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Direito à Informação e Controle Social da Atividade Econômica

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01/10/2001 às 00:00

Resumo:


  • O controle social da atividade econômica é essencial para promover a transparência e eficiência na atuação do Estado.

  • A falta de informação e a desconfiança da Administração Pública dificultam o exercício do controle social sobre a intervenção estatal na economia.

  • O direito à informação constitucionalmente garantido é fundamental para viabilizar o controle social, mas na prática enfrenta obstáculos que limitam sua efetivação.

Resumo criado por JUSTICIA, o assistente de inteligência artificial do Jus.

6. Controle Social e Informação

É indiscutível que, para exercer qualquer controle sobre o governo, os cidadãos precisam ter acesso à informação. Noutras palavras, isso significa que os administrados tanto devem receber da mídia todo tipo de informação ou até mesmo buscá-la em qualquer outra fonte, como também devem os órgãos públicos disponibilizar ao cidadão as informações existentes e arquivadas em suas repartições. Indiscutível é apenas que, quanto mais bem informada a população, terá ela melhores condições de exercer controle sobre a atuação de seus administradores.

Há décadas os países europeus vêm abrigando movimentos sociais que lutam pela liberdade de acesso à informação (freedom of information). Por conseqüência dessa mobilização, inúmeras experiências de maior abertura à informação pública tomaram lugar nesses países. Na Itália, por exemplo, a legislação foi alterada para permitir maior acesso do cidadão às políticas ambientais, bem como ao controle sobre sua execução.

Na Grã-Bretanha, há anos que está em vigor a política do "governo aberto" (open government), através da qual se tem dado acesso aos cidadãos a documentos e políticas de agências governamentais, principalmente relacionadas a assuntos como saúde e meio ambiente.

No Brasil, uma experiência que merece registro é a Voz do Brasil. Em andamento desde 1994, por iniciativa do Ministério da Educação, a Voz do Brasil é um programa radiofônico diário que atinge todo o território nacional, anunciando, entre outras coisas, o repasse de verbas para as escolas nos diferentes municípios.

Em razão disso, "as prefeituras passaram a ser informadas com rapidez, acelerando a aplicação dos recursos que antes ficavam sem movimentação na agência bancária; houve significativo aumento de eficiência na aplicação dos recursos para construção e reforma de escolas; o número de denúncias encaminhadas à auditoria do FNDE cresceu de 100 por ano para 20 por dia; no FNDE, o número de pedidos de audiência de prefeitos de todo o país, com o objetivo de influenciar no processo de liberação de verbas, reduziu-se a quase zero; e desapareceram as denúncias sobre interferência de escritórios de representação(18)".

Inobstante esses exemplos de como a informação viabiliza o controle social, constituindo-se, na verdade, instrumento essencial para consecução de tal fim, faz-se mister que verifiquemos qual aparato legislativo nos dá a Constituição para assegurar o direito à informação e, por conseguinte, maior possibilidade de controle pela sociedade dos atos públicos.


7. Direito à Informação e a Constituição

Concentram-se no art. 5º da Carta Magna alguns incisos que respaldam esse direito. Corretamente elencado dentre os direitos fundamentais, o direito à informação encontra seu primeiro registro no inciso XIV do mencionado artigo, o qual estipula que "é assegurado a todos o acesso à informação e resguardado o sigilo da fonte, quando necessário ao exercício profissional".

Tal disposição encontra-se reforçada no inciso XXXIII do mesmo artigo, que estabelece que "todos têm direito a receber dos órgãos públicos informações de seu interesse particular, ou de interesse coletivo ou geral, que serão prestadas no prazo da lei, sob pena de responsabilidade, ressalvadas aquelas cujo sigilo seja imprescindível à segurança da sociedade e do Estado".

O inciso seguinte (XXXIV), por sua vez, giza que "são a todos assegurados, independentemente do pagamento de taxas: a) o direito de petição aos Poderes Públicos em defesa de direitos ou contra ilegalidade ou abuso de poder; b) a obtenção de certidões em repartições públicas, para defesa de direitos e esclarecimento de situações de interesse pessoal".

Para arrematar, temos o inciso LXXII prevendo a possibilidade de utilização do habeas data "a) para assegurar o conhecimento de informações relativas à pessoa do impetrante, constantes de registros ou bancos de dados de entidades governamentais ou de caráter público; b)para a retificação de dados, quando não se prefira fazê-lo por processo sigiloso, judicial ou administrativo".

