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Os problemas da USP e a questão do policiamento comunitário

04/11/2011 às 10:36
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Os conflitos entre estudantes da USP e a Polícia Militar demonstram, claramente, o que advertimos já há tempos: a dificuldade de se implantar um verdadeiro policiamento comunitário na sociedade brasileira.

Novamente a realidade vem nos surpreender. Os conflitos que ocorreram no dia 27/10/2011 entre estudantes da Universidade de São Paulo – USP e a Polícia Militar demonstram, claramente, o que advertimos já há tempos: a dificuldade de se implantar um verdadeiro policiamento comunitário na sociedade brasileira.

Ora, melhor oportunidade que essa – a de estabelecer um policiamento de base comunitária num local privilegiado como a USP – não poderia existir... se as bases fundamentais de tal pretenso policiamento efetivamente existissem. Na melhor das intenções, foi assinado um acordo em 08/09/2011 um acordo entre as partes:

O convênio, que foi aprovado, em agosto, pelo Conselho Gestor do Campus da Capital e terá a duração de cinco anos – com possibilidade de renovação, seguirá o conceito de policiamento comunitário participativo, no qual cerca de 30 policiais farão o policiamento na Cidade Universitária em carros, motos e haverá a instalação de duas bases móveis da PM para ajudar nas ações de patrulhamento da Guarda Universitária (USP, 2011).

É evidente que ainda estamos engatinhando em termos de polícia comunitária... Mas, por isso mesmo, não podemos nos enganar a respeito: é necessário um grande esforço no sentido de conseguir algum resultado.

As questões mais importantes do policiamento comunitário talvez não estejam ligadas ao enorme leque de benefícios que defensores desta modalidade de "fazer polícia" costumam elencar. Não há o que discutir quando se evoca uma presença policial mais efetiva nas comunidades, desenvolvendo trabalhos conjuntos, numa política de proximidade que objetiva ampliar os laços de confiança. Não há, também, quem negue os benefícios de determinados parâmetros, especialmente implantados nos países acima citados, nos quais - em maior ou menor intensidade - a polícia, como o braço do Estado autorizado a usar a força, prefere muito mais se colocar como "parceira" da comunidade, estimulando a prevenção ao crime e reforçando um diálogo com as comunidades, difícil de ser amplamente compreendido em culturas cuja violência (ESPUNY, 2010).

A grande questão não está na discussão se o policiamento comunitário é importante ou não... Também não se questiona a competência da Polícia Militar para o desenvolvimento da tarefa... O foco da discussão precisa estar na dinâmica das relações da sociedade com a polícia em geral e, ainda, até que ponto estamos dispostos a implantar um policiamento que tem como premissa uma proximidade com os mais diversos setores da sociedade... como a estudantada, por exemplo. Mas tal proximidade envolve em decisões importantes, que nem sempre estamos preparados para tomá-las, seja no âmbito institucional, seja no âmbito do treinamento específico de pessoal para tais tarefas.

E este parece ser o núcleo do problema: se há regras definidas e claras, o que se espera do policial? Que as cumpra ao pé da letra, numa postura republicana e totalmente alheia a um envolvimento com a comunidade ou, numa política de proximidade, busque a melhor solução para o encaminhamento de determinado problema, favorecendo soluções "negociadas" com a comunidade, promovendo a confiança e a interação polícia-comunidade? Por exemplo, um jovem comete seu primeiro furto, deve ser levado para uma delegacia – em cumprimento às leis, para ser responsabilizado pelas regras republicanas – ou pode o policial fazer com que o mesmo devolva o objeto de furto ao seu dono, fazê-lo desculpar-se e levá-lo aos país ou responsáveis para uma solução mais "comunitária’, levando-se em conta tratar-se de um pequeno delito? Será que a primeira postura não geraria um mal maior de expor o jovem aos perigos da convivência com outros criminosos e, até, a estigmatização por ser rotulado como "criminoso"? Por outro lado, não serviria de exemplo para outros afoitos desistirem deste caminho? Da mesma forma, a segunda opção poderia promover a "recuperação" sem maiores traumas, mas não poderia servir de exemplo de impunidade? Esta é uma área na qual as perguntas são bem mais fáceis de serem formuladas que as respostas (ESPUNY, 2010).

Se não pudermos discutir tais questões, o que nos resta? Repetir, indefinidamente, que o policiamento comunitário é útil e bom... Que países – eternamente citados como exemplos – como Canadá, Japão e Inglaterra possuem um nível adequado de relacionamento polícia/comunidade... Que nossos técnicos devem ir para estas plagas aprenderem como se faz essa "mágica"...

Creio que precisamos enfrentar dois questionamentos fundamentais: o primeiro tem a ver com os fundamentos do policiamento comunitário nas comunidades brasileiras, com todas as suas especificidades...

