Em 1971, Edward O. Wilson, professor da Universidade Harvard, especialista em formigas, publicou no último capítulo do seu livro, hoje clássico, THE INSECT SOCIETIES, um ensaio sugerindo a junção de conceitos e conhecimentos de várias áreas, na tentativa de explicar as origens e evolução do comportamento social animal – incluindo o das sociedades humanas - com base no estudo comparativo entre táxons e na interdisciplinaridade. Brandão (2006).
Em 1975, o mesmo autor desenvolveu esse tema no livro SOCIOBIOLOY, THE NEW SYNTHESIS. O livro introduziu a análise do comportamento social humano sob a perspectiva da biologia e fundou uma nova disciplina, a Sociobiologia. Brandão (2006).
Outra disciplina, que também surgiu em meados dos anos 1970 e, evidentemente, se relaciona e complementa a Sociobiologia – sendo considerada por alguns como um de seus ramos - é a Psicologia Evolutiva, que, utilizando a teoria da seleção natural de Charles Darwin, vem tentando desvendar a mente humana, dando um sentido biológico evolutivo ao comportamento de nossa espécie.
Muitas foram as acusações feitas a essas novas áreas do conhecimento: buscar bases biológicas para compreensão do comportamento social humano afligia grande parte da comunidade científica, em especial antropólogos e sociólogos adeptos à Teoria de da Tábula Rasa, segundo a qual o homem nasce livre de idéias ou tendências inatas, e todo seus comportamentos, valores, costumes, atitudes são moldados pelo meio - social, cultural - em que foi inserido. (Pinker, 2001)
Passados mais de 30 anos, as duas disciplinas mostram sua força; centenas de livros publicados sobre o assunto, revistas especializadas no tema; trabalhos em revistas de reconhecida capacidade científica e progressos na compreensão das bases para a evolução da socialidade animal.
As descobertas e conclusões da Sociobiologia e Da Psicologia Evolutiva se mostram bastantes razoáveis em termos científicos. A comunidade acadêmica tem aceitado a idéia da importância do componente genético-biológico na compreensão das atitudes sociais do homem. A Teoria da Tábula Rasa perdeu sua relevância, diante das novas descobertas de pesquisas envolvendo o DNA humano, que apontam para genes que definem tendências comportamentais.
Steven Pinker, psicólogo e lingüista canadense, professor na Universidade de Harvard, em seu mais novo livro, TÁBULA RASA (THE BLANK SLATE), além de abordar outros temas, faz uma análise do comportamento humano em relação à moral, as normas socias de conduta e às sanções. Ele conclui que todos estes fenômenos, até então considerados como meras construções culturais, estão presentes em todos os tipos de sociedades humanas, e tem um fundamento biológico evolutivo.
Para Pinker, o ser humano é um ser moral não simplesmente por construções e fatores culturais – há uma base genética evolutiva, adquirida através de milhares de anos, que o leva a ter um senso de certo, errado, justo, bom, mal. Juntamente com este senso moral, há, também construídos durante o processo evolutivo biológico, os fenômenos sócio-normativos, os quais podem ser estudados a partir de regras darwinianas aplicadas aos grupos de indivíduos. (Pinker, 2001)
O professor canadense explica que as sanções serviram como meio adaptativo para sobrevivência do grupo. Ele diz que os ancestrais do homem, para sobreviveram, vivendo em sociedade, passaram a “castigar” aqueles que causavam danos à coletividade. Além disso, os percussores da espécie homo sapiens desenvolveram um senso de justiça punitiva: o castigo deveria ser proporcional ao dano causado pelo individuo, e não deveria se estender a seus familiares ou parentes próximos. Pinker explica que, ao adotar essas condutas, os indivíduos que formavam as sociedades obtinham uma vantagem adaptativa, e por isso sobreviveram. Castigar os que prejudicassem o grupo evitava novos atos danosos. Restringir o castigo somente ao que cometeu a lesão era a forma mais proveitosa; as sociedades que estendessem o castigo a outros, causariam danos desnecessários a sim mesmas, e adquiriam uma desvantagem evolutiva. (Pinker, 2001)
Essas novas descobertas e conclusões, além de muitas outras não citadas neste trabalho, relacionam-se diretamente com o estudo do Direito, e apontam novas possibilidades para analise e entendimento dos fenômenos sócio-normativos.
Porém, na ciência jurídica ainda não há estudos a respeito do tema. Não foi analisada e refletida a possibilidade de se compreender e teorizar os fenômenos jurídicos, de forma razoável, a partir das novas descobertas da Sociobiologia e da Psicologia Evolutiva.
