SUMÁRIO: Introdução; 1. Contrato de trabalho 2. Representação comercial autônoma 3. Representação mercantil versus vínculo empregatício3.1 Empregado vendedor; 3.2 Fraude à legislação trabalhista; 4. Competência; 5. Conclusão; 6. Referências.
RESUMO: O alto custo de manter um empregado registrado nos conformes legais leva muitos dos empregadores a maquiar o contrato de emprego, camuflando o empregado vendedor como um representante comercial autônomo. Tal prática consiste em fraude contra o empregado, prejudicando-o junto a seus direitos trabalhistas. Para agravar a situação, uma linha tênue difere a figura do representante comercial autônomo e do vendedor empregado, pois a doutrina e a jurisprudência vêm encontrando dificuldades para achar um critério diferenciador. É preciso então um estudo mais com afinco do contrato de trabalho, com ênfase eu seu conceito, sem esquecer seus requisitos e elementos essenciais. Também é necessário que se compreenda melhor a figura do representante comercial autônomo, apurando as legislações que regulam esta matéria. O presente estudo tem por objetivo diferenciar as figuras do representante comercial autônomo do vendedor empregado e identificar os casos de fraude.
PALAVRAS-CHAVE: Representante comercial, vínculo de emprego, vínculo empregatício, fraude à legislação trabalhista.
ABSTRACT: The high costs to maintain a registered employee in the legal conforms take a lot of the employers to manipulate the work contract, camouflaging the sales employee as an autonomous commercial representative. This practice is a fraud against the employee, damaging it, considering its labor rights. To aggravate the situation, a tenuous line differ the figure of the autonomous commercial representative from the sales employee, because the doctrine and the jurisprudence have been having difficulties to find a differentiator criterion. Then, it is necessary to study harder the work contract, giving emphasis in its concept, without forgetting its essential requirements and elements. It is also important to understand better the figure of the autonomous commercial representative investigating the laws that regulate this subject. The objective of this study is to differentiate the figures of the autonomous commercial representative from the sales employee and to identify the fraud cases.
KEYWORDS: Representative trade, bond of employment, labor law fraud.
INTRODUÇÃO
A lei nº 4.886 de 1965 e o Código Civil de 2002 regulam as atividades dos representantes comerciais autônomos. O representante comercial, também chamado de agente, possui um contrato de representação comercial ou um contrato de agência com a empresa que ele representa e teoricamente não tem vinculo empregatício.
Porém, já existem decisões que reconhecem a relação de emprego do representante comercial, quando este é submetido à subordinação e ausência de autonomia.
Acontece que muitas empresas usam de empregados na forma de representantes comerciais para fraudar a legislação trabalhista e não pagar aos seus trabalhadores os direitos que lhes são devidos.
É nesse prisma que o presente trabalho abordará as figuras jurídicas da relação de emprego e da representação comercial, em linhas gerais assim: a sua origem, sua evolução no tempo, sua repercussão nas relações jurídicas, traçando um paralelo até mesmo com a doutrina e a jurisprudência.
Devem ser analisados os fatos, a realidade, obedecendo ao princípio da primazia da realidade, sem prejuízo de outros princípios do Direito do Trabalho, para se detectar realmente se a relação jurídica comporta a presença de um representante comercial autônomo ou se trata de fraude na relação de emprego.
Em virtude dessas considerações elencadas acima, buscar-se-á com presente pesquisa, os atuais conflitos enfrentados pelos operadores do direito, bem como conhecer as formas de soluções, às opiniões divergentes sobre o tema, trazendo, principalmente, a legislação pátria, a jurisprudência dominante, assim como, a busca para melhor resolver a discussão suscitada.
A importância da pesquisa sobre o assunto se dá em virtude de conhecer e diferenciar as situações em que se trata de contrato de agência ou de representação comercial autônoma ou fraude do vínculo empregatício.
1. CONTRATO INDIVIDUAL DE TRABALHO
O contrato individual de trabalho está topologicamente situado no âmbito do Direito Individual do Trabalho. Portanto não está na órbita do Direito Coletivo do Trabalho, que estuda as relações coletivas laborais.
O doutrinador Renato Saraiva [01] assim o conceitua:
Contrato individual de trabalho é o acordo de vontades, tácito ou expresso, pelo qual uma pessoa física, denominada empregado, compromete-se, mediante o pagamento de uma contraprestação salarial, a prestar trabalho não eventual e subordinado em proveito de outra pessoa, física ou jurídica, denominada empregador.
