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A estabilização da tutela antecedente: eficiência e maior adequação da prestação jurisdicional

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04/12/2011 às 07:11
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Para definir se a medida deverá ou não ser estabilizada, o que importa saber é se esta possui real utilidade ao demandante que a pleiteou, mesmo diante da eventual inexistência de pedido principal.

Sumário: 1. Introdução. 2. Estabilização de tutela: origens, características e preceitos. 3. Tentativa de adoção da estabilização da tutela no Brasil. A “medida antecedente”. 4. Considerações de cunho conclusivo.


1. Introdução.

O nosso Código de Processo Civil, datado do ano de 1973, baseou-se em princípios que norteavam a nossa sociedade à época, na tentativa de criação de uma técnica processual segura, e com maior organicidade. Por tal razão, buscou-se inspiração nos sistemas processuais europeus, especialmente no italiano, para viabilizar a adequação necessária do sistema à realidade então enfrentada pelo país.

É verdade que, se traçarmos uma breve avaliação da trajetória do nosso atual Código de Processo Civil, podemos dizer com tranquilidade que este, durante muito tempo, cumpriu a função para o qual foi criado, ou seja, permitir com que o jurisdicionado tivesse à sua disposição toda a técnica necessária a viabilizar a outorga da prestação jurisdicional.

Assim, com a adoção de uma legisção processual avançada e primordialmente técnica e, sem perceber, fomentamos agressivamente a cultura do estudo do Direito Processual Civil no Brasil e enriquecemos, no decorrer desses longos anos, o sistema jurisdicional, permitindo com que o instrumento – processo – pudesse efetivamente se tornar indispensável à manutenção saudável do nosso Estado Democrático de Direito.

Se por um lado a técnica processual tornou-se um fator potencializador da atividade jurisdicional, por outro, a criatividade dos advogados e magistrados concederam ao processo o rótulo de ciência judídica quase autônoma, distanciando-se do escopo para o qual foi criada, ou seja, uma ciência jurídica que pudesse atuar em conjunto e em total sinergia com a que envolve o próprio direito material objeto das demandas.

Vale dizer, nesse sentido, que o cenário mais adequado às nossas necessidades seria integrar o direito processual como instrumento deflagador do direito material, não permitindo que questões meramente processuais pudessem, por qualquer razão, retardar o natural curso do processo – e por consequência da prestação jurisdicional - , uma vez que esta deve estar voltada para a constatação ou não da existência do direito material.

O que se observou, porém, com o fortalecimento da ciência processual no Brasil, é que os nossos tribunais e os próprios advogados passaram a considerar a técnica quase como requisito preliminar da concessão do direito material, fomentando intermináveis “batalhas processuais” às partes envolvidas nos processos.

Diante disso, podemos dizer que essa cultura litigiosa, com foco processual, fez criar o que denominamos de “lide processual[1]” onerando de forma desproporcional o jurisdicionado com processos demasiadamente duradouros que muitas vezes não chegam nem a abordar a existência ou não do direito material discutido, limitando-se ao debate sobre as questões processuais.

Talvez essa tendência justifique o fato de termos hoje um percentual muito maior de doutrina processual civil, se comparado à parcela da doutrina que aborda o estudo do direito civil, por exemplo. A técnica processual passou a ser priorizada e utilizada, sobretudo, nas situações em que o direito material em si não contempla uma das partes.

Muito embora percebamos a existência de alguns efeitos colaterais decorrentes da evolução da técnica processual no Brasil, como regra podemos dizer que o estudo dedicado desse importante tema trouxe, no decorrer das últimas décadas, maior eficiência e sustentabilidade à atividade exercida pelo Poder Judiciário.

Com o passar do tempo, porém, o CPC de 1973 passou a não responder de forma adequada às novas demandas que então surgiam e, especialmente, às novas necessidades e anseios da sociedade, marcadas por um novo sistema constitucional (1988) e, especialmente, por caractarísticas peculiares à formação de um Estado Democrático de Direito.

