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Rede Globo, Criança Esperança e imposto de renda: fatos e boatos

29/10/2011 às 07:18
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Como regra, os valores doados por pessoas jurídicas não são dedutíveis, a não ser em casos específicos previstos em lei, daí a impossibilidade da dedução do dinheiro arrecadado no Criança Esperança do Imposto de Renda.

A internet é, incontestavelmente, uma das ferramentas mais importantes no mundo contemporâneo, através da qual a informação é transmitida em uma velocidade inédita na história da humanidade. Especialmente com a evolução à web 2.0, na qual os usuários possuem uma liberdade muito maior para publicar e divulgar conteúdos, as pessoas passaram a ser cada vez mais "bombardeadas" pelos mais diversos fatos, comentários e opiniões.

No entanto, o aumento da difusão de informações pelos internautas trouxe também uma maior fragilidade à propagação de boatos e lendas (as quais, no mundo da informática recebem o nome de "hoax"), lotando os correios eletrônicos de milhões de pessoas com informações inverídicas ou, no mínimo, duvidosas.

Dentre a grande variedade de lendas que ganharam força através da internet, uma delas se destaca nesse período do ano, quando a Rede Globo começa a veicular as chamadas comerciais do Criança Esperança. Segundo as mensagens (algumas até mesmo bem redigidas e muito criativas), a emissora de televisão utiliza o dinheiro arrecadado com as doações para a referida campanha como dedução do imposto de renda. Assim, segundo o texto divulgado por e-mail, "você está pagando o imposto da Rede Globo".

Infelizmente, o fato de que milhares de pessoas acreditam nesse boato suficientemente para encaminhar a mensagem, indignadas, para toda a sua lista de contatos, mostra a deficiência na educação tributária do povo brasileiro, o que é inadmissível em um país onde impostos, taxas e contribuições representam, direta e indiretamente, algo em torno de 38% do Produto Interno Bruto (PIB).

Assim, visando desmentir esse boato e, até mesmo, em uma tentativa de impedir a propagação desse Hoax que costuma encher a minha caixa de entrada durante as semanas que antecedem o Criança Esperança, irei expor, a seguir, alguns fatos que comprovam a não veracidade das informações repassadas nesses e-mails.

Segundo informações da própria Rede Globo, todo o dinheiro arrecadado durante a campanha é depositado diretamente em conta da Unesco. Assim, os recursos sequer são contabilizados no patrimônio da emissora, impossibilitando qualquer caracterização de doação direta entre as duas entidades.

Não bastasse isso, podemos recorrer ainda à própria regulamentação tributária, no que tange às deduções de doações feitas pelas pessoas jurídicas. Como regra, os valores doados por pessoas jurídicas não são dedutíveis, a não ser em casos específicos previstos em lei, tais como as efetuadas a instituições de ensino e pesquisa autorizadas por lei federal e às entidades civis que se enquadrem nos moldes das disposições contidas no Regulamento do Imposto de Renda (RIR).

Esclarecendo a impossibilidade da dedução do dinheiro arrecadado no Criança Esperança do Imposto de Renda, surge a seguinte pergunta: O que, então, a Rede Globo ganha gastando milhões de Reais nessa campanha?

Simplesmente, a imagem de uma empresa compromissada com ações sociais, o que é uma excelente "jogada de marketing", no melhor sentido possível. O fato de uma empresa utilizar o compromisso social como estratégia mercadológica não desmerece o seu trabalho, mas, muito pelo contrário, mostra que é uma entidade inteligente, que aparenta crescer de modo sustentável. Aliás, que fique bem claro que a Rede Globo não foi a primeira e nem será a última emissora de televisão a se envolver em projetos semelhantes (recentemente, por exemplo, os canais de TV americanos ABC, CBS, FOX, CNN, BET, The CW, HBO, MTV, VH1, dentre outros, se reuniram em um Teleton em prol do Haiti e, aqui mesmo no Brasil, o SBT já possui há anos uma parceria semelhante com a AACD).

Em resumo, a Globo realmente "lucra" com o Criança Esperança, não através da dedução no seu imposto de renda, mas sim através de uma elaborada e inteligente estratégia de marketing, o que, por sua vez, não desmerece o trabalho sério que já dura mais de 20 anos. Assim, os potenciais doadores podem ter a certeza de que não estarão "pagando o imposto da TV Globo".

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Sobre o autor
André Charone Tavares Lopes

Contador, professor universitário, palestrante e pesquisador da área contábil. Autor de dezenas de artigos e cinco livros publicados no Brasil, Portugal e Espanha. É ex-conselheiro do Conselho Regional de Contabilidade do Estado do Pará, membro da Associação Científica Internacional Neopatrimonialista, sócio do escritório Belconta - Belém Contabilidade S/S Ltda (www.belconta.com.br) e diretor acadêmico do Portal Neo Ensino (www.neoensino.com).

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

LOPES, André Charone Tavares. Rede Globo, Criança Esperança e imposto de renda: fatos e boatos. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 16, n. 3041, 29 out. 2011. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/20300. Acesso em: 17 nov. 2024.

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