Não basta apenas conceituar o contrato de trabalho, até porque a própria Consolidação de Leis Trabalhistas o define. Para fim desse estudo é importante entender e decompor os elementos do conceito.
Como foi dito, a própria CLT [02] no artigo 442, define o contrato individual de trabalho ao dispor "Contrato individual de trabalho é o acordo tácito ou expresso, correspondente à relação de emprego". Porém a doutrina critica esse conceito dado pela CLT, como podemos citar Maurício Godinho Delgado [03]:
O texto da CLT não observa como se nota, a melhor técnica de construção de definições: em primeiro lugar, não desvela os elementos integrantes do contrato empregatício; em segundo lugar, estabelece uma relação incorreta entre seus termos (é que em vez de o contrato corresponder à relação de emprego, na verdade ele propícia o surgimento daquela relação); finalmente, em terceiro lugar, o referido enunciado legal produz um verdadeiro círculo vicioso de afirmações (contrato/relação de emprego, relação de emprego/contrato).
Uma ressalva interessante é a nomenclatura contrato de trabalho ser incorreta, já que a terminologia correta seria contrato de emprego, pois o termo trabalho é bem mais amplo, podendo tratar de qualquer tipo de trabalhador, o autônomo, avulso, empregado, etc. Porém, pelo fato do constante uso e pela lei assim usar, o termo contrato de trabalho se consagrou como a terminologia usada.
O doutrinador Sérgio Pinto Martins [04] não se limita a conceituar contrato de trabalho, ele explica que:
Representa o contrato de trabalho um pacto de atividade, pois não se contrata um resultado. Deve haver continuidade na prestação de serviços, que deverão ser remunerados e dirigidos por aquele que obtém a referida prestação. Tais características evidenciam a existência de um acordo de vontades, caracterizando a autonomia privada das partes.
Os requisitos são: prestação trabalho realizado por pessoa física, pessoalidade, subordinação, onerosidade, continuidade e, por fim, alteridade. O requisito de alteridade é trazido por Sérgio Pinto Martins [05].
Como ensina o professor Maurício Godinho Delgado [06] a figura do trabalhador deve ser sempre uma pessoa física (ou natural), dado que a prestação de serviço por uma pessoa jurídica não caracteriza uma relação de emprego, e sim um contrato de prestação de serviços.
Relevante para este estudo é o que o professor Maurício Godinho Delgado [07] ensina:
Obviamente que a realidade concreta pode evidenciar a utilização simulatória da roupagem da pessoa jurídica para encobrir prestação efetiva de serviços por uma específica pessoa física, celebrando-se uma relação jurídica sem indeterminação de caráter individual que tende a caracterizar a atuação de qualquer pessoa jurídica. Demonstrado, pelo exame concreto da situação examinada, que o serviço diz respeito apenas e tão somente a uma pessoa física, surge o primeiro elemento fático-jurídico da relação empregatícia."
Em uma relação concreta, o contrato de prestação de serviços de uma pessoa jurídica pode mascarar uma relação de emprego.
Alguns autores não trazem pessoa física como requisito da relação de emprego.
Sérgio Pinto Martins [08] diz que:
O contrato de trabalho é intuitu personae, ou seja, realizado com certa e determinada pessoa. O contrato de trabalho em relação ao empregador é infungível. Não pode o empregador fazer substituir por outra pessoa, sob pena de o vínculo formar-se com a última.
Porém, há casos que em o trabalhador pode ser substituído sem afastar a pessoalidade da relação de emprego. Por exemplo, férias, licença gestante e outros casos. Deve ficar expresso o ensinamento de Maurício Godinho Delgado [09] que "a pessoalidade é elemento que incide apenas sobre a figura do empregado". Podendo haver a substituição do empregador.
Sérgio Pinto Martins [10] deixa claro que "o trabalho deve ser prestado com continuidade. Aquele que presta serviços eventualmente não é empregado".
Renato Saraiva [11] considera "o trabalho não eventual contínuo, duradouro, permanente, em que o empregado, em regra, se integra aos fins sociais desenvolvidos pela empresa".
O contrato de trabalho é oneroso. O empregado recebe, em contraprestação pelos serviços prestados, o salário.
O salário, segundo os artigos 458 da CLT [12], pode ser pago na sua totalidade em dinheiro, ou parte em dinheiro e o resto em utilidades, e segundo o artigo seguinte da mesma Lei, pode ser pago por mês, quinzena, semana ou por dia.
