando de crime da alçada da Justiça Militar, o processo e o julgamento são de competência da 1ª Auditoria da Capital da República em qualquer das hipóteses do art. 88, em face do estatuído pelo art. 91 do CPPM.
8.2 Crimes cometidos no território marítimo ou em alto-mar
O Código de Processo Penal dispõe sobre os crimes praticados a bordo de embarcações em mar territorial brasileiro e em embarcações brasileiras em alto-mar da seguinte forma: "Os crimes cometidos em qualquer embarcação nas águas territoriais da República, ou nos rios e lagos fronteiriços, bem como a bordo de embarcações nacionais, em alto-mar, serão processados e julgados pela justiça do primeiro porto brasileiro em que tocar a embarcação, após o crime, ou quando se afastar do País, pela do último em que houver tocado."
De acordo com a primeira hipótese, não importa se a embarcação é nacional ou estrangeira (excetuam-se os navios de guerra estrangeiros, sujeitos à jurisdição do país cuja bandeira arvoram), o que importa é que o crime tenha ocorrido em território brasileiro, devendo, portanto, aplicar-se a lei brasileira, designando-se a competência para processar e julgar o crime de acordo com a regra ínsita no dispositivo legal em tela.
Quando se tratar de crime cometido a bordo de embarcação brasileira em alto-mar, a competência será sempre da Justiça brasileira, devendo a competência do foro ser fixada também de acordo com o disposto na parte final do art. 89 do CPP, ou seja, competente será o juízo do primeiro porto brasileiro em que tocar a embarcação após o crime ou o do último em que houver tocado quando se afastar do país.
Como exemplo, imagine-se a realização de um crime dentro de um navio que acaba de sair do Porto do Itaqui, localizado no Estado do Maranhão. Neste caso, se o navio fizesse nova escala no Brasil após o crime (no Porto de Santos, por exemplo), competente seria o Juiz Federal da comarca de Santos, uma vez que esta é sede de Vara Federal. Caso em Santos não houvesse Juiz Federal, competente seria o foro da Capital do Estado de São Paulo. Imagine-se agora que este mesmo navio não tocasse mais nenhum porto no Brasil após sua saída do Porto do Itaqui, o que aconteceria? Competente seria o Juiz Federal da Comarca de São Luís, uma vez que ela é a Capital do Estado do Maranhão, sede de Vara Federal, e o porto localiza-se nela.
CONCLUSÃO
Como se vê, é crescente a importância do estudo acerca da aplicação da lei penal no espaço, em virtude da internacionalização cada vez maior do comércio de mercadorias e transporte de pessoas realizado através do mar, ocasionado pelo fenômeno da globalização econômica, no qual o Brasil, desde que abriu sua economia para o mercado, encontra-se mais e mais inserido.
Assim como há um constante aumento no volume de negócios realizados através do mar, tem tido movimento crescente, também, um fenômeno que alguns doutrinadores apelidaram de "internacionalização do delito".
Desta forma, necessário se faz, como medida de obtenção de um grau maior de segurança jurídica, que se busque conhecer as regras de aplicação da legislação penal pátria atinente aos crimes praticados a bordo de embarcações quer estas estejam em águas brasileiras, águas estrangeiras ou em águas internacionais.
Além disso, em virtude do próprio caráter internacional da atividade marítima, deve-se buscar conhecer os tratados e convenções internacionais do qual o Brasil é signatário, como forma de se saber, no caso concreto, qual dispositivo legal deve ser aplicado quando da ocorrência de um crime a bordo.
Neste sentido, o presente trabalho teve a intenção de estudar a questão referente à aplicação da lei penal brasileira aos delitos cometidos a bordo de embarcações, não com o intuito de esgotar a matéria (posto que o Direito é impetrificável), mas com o singelo objetivo de contribuir para fomentar o debate acerca destas questões.
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