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Colisão de direitos fundamentais.

Análise de alguns casos concretos sob a ótica do STF

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6. APRECIAÇÃO DA CHAMADA "LEI DE IMPRENSA" (QUE LIMITAVA A EXTENSÃO DA REPARAÇÃO DOS DANOS CAUSADOS À HONRA E IMAGEM) E O DIREITO À LIVRE MANIFESTAÇÃO DO PENSAMENTO E LIBERDADE DE EXPRESSÃO

O governo militar, em 09/02/1967, promulgou a Lei n. 5.250, a pretexto de regular "a liberdade de manifestação do pensamento e de informação".

Tal diploma, dentre outras normas, delimitava tanto os valores de indenização por danos causados à imagem e à honra de pessoas por veículos de comunicação, quanto estabelecia curtíssimos prazos prescricionais para o exercício do direito de ação.

Irresignado com tal fato, o Partido Democrático Trabalhista manejou a Ação de Descumprimento de Preceito Fundamental n. 130, a fim de retirar a eficácia de tal norma na órbita jurídica nacional.

E o Pretório Excelso, como fez no caso acima relatado, o fez cotejando-se os diversos direitos fundamentais envolvidos.

Como se vê no voto do relator ministro Carlos Ayres Britto, que liderou tal entendimento, ao minudenciar o artigo 220, da Constituição:

"É precisamente isto: no último dispositivo transcrito (o artigo 220), a Constituição radicaliza e alarga o regime de plena liberdade de atuação da imprensa, porquanto fala: a) que os mencionados direitos de personalidade (liberdade de pensamento, criação, expressão e informação) estão a salvo de qualquer restrição em seu exercício, seja qual for o suporte físico ou tecnológico de sua veiculação; b) que tal exercício não se sujeita a outras disposições que não sejam as figurantes dela própria, Constituição. Requinte de proteção que bem espelha a proposição de que a imprensa é o espaço institucional que melhor se disponibiliza para o uso articulado do pensamento e do sentimento humanos como fatores de defesa e promoção do indivíduo, tanto quanto da organização do Estado e da sociedade.

(...) É de se perguntar, naturalmente: mas a que disposições constitucionais se refere o precitado art. 220 como de obrigatória observância no desfrute das liberdades de pensamento, criação, expressão e informação que, de alguma forma, se veiculem pela imprensa? Resposta: àquelas disposições do art. 5º, versantes sobre vedação do anonimato (parte final do inciso IV); direito de resposta (inciso V); direito a indenização por dano material ou moral à intimidade, à vida privada, à honra e imagem das pessoas (inciso X); livre exercício de qualquer trabalho, ofício ou profissão, atendidas as qualificações profissionais que a lei estabelecer (inciso XIII); direito ao resguardo do sigilo da fonte de informação, quando necessário ao exercício profissional (inciso XIV).

(...)Mas o exercício de tais liberdades não implica uma fuga do dever de observar todos os incisos igualmente constitucionais que citamos no tópico anterior, relacionados com a liberdade de imprensa.

(...) Mas é claro que os dois blocos de dispositivos constitucionais só podem incidir mediante calibração temporal ou cronológica: primeiro, assegura-se o gozo dos sobredireitos (falemos assim) de personalidade, que são a manifestação do pensamento, a criação, a informação, etc. (...) Somente depois é que se passa a cobrar do titular de tais sobre-situações jurídicas ativas um eventual desrespeito a direitos constitucionais alheios."

Assim, mais uma vez a Corte Maior calibrou direitos fundamentais em conflito, agindo com proporcionalidade e razoabilidade, como exarado em artigo da lavra do ministro Gilmar Mendes, pertinente ao tema ora vertente:

"No processo de 'ponderação' desenvolvido para solucionar o conflito de direitos individuais não se deve atribuir primazia absoluta a um ou a outro princípio ou direito. Ao revés, esforça-se o Tribunal para assegurar a aplicação das normas conflitantes, ainda que, no caso concreto, uma delas sofra atenuação.

[...]. Como demonstrado, a Constituição brasileira [...] conferiu significado especial aos direitos da personalidade, consagrando o princípio da dignidade humana como postulado essencial da ordem constitucional, estabelecendo a inviolabilidade do direito à honra e à privacidade e fixando que a liberdade de expressão e de informação haveria de observar o disposto na Constituição, especialmente o estabelecido no art. 5.º, X. Portanto, tal como no direito alemão, afigura-se legítima a outorga de tutela judicial contra a violação dos direitos de personalidade, especialmente do direito à honra e à imagem, ameaçados pelo exercício abusivo da liberdade de expressão e de informação." [09]

E, sobretudo, o Supremo Tribunal Federal deu o norte para as instâncias inferiores e para os jurisdicionados: cotejando-se liberdade de informação com imagem e honra, aquela prevalecerá, devendo buscar o prejudicado o competente reparo "a posteriori".


7. CONFLITO ENTRE DIREITO À LIBERDADE E O DIREITO À PROPRIEDADE

A própria Constituição Federal assegurou, no inciso LXVII, do artigo 5º, a legitimidade da prisão do depositário infiel.

Contudo, anos após, o Brasil ratificou a Convenção Americana sobre Direitos Humanos – Pacto de San José da Costa Rica, cujo artigo 7º garante que "Ninguém deve ser detido por dívidas. Este princípio não limita os mandados de autoridade judiciária competente expedidos em virtude de inadimplemento de obrigação alimentar."