O paradigma científico da modernidade não permite a explicação de comportamentos, valores e regras humanas a partir de sua estrutura natural-biológica. (Santos, 2001)
O argumento fundamental é que a ação do homem é radicalmente subjetiva. Seu comportamento, ao contrário dos fenômenos naturais, não pode ser descrito e muito menos explicado com base em suas características exteriores e objetiváveis, uma vez que o mesmo ato externo pode corresponder a sentidos de ação muito diferentes. Assim, a ciência social será sempre uma ciência subjetiva, não objetiva como as ciências naturais; tem de compreender os fenômenos sociais a partir das atitudes mentais e do sentido que os agentes conferem às suas ações; deve, então, utilizar-se de métodos de investigação e critérios epistemológicos diferentes dos correntes nas ciências naturais; métodos qualitativos em vez de quantitativos, com vista á obtenção de um conhecimento intersubjetivo, descritivo e compreensivo, em vez de um conhecimento objetivo, explicativo e nomotético. (Santos, 2001)
Esta concepção de ciência social fundamenta-se numa postura antipositivista, assentada na tradição filosófica da fenomenologia; nela convergem diferentes variantes, desde as mais moderadas - como a de Max Weber - até às mais extremistas - como a de Peter Winch. (Santos, 2001)
Este modo de encarar as ciências sociais revela-se subsidiária do modelo de racionalidade das ciências naturais. Partilha com este a distinção natureza/ser humano e, tal como ele, tem da natureza uma visão mecanicista a qual contrapõe, com evidência esperada, a especificidade do ser humano. A esta distinção, primordial na revolução científica do século XVI, vão se sobrepor nos séculos seguintes outras, tais como a distinção natureza/cultura e a distinção ser humano/animal.(Santos, 2001)
Porém, a fronteira que então se estabelece entre o estudo do ser humano e o estudo da natureza torna-se prisioneira do reconhecimento da prioridade cognitiva das ciências naturais. Se por um lado se recusam os condicionantes biológicos do comportamento humano, pelo outro, usam-se argumentos biológicos para fixar a especificidade do ser humano.(Santos, 2001)
Esse paradoxo aponta para uma crise do paradigma moderno que faz uma separação entre natural/cultural e impede o reconhecimento de influencias genéticas no comportamento humano. A distinção dicotômica entre ciências naturais e ciências sociais deixa de ter sentido e utilidade.(Santos, 2001)
Esta distinção assenta numa concepção mecanicista da matéria e da natureza a que contrapõe – com destaque aos conceitos de ser humano, cultura e sociedade. Os avanços recentes da física e da biologia colocam em dúvida a distinção entre o orgânico e o inorgânico, entre seres vivos e matéria inerte e mesmo entre o humano e o não humano. As características da auto-organização, do metabolismo e da auto-reprodução, antes consideradas específicas dos seres vivos, são hoje atribuídas aos sistemas pré-celulares de moléculas. E quer num quer noutros reconhecem-se propriedades e comportamentos antes considerados específicos dos seres humanos e das relações sociais.(Santos, 2001)
O conhecimento científico, produzido sob o paradigma pós-moderno tende assim a ser um conhecimento não dualista, um conhecimento que se funda na superação das distinções tão familiares e óbvias que há pouco considerávamos insubstituíveis, tais como natureza/cultura, natural/artificial, vivo/inanimado, mente/matéria, observador/observado, subjetivo/objetivo, coletivo/individual, animal/pessoa. (Santos, 2001)
Como percussores da superação do paradigma dualista, a Sociobiologia e Psicologia Evolutiva têm sido destaques em várias revistas e artigos norte-americanos e britânicos. A comunidade acadêmica tem buscado entender alguns fenômenos humanos, culturais, sociais, através da união de teorias das ciências biológicas e das ciências sociais.
Bibliografia
BRANDÃO, Carlos Roberto F. A sociobiologia 30 anos depois. Disponível em: . Acesso em: 28 mar. 2007.
SANTOS, B.S., Um Discurso Sobre as Ciências (12.ª Edição), Porto, Edições Afrontamento, 2001.
FERNANDES, João Azevedo. Comportamento, biologia e ciências sociais: um diálogo impossível? Disponível em: <http://www.comciencia.br/comciencia/handler.php?section=8&edicao=17&id=166>. Acesso em: 27 mar. 2007.
PINKER, S. (2004). Tábula Rasa. A negação contemporânea da natureza humana. São Paulo: Companhia das Letras.