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A estabilização da tutela antecedente: eficiência e maior adequação da prestação jurisdicional

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04/12/2011 às 07:11
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4. Considerações de cunho conclusivo.

No decorrer desse breve artigo vimos que o CPC de 1973 há de ser considerado um dos códigos processuais mais técnicos e modernos do mundo, o que fez com que durante muitos anos o nosso ordenamento processual se mantivesse praticamente intacto – ao menos em sua estrutura – sendo que somente a partir da década de 90 é que foram feitas pontuais alterações legislativas para que se pudesse obter provimentos mais efetivos, céleres e eficazes.

Procuramos, assim, traçar um breve panorama sobre o atual cenário vivenciado por nós - no que tange à necessidade da adoção de um novo Código de Processo Civil – e a esperança de que os ajustes sugeridos ao nosso ordenamento processual tragam maior coesão e sinergia ao sistema. Mais do que isso, mostramos que é preciso que o processo volte a ser considerado instrumento para a outorga da prestação jurisdicional, não deixando espaços para que a sua ciência (a ciência processual) se torne objeto principal de longas, custosas e batalhas no campo judiciário.

Com o natural envelhecimento da legislação pátria, verificamos que alguns institutos processuais se tornaram obsoletos perante as necessidades da sociedade, o que estimulou o legislador a inovar. Inovar para que possamos adequar ao nosso ordenamento processual elementos criativos que venham a gerar uma maior eficiência ao sistema.

Assim, constatou-se a existência de alguns mecanismos com utilidade não mais adequada que, com sabedoria, poderiam ser substituídos por novas idéias e institutos – até mesmo importados de outros países - mas que poderiam ser totalmente adequados à realidade brasileira.

Nesse cenário, formou-se uma prestigiosa comissão composta por renomados juristas, com várias propostas criativas e modernas, que deram o impulso inicial à formatação do então PL 166 de 2010, que originariamente tramitou no Senado Federal e agora aguarda apreciação pela Câmara dos Deputados.

Dentre várias propostas apresentadas, o legislador optou por reconhecer, por exemplo, que a tutela antecipatória fundada no perigo e a tutela cautelar constituem espécies do mesmo gênero (tutelas de urgência). Ou seja, o novo CPC propõe uma readequação plena da previsão das tutelas de urgência na legislação pátria, regulando todo o sistema no capítulo destinado às “tutelas de urgência” e “tutela de evidência”.

Além disso, o novo CPC sugere a estabilização das medidas antecipadas sem que seja necessária a sua confirmação por decisão de mérito em processo principal. Aproveitando-se de experiência já utilizada na Itália, pretende-se desonerar o demandante do ajuizamento de medida principal, quando o seu pedido antecedente não for devidamente impugnado pela outra parte.

A idéia, muito criativa e eficaz, na linha das outras importantes inovações trazidas pela renomada comissão de juristas, é reduzir a vida útil do processo e especialmente o número de ações ajuizadas. Tomando-se da experiência de outros países, entendemos ser muito válida a proposta apresentada, apesar das considerações e dúvidas que naturalmente surgem da aplicação prática desse instituto.

Ademais, para que esse projeto efetivamente gere os frutos esperados, é preciso que a sociedade passe a ter uma nova concepção do papel exercido pelo Poder Judiciário, especialmente no que tange à efetiva resolução dos conflitos. O que se espera é que a cultura da litigiosidade, atualmente enraizada entre nós, deva ser paulatinamente substituída pela cultura da conciliação. Se assim o for, a idéia se estabilização das decisões liminares surtirá o efeito desejado, pois os jurisdicionados não manejarão de forma indiscriminada todos os recursos disponíveis no sistema e, de igual forma, não ajuizarão demandas principais quanto, na fase antecedente, o Poder Judiciário já tiver se manifestado de forma convincente a respeito de alguma demanda.

Por fim, nos parece muito razoável a proposta do legislador no sentido de não conceder autoridade de coisa julgada material à decisão estabilizada, nos moldes do que ocorre na Itália. Tendo em vista que a decisão antecedente – a ser estabilizada – é sempre obtida por meio de uma cognição sumária dos fatos, o Poder Judiciário cairia em descrédito se permitisse com que uma decisão, ainda que não obtida de forma totalmente segura e cognição exauriente, se tornasse imutável.

Essas são, ao nosso sentir, as principais considerações a respeito desse instigante tema. Esperamos, sinceramente, que o nosso processo civil continue a evoluir e que não tenhamos receio, apesar das críticas que sempre ocorrerão, de tentar inovar. O novo Código de Processo é exemplo de que, com criatividade, podemos fomentar e dar vida às boas idéias.