Nesse cenário, o tecnicismo, que antes era motivo de segurança jurídica e resultados, acabou por produzir um efeito contrário ao almejado, ou seja, “engessando” o sistema e não permitindo com que este pudesse se moldar e adaptar aos casos concretos que então surgiam. A sociedade, sedenta por ocupar o seu espaço no novo cenário, encontrava no Poder Judiciário uma barreira ainda conservadora e restritiva dos direitos democráticos.

Tal circunstância passou a ficar ainda mais evidente tendo em vista o notável crescimento industrial e avanço do país no ramo da economia, o que fez criar a necessidade de intensificação das atividades do Poder Judiciário (potencialização da sua efetividade e eficiência) e outros instrumentos para a facilitação do acesso à justiça. Assim, maciços investimentos passaram a assolar a economia do Brasil, permitindo com que ingresso de capital estrangeiro no mercado interno demandasse muito mais da infraestrutura estatal e, logicamente, do Poder Judiciário.

Gigantes empresas estatais, que até então representavam a base da industrialização nacional, iniciaram processos de privatização, o que representou uma progressiva mudança da cultura consumeirista no Brasil. Com as privatizações, mais investimentos, produtos, tecnologia e inovações, atraindo um mercado consumidor fiel e quase compulsivo.

Com essa constatação, o legislador buscou iniciativas voltadas para a realização de ajustes necessários à legislação, moderizando de forma paulatina as disposições do nosso CPC. Assim, passou-se a pensar e a buscar mecanismos que prestigiassem a efetividade em detrimento da técnica e da forma processual. Mecanismos que pudessem pacificar a já tensionada atividade jurisdicional.

Dentre as mais importantes alterações feitas, podemos destacar a criação do instituto da tutela antecipada, procedida pela Lei 8952/94; mais adiante alterada pela Lei 10.444/02.

Foi com a Lei 10.444/02 que, por exemplo, positivou-se uma vez por todas a fungibilidade das tutelas cautelares e tutelas antecipatórias, expurgando-se do ordenamento parte do formalismo que cercava esse assunto. Formalismo durante muito tempo defendido pelos processualistas mais conservadores, em sintonia, inclusive, com os preceitos técnicos que rodeavam o Código de 1973.

De igual forma, foi com o advento dessa mesma Lei que se permitiu a concessão da tutela antecipada quando um ou mais dos pedidos cumulados fossem incontroversos. Assim, sempre que a parte Ré não se opor formalmente no processo sobre um ou mais pedidos formulados pela parte autora, o magistrado poderá condecer desde logo a tutela específica nos termos pleiteados, permitindo ao jurisdicionado plena fruição dos seus direitos. Não seria preciso, portanto, aguardar a prolatação de decisão final no feito para que a parte interessada pudesse efetivamente se beneficiar do cenário que lhe é favorável.

Inobstante reconhecemos, com justiça, os avanços feitos até então, devemos mencionar que muito ainda pode ser aprimorado e melhorado. Com essa premissa, avaliaremos mais adiante algumas propostas apresentadas nesse sentido, sobretudo no que tange aos efeitos práticos das sugestões legislativas em foco, relativas ao aprimoramento do sistema de tutelas de urgência/cautelares.

Veremos que um dos principais problemas ainda enfrentados no contexto do nosso sistema processual é o número exagerado de cautelares típicas e, também, a grande confusão feita na utilização das ferramentas processuais disponíveis aos litigantes, quando o tema é relacionado às tutelas de urgência.

A variedade de técnicas processuais que visam a obtenção de medidas antecipatórias ou acautelatórias sobrecarregam demasiadamente a nossa rotina e ainda impõem às partes severos ônus processuais para o preenchimento de requisitos formais que, quando não respeitados, acarretam na perda insuperável da eficácia da medida anteriormente concedida.

Podemos dizer, por exemplo, que diante do nosso ordenamento processual atual, caso seja concedida uma medida cautelar liminar – processo acautelatório – e, no prazo imposto pela Lei, não for apresentado o processo principal que se busca “acautelar”, a medida liminar anteriormente concedida perderá totalmente sua eficácia.