Merecem comentário apenas algumas questões trazidas nesses incisos. Primeiramente, é válido frisar que a posição de J. Cretella Júnior segundo a qual há redundância entre os incisos XIV e XXXIII do art. 5º, sob o argumento de que estabelecem, ambos, o direito à informação, contendo, por conseguinte, a mesma idéia(19) merece ser repensada. Não se vislumbra repetição ou redundância porque enquanto o inciso XIV supratranscrito possui caráter geral, assegurando o direito à informação perante o particular ou o Estado, o inciso XXXIII enfatiza o direito a acessar informação exclusivamente perante os órgãos públicos.

Os órgãos públicos são detentores de dados e informações que tanto podem interessar ao administrado, particular ou funcionário público, quanto podem ser de interesse coletivo ou de interesse geral. Em qualquer dos três casos, há direito subjetivo público de exigir da repartição a informação de que se necessita.

Convém destacar, ainda segundo Cretella, que a expressão "interesse coletivo" é técnica e não se confunde com "interesse geral". Interesse coletivo seria o interesse de um grupo de indivíduos, não sendo considerado, automaticamente, interesse público. Para ser público via de regra seria preciso que o Estado o colocasse sob sua tutela. O interesse coletivo, assim, não é, por si mesmo, público, concorrendo, para elevá-lo a tal grau, a inclusão deste entre as finalidades estatais(20). Interesse geral, este sim, seria sinônimo de interesse público.

Outra questão é a do sigilo. A informação só é preservada, só se mantém sigilosa se houver o risco de ocasionar conseqüências para a sociedade e para o Estado, ou seja, a ressalva do sigilo torna-se uma imposição quando há perigo de qualquer tipo de dano individual ou coletivo ou ao Estado, a exemplo do que ocorreria caso determinada informação, se divulgada, pudesse causar pânico à sociedade.

No mais, consagra-se o dever administrativo de manter plena transparência. "Não pode haver em um Estado Democrático de Direito, no qual o poder reside no povo (art. 1º, parágrafo único da Constituição), ocultamento aos administrados dos assuntos que a todos interessam, e muito menos em relação aos sujeitos individualmente afetados por alguma medida"(21). Sigilo, portanto, só se admite quando imprescindível à segurança da sociedade e do Estado. No caso da intervenção do Estado sobre a atividade econômica a falta de transparência impera, como visto acima, criando-se situações de sigilo, quando, na verdade, deveria haver a difusão da informação.

No tocante ao inciso XXXIV, suas duas alíneas encontram-se igualmente atreladas ao direito à informação. A alínea "a", que trata do direito de petição, nos traz uma forma de controle da Administração Pública que serve para requerer, reclamar ou denunciar abusos. Nesse sentido, pode o administrado, sob o pálio desse direito, requerer certidões ou quaisquer esclarecimentos dos órgãos públicos.

O direito de petição é um tema importante principalmente sob a ótica do controle da Administração Pública. Porém, considerando que a proposta aqui é a de mostrar a importância da informação como mecanismo essencial ao controle social, nos restringiremos a ressaltar a relevância desse direito de peticionar como mais uma forma de obter informação dos órgãos públicos.

Já a alínea "b" do aludido inciso estampa o direito de certidão para defesa de direitos e obtenção de esclarecimentos de interesse pessoal. Certidão Pública ou certidão administrativa é o documento fornecido pela Administração ao interessado, afirmando a existência de um fato, fundamentado em busca efetuada nos arquivos da repartição. Tem fé pública e efeito probatório.

De modo algum pode a expedição de certidão depender de apreciação discricionária da repartição que a haverá de fornecer. Seria permitir à autoridade administrativa o pré-exame do direito do requerente. A negação somente pode admitir-se por falta de legitimação do requerente; por falta de ligação do conteúdo do ato certificável com o direito deduzido ou a deduzir-se em juízo ou administrativamente; ou por sigilo.

Com efeito, podemos sintetizar as idéias até aqui expostas afirmando que o direito à informação encontra-se constitucionalmente elencado dentre os direitos fundamentais, possibilitando-se a obtenção de informação perante qualquer órgão público através do direito de petição, do direito de certidão e do habeas data, além, é claro, da consulta informal, oral e direta que pode ser realizada em qualquer repartição.