É nosso dever, acima de tudo, arriscar.


Referências Bibliográficas.

ARRUDA ALVIM, Eduardo. Antecipação de Tutela. Curitiba. Juruá, 2008.

BEDAQUE, José Roberto dos Santos. Tutela cautelar e tutela antecipada: tutelas sumárias e de urgência. 4. ed. São Paulo: Malheiros, 2006.

BUENO, Cassio Scarpinella. Curso Sistematizado de Direito Processual Civil. Vol. 4. São Paulo. Saraiva, 2009.

FUX, Luiz. Tutela de Segurança e Tutela de Evidência. São Paulo. Saraiva, 2006.

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GRINOVER, Ada Pellegrini. Mudanças Estruturais no processo civil brasileiro. Revista de Direitos e Garantias Fundamentais, nº 1, 2006.

NERY JUNIOR, Nelson. Princípios do Processo Civil na Constituição Federal. 8ª ed. São Paulo. RT, 2006.

OLIVEIRA, Carlos Alberto Álvaro de. Do formalismo no processo civil. 2ª ed. São Paulo, 2003.

WAMBIER, Teresa Arruda Alvim. Recurso Especial, Recurso Extraordinário e Ação Rescisória. São Paulo. RT, 2008.

WATANABE, Kazuo. Da cognição no Processo Civil. 2ª ed. São Paulo, Centro Brasileiro de Estudos e Pesquisas judiciais, 1999.