Motivado pelo salário, o empregado usa de sua força para trabalhar em disposição do empregador. A prestação de serviços não se presume gratuita. O contrato de emprego é sempre oneroso. Salvo os casos de trabalho voluntário.
Outro requisito da relação de emprego, talvez o mais importante para este estudo, é a subordinação, nas palavras de Maurício Godinho Delgado [13], "entre todos os elementos, o que ganha maior proeminência na conformação do tipo legal da relação empregatícia".
Como nos coloca Renato Saraiva [14], "o empregado é subordinado ao empregador" de forma jurídica, advinda da relação jurídica estabelecida no contrato de emprego, cabendo ao obreiro "acatar as ordens e determinações emanadas", podendo o empregador aplicar sanções "em caso de cometimento de falta ou descumprimento das ordens emitidas".
Sérgio Pinto Martins [15] ensina sobre subordinação:
O obreiro exerce sua atividade com dependência ao empregador, por quem é dirigido. O empregado é, por conseguinte, um trabalhador subordinado, dirigido pelo empregador. O trabalhador autônomo não é empregado justamente por não ser subordinado a ninguém, exercendo com autonomia suas atividades e assumindo os riscos de seu negócio.
Maurício Godinho Delgado [16] traz excelentes observações, para este estudo:
O cotejo de hipóteses excludentes (trabalho subordinado versus trabalho autônomo) abrange inúmeras situações recorrentes na prática material e judicial trabalhista: trabalhadores autônomos prestando serviços habituais a empresas (como profissionais de consultoria, auditoria, contabilidade, advocacia, etc.); trabalhadores autônomos pactuando a confecção de obra certa para determinado tomador (empreitada); representantes comerciais ou agentes e distribuidores regidos por legislação própria; contratos de parcerias rurais, etc. Em todos esses casos, a desconstituição do contrato civil formalmente existente entre as partes supõe a prova da subordinação jurídica, em detrimento do caráter autônomo aparente de que estaria se revestido o vínculo.
Ainda, aproveitados os ensinamentos de Maurício Godinho Delgado [17], a subordinação "atua sobre o modo de realização da prestação e não sobre a pessoa do trabalhador".
Amauri Mascaro Nascimento [18] mostra exemplos no caso concreto para a conclusão:
Nos casos concretos, para se concluir se há ou não o poder de direção, portanto a subordinação, avaliam-se dados do caso como: 1) comparecer diariamente à empresa; 2) cumprimento de roteiro de visitas elaborado pelo próprio vendedor ou por uma empresa para qual as vendas são feitas; 3) presença obrigatória em reuniões; 4) receber ordens diretas; sofrer admoestações pela execução inadequada do serviço; 5) fiscalização sobre a sua atividade; 6) zona fechada e cadastro de clientes fornecido pela empresa ou pertencentes ao vendedor; 7) exclusividade; 8) despesas da atividade e veiculo próprio.
A alteridade, ou princípio da alteridade, assim como o requisito da pessoa física, não é unânime entre os doutrinadores como requisitos da relação de emprego.
Os riscos da atividade econômica exercida pelo empregador cabem apenas a ele, como expressa Renato Saraiva [19]:
Tendo laborado para o empregador, independente da empresa ter auferido lucros ou prejuízos, as parcelas salariais sempre serão devidas ao obreiro, o qual não assume o risco da atividade econômica.
Sérgio Pinto Martins [20] é mais objetivo e fala que "o empregado pode participar dos lucros da empresa, mas não dos prejuízos".
São elementos essenciais ao contrato de emprego são aqueles dispostos no Código Civil de 2002 [21], no artigo 104 que validam o negócio jurídico.
Além de o agente capaz, objeto lícito, possível, determinado ou determinável e forma prescrita ou não defesa em lei, é necessário a manifestação da vontade expressa ou tácita.
Renato Saraiva [22] manifesta seu entendimento em um ponto importante quanto ao agente capaz:
Quanto ao agente capaz, vale frisar que a CF/1988, no art. 7.º, XXXIII, proíbe o trabalho noturno, perigoso ou insalubre aos menores de 18 anos e de qualquer trabalho a menores de 16 anos, salvo na condição de aprendiz, a partir de 14 anos.
Quanto à licitude do objeto, Maurício Godinho Delgado [23] diz que não será válido contrato laborativo que tenha por objeto trabalho ilícito. Este mesmo autor [24] ainda traz a diferença entre trabalho irregular ou trabalho proibido e trabalho ilícito:
Ilícito é o trabalho que compõe um tipo legal penal ou concorre diretamente para ele; irregular é o trabalho que se realiza em desrespeito com a norma imperativa vedatória do labor em certas circunstâncias ou envolvente de certos tipos de empregados. Embora um trabalho irregular possa também concomitantemente, assumir caráter de conduta ilícita (exercício irregular da medicina, por exemplo), isso não necessariamente se verifica.