E daí, depreende-se que a sociedade como um todo – seja mais regulada, seja mais fundada em tradições comunitárias – possuí necessidades específicas, que devem ser levadas em consideração na implementação do policiamento comunitário. O ponto de equilíbrio deve ser buscado entre as novas tendências (valoração da localidade) e a identidade social e cultural do país ; O policiamento comunitário, por mais que busque privilegiar as relações locais, não pode se afastar dos valores republicanos, sob pena de constituir-se em força que desrespeita as leis que faz uso da força para preservar. A solução parece estar na atuação cada vez mais preventiva ao invés de tolerante. A prevenção pode reforçar o tecido social criando um círculo virtuoso, no qual os vínculos comunitários podem ser reforçados sem riscos para a regulação do Estado; O gestor do policiamento comunitário deve administrar determinados interesses de grupos específicos, como forma de inclusão e admissão do multiculturalismo contemporâneo (ESPUNY, 2010).

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E nesse contexto cabe toda a razão às sábias palavras do exmo. Sr. Governador de São Paulo, Geraldo Alckimin, quando, a respeito do episódio que gerou o conflito entre estudantes e a polícia militar, lembrou que "A lei é para todos, ninguém está acima da lei" (FOLHA DE SÃO PAULO, 2011). Mais que uma advertência da maior autoridade do Estado, a frase sintetiza que a moldura que devemos e podemos esperar de uma integração polícia-comunidade não pode ser amparada na tolerância aos preceitos legais e, muito especialmente, no afrouxamento da lei. Não se pode imaginar que a polícia esteja a serviço tão somente da integridade física de um grupo... Que tal serviço esteja vinculado à discricionariedade do grupo em relação ao que o mesmo faz ou não...

Por outro lado, também é necessário questionar o treinamento adequado de policiais para o trabalho comunitário. Não é possível fechar os olhos para o fato que as relações da polícia com a sociedade nunca foram muito bons. Já na origem, a polícia no Brasil foi criada para atender a interesses do governo, não da sociedade.

Em 1808, o Príncipe Regente Dom João VI, preocupado com a segurança da corte diante de uma possível disseminação das idéias liberais francesas, criou o cargo de intendente-geral de Polícia da Corte e do Estado do Brasil, similar ao de Portugal, conforme estabelecido no Alvará de 10 de maio daquele ano.


O cargo de primeiro Intendente-Geral de Polícia foi ocupado pelo Desembargador Paulo Fernandes Viana, Ouvidor-Geral do Crime e membro da ordem de Cristo, considerado o fundador da Polícia Civil no Brasil. Ao criar a Intendência-Geral de Polícia da Corte e do Estado do Brasil, o Príncipe regente, em um só ato, instituiu a Polícia da Capital e a Polícia do País. A criação da Intendência-Geral de Polícia é considerada o marco histórico da Polícia no Brasil, sendo compartilhado pela Polícia Civil do Estado do Rio de Janeiro e pela Polícia Civil do Distrito (FERNANDES, s/d).

A despeito de iniciativas louváveis, como o Manual de Polícia Comunitária, criado pelo Núcleo de Estudos da Violência da Universidade de São Paulo (NEV/USP), que propõe alguns caminhos para efetivar o policiamento comunitário, é preciso que os gestores de tal policiamento façam uma verdadeira imersão na cultura brasileira com todas as suas especificidades comunitárias (principalmente onde se pretende implantar a polícia comunitária) e, ainda, tenha uma visão de valorização do treinamento dos agentes diretamente envolvidos na tarefa.

Não é tarefa fácil... Mas, mais difícil será, se adotarmos providências simplistas ou pouco realistas, evitando sua real problemática.


REFERÊNCIAS

ESPUNY, Herbert Gonçalves. Alguns pontos de discussão para a implantação de um verdadeiro policiamento comunitário. Publicado em 15/03/2010, no Fórum Brasileiro de Segurança Pública. Disponível em: http://www2.forumseguranca.org.br/node/23004. Acesso em: 02/11/2011.

FERNANDES, Cleber Monteiro. História. Polícia Civil do Distrito Federal. S/D. Em:
http://www.pcdf.df.gov.br/pgDetalhe.aspx?sOp=1
Acesso em 20/11/2008.

FOLHA DE SÃO PAULO. Ninguém está acima da lei, diz Alckmin sobre conflito na USP. Publicado em 28/10/2011. Disponível em: http://www1.folha.uol.com.br/cotidiano/998380-ninguem-esta-acima-da-lei-diz-alckmin-sobre-conflito-na-usp.shtml. Acesso em: 02/11/2011.

USP. Sala de Imprensa. USP assina convênio com Secretaria de Segurança Pública e Polícia Militar. Disponível em: http://www.usp.br/imprensa/?p=13553. Acesso em: 02/11/2011.

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Sobre o autor
Herbert Gonçalves Espuny

Doutor pela Universidade Paulista - UNIP, com pesquisa específica na área de Inteligência. Mestre na área interdisciplinar Adolescente em Conflito com a Lei, pela Universidade Bandeirante de São Paulo - UNIBAN. Administrador, registrado no CRA-SP. Bacharel em Direito. Corregedor, na Controladoria Geral da Administração, Governo do Estado de São Paulo. Professor universitário.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ESPUNY, Herbert Gonçalves. Os problemas da USP e a questão do policiamento comunitário. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 16, n. 3047, 4 nov. 2011. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/20352. Acesso em: 21 nov. 2024.

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