Por tal razão, diante da inobservância de tal regra formal e, mesmo diante da não impugnação pelo Réu da medida liminar concedida, caso o Autor não dê o devido andamento ao feito – nos termos impostos pela legislação processual – seu direito deixará de ser tutelado, instantaneamente.

É esse o cenário que se pretende avaliar: As regras processuais vigentes e as propostas legislativas que tratam atualmente sobre o tema, o qual a doutrina muito adequadamente chama de “estabilização da tutela antecipada”.

Foram muitos os avanços obtidos até agora com a adoção de técnicas processuais que pudessem efetivamente resguardar direitos dos jurisdicionados e, também, antecipar os provimentos de mérito para fruição imediata destes.

Temos hoje mecanismos muito eficazes de objetivação das demandas, voltados especialmente para a efetividade dos provimentos jurisdicionais e celeridade do sistema, mas que de certa forma ainda podem ser melhorados para que possam estar alinhados com as reais necessidades dos jurisdicionados brasileiros.

É nesse cenário, de certa forma um pouco nebuloso, que muitos defendem a adoção do instituto da “estabilização da tutela antecipada” no ordenamento jurídico brasileiro, pois traria um maior sentido ao que hoje se espera do nosso ordenamento processual e concederia uma maior efetividade às tutelas de urgência. São estes, portanto, os principais aspectos que pretendemos avaliar.


2. Estabilização de tutela: origens, características e preceitos.

Por “estabilização da tutela antecipada”, entendemos a situação jurídica que torna possível a conservação da eficácia da medida antecipada concedida, mesmo diante da inexistência de decisão posterior de mérito que a confirme. Com a implementação de referido instrumento a ação principal somente seria ajuizada se as partes envolvidas tivessem interesse na obtenção de decisão final sobre o mérito da lide, esta prolatada após o exaurimento em definitivo da fase instrutória.

Assim, uma vez concedida a tutela de urgência e não impugnada a liminar, essa decisão produziria efeitos até que, em outro momento, as partes reabrissem a discussão sobre o tema, mediante o ajuizamento de outra demanda (principal). Vale dizer, que o ajuizamento da ação principal poderia ser de iniciativa tanto do Autor da demanda antecedente (em que se obteve a liminar), como também pelo Réu da mesma demanda, que foi atingido diretamente pela liminar e, nessa outra oportunidade, pretenderá obter uma sentença de mérito que possa desconstituir os efeitos da liminar anteriormente deferida.

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Muito se discute se a estabilização da tutela deveria ocorrer tão somente nas situações ensejadoras de tutelas antecipatórias, ou também nas chamadas tutelas cautelares acautelatórias. O questionamento é relevante para que possamos apurar se a estabilização da tutela possui como requisito insuperável a necessidade de identidade entre o pedido principal e o cautelar da ação.

Tradicionalmente, entende-se que a estabilização somente teria sentido em situações em que se opera o deferimento de tutelas antecipadas, uma vez que as tutelas antecipadas nada mais são do que parte (ou todo) do pedido principal da demanda. Assim, uma vez concedida uma tutela antecipada, a sentença de mérito somente serviria para, em cognição exauriente, confirmar a medida antecipatória anteriormente deferida.

Haveria, assim, íntima relação entre o pedido antecedente e o pedido principal, sendo certo que eventual deferimento do pedido antecedente urgente poderia ser suficiente para garantir à parte interessada plena fruição dos diretos a ele inerentes, especialmente se a parte contrária não impugnar a liminar concedida.

Por outro lado, em se tratando de medidas cautelares meramente acautelatórias, ou seja, medidas em que não se constata sintonia e correlação direta entre o seu objeto e os pedidos da ação principal ajuizada, inviabilizar-se-ia toda e qualquer possibilidade de estabilização dos efeitos das medidas cautelares deferidas em sede de cognição sumária. Afinal, somente poderia produzir efeitos a decisão cautelar que, por sua natureza e conteúdo, tenha relação direta com o bem da vida pretendido pelo demandante.

