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Direitos Fundamentais

01/10/2001 às 00:00

Resumo:


  • A evolução da doutrina dos direitos fundamentais teve origem em declarações de direitos na Idade Média e se consolidou a partir da Revolução de 1789.

  • A inspiração religiosa, especialmente do Cristianismo, contribuiu para o reconhecimento de direitos naturais e intangíveis em favor do indivíduo.

  • A evolução dos direitos fundamentais passou por diversas fases, desde os direitos de liberdade até os direitos sociais, culminando nos direitos de quarta geração, como o direito à autodeterminação e ao meio ambiente saudável.

Resumo criado por JUSTICIA, o assistente de inteligência artificial do Jus.

Numa breve abordagem histórica da evolução da doutrina dos direitos fundamentais vamos encontrar traços gerais das primeiras declarações de direitos nos forais e nas cartas de franquia da Idade Média, que continham uma enumeração de direitos.

Desde a Revolução de 1789 as declarações de direitos são um dos traços do Constitucionalismo, como observa Manoel Gonçalves Ferreira Filho[1] "a opressão absolutista foi a causa próxima do surgimento das Declarações. Destas a primeira foi a do Estado da Virgínia, votada em junho de 1776, que serviu de modelo para as demais na América do Norte embora a mais conhecida e influente seja a dos "Direitos do Homem e do Cidadão", editada em 1789 pela Revolução Francesa."

Sem dúvida que a causa principal do reconhecimento de direitos naturais e intangíveis em favor do indivíduo é de ordem filosófica-religiosa.

Uma grande contribuição é tributada ao Cristianismo, com a idéia de que cada pessoa é criada à imagem e semelhança de Deus; portanto, a igualdade fundamental natural entre todos os homens.

Como se vê, decorre de ordem religiosa, dos dogmas cristãos, sendo essa inspiração religiosa influenciada pela lição de Sto. Tomás de Aquino acerca do Direito Natural.

A respeito é a lição de Canotilho[2]: "As concepções cristãs medievais, especialmente o direito natural tomista, ao distinguir entre lex divina, lex natura e lex positiva, abriram o caminho para a necessidade de submeter o direito positivo às normas jurídicas naturais, fundadas na própria natureza dos homens. Mas como era a consciência humana que possibilitava ao homem aquilatar da congruência do direito positivo com o direito divino, colocava-se sempre o problema do conhecimento das leis justas e das entidades que, para além da consciência individual, sujeita a erros, captavam a conformidade da lex positiva com a lex divina".

Do ponto de vista prático não demorou para que ocorressem conquistas em face do Poder Monárquico.

E, tal ocorreu quando os reis da Idade Média pactuaram com os seus súditos acordos mediante os quais os súditos reconheciam o poder monárquico e o rei fazia algumas concessões.

Celso Ribeiro Bastos[3] diz que "a mais célebre destas Cartas, denominada em latim Magna Carta Libertatum, foi extraída pela nobreza inglesa do Rei João Sem Terra em 1215, quando este se apresentava enfraquecido pelas derrotas militares que sofrera".

Assim, mister se faz ressaltar que no século XVII foram feitas conquistas substanciais e definitivas, contudo o surgimento das liberdades públicas tem como ponto de referência duas fontes primordiais: o pensamento iluminista da França do século XVIII e a Independência Americana.

Certamente que as liberdades públicas têm hoje uma configuração muito mais complexa do que no fim do século XVIII.

Destarte, Celso Ribeiro Bastos[4] afirma que "esse quadro inicial, contudo, sofreu forte evolução cujas causas dizem respeito à necessidade de enfrentar novas ameaças e novos desafios postos pelos séculos XIX e XX. Os direitos clássicos não desapareceram. Perderam, tão somente, o seu caráter absoluto para ganhar uma dimensão mais relativa surgida da imperiosidade de compatibilizar o direito com outros princípios constitucionais."

Por outro lado, contra esse individualismo extremo foram se reconhecendo direitos em favor dos grupos sociais, o que não se fazia nas primeiras declarações, passando-se a reconhecer, paralelamente, ao indívíduo o direito de associação, inclusive como garantia da própria liberdade individual.

As manifestações dessa nova concepção ocorreram nas primeiras constituições republicanas, como a alemão de 1919 (Weimar) e a espanhola de 1931, bem como, também na Constituição Mexicana de 1917, ainda que com menor repercussão.

Os direitos individuais, pela sua transcendência, já extrapolaram os limites de cada Estado para se tornar uma questão de interesse internacional, e a via escolhida tem sido a da proclamação de direitos de âmbito transnacional.