8. Direito à Informação e Realidade Empírica

Inobstante as idéias abarcadas pela recente reforma administrativa - de eficiência, transparência e maior participação social no controle da coisa pública – a Administração Pública continua extremamente burocrática, fechada ao cidadão e injustificadamente sigilosa. Portanto, na prática, apesar das garantias constitucionais no tocante ao direito de informação, a realidade é outra, findando por tolher o exercício do aludido direito.

É desmesurada a desconfiança com que a Administração trata o cidadão e os empecilhos que coloca à obtenção de informação e certidões pelos administrados. Tanto é assim que, corriqueiramente, estes perdem um tempo enorme aguardando por informações solicitadas a determinado órgão Isso ocorre algumas vezes por pura desorganização da Administração, e outras por entrave proposital, motivado geralmente por questões políticas.

Outras vezes – e isso também ocorre muito freqüentemente - impetrantes em Mandados de Segurança têm que requerer ao magistrado que este solicite a informação necessária à prova do direito líquido e certo, nos termos do art. 6º da Lei 1.533/51, em virtude da resistência sofrida para obtenção da informação existente na repartição pública.

Outro assunto crítico "é relativo aos obstáculos criados à participação cidadã, pela forma e o conteúdo da informação disponível, toda vez que seu acesso parece exigir conhecimento específico".(22)

Este é, talvez, o principal causa de inviabilidade do controle social sobre a intervenção estatal na atividade econômica. Como a intervenção do Estado se opera no mercado de crédito, no âmbito tributário – através da guerra fiscal – e na esfera da dívida pública, conforme detalhadamente colocado linhas atrás, e como estes campos são por demais técnicos, fica difícil a compreensão pela sociedade do que neles se passa.

Além disso, com a falta de transparência que domina a atuação intervencionista do Estado, fica-se sem base para a obtenção de qualquer tipo de informação. A politicagem, o favorecimento, por sua vez, completam o quadro, inviabilizando o exercício do direito de informação e, em última instância, o controle da atuação estatal sobre a economia.

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9. Conclusão

A questão que se põe é que nem sempre a teoria é de fácil aplicação prática. Como toda transformação social, a adoção de uma Administração Pública moderna - absolutamente comprometida com o cidadão, amplamente eficiente e submetida a controle social – demanda tempo.

A sociedade e o próprio Estado precisam de um tempo de adaptação para se acostumar com novas idéias, novos conceitos e novas formas de se viver. É o que ocorre com a concepção de controle social.

Muito embora a participação social conceda maior legitimidade e eficiência à ação estatal - pois as decisões públicas compartilhadas com os seus destinatários são cumpridas com mais empenho e com menos resistência, ao menos em teoria – não é fácil executar este tipo de controle numa sociedade tão arraigadamente presa a controles públicos realizados pelo próprio Estado.

Principalmente no campo da intervenção do Estado na atividade econômica, o controle social encontra-se impregnado de dificuldades, pois, além de se tratar de uma idéia inovadora, o tecnicismo, o favorecimento político e a falta de transparência reinantes nesta área, inviabilizam a participação da sociedade no momento de controlar a atuação estatal na economia.

Conforme constatado em linhas pretéritas, a desinformação da sociedade e a falta de consciência acerca do direito à informação constitucionalmente garantido, contribuem sobremaneira para esvaziar qualquer possibilidade de controle social da intervenção estatal na economia.

Dessarte, se o Poder Público peca pela notória falta de transparência em sua atuação na atividade econômica – deixando ele, portanto, de prestar contas, prestar informações obrigatórias à sociedade – e esta (a sociedade), por sua vez, não se dá conta que tem o direito de ser informada pelo Poder Público, deixará ela de cobrar do Estado uma atuação séria, condizente com sua finalidade maior, que é a de assegurar o bem comum.