Ao que nos parece, a idéia de estabilização de tutela não deve estar condicionada à íntima identidade entre o pedido principal e o pedido cautelar, mas sim à eficácia propriamente dita dessa situação jurídica, especialmente com o fim de se verificar a utilidade do provimento proferido em sede antecedente.

O mero “rótulo” de medida acautelatória (e não antecipatória) não deve ser suficiente para impedir que a decisão urgente possa vir a se estabilizar, uma vez que, na prática, determinados pedidos acautelatórios, muito embora não tenham uma correlação direta com os pedidos principais, são de grande utilidade e serventia ao demandante que os pleiteia.

Como já dito, o que importa saber - para fins de definição se a medida deverá ou não ser estabilizada – é se esta possui real utilidade ao demandante que a pleiteou, mesmo diante da eventual inexistência de elaboração de pedido principal. Se a resposta for positiva, é natural e adequado que se permita com que essa decisão continue a produzir efeitos, até que a outra parte, caso tenha interesse, busque a sua suspensão pela via própria.

Para reforçar essa posição, importante lembrar que o sistema processual brasileiro não é muito preciso quando trata das tutelas de urgência e, especialmente, sobre a utilização de uma ou outra via processual mais adequada à defesa dos direitos dos jurisdicionados.

Além das cautelares inominadas, justificáveis especialmente no poder de cautela dos magistrados, há no nosso ordenamento diversas espécies de cautelares típicas e, em determinadas situações, a nossa jurisprudência permite até mesmo o manejamento de medidas cautelares satisfativas.

Se já não bastasse a existência de uma série de opções processuais aos jurisdicionados com o fito de se evitar o perecimento do direito, a nossa doutrina e jurisprudência permitem a fungibilidade das medidas cautelares e também, em muitas situações, estimulam a aplicação do disposto no parágrafo 7º do artigo 273 do CPC, para que não haja prejuízo à parte em eventual requerimento de medidas antecipatórias ou cautelares.

Nesse sentido, tratando da problemática que envolve o nosso sistema, Cássio Scarpinella Bueno lembra que[2]

O que importa, à luz do “modelo constitucional do processo civil”, é que o magistrado disponha de meios para tutela adequada de direitos quando lesionados ou quando ameaçados. Se tais mecanismos são suficientemente obtidos, consoante as circunstâncias de cada caso concreto, pelo uso do “dever-poder geral de cautela” e do “dever-pode geral de antecipação”, não há por que deixar de reconhecer que o espaço a ser ocupado pelas “cautelares nominadas” tende a se apequenar.

Portanto, não há argumentos consistentes que possam vir a justificar a incidência dos efeitos da estabilização da tutela – de urgência – somente em favor das tutelas antecipadas puras, uma vez que, na prática, há uma linha muito tênue entre os diversos mecanismos que, com suas peculiaridades, servem para fins de se evitar o perecimento dos direitos dos jurisdicionados.

A concessão de estabilidade às medidas antecipatórias foi adotada no sistema processual italiano, inspirada no sistema dos référés franceses, tendo como intuito evitar prejuízos decorrentes da excessiva demora para se obter a decisão definitiva naquele país, bem como evitar a propositura de processos principais quando as partes estiverem satisfeitas com o provimento obtido em sede de antecipação de tutela.

Diferentemente da França, que já tem longa tradição com o instituto do référé, na Itália sua positivação é muito recente, não tendo sido ainda possível ter acesso a dados estatísticos a respeito de sua aplicação ou aceitação na prática. O que se espera é que esse instituto cumpra a finalidade para o qual foi criado, que é exatamente simplificar o sistema e, especialmente, torná-lo mais eficiente em busca da outorga da prestação jurisdicional, sem que isso possa sugerir violação ao devido processo legal.

Diante disso, resta agora analisarmos como a experiência dos dois países mencionados acima pode contribuir para o aperfeiçoamento do ordenamento jurídico processual brasileiro, tendo em vista recentes propostas de alteração legislativa versando sobre o tema da estabilização.