A Declaração Universal dos Direitos do Homem de 1948 preocupou-se, fundamentalmente, com quatro ordens de direitos individuais, conforme assevera Celso Ribeiro Bastos[5]:

"Logo no início, são proclamados os direitos pessoais do indivíduo: direito à vida, à liberdade e à segurança. Num segundo grupo encontram-se expostos os direitos do indivíduo em face das coletividades: direito à nacionalidade, direito de asilo para todo aquele perseguido (salvo os casos de crime de direito comum), direito de livre circulação e de residência, tanto no interior como no exeterior e, finalmente, direito de propriedade. Num outro grupo são tratadas as liberdades públicas e os direitos públicos: liberdade de pensamento, de consciência e religião, de opinião e de expressão, de reunião e de associação, princípio na direção dos negócios públicos. Num quatro grupo figuram os direitos econômicos e sociais: direito ao trabalho, à sindicalização, ao repouso e à educação".

O pensador italiano Norberto Bobbio[6] diz que "a Declaração Universal representa a consciência histórica que a humanidade tem dos próprios valores fundamentais na segunda metade do século XX. É um síntese do passado e uma inspiração para o futuro: mas suas tábuas não foram gravadas de uma vez para sempre".

Conforme alerta o próprio Bobbio, sem direitos do homem reconhecidos e protegidos, não há democracia; sem democracia, não existem as condições mínimas para a solução pacífica dos conflitos.

Bobbio[7] também comenta acerca da transformação e ampliação dos direitos, uma vez que, diz ele, basta examinar os escritos dos primeiros jusnaturalistas para ver quanto se ampliou a lista dos direitos; Hobbes conhecia apenas um deles, o direito à vida, e complementa: "como todos sabem, o desenvolvimento dos direitos do homem passou por três fases: num primeiro momento, afirmaram-se os direitos de liberdade, isto é, todos aqueles direitos que tendem a limitar o poder do Estado e a reservar para o indivíduo, ou para os grupos particulares, uma esfera de liberdade em relação ao Estado; num segundo momento, foram propugnados os direitos políticos, os quais – concebendo a liberdade não apenas negativamente, como não-impedimento, mas positivamente, como autonomia – tiveram como conseqüência a participação cada vez ampla, generalizada e freqüente dos membros de uma comunidade no poder político (ou liberdade no Estado); finalmente, foram proclamados os direitos sociais, que expressam o amadurecimento de novas exigências – podemos mesmo dizer, de novos valores –, como os de bem-estar e da liberdade através ou por meio do Estado."

Contudo, já se fala hoje nos direitos de quarta geração, que consiste no direito à autodeterminação, direito ao patrimônio comum da humanidade, direito a um ambiente saudável e sustentável, direito à paz e ao desenvolvimento.

Voltemos a Canotilho[8], para quem "as expressões ‘direitos do homem’ e ‘direitos fundamentais’são frequentemente utilizadas como sinônimas. Segundo a sua origem e significado poderíamos distingui-las da seguinte maneira: direitos do homem são direitos válidos para todos os povos e em todos os tempos (dimensão jusnaturalista-universalista); direitos fundamentais são os direitos do homem, jurídico-institucionalmente garantidos e limitados espaço-temporalmente. Os direitos do homem arracariam da própria natureza humana e daí o seu caráter inviolável, intemporal e universal; os direitos fundamentais seriam os direitos objetivamente vigentes numa ordem jurídica concreta"

Canotilho[9] também diz que "muitos dos direitos fundamentais são direitos de personalidade, mas nem todos os direitos fundamentais são direitos de personalidade. Os direitos de personalidade abarcam certamente os direitos de estado (por ex.: direito de cidadania), os direitos sobre a própria pessoa (direito à vida), à integridade moral e física, direito à privacidade), os direitos distintivos da personalidade (direito à identidade pessoal, direito à informática) e muitos dos direitos de liberdade (liberdade de expressão). Tradicionalmente, afastam-se dos direitos de personalidade os direitos fundamentais políticos e os direitos a prestações por não serem atinentes ao ser como pessoa".

Necessário também se faz abordarmos os direitos fundamentais formalmente constitucionais e os direitos fundamentais sem assento constitucional.

Assim, Canotilho[10] afirma que "os direitos consagrados e reconhecidos pela constituição designam-se, por vezes, direitos fundamentais formalmente constitucionais, porque eles são enunciados e protegidos por normas com valor constitucional formal (normas que têm a forma constitucional). A Constituição admite (...), porém, outros direitos fundamentais constantes das leis e das regras aplicáveis de direito internacional. Em virtude de as normas que os reconhecem e protegem não terem a forma forma constitucional, estes direitos são chamados direitos materialmente fundamentais".

Necessário também se faz lembrar que os direitos fundamentais cumprem o que Canotilho[11] chama de as funções dos direitos fundamentais, quais sejam: função de defesa ou de liberdade, função de prestação social, função de proteção perante terceiros e função de não discriminação.

No Brasil, em face na nova concepção acerca dos direitos fundamentais, anteriormente mencionada, foi também incorporada às Constituições Brasileiras, de modo que dentro do Direito Constitucional Positivo a Constituição elenca os princípios fundamentais da República Federativa do Brasil.

A primeira Constituição, diz Manoel Gonçalves Ferreira Filho[12], a adotar, em seu texto, essa inspiração foi da de 1934, no que foi seguida pelas posteriores. As anteriores – 1824 e 1891 – como era de se esperar, manifestavam em seu texto o apego à concepção individualista dos direitos fundamentais.