Ante estas considerações, só nos resta concluir:

1. que o pleno exercício do direito à informação é essencial à efetivação do controle social, especialmente do controle social sobre a intervenção do Estado na atividade econômica;

2. que já temos o aparato constitucional e legislativo para consecução de tal fim, visto que a Carta Magna prevê amplo direito à informação e a reforma administrativa nos introduziu mecanismos de maior controle social dos bens e interesses públicos;

3. que, entretanto, os conceitos teóricos ainda não foram assimilados pela sociedade e pelo Estado, inexistindo pleno exercício do direito à informação e muito menos a compreensão do que seja controle social;

4. que, na prática, a possibilidade de controle social no processo de intervenção do Estado na atividade econômica é ainda mais precária que noutras áreas, em razão da falta de informação da população e da falta de consciência de que tem direito de ser bem informada; em razão, ainda, do tecnicismo, da falta de transparência e dos favorecimentos políticos que circundam a área;

5. que, apesar disso, a reforma do Estado se apresenta importante, a fim de alterar concepções ultrapassadas e inserir mudanças que se proponham a sanar antigos problemas da máquina administrativa.

A idéia de controle social já foi lançada. No entanto, não se espera que seja assimilada imediatamente. Só o tempo e o grau de esforço conjunto dos administradores e administrados nos irá dizer se esse tipo de controle tem chance de vingar no Brasil. O certo é que, se, com o tempo, mecanismos de controle social começarem a aflorar mais e mais em nosso ordenamento, não haverá dúvidas que, paralelamente, o direito à informação ter-se-á desenvolvido no país, diante da estreita e inafastável relação dessas duas figuras.


Notas

1. Maria Sylvia Zanella Di Pietro, Parcerias na Administração Pública: concessão, permissão, franquia, terceirização e outras formas, p. 24-31. A autora distingue o Estado subsidiário do Estado mínimo. "Neste, o Estado só exercia as atividades essenciais, deixando tudo o mais para a iniciativa privada, dentro da idéia de liberdade individual que era inerente ao período do Estado Liberal; naquele, o Estado exerce as atividades essenciais, típicas do Poder Público, e também as atividades sociais e econômicas que o particular não consiga desempenhar a contento no regime da livre iniciativa e livre competição; além disso, com relação a estas últimas, o Estado deve incentivar a iniciativa privada, auxiliando-a pela atividade de fomento, já referida." P. 29.

2. Diogo de Figueiredo Moreira Neto, Mutações do Direito Administrativo, p.12.

3. Idem, Globalização, Regionalização, Reforma do Estado e da Constituição, p. 1.

4. Direito e Globalização Econômica: implicações e perspectivas, p.10-11.

5. Diogo de Figueiredo Moreira Neto. Globalização, regionalização, reforma do Estado e da Constituição, p. 2.

6. Ibidem, mesma página.

7. Dicionário de Ciências Sociais, Rio de Janeiro, Fundação Getúlio Vargas, 1986, p. 870, 1ª Coluna, apud Diogo de Figueiredo Moreira Neto, Mutações do Direito Administrativo, p. 13.

8. Evelyn Levy, Controle social e controle de resultados – um balanço dos argumentos e da experiência recente, p. 387-401.

9. Idem, p. 390.

10. Luiz Carlos Bresser Pereira e Nuria Cunill Grau, Entre o Estado e o Mercado: o público não-estatal, p. 27-28.

11. Fernando Facury Scaff, Controle Social da Atividade Econômica, p. 417.

12. Ibidem, p.419.

13. Ibidem, p.421.

14. Eurico de Andrade Azevedo, Agências Reguladoras in Revista de Direito Administrativo nº 213, p. 141.

15. Fernando Facury Scaff, op cit, p. 425.

16. Ibidem, p. 426.

17. Ibidem, p. 428.

18. Danielly Silva Ramos, Sistemas de atendimento ao cidadão: experiências brasileiras.

19. J. Cretella Júnior, Comentários à Constituição de 1988, p. 418.

20. Ibidem, p. 419.

21. Celso Antônio Bandeira de Mello, Curso de Direito Administrativo, p. 71.

22. Luiz Carlos Bresser Pereira e Nuria Cunill Grau, Entre o Estado e o Mercado: O público não estatal, p. 28.


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Sobre o autor
Sandra Pires Barbosa

advogada da Pires Advogados & Consultores, professora de Direito Administrativo da Faculdade de Direito do Recife

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

BARBOSA, Sandra Pires. Direito à Informação e Controle Social da Atividade Econômica. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 6, n. 51, 1 out. 2001. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/2078. Acesso em: 22 dez. 2024.

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