Assim, tal direito à liberdade passou a fazer parte do status do depositário infiel, ante o disposto na parte final do inciso LXVII e do § 3º, ambos do art. 5º, da Carta Magna.

Restando enorme insegurança jurídica na sociedade, com decisões pró e contra a liberdade dos depositários infiéis, o Supremo Tribunal Federal, através do Recurso Extraordinário n. 466.343, foi instado a decidir definitivamente sobre o tema.

Neste sentido, cotejou o direito de propriedade dos credores ao direito de liberdade dos devedores (depositários infiéis), ante a razoabilidade e proporcionalidade da medida até então vigente (prisão ante o não pagamento).

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Debruçando-se sobre tal questão, o ministro Gilmar Mendes, primeiramente citando Waldírio Bulgarelli, assim declinou seu parecer a respeito, seguido unanimemente por seus pares:

"Ao infeliz fiduciante (devedor) resta bem pouco, posto que nunca se viu tão grande aparato legal concedido em favor de alguém contra o devedor. Assim, não pode discutir os termos do contrato, posto que, embora ‘disfarçado’ em contrato-tipo, o contrato de financiamento com garantia fiduciária é efetivamente contrato de adesão, com as cláusulas redigidas pela financeira, impressas, e por ela impostas ao financiado; não é sequer, o devedor, um comprador que está em atraso, posto que, por ‘um passe de mágica’ do legislador, foi convertido em DEPOSITÁRIO (naturalmente, foi mais fácil enquadrá-lo, por um Decreto-Lei, entre os depositários, do que reformar a Constituição, admitindo mais um caso de prisão por dívidas), terá direito, se já pagou mais de 40% (quarenta por cento) do preço financiado, a requerer a purgação da mora, em três dias; terá direito ao saldo do bem vendido pela financeira depois de descontado todo o rol de despesas, taxas, custas, comissões etc., fato que dificilmente virá a ocorrer; trate, por isso, o devedor de jamais se atrasar e nunca, mas nunca, pense em não pagar sua dívida, posto que o mundo inteiro ruirá sobre si, e fique feliz se não for preso.

Diante desse quadro, não há dúvida de que a prisão civil é uma medida executória extrema de coerção do devedor-fiduciante inadimplente, que não passa no exame da proporcionalidade como proibição de excesso (Übermassverbot), em sua tríplice configuração: adequação (Geeingnetheit), necessidade (Erforderlichkeit) e proporcionalidade em sentido estrito."

Portanto, colidindo-se o direito de liberdade do devedor (depositário infiel) e o direito de propriedade do credor deve prevalecer, no caso concreto, aquele em detrimento deste, posto que tal medida – ao contrário da prisão do devedor alimentício – visa uma mera recomposição patrimonial do credor, constrangendo a liberdade individual, novamente prestigiada e assegurada pelo Supremo Tribunal Federal.


CONCLUSÃO

Como visto nos exemplos acima narrados, o Supremo Tribunal Federal vem, ao longo do tempo e graças ao elevado estribo intelectual e sensibilidade de seus ministros, cotejar, com proporção e razoabilidade, os conflitos entre os direitos fundamentais.

A Suprema Corte, como vimos, dá plena preferência à liberdade em todos os seus aspectos, devendo, por exemplo, alguém que se sinta prejudicado, ir buscar a competente reparação, em vez de restringir ou vedar a realização de determinado ato.

Assim, está dado o norte, tanto para os jurisdicionados, quanto às autoridades, primando-se os conflitos entre direitos fundamentais pela ponderação e harmonia dos mesmos, com especial predileção pela liberdade em todos os seus prismas.


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Notas

  1. Apud NOVELINO, Marcelo. Direito Constitucional para Concurso. Rio de Janeiro: Editora Forense. 2007, p. 73.
  2. BANDEIRA DE MELLO, Celso Antonio. Curso de Direito Administrativo, 12ª edição, Malheiros, 2000, p. 748.
  3. DINIZ, Maria Helena. Compêndio de Introdução à Ciência do Direito. 18 ed. São Paulo: Editora Saraiva, 2006. p. 19.
  4. MORAES. Guilherme Peña de. Direitos Fundamentais- Conflitos e Soluções. São Paulo. Editora Labor Juris, s/d, p. 67
  5. ANDRADE, José Carlos Vieira de. Os Direitos Fundamentais na Constituição Portuguesa de 1976. Coimbra: Almedina, 1987, p. 220.
  6. Reclamação n. 2040-1/DF
  7. Cf. http://redir.stf.jus.br/paginador/paginador.jsp?docTP=AC&docID=87540 p. 4
  8. Mandado de Segurança n. 24.832
  9. MENDES, Gilmar Ferreira. Direitos Fundamentais e Controle de Constitucionalidade - Estudos de Direito Constitucional, 2. ed. Celso Bastos Editor, 1999, p. 89/96.
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Sobre a autora
Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

LOURENÇO, Valéria Jabur Maluf Mavuchian. Colisão de direitos fundamentais.: Análise de alguns casos concretos sob a ótica do STF. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 16, n. 3044, 1 nov. 2011. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/20328. Acesso em: 24 abr. 2024.

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Orientador: Prof. Alessandro Rodrigo Urbano Sanchez

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