Por sua vez, a Declaração contida na Constituição Brasileira de 1988 é a mais abrangente de todas as anteriores e, além de consagrar os "direitos e deveres individuais e coletivos", a Declaração de 1988 abre um capítulo para definir os DIREITOS SOCIAIS.

Assim, a exemplo das anteriores, a Constituição da República Federativa do Brasil não pretende enumerar os direitos fundamentais; pois, além dos direitos explicitamente reconhecidos admite existirem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados.

Portanto, hodiernamente a Constituição reconhece e assegura DIREITOS FUNDAMENTAIS explicitamente no art. 5º: Direitos cujo objeto imediato é a liberdade: de locomoção; de pensamento; de reunião; de associação; de profissão; de ação; liberdade sindical; direito de greve; Direitos cujo objeto imediato é a segurança: dos direitos subjetivos em geral; em matéria penal (presunção de inocência); do domicílio; Direitos cujo objeto imediato é a propriedade: propriedade em geral; artística, literária e científica; hereditária.

Observamos assim que os direitos fundamentais do homem constituem uma variável ao longo da história dos últimos séculos, cujo elenco se modificou e continua se modificando, ao sabor das condições históricas, dos interesses, das classes no poder ou dos meios disponíveis para a realização dos mesmos.

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Os Direitos Fundamentais estão inseridos dentro daquilo que o Constitucionalismo denomina de princípios constitucionais fundamentais, que são os princípios que guardam os valores fundamentais da Ordem Jurídica.

Sem eles a Constituição nada mais seria do que um aglomerado de normas que somente teriam em comum o fato de estarem inseridas num mesmo texto legal; de modo que, onde não existir Constituição não haverá direitos fundamentais.

Hoje o reconhecimento e a proteção dos direitos fundamentais do homem encontram-se na base das Constituições modernas democráticas.

Assim, os direitos fundamentais são estudados enquanto direitos jurídico-positivos, uma vez que vigentes numa determinada ordem constitucional, razão pela qual os direitos fundamentais do homem são coisas desejáveis, fins que merecem ser perseguidos, contudo, apesar de toda essa desejabilidade, ainda não foram totalmente reconhecidos.

Portanto, é importante ressaltar a sua qualidade de DIREITOS FUNDAMENTAIS colocados no mais alto degrau das fontes dos direitos: as normas constitucionais.

Desse modo, os direitos fundamentais são, enquanto tais, na medida em que encontram o reconhecimento nas instituições, deles derivando conseqüências jurídicas.

Nesse sentido, o sistema dos direitos fundamentais constitucionalmente consagrado é concebido como um complexo normativo hierárquico no conjunto do sistema jurídico em geral.

Analisando-se o presente e o futuro dos direitos do homem, temos que o problema mais grave do nosso tempo com relação aos direitos do homem consiste não mais apenas em fundamentá-los, mas sim em protegê-los; de modo que, o problema não é filosófico, mas, num sentido mais amplo, político.

Afirmamos, com Bobbio, que o problema do fundamento dos direitos fundamentais teve sua solução atual na Declaração Universal dos Direitos do Homem aprovada pela Assembléia-Geral das Nações Unidas, em 10 de dezembro de 1848.

Concluindo, mister também se faz observar que hodiernamente os direitos fundamentais estão sendo deslocados da dogmática jurídico-constitucional para as chamadas teorias da justiça, para as teorias sociais e para as teorias econômicas do direito, talvez devido à propalada crise da constituição e das teorias de direitos fundamentais; razão pela qual, se faz necessário que a dogmática e a prática dos direitos fundamentais regressem ao espaço jurídico-constitucional, em face da chamada estabilidade pura preconizada pelo modelo de Constituição do Estado, onde os direitos fundamentais são reconhecidos, consagrados e garantidos pelo ESTADO.


NOTAS

1. Curso de Direito Constitucional, 25 ed., São Paulo: Saraiva, 1999, p. 281.

2. Ob. cit. p. 358.

3. Curso de Direito Constitucional, 21 ed., São Paulo: Saraiva, 2000, p. 166.

4. Ob. cit. p. 171:172.

5. Ob. cit. p. 174:175.

6. A Era dos Direitos, 10 ed., Rio de Janeiro: Campus, 1992, p. 34.

7. Ob. cit. p. 32:33.

8. Ob. cit. p. 369.

9. Ob. cit. p. 372.

10. Ob. cit. p. 379.

11. Ob. cit. p. 383:386.

12. Ob. cit. p. 285.

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Sobre o autor
Loacir Gschwendtner

advogado em São Bento do Sul (SC), coordenador do curso de Direito da Univille – Campus II, pós-graduado em Direito Comercial pela Furb - Blumenau (SC), mestrando em Ciência Jurídica pela Univali - Itajaí (SC)

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

GSCHWENDTNER, Loacir. Direitos Fundamentais. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 6, n. 51, 1 out. 2001. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/2075. Acesso em: 23 dez. 2024.

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