4.2 Expropriação Judicial e Desapropriação Constitucional
Conforme visto em item anterior, a Constituição Federal trouxe as possibilidades de desapropriação em suas diferentes espécies. Em todas elas a iniciativa cabe ao Poder Público, por meio do Executivo ou Legislativo, cuja responsabilidade indenizatória caberá ao ente expropriante.
Na desapropriação judicial, a seu turno, a iniciativa caberá aos particulares, cabendo a estes a responsabilidade pela justa indenização, salvo quando posseiros de baixa renda. Além disso, a determinação, ao contrário do outro instituto, será do Judiciário. Acrescenta-se que, salvo nas hipóteses já estudadas, não haverá necessidade de participação do Poder Público na relação processual.
De logo, a semelhança existente entre os institutos é que o proprietário perderá o bem com a devida justa indenização em dinheiro. Isso nos casos de utilidade pública, necessidade pública ou interesse social. Ademais, Farias e Rosenvald (2010) apontam a desapropriação judicial como nova modalidade de desapropriação por interesse social.
5 DA (IN)CONSTITUCIONALIDADE DA DESAPROPRIAÇÃO JUDICIAL
Discute-se a desapropriação judicial, como instituto constituído a partir do Código Civil de 2002, se é compatível com a Constituição Federal de 1988.
Vários são os argumentos levantados pela sua inconstitucionalidade. Melo (2010), embora entenda pela constitucionalidade da nova figura jurídica, lembra a obra de Washigton de Barros Monteiro que chama atenção para o possível confisco ao retirar a propriedade do particular, sendo, portanto, incompatível com a Lei Maior, assim como a usucapião coletiva.
Isso se coaduna com o quê expõe Farias e Rosenvald (2010) sobre os questionadores da constitucionalidade do instituto os quais poderiam argumentar o direito de propriedade, limitando-se apenas às situações previstas na Carta Magna, como a desapropriação por necessidade ou utilidade pública e interesse social, além das desapropriações-sanções.
É imperioso destacar, contudo, que na expropriação social existe a justa indenização. Desta forma, não se pode falar em confisco, que ocorre quando há apropriação do patrimônio pelo Estado sem a correspondente indenização. Além disso, os mesmos autores entendem que o Codex estabeleceu uma nova espécie de desapropriação por interesse social, em virtude do termo contido na legislação apontada, tal qual, “interesse social e econômico relevante”.
Afirmam, ainda, os mesmos juristas importante observação pela constitucionalidade do instituto,
O próprio art. 5º, XXIV, da Constituição reserva ao legislador um espaço para construir o quê entende como 'interesse social', mesmo que o beneficiado pelo ato não seja o poder público ou os serviços estatais. Aliás, JOSÉ AFONSO DA SILVA explica que a desapropriação não se prende apenas ao interesse da administração, mas em favor das necessidades da ordem social. (FARIAS e ROSENVALD, 2010, p.41).
No entendimento de Carvalho (2007), o legislador ordinário procurou disciplinar a propriedade no Código Civil, cabendo a este Estatuto Privado fixar o modus operandi do art. 5º, XXIII e XXIV, da Lei Maior.
Apesar de inexistir pronunciamento do STF sobre o assunto, o Conselho da Justiça Federal, por meio do Enunciado nº 82, seguiu pela compatibilidade do instituto com a Carta Magna, ao dispor, “É constitucional a modalidade aquisitiva de propriedade imóvel prevista nos §§ 4º e 5º do art. 1228 do novo Código Civil”.
6 CONCLUSÃO
A propriedade não se mostra como direito fundamental absoluto, pois deve observar sua função social, sendo o proprietário responsável por essa efetivação.
Surge, então, a desapropriação judicial, a partir do Código Civil de 2002, como mais uma forma de aquisição e perda do bem, em virtude do fim social colimado pela Constituição Federal de 1988.
Destarte, embora não limitado aos desfavorecidos socialmente, como a usucapião coletiva, a nova figura jurídica civil alcança as demais camadas sociais, principalmente quando se trata de ocupação para fins econômicos. No entanto, o novel instituto mostra seu alcance social principalmente para os grandes centros urbanos e em áreas de grande ocupação.
Pouco utilizada nas vias judiciais, fato que é refletido na escassa jurisprudência sobre o tema, e pouco debatida na doutrina civilista, a desapropriação judicial se mostra esquecida, em virtude da utilização de institutos menos onerosos que apresentam requisitos objetivos que facilitam a aplicabilidade.
Todavia, isso não afasta a importância da aludida figura jurídica oriunda do Codex, pois nem sempre os requisitos de outros institutos com mesmo alcance estarão presentes no caso concreto, tornando, assim, a desapropriação judicial em mais uma forma de defesa para a coletividade que destinou uma finalidade social ao bem imóvel.
Não se pode deixar de mencionar que se faz necessário uma formação social do magistrado para a aplicabilidade dos §§ 4º e 5º do art. 1228, do Código Civil, em virtude de inúmeras cláusulas abertas existentes, a fim de atingir o fim social da lei e o seu bem comum.
De tal modo, a desapropriação judicial surge como elemento propiciador da função social da propriedade, de forma a viabilizar os ditames sociais pregoados pela Lei Maior.
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