A alteração no Código de Processo Civil italiano ocorreu no ano de 2005, através da Lei nº 80/05, dando-se nova redação aos seus artigos 669-octies[3] e 669-novies, Lei nº 80/05; ficando estabelecido que, uma vez deferida a tutela antecipada, tal decisão não perderá sua eficácia caso não seja proposto o processo principal no prazo peremptório previsto por lei, adquirindo estabilidade e, por conseqüência, perdendo seu caráter instrumental/acessório.

Com isso, a propositura do processo principal, tanto pelo requerido quanto pelo requerente, tornou-se facultativa, sendo adotada apenas se as partes tiverem interesse em dar continuidade ao processo para obtenção de decisão definitiva sobre questão já apreciada sumariamente.

Logicamente, uma vez deferida eventual medida de urgência e não adotada nenhuma providência complementar pelas partes, essa continuaria a produzir os efeitos desejados até que, em outra oportunidade, a discussão fosse reaberta. Nesse sentido, vale dizer que a lei italiana expressamente disciplina que a decisão sumária não restará acobertada pela coisa julgada, podendo, portanto, ser revista em sede de processo principal enquanto não prescrito o direito material.

O que se quer impedir, portanto, é que o requerente - que de forma sumária comprovou ter um bom direito – seja onerado com a obrigação processual de ajuizar uma medida principal para a obtenção de decisão definitiva de mérito. Como a decisão liminar antecedente não faz coisa julgada, o ônus de propor a medida principal recairá sobre o Réu, diretamente afetado pela medida liminar estabilizada.

Com a estabilização da tutela e a transferência (do Autor ao Réu) do ônus de se propor medida principal, temos como natural conseqüência a redução brusca do tempo de duração dos processos[4], bem como a diminuição do número de processos ajuizados, pois em muitas vezes o Réu, aceitando tacitamente o pedido proposto na medida antecedente, não terá interesse[5] em litigar.

É lógico que, no caso do Brasil, para que o Poder Judiciário seja contemplado com os benefícios advindos da redução do número de processos ajuizados, é necessário que as partes envolvidas nas demandas não utilizem de forma indiscriminada os recursos existentes a seu favor, o que acabaria por tornar ineficaz a proposta feita.

Comparativamente, sabemos que a sociedade italiana não possui, como a sociedade brasileira, a cultura da litiogisidade, o que faz com que os resultados de lá, ao menos expectativamente, sejam mais expressivos do que os nossos. Por outro lado, conforme trataremos mais adiante, importante ressaltar que a adoção do instituto da estabilidade da tutela antecipada, ao que se espera, não será introduzida de forma isolada no sistema processual brasileiro, mas certamente estará acompanhada de outros mecanismos processuais que também serão objeto de desestímulo às partes, especialmente no que tange à interposição de recursos protelatórios.

3. Tentativa de adoção da estabilização da tutela no Brasil. A “medidaa antecedente”.

Conforme já mencionado, por iniciativa do Sedado Federal foi instituída[6] comissão de juristas[7] com o escopo de elaborar anteprojeto do novo Código de Processo Civil. O anteprojeto tramitou pelo Senado Federal e atualmente aguarda apreciação pela Câmara dos Deputados.

Há muita expectativa da comunidade jurídica e da sociedade em geral com relação à proposta apresentada, pois se espera que um novo Código de Processo Civil trará maior organicidade e também celeridade à prestação jurisdicional.

Nesse sentido, podemos dizer, pontualmente, que referida comisão de juristas se orientou pelos seguintes objetivos principais[8]: 1) estabelecer expressa e implicitamente verdadeira sintonia fina com a Constituição Federal; 2) criar condições para que o juiz possa proferir decisão de forma mais rente à realidade fática subjacente à causa; 3) simplificar, resolvendo problemas e reduzindo a complexidade de subsistemas, como, por exemplo, o recursal; 4) dar todo o rendimento possível a cada processo em si mesmo considerado; e, 5) finalmente, sendo talvez este último objetivo parcialmente alcançado pela realização daqueles mencionados antes, imprimir maior grau de organicidade ao sistema, dando-lhe, assim, mais coesão.