Notas

  1. Quando falamos em “lide”, na concepção originária da palavra, entendemos a existência de uma pretensão resistida com relação a determinado direito material. De todo modo, a criatividade do brasileiro fez surgir o que denominamos de “lide processual”, ou seja, intermináveis batalhas processuais puras, sem qualquer relação com a busca do direito material em si.
  2. BUENO, Cassio Scarpinella. Curso Sistematizado de Direito Processual Civil. 4. São Paulo. Saraiva, 2009. p. 142.
  3. Art. 669-octies: “L’ autoritá del provvedimento cautelare non è invocabile in un diverso processo”.
  4. Processos que serão decididos apenas com a propositura da “medida antecedente”, não sendo de interesse das partes o ajuizamento de demanda principal.
  5. Não se trata aqui de falta interesse processual, mas sim de falta de interesse de litigar em uma demanda que não lhe favorecerá.
  6. Ato do presidente do Senado Federal de número 379 de 2009.
  7. Comissão composta pelos juristas Teresa Arruda Alvim Wambier (Relatora), Adroaldo Furtado Fabrício, Humberto Theodoro Júnior, Paulo Cesar Pinheiro Carneiro, José Roberto dos Santos Bedaque Almeida, José Miguel Garcia Medina, Bruno Dantas, Jansen Fialho de Almeida, Benedito Cerezzo Pereira Filho, Marcus Vinicius Furtado Coelho e Elpídio Donizetti Nunes.
  8. Os cinco “objetivos” mencionados no presente artigo foram extraídos to texto original da exposição de motivos do projeto.
  9. O anteprojeto utilizou-se de toda a estrutura básica do CPC atual (1973), sendo certo que em vários artigos limitou-se a apenas reescrever os dispositivos legais. Embora o projeto não traga muitas propostas inovadoras, podemos dizer, com tranqüilidade, que o resultado apresentado modernizará o nosso sistema e dará uma maior coesão à sua estrutura.
  10. Mensagem oficial de apresentação do anteprojeto do novo CPC.
  11. GRINOVER, Ada Pellegrini. Mudanças Estruturais no processo civil brasileiro. Revista de Direitos e Garantias Fundamentais, nº 1, 2006.
  12. Art. 279. “A petição inicial da medida de urgência requerida em caráter antecedente indicará a lide, seu fundamento e a exposição sumária do direito ameaçado e do receio de lesão.”
  13. Art. 280. “O requerido será citado para, no prazo de cinco dias, contestar o pedido e indicar as provas que pretende produzir. § 1º Do mandado de citação constará a advertência de que, não impugnada decisão ou medida liminar eventualmente concedida, esta continuará a produzir efeitos independentemente da formulação de um pedido principal pelo autor. § 2º Conta-se o prazo a partir da juntada aos autos do mandado: I - de citação devidamente cumprido; II - de intimação do requerido de haver-se efetivado a medida, quando concedida liminarmente ou após justificação prévia.”
  14. Art. 281. “Não sendo contestado o pedido, os fatos alegados pelo requerente presumir-se-ão aceitos pelo requerido como verdadeiros, caso em que o juiz decidirá dentro de cinco dias. § 1º Contestada a medida no prazo legal, o juiz designará audiência de instrução e julgamento, caso haja prova a ser nela produzida. § 2º Concedida a medida em caráter liminar e não havendo impugnação, após sua efetivação integral, o juiz extinguirá o processo, conservando a sua eficácia.”
  15. Vide § 4º do artigo 282.
  16. Art. 282. “Impugnada a medida liminar, o pedido principal deverá ser apresentado pelo requerente no prazo de trinta dias ou em outro prazo que o juiz fixar. § 1º O pedido principal será apresentado nos mesmos autos em que tiver sido veiculado o requerimento da medida de urgência, não dependendo do pagamento de novas custas processuais quanto ao objeto da medida requerida em caráter antecedente. § 2º A parte será intimada para se manifestar sobre o pedido principal, por seu advogado ou pessoalmente, sem necessidade de nova citação. § 3º A apresentação do pedido principal será desnecessária se o réu, citado, não impugnar a liminar. § 4º Na hipótese prevista no § 3º, qualquer das partes poderá propor ação com o intuito de discutir o direito que tenha sido acautelado ou cujos efeitos tenham sido antecipados.”
  17. A lei não fixou prazo fixo para que o pedido principal da lide seja apresentado pelo requerente, o que poderá vir a causar certa confusão procedimental. Ao que nos parece, para o fim de se evitar cerceamento de defesa em casos pontuais, o legislador deveria ter sido mais preciso na fixação do prazo, o que traria maior previsibilidade e segurança ao sistema.
  18. Melhor seria se o legislador abdicasse da exigência posta no artigo 280, caput¸de que o Réu deva “contestar” o pedido integrante da medida antecedente. Parece que o mais razoável, nesse sentido, seria exigir inicialmente do Réu apenas a apresentação de mera “manifestação” sobre o pedido antecedente do Autor. Assim, uma vez apresentada a manifestação (cujo conteúdo impugna a Liminar), o Autor seria intimado para a apresentação do pedido principal e, em seguida, seria aberto prazo para que o Réu pudesse apresentar a sua contestação. Contestação que deva abordar toda a pretensão autoral (Medida Antecedente + Pedido Principal).
  19. Art. 283. “As medidas conservam a sua eficácia na pendência do processo em que esteja veiculado o pedido principal, mas podem, a qualquer tempo, ser revogadas ou modificadas, em decisão fundamentada, exceto quando um ou mais dos pedidos cumulados ou parcela deles mostrar-se incontroverso, caso em que a solução será definitiva. § 1º Salvo decisão judicial em contrário, a medida de urgência conservará a eficácia durante o período de suspensão do processo. § 2º Nas hipóteses previstas no art. 282, §§ 2º e 3º, as medidas de urgência conservarão seus efeitos enquanto não revogadas por decisão de mérito proferida em ação ajuizada por qualquer das partes.”
  20. Art. 284. “Cessa a eficácia da medida concedida em caráter antecedente, se: I - tendo o requerido impugnado a medida liminar, o requerente não deduzir o pedido principal no prazo do caput do art. 282; II - não for efetivada dentro de um mês; III - o juiz julgar improcedente o pedido apresentado pelo requerente ou extinguir o processo em que esse pedido tenha sido veiculado sem resolução de mérito. §1º Se por qualquer motivo cessar a eficácia da medida, é vedado à parte repetir o pedido, salvo sob novo fundamento. §2º A decisão que concede a tutela não fará coisa julgada, mas a estabilidade dos respectivos efeitos só será afastada por decisão que a revogar, proferida em ação ajuizada por uma das partes. §3º Qualquer das partes poderá requerer o desarquivamento dos autos em que foi concedida a medida para instruir a petição inicial da ação referida no caput.”
  21. Art. 285. “O indeferimento da medida não obsta a que a parte deduza o pedido principal, nem influi no julgamento deste, salvo se o motivo do indeferimento for a declaração de decadência ou de prescrição.”
  22. Art. 284 § 2º . A decisão que concede a tutela não fará coisa julgada, mas a estabilidade dos respectivos efeitos só será afastada por decisão que a revogar, proferida em ação ajuizada por uma das partes”
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Sobre o autor
Gustavo Gonçalves Gomes

Advogado em São Paulo (SP). Sócio do Siqueira Castro Advogados. Mestrando em Direito Processual pela PUC-SP.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

GOMES, Gustavo Gonçalves. A estabilização da tutela antecedente: eficiência e maior adequação da prestação jurisdicional. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 16, n. 3077, 4 dez. 2011. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/20573. Acesso em: 26 abr. 2024.

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