Quanto à forma, Sérgio Pinto Martins [25], suscita que "o contrato de trabalho não tem necessariamente uma forma para ser realizado". Basta haver ajuste entre as partes, o contrato pode ser feito até verbalmente.
Em última análise, mesmo o contrato de trabalho não tendo as solenidades necessárias, sendo ele aceito até mesmo verbalmente, o que na verdade é necessário é da vontade e aceitação das partes.
2. REPRESENTAÇÃO COMERCIAL
O novo Código Civil de 2002, em seu capitulo XII, ajuda a regular sobre o contrato de agência, sendo compatível com a Lei 4.886 de 04 de dezembro de 1965, com alterações pela lei 8.420/92, que rege a atividade dos representantes comercias autônomos.
O artigo 1º da Lei 4.886/65 [26] define o que é representação comercial:
Art. 1º Exerce a representação comercial autônoma a pessoa jurídica ou a pessoa física, sem relação de emprego, que desempenha, em caráter não eventual por conta de uma ou mais pessoas, a mediação para a realização de negócios mercantis, agenciando propostas ou pedidos, para, transmiti-los aos representados, praticando ou não atos relacionados com a execução dos negócios.
Fábio Ulhoa Coelho [27] conceitua o contrato de representante comercial:
O contrato de representação comercial autônoma é aquele em que uma das partes (representante) obriga-se a obter pedidos de compra dos produtos fabricados ou comercializados pela outra parte (representado).
Fábio Ulhoa Coelho [28] ainda sustenta que o nome representante comercial não é o mais adequado, sendo melhor chamar de "agência". Rubens Requião [29] sustenta que o representante comercial ou agente é comerciante.
Maurício Godinho Delgado [30] explica sobre o representante comercial, ao falar que "ele próprio provoca a ocorrência dos atos jurídicos, dos quais pode em seguida participar".
Rubens Requião [31] disciplina sobre a remuneração do representante comercial:
A remuneração do agente ou representante comercial, cujo pagamento é obrigação da empresa representada, chama-se comissão, e é geralmente calculada em termos de percentagem sobre o valor do negocio por ele agenciado. Não havendo ajuste expresso da comissão, esta será fixada pelos usos do lugar onde se cumprir o contrato de representação. A comissão não constitui retribuição pelo trabalho prestado, mas contraprestação resultante da utilizada de que decorre da mediação efetuada. Assim, se da mediação nenhum resultado econômico resulta para o representado, a comissão não é devida.
Recebe a remuneração proporcionalmente aos negócios feitos e após a sua conclusão.
O representante comercial autônomo é aquele que assume a obrigação de promover negócios, por conta de outrem, em zona específica, em caráter não eventual e sem vínculos de dependência.
Como ensinam Marcelo Bertoldi e Márcia Carla Pereira Ribeiro [32]:
O representante é obrigado a fornecer ao representado, segunda as disposições do contrato, ou sendo omisso este, quando lhe for solicitado, informações detalhadas sobre o andamento dos negócios a seu cargo, devendo dedicar-se à representação de modo a expandir os negócios do representado e promover os seus produtos.
A rescisão contratual do representante comercial, pelo representado é expressa na Lei 4.886/65 [33] em seu artigo 35.
Nestes casos o representado fica livre do encargo de indenizar o seu representante, de acordo com Fábio Ulhoa Coelho [34].
Já o representante comercial pode rescindir o contrato pelos seguintes motivos, expostos no Artigo 36 da Lei 4.886/65 [35].
Nessas hipóteses elencadas no artigo supra citado, com exceção da força maior, caberá indenização legal e ao aviso prévio ao representante, como ensina Rubens Requião [36],
À guisa de exemplo convém citar Ricardo Nacim Saad [37]:
É dever do representante cooperar com o representado no desenvolvimento e expansão dos negócios. Contudo, esse esforço comum não deve chegar ao ponto de prejudicar os direitos do representante. Assim, se a ajuda interferir negativamente no seu trabalho de mediação, com reflexos na remuneração esse trabalho comum deve ser suspenso, ressarcido o representante dos prejuízos sofridos.
O representante comercial atua na mediação do comercio, com uma função de servir o tráfico mercantil.