Pois bem. Para o atingimento das metas traçadas, elaborou-se um projeto que, embora não totalmente inovador[9] trará uma maior eficiência e resultados mais expressivos. Uma prestação jurisdicional mais célere, eficiente e adequada. Essa é, inclusive, parte da mensagem do então Presidente do Senado, José Sarney[10], ao apresentar o então projeto:

A Comissão de Juristas encarregada de elaborar o anteprojeto de novo Código do Processo Civil, nomeada no final do mês de setembro de 2009 e presidida com brilho pelo Ministro Luiz Fux, do Superior Tribunal de Justiça, trabalhou arduamente para atender aos anseios dos cidadãos no sentido de garantir um novo Código de Processo Civil que privilegie a simplicidade da linguagem e da ação processual, a celeridade do processo e a efetividade do resultado da ação, além do estímulo à inovação e à modernização de procedimentos, garantindo o respeito ao devido processo legal.

Além dos objetivos acima, vale mencionar que o novo Código de Processo Civil, visando a duração razoável e o maior rendimento possível do processo, inspirado nos sistemas italiano e francês, pretende revisar todo o regramento da tutela de urgência, a fim de positivar, entre outros mecanismos, a estabilização da tutela, permitindo, assim, a manutenção da eficácia da medida de urgência até que seja eventualmente impugnada pela parte contrária.

No entanto, importante destacar que a discussão da possibilidade de adoção do instituto de estabilização da tutela antecipatória no direito processual brasileiro é anterior ao projeto do novo Código de Processo Civil, com proposta elaborada pelo Instituto Brasileiro de Direito Processual (IBDP), de autoria de Ada Pellegrini Grinover, José Roberto dos Santos Bedaque, Kazuo Watanabe e Luiz Marinoni, que recebeu o nº PLS 186/2005, o qual acabou sendo arquivado no Senado Federal, em 2007.

O que se procura, em síntese, é tornar definitivo e suficiente a decisão antecipatória proferida, deixando que as partes decidam sobre a conveniência, ou não, de instauração ou do prosseguimento da demanda. Ada Pellegrini Grinover, ao comentar referido instituto, defende que11

Se o ponto definido na decisão antecipatória é o que as partes efetivamente pretendiam e deixam isso claro por meio de atitude omissiva consistente em não propor a demanda que vise à sentença de mérito (em se tratando de antecipação em procedimento antecedente) ou em não requerer o prosseguimento do processo (quando a antecipação é concedida no curso deste), tem-se por solucionado o conflito existente entre as partes.

Com efeito, o projeto prevê a estabilização dos efeitos da tutela deferida em procedimento antecedente, tendo como objetivo principal evitar o ajuizamento desnecessário de ações principais quando a pretensão autoral já tiver sido atendida por liminar.

Nesse sentido, há alguns aspectos interessantes e que, com muito cuidado, procuraremos abordar sobre os sete artigos que tratam do assunto, ou seja, artigos 279 a 285 do projeto. Assim, para se compreender o alcance de tais mudanças no sistema processual brasileiro, passa-se à análise das principais alterações propostas ao nosso sistema processual ao regime das tutelas de urgência e, em especial, às circunstâncias, dúvidas e críticas à positivação da regra de estabilização da tutela antecipada.

Em primeiro lugar, o artigo 279[12] trata exatamente dos requisitos impostos pela Lei para que se possa ajuizar a medida antecedente. Ou seja, tal como as petições iniciais usuais, necessária a indicação da lide, seu fundamento, a exposição sumária do direito ameaçado e do receio de lesão.

Dando seqüência ao procedimento, o caput doartigo 280[13] prevê que o Réu possui prazo de 05 (cinco) dias para contestar o “pedido” e indicar as provas que pretende produzir. Desde já, vale destacarmos a impropriedade do legislador ao fazer constar no parágrafo primeiro do mesmo artigo a necessidade de que o Réu deva se manifestar tempestivamente sobre a medida liminar concedida, “impugnando-a”. Conforme disposto no projeto, no mandado de citação constará a advertência de que, caso não “impugnada” a decisão liminar, esta continuará a produzir efeitos independentemente da formulação de pedido principal pelo Autor.

Na verdade, pela leitura atenta do dispositivo mencionado, entendemos que o termo mais adequado para a situação posta no parágrafo primeiro do artigo 280 deveria ser “contestada” e não “impugnada”, uma vez que, na prática, essa expressão poderá gerar dúvidas ao Réu – prejudicado com a decisão liminar – sobre como proceder para o fim de resguardar o seu direito.

Afinal, deveria o Réu contestar a ação e, simultaneamente, “impugnar” a decisão liminar em petição apartada? Não parece razoável essa alternativa, o que nos leva a crer que, para o fim de se evitar a estabilização imediata da decisão liminar, bastará ao Réu contestar os pedidos autorais e, logicamente, eventual decisão deferida em sede liminar.

O artigo 281[14] determina que, na hipótese de não apresentação de contestação pelo Réu, “os fatos alegados pelo requerente presumir-se-ão aceitos pelo requerido como verdadeiros, caso em que o juiz decidirá dentro de 05 (cinco) dias.” Há, neste dispositivo, uma nítida tentativa do legislador, certamente intencional, de enquadrar a situação processual descrita como estivéssemos diante de uma revelia, o que não é tecnicamente correto, uma vez que a não manifestação do Réu sobre a liminar fará estabilizar a decisão mas, em oportunidade posterior, permitirá com que a lide possa ser proposta novamente[15], reabrindo-se a oportunidade de defesa, sem qualquer prejuízo à parte.

Não se opera, portanto, a revelia, uma vez que os fatos alegados pelo Autor serão reputados verdadeiros apenas enquanto perdurarem os efeitos da estabilização da tutela. Uma vez proposta a medida principal, todos os fatos deverão ser novamente reavaliados, para que se possa obter uma decisão de mérito pautada em uma cognição exauriente.

Uma vez contestada a ação - ou “impugnada” a liminar, como diz a lei – o pedido principal da lide deverá ser apresentado pelo requerente (artigo 282[16]) nos mesmos autos da medida antecedente, em prazo fixado pelo magistrado[17], devendo a parte Ré manifestar-se sobre o pedido principal.

Vale observar que o parágrafo § 2º do artigo 282, ao prever que “a parte será intimada para se manifestar sobre o pedido principal, por seu advogado ou pessoalmente, sem a necessidade de nova citação”, não deixa claro qual seria a natureza jurídica dessa manifestação. Afinal, estaríamos diante de nova contestação ou meramente uma simples manifestação[18]? Como o legislador também não fixou prazo determinado para que essa “manifestação” seja apresentada, entendemos estar diante de simples petição, cujo conteúdo servirá para impugnar a pretensão autoral complementar (pedido principal). Se assim o for, na hipótese da parte Ré não se “manifestar” sobre o pedido principal, não incidirão os efeitos da revelia.

De forma inteligente e, em sintonia com os objetivos de celeridade e efetividade, o legislador optou por dispensar a necessidade de nova citação do Réu com relação ao “pedido principal”. Assim, uma vez intimada a parte Ré (pessoalmente ou por seu advogado), considere-se validado o procedimento.

O § 3º do artigo 282 traduz com precisão um dos preceitos que fizeram com que a idéia de “estabilização” dos efeitos da tutela fosse inserida ao nosso ordenamento jurídico. Diz mencionado dispositivo que “a apresentação do pedido principal será desnecessária se o réu, citado, não impugnar a liminar”. Com essa premissa, estamos diante de um elemento processual que, inevitavelmente, fará com que, em determinadas situações, tenhamos um tempo de duração reduzido das ações, uma vez que ao Autor da demanda antecedente não incidirá mais o ônus processual de ajuizar a medida principal.

Por outro lado, tendo em vista que em regra a decisão liminar “estabilizada” não faz coisa julgada material, necessário esclarecer que, diante da não manifestação do Réu sobre a liminar, poderá o Autor desejar e insistir na apresentação do seu pedido principal, especialmente para que a decisão temporariamente “estabilizada” venha a formar coisa julgada material. Assim, na hipótese em análise, não é vedada a apresentação de pedido principal, tratando esse ato de mera faculdade do Autor, já beneficiado pela liminar.

Seja qual for a hipótese, diante da não impugnação do Réu à liminar concedida e, tendo o Autor optado pela não apresentação de pedido principal, o § 4º do artigo 282 prevê que qualquer uma das partes poderá “propor ação com o intuito de discutir o direito que tenha sido acautelado ou cujos efeitos tenham sido antecipados.” Embora não haja informação expressa a respeito do prazo para propositura de referida demanda, alertamos que essa nova ação, totalmente autônoma, deverá observar com rigor os prazos prescricionais dos direitos que são objeto da causa de pedir.

Como já dito, a estabilização da tutela deferida em medida antecedente em regra não faz coisa julgada material, mas o artigo 283[19] prevê uma única exceção em que, quando um ou mais dos pedidos cumulados ou parcela deles mostrar-se incontroverso, a solução apresentada será definitiva. Entende-se por “definitiva” a impossibilidade material de se reabrir nova discussão judicial sobre a decisão já prolatada.

Pois bem. Uma vez deferida medida antecedente e estabilizados os seus efeitos, a medida somente poderá ser revogada por decisão de mérito prolatada em eventual ação ajuizada posteriormente. Dessa forma, até mesmo com o intuito de se prestigiar e resguardar a eficácia da estabilização, em tese não caberá pedido de tutela antecipada para sustar os efeitos da decisão anteriormente obtida, em medida antecedente.

A eficácia da medida concedida em caráter antecedente somente cessará, portanto, nas seguintes hipóteses previstas no artigo 284[20]: (i) caso o requerente da medida antecedente não apresente o pedido principal; (ii) caso a medida não seja efetivada no prazo de um mês; (iii) quando o juiz julgar improcedente o pedido apresentado pelo requerente ou extinguir o processo em que esse pedido tenha sido veiculado, sem julgamento do mérito.

Ademais, em qualquer das hipóteses acima mencionadas, caso a eficácia da medida seja cessada em definitivo, fica vedado à parte interessada repetir o pedido[21], salvo sob novo fundamento. Estamos diante, portanto, de decisão coberta pela coisa julgada material, uma vez que exigir da parte prejudicada um “novo fundamento”, é o mesmo que exigir uma nova causa de pedir e, consequentemente, uma nova demanda. Esse alerta é importante, pois qualquer desídia processual do Requerente da medida antecedente poderá ensejar na perda do seu direito.

O legislador, ao importar de outros países a idéia de estabilização da tutela deferida em medida antecedente, pretendeu dar extremo valor ao comportamento das partes e, especialmente, prezar pela efetividade das medidas, prestigiando, portanto, a manutenção dos efeitos das decisões judiciais. Assim, “a decisão que concede a tutela não fará coisa julgada, mas a estabilidade dos respectivos efeitos só será afastada por decisão que a revogar, proferida em ação ajuizada por uma das partes”[22]. Ou seja, na linha do que ensina Liebman, é prevista a estabilidade da tutela antecipada (eficácia), mas não sua imutabilidade.

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Sobre o autor
Gustavo Gonçalves Gomes

Advogado em São Paulo (SP). Sócio do Siqueira Castro Advogados. Mestrando em Direito Processual pela PUC-SP.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

GOMES, Gustavo Gonçalves. A estabilização da tutela antecedente: eficiência e maior adequação da prestação jurisdicional. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 16, n. 3077, 4 dez. 2011. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/20573. Acesso em: 29 mar